EXTRATO DA VIAGEM AO ORIENTE, DO SR. DE LAMARTINE
“Oh! Para isto, digo-lhe eu, há uma outra pergunta. Ninguém mais do que eu sofre e geme o gemido universal da Natureza, dos homens e da Sociedade. Ninguém confessa mais alto os enormes abusos sociais, políticos e religiosos. Ninguém deseja e espera mais uma reparação a esses males intoleráveis da Humanidade. Ninguém está mais convencido que esse reparador não pode ser senão divino! Se a isso chamais esperar um messias, eu o espero como vós e mais que vós suspiro por seu aparecimento próximo; como vós e mais que vós eu vejo nas crenças abaladas do homem, no tumulto de suas ideias, no vazio de seu coração, na depravação de seu estado social, nos repetidos abalos de suas instituições políticas, todos os sintomas de uma desordem e, por conseguinte, de uma renovação próxima e iminente. Creio que Deus sempre se mostra no momento preciso em que tudo quanto é humano é insuficiente, em que o homem confessa nada poder por si mesmo. O mundo está nisto. Creio, pois, num messias; não vejo o Cristo, que nada mais nos tem a dar em sabedoria, virtude e verdade; vejo aquele que o Cristo anunciou que viria após ele: este Espírito Santo sempre atuante, sempre assistindo ao homem, sempre lhe revelando, conforme os tempos e as necessidades, o que deve saber e fazer. Que este Espírito divino se encarne num homem ou numa doutrina, num fato ou numa ideia, pouco importa: é sempre ele, homem ou doutrina, fato ou ideia. Creio nele, espero nele e o aguardo, e mais que vós, senhora, eu o invoco! Vedes, pois, que nos podemos entender e que nossas estrelas não são tão divergentes quanto esta conversa pôde vos fazer pensar.” (1º vol., pág. 176).
“A imaginação do homem é mais verdadeira do que se pensa. Ela nem sempre constrói com os sonhos, mas procede por assimilações instintivas de coisas e imagens que lhe dão resultados mais seguros e mais evidentes que a Ciência e a Lógica. Exceto os vales do Líbano, as ruínas de Balbek, as barrancas do Bósforo, em Constantinopla, e o primeiro aspecto de Damasco, do alto do Anti-Líbano, jamais encontrei um lugar, uma coisa cuja primeira vista não fosse para mim como uma lembrança!
“Já vivemos duas vezes ou mil vezes? Nossa memória não será um vidro embaciado, que o sopro de Deus limpa? Ou temos em nossa imaginação a força de pressentir e ver, antes que vejamos realmente? Questões insolúveis!” (1º vol., pág. 327).
OBSERVAÇÃO: Em nosso artigo precedente, sobre os precursores do Espiritismo, dissemos que se acham em muitos autores elementos esparsos desta doutrina. Os fragmentos acima são muito claros, para que seja necessário lhes fazer ressaltar o propósito.
Pelo fato de que homens como o Sr. Lamartine e outros emitam ideias espíritas em seus escritos, segue-se que francamente adotem o Espiritismo? Não. Na maior parte não o estudaram, ou se o fizeram não ousam ligar o próprio nome conhecido a uma nova bandeira. Aliás, sua convicção é apenas parcial, e para eles a ideia é apenas um relâmpago que parte de uma vaga intuição não formulada, não amadurecida em seu espírito; eles podem, pois, recuar ante um conjunto do qual certas partes podem ofuscá-los, até mesmo apavorá-los. Para nós não representa menos o indício do pressentimento da ideia geral que germina parcialmente nos cérebros de escol, o que basta para provar a certos adversários que essas ideias não são tão desprovidas de senso quanto pretendem, desde que partilhadas pelos mesmos homens cuja superioridade reconhecem. Reunindo e coordenando as ideias parciais de cada um, chegar-se-ia certamente a constituir a Doutrina Espírita completa, conforme os homens mais eminentes e mais acreditados.
Agradecemos ao nosso assinante de Joinville, que teve a gentileza de nos enviar as duas passagens precitadas, e seremos sempre muito reconhecidos às pessoas que tiverem a bondade de, como ele, comunicar-nos o fruto de suas leituras.
NOTA: Aproveitamos a ocasião para agradecer à pessoa que nos remeteu uma brochura intitulada Dissertação sobre o dilúvio. Como a remessa veio sem uma carta, não podemos agradecer diretamente. Uma olhada na brochura nos convenceu que o sistema muito original do autor está em contradição com os dados mais vulgares e mais positivos da ciência geológica que, digam o que disserem, têm o seu valor.
Assim, seria fácil refutar sua teoria por observações ao menos tão rigorosas quanto as suas.