Instruções práticas sobre as manifestações espíritas
Contendo
A exposição completa das condições necessárias para se comunicar com os Espíritos e os meios de desenvolver nos médiuns a faculdade mediatriz.
Por
Allan Kardec
As respostas que demos àquelas pessoas não podiam abarcar um desenvolvimento incompatível com os limites de uma correspondência epistolar. Por outro lado não havia tempo material para responder a todos os pedidos. Assim, determinamo-nos a publicar estas instruções, necessariamente mais completas do que tudo quanto pudéssemos escrever diretamente.
Entretanto equivocar-se-ia quem pretendesse encontrar nesta obra uma receita universal e infalível para a formação de médiuns. Posto cada um encerre em si o germe das qualidades necessárias para o ser, essas mesmas qualidades existem em graus muito diversos e seu desenvolvimento é função de causas cujo nascimento independe da pessoa. As regras da poesia, da pintura e da música não transformam em poetas, pintores ou músicos aqueles que não tenham o gênio. Elas apenas orientam no emprego das faculdades naturais.
Dá-se o mesmo no nosso trabalho.
Seu objetivo é indicar os meios de desenvolver a faculdade mediatriz, tanto quanto o permitam as disposições de cada um e, sobretudo, dirigir o seu emprego de maneira útil,
desde que exista a faculdade.
Mas não é este o objetivo único a que nos propomos. Ao lado dos médiuns, propriamente ditos, há uma multidão, aumentada diariamente, de pessoas que se ocupam de manifestações espíritas. Guiá-las em suas observações; assinalar os escolhos que, necessariamente, podem e devem encontrar em assunto tão novo; iniciá-las na maneira de tratar com os Espíritos; indicar-lhes os meios para obter boas comunicações - tal é o círculo que devemos abarcar, sob pena de fazermos obra incompleta. Assim, não será para surpreender o encontro, em nosso trabalho, de ensinamentos que, à primeira vista, poderiam parecer estranhos. A experiência mostrará a sua utilidade. Depois de o haver estudado cuidadosamente, compreender-se-ão melhor os fatos que se houverem testemunhado; a linguagem de certos Espíritos parecerá menos estranha.
Como instrução prática, este trabalho não se dirige exclusivamente aos médiuns, mas a todos quantos pretendam ver e observar os fenômenos espíritas.
A ciência espírita repousa, necessariamente, sobre a existência dos Espíritos e sua intervenção no mundo corpóreo. É hoje um fato consumado para tanta gente que a sua demonstração se torna supérflua. Como o nosso objetivo é orientar as pessoas desejosas de ocupar-se com as manifestações, imaginamo-las suficientemente edificadas sobre esse ponto, bem como sobre as verdades fundamentais dele decorrentes. Inútil, pois, entrar em explicações a seu respeito. Por isso não os discutiremos nem procuraremos estabelecer controvérsias ou refutar objeções. Dirigimo-nos apenas às pessoas convictas ou predispostas, de boa fé ou que tal pretendem. Aqueles que tudo devem ainda aprender aqui não encontrarão certas demonstrações que desejariam encontrar, de vez que consideramos o ponto de partida incontrovertido. Aos que contestam este ponto, diremos: Vejam e observem, quando se apresentarem as oportunidades. Se, a despeito dos fatos e dos raciocínios, vocês ainda persistirem na incredulidade, consideraríamos perdido o tempo que aplicássemos em tirar vocês de um erro no qual vocês s comprazem certamente. Respeitamos a opinião de vocês. Então respeitem a nossa. É tudo quanto pedimos.
Iniciaremos estas instruções expondo os princípios gerais da doutrina. Conquanto possa parecer mais racional começar pela prática, parece-nos que aqui não é o caso: há uma convicção moral que só o raciocínio poderá dar. Aqueles, pois, que tiverem adquirido as primeiras noções pelo estudo da teoria compreenderão melhor a necessidade de certos preceitos recomendados na prática e assumirão disposições mais favoráveis. Trazendo os indecisos ao terreno da realidade, esperamos destruir os preconceitos que possam prejudicar o resultado que se tem em mira, poupar ensaios inúteis, porque mal dirigidos ou dirigidos para o impossível enfim, combater as ideias supersticiosas que sempre
se originam nas noções falsas, ou incompletas, das coisas.
As manifestações espíritas são a fonte de uma porção de ideias novas, que não encontram representação na linguagem comum: foram expressas por analogia, como acontece na infância de todas as ciências. Daí a ambiguidade de vocábulos, inesgotável fonte de discussões. Com vocábulos claramente definidos e um nome para cada coisa, compreendemo-nos mais facilmente. Então a discussão versará sobre o fundo e não sobre a forma. Visando alcançar tal objetivo e fazer ordem nas ideias novas e ainda confusas, damos inicialmente uma lista dos nomes que, direta ou indiretamente, se ligam à doutrina, com explicações completas, mas sucintas, para fixar as idéias.
Como todas as ciências, deve o Espiritismo ter o seu vocabulário. Para se compreender uma ciência é preciso, de saída, compreender a língua: eis a primeira coisa que recomendamos aos que querem fazer do Espiritismo um estudo sério. Seja qual for a sua ulterior opinião pessoal sobre os vários pontos da doutrina, poderão discuti-los com conhecimento de causa. A forma alfabética permitirá, além disso, recorrer mais facilmente às definições e aos ensinamentos que são como que chaves da abóbada do edifício e que servirão para refutar, em poucas palavras, certas críticas e evitar uma porção de
questões.
A especialidade do objetivo que nos propomos indica naturais limites a esta obra. Tocando em todos os pontos da metafísica, da moral e, até, pode dizer-se, na maioria dos conhecimentos humanos, a ciência espírita não se acha num quadro tão limitado que nos permitisse abordar todas as questões e discutir todas as objeções. Para desenvolvimentos complementares, pois, remetemos o leitor a O LIVRO DOS ESPÍRITOS e à REVISTA ESPÍRITA. No primeiro encontra-se uma exposição completa e metódica da doutrina, tal qual foi ditada pelos próprios Espíritos; na segunda, além do relato e da apresentação dos fatos, uma variedade de assuntos que só uma publicação periódica pode comportar. A coleção dessa revista formará um repertório completíssimo sobre a matéria, do tríplice ponto de vista histórico, dogmático e critico.
Vocabulário espírita
Esta diversidade de acepções dadas a um mesmo vocábulo é uma perpétua fonte de controvérsias, que não teria lugar se cada idéia tivesse sua representação bem definida. Para evitar qualquer engano quanto ao sentido que emprestamos a êsse vocábulo, chamaremos:
alma espírita ou, simplesmente, alma, o ser imaterial, distinto e individual, unido ao corpo, que lhe serve de envoltório temporário; isto é, o Espírito, no estado de encarnação, e que pertence apenas à espécie humana;
principio vital, o princípio geral da vida material, comum a todos os seres orgânicos - homens, animais e plantas; e alma vital, o princípio vital individualizado num ser qualquer;
principio intelectual, o princípio geral da inteligência comum aos homens e aos animais; e alma intelectual este mesmo princípio individualizado.
ALUCINAÇÃO — do lat. allucinare, errar. “Erro, ilusão da pessoa que julga ter percepções que realmente não tem". (Academia francesa.) – Os fenômenos espíritas provenientes da emancipação da alma provam que aquilo que é qualificado como alucinação frequentemente é uma percepção real, análoga à dupla vista do sonambulismo ou do êxtase, e provocada por um estado anormal, um efeito das faculdades da alma desprendida de seus laços corpóreos. Sem dúvida por vezes há uma verdadeira alucinação, conforme o sentido ligado ao vocábulo; mas a ignorância e a pouca atenção que, até agora, tem sido prestada a tais fenômenos fizeram que considerassem como ilusório aquilo que, muitas e muitas vezes, é uma visão real. Quando não se sabe como explicar um fato psicológico, acha-se mais simples qualificá-la de alucinação.
Segundo a doutrina espírita, os anjos não são seres à parte, de uma natureza especial: são Espíritos de primeira ordem, isto é, aqueles que chegaram ao estado de puros Espíritos, depois de terem passado por todas as provas.
Nosso mundo não existe de toda a eternidade, e muito antes que fosse formado, alguns Espíritos haviam atingido aquele grau supremo. Então, os homens pensaram que aqueles sempre tinham sido assim.
[1] Em grego o g tem som duro; pronuncia-se como o grupo italiano gh ou como em português quando seguido de a o ou u. No grupo gg, o primeiro nasala a vogal precedente. No exemplo acima pronuncia-se angelos (com o g duro). N. do T.
aparição etérea ou vaporosa – a que é impalpável e insustentável, pois não oferece resistência ao tato;
aparição tangível ou estereolítica – a que é palpável e apresenta a consistência dos corpos sólidos.
A aparição difere da visão pelo fato de ocorrer em estado de vigília, afetando os órgãos visuais, quando o homem tem plena consciência de suas relações com o mundo exterior. A visão se dá no estado de sono ou de êxtase; também ocorre em vigília, por efeito da segunda vista. A aparição nos chega pelos olhos do corpo; produz-se no próprio lugar onde nos encontramos. A visão tem por objeto coisas ausentes ou afastadas, percebidas pela alma no estado de emancipação e quando as faculdades sensitivas se acham mais ou menos suspensas. (Vide Lucidez e Clarividência).
O ateísmo absoluto tem poucos prosélitos, porque o sentimento da divindade existe no coração do homem, mesmo na ausência de qualquer ensinamento. O ateísmo e o espiritismo são incompatíveis.
BATEDOR – (Vide Espírito).
CÉU – no sentido de morada dos bem-aventurados. (Vide Paraíso).
CLARIVIDÊNCIA – propriedade inerente à alma e que dá a certas pessoas a faculdade de ver sem o concurso dos órgãos da visão. (Vicie Lucidez).
CLASSIFICAÇÃO DOS ESPÍRITOS – (Vide Escala espírita).
Comunicações frívolas, as que se relacionam com assuntos fúteis e sem importância;
Comunicações grosseiras, as que se traduzem por expressões que ferem o decoro;
Comunicações instrutivas, as que têm por objetivo principal um ensinamento dado pelos Espíritos sobre as ciências, a moral, a filosofia, etc.;
Comunicações sérias, as que excluem a frivolidade, seja qual for o objetivo.
(Vide para os modos de comunicações, Sematologia, Tiptologia, Psicografia, Pneumatografia, Psicofonia, Pneumatofonia, Telegrafia humana).
DEÍSTA – aquele que crê em Deus sem admitir culto externo. Erroneamente por vezes confundem deísmo com ateísmo. (Vide Ateu).
DEMÔNIO FAMILIAR[1] – (Vide Espírito familiar).
[1] Na linguagem popular do Brasil é freqüente ouvir-se a voz famalial, com o significado acima. N. do T.
Tratado sobre a natureza e a influência dos demônios.
DEMONOMANCIA – (do gr. daimon e maneia, adivinhação). Suposto conhecimento do futuro pela inspiração dos demônios.
DEMONOMANIA – variedade de alienação mental que consiste em supor-se possuído do demônio.
DRÍADA – (Vide Hamadríada).
DUENDE – (Vide Trasgo).
Os próprios Espíritos nos ensinam que pertencem a diferentes categorias, conforme seu grau de depuração, mas também nos dizem que essas categorias não constituem espécies distintas e que os Espíritos são chamados a percorrê-las sucessivamente. (Vide os desenvolvimentos relativos ao caráter de cada classe de Espíritos no capítulo especial).
[1] Trata-se de Cláudio Ptolomeu, astrônomo e geógrafo grego do segundo século de nossa era, provavelmente nascido no Alto Egito e morto em Canopus, perto de Alexandria. Suas principais obras são a Composição Matemática, ou Almagesto, tratado de trigonometria retilínea e esférica com o cálculo dos movimentos planetários. Contém ainda a exposição do sistema do mundo; a célebre Geografia, onde se encontram muitos mapas que orientaram as grandes descobertas; um tratado de Astrologia, chamado Tetrabiblion e as Harmônicas, onde se acha a teoria matemática dos sons empregados na música grega. Inventou vários instrumentos de astronomia.
O outro, Tycho-Brahe, foi o célebre astrônomo dinamarquês (1546-1601), protegido pelo rei Frederico II, que lhe deu uma ilha, na qual ele construiu um observatório, um feudo na Noruega e uma pensão. Por sua independência religiosa Rodolfo II, sucessor daquele rei, cortou-lhe a pensão. Foi mestre de Képler, deixou um catálogo de cerca de 800 estrelas e outros trabalhos importantes. Graças a tudo isto Képler pôde anunciar as célebres leis sobre o movimento dos planetas. N. do T.
Relativo ao Espiritismo.
ESPIRITISMO – doutrina fundada sobre a crença na existência dos Espíritos e em sua comunicação com os homens.
ESPIRITISTA – aquele que adota a doutrina espírita.
A natureza íntima dos Espíritos nos é desconhecida; eles próprios não a podem definir, por ignorância ou por deficiência de nossa linguagem. A esse respeito estamos como os cegos de nascença em relação à luz. Conforme ao que nos dizem, o Espírito não é material, no sentido vulgar do vocábulo; também não é imaterial, no sentido absoluto, pois que é alguma coisa e a imaterialidade absoluta seria o nada. O Espírito é, pois, formado de uma substância, da qual não nos pode dar uma idéia a matéria grosseira que afeta os nossos sentidos. Pode ser comparado a uma chama ou centelha, cujo brilho varia conforme seu grau de depuração. Pode afetar todas as formas, por meio do perispírito que o envolve. (Vide Perispírito).
ESPÍRITO BATEDOR – aquele que manifesta sua presença por meio de batidas. Pertencem eles às classes inferiores.
ESPÍRITO ELEMENTAR – Espírito considerado em si mesmo, abstração feita de seu perispírito ou envoltório semimaterial.
[1] Não encontro o registro dessa voz nos léxicos portugueses bem como no grande Larousse. Penso tratar-se de um neologismo necessário, criado por Allan Kardec, para preencher uma falta - a de dar um nome a um fato ainda não batizado. A expressão aparição esterotita, entretanto, não é, a nosso ver, perfeito sinônimo de agênere (outro neologismo criado por Allan Kardec), porque, posto ambas sejam temporárias, aquela tem curtíssima duração, quase instantaneidade, enquanto o agênere é de duração menos efêmera. N. do T.
EVOCAÇÃO – (Vide Invocação).
Por vezes o êxtase é natural e espontâneo. Também pode ser provocado pela ação magnética e, neste caso, é um grau superior do sonambulismo.
Segundo a doutrina espírita, escolhendo sua nova existência, pratica o Espírito um ato de liberdade. Os acontecimentos da vida são a consequência da escolha e estão em relação com a posição social da existência. Se o Espírito deve renascer em condição servil, o meio no qual se achar criará os acontecimentos muito diversos dos que se lhe apresentariam se tivesse de ser rico e poderoso. Mas, seja qual for essa condição, conserva ele o livre-arbítrio em todos os atos de sua vontade, e não será fatalmente arrastado a fazer isto ou aquilo, nem a sofrer este ou aquele acidente. Pelo gênero de luta escolhido, tem ele possibilidade de ser levado a certos atos ou encontrar certos obstáculos, mas não está dito que isto devesse acontecer infalivelmente, ou que não o possa evitar por sua prudência e por sua vontade. É para isso que Deus lhe dá a capacidade de raciocínio. Dáse o mesmo que se fosse um homem que, para chegar a um objetivo, tivesse três caminhos à escolha: pela montanha, pela planície ou pelo mar. No primeiro, a possibilidade de encontrar pedras e precipícios; na segunda pântanos; na terceira, tempestades. Mas não está dito que será esmagado por uma pedra, que se atolará no brejo ou que naufragará aqui e não ali. A própria escolha do caminho não é fatal, no sentido absoluto do vocábulo: por instinto o homem tomará aquele no qual deverá encontrar a prova escolhida. Se tiver que lutar contra as ondas, seu instinto não o levará a tomar o caminho das montanhas.
Conforme o gênero de provas escolhido pelo Espírito, acha-se o homem exposto a certas vicissitudes. Em consequência dessas mesmas vicissitudes, é ele submetido a arrastamentos aos quais deve subtrair-se. Aquele que comete um crime não é fatalmente levado a cometê-lo: escolheu um caminho de luta que a isso pode excitá-lo; se ceder à tentação, é pela fraqueza de sua vontade. Assim, o livre-arbítrio existe para o Espírito no estado errante, na escolha que faz das provas a que deve submeter-se, e existe na condição de encarnado nos atos da vida corpórea. Só o instante da morte é fatal: porque o gênero de morte é ainda uma consequência da natureza das provas escolhidas.
[1] A voz em francês é sorcier. Em português feiticeiro vem de feitiço (de fétiche). De notar-se, porém, que o Larousse, registrando a forma fétiche, diz, conforme nossa tradução literal: "do português feitiço, objeto fadado, malefício; do latim factitius, proveniente de uma fabricação, não natural". E mais adiante: "Na África, cerimônia religiosa para tornar favorável um empreendimento ou uma viagem: Fazer um grande FEITIÇO". - "Objeto ao qual as pessoas supersticiosas e, principalmente os jogadores, atribuem influência feliz". Estamos com o Larousse. N. do T.
GÊNIO FAMILIAR – (Vide Espírito familiar).
GNOMO – do gr. gnomon, conhecedor, hábil, de gnoskein, conhecer. Gênios inteligentes que se supunha habitassem o interior da Terra. Pelas qualidades que se lhes atribuem, pertencem à ordem dos Espíritos imperfeitos e à classe dos Espíritos levianos.
A crença relativa à posição subterrânea dos Espíritos sobreviveu ao paganismo. Segundo a Igreja Católica, Jesus desceu aos Infernos onde as almas dos justos esperavam a sua vinda nos Limbos. As almas dos maus serão precipitadas nos Infernos. A significação deste vocábulo está hoje restrita à morada dos condenados; mas o progresso das ciências geológicas e astronômicas tendo esclarecido sobre a estrutura do globo terrestre e sua verdadeira posição no espaço, o Inferno foi exilado de seu seio e hoje nenhum lugar determinado lhe é assinado.
No estado de ignorância, o homem é incapaz de captar as abstrações e abarcar as generalidades; nada concebe que não seja localizado e circunscrito; materializa as coisas imateriais; rebaixa até a majestade divina. Mas, à medida que o progresso da ciência positiva vem esclarecê-lo, reconheceu seu próprio erro: suas ideias, de mesquinhas e acanhadas que eram, crescem e o horizonte do infinito se desenrola aos seus olhos. É assim que, segundo a doutrina espírita, as penas de além-túmulo não podem ser senão morais e são inerentes à natureza impura e imperfeita dos Espíritos inferiores; não há inferno localizado no sentido vulgar ligado ao termo: cada um o tem em si, pelos sofrimentos que suporta e que não são menos cruciantes pelo fato de não serem físicos. O Inferno está em toda parte onde há Espíritos imperfeitos. (Vide Paraíso, Fogo Eterno, Penas Eternas).
INTUIÇÃO – (Vide Instinto, Idéias inatas).
Como se vê, a arte das evocações remonta à mais alta antiguidade. Encontramo-la em todas as épocas e em todos os povos. Outrora a evocação era acompanhada de práticas místicas, seja porque as considerassem necessárias, seja porque visassem exibir o prestígio de um poder superior. Sabe-se hoje que o poder de evocar não é um privilégio: pertence a todos; e todas as cerimônias mágicas e cabalísticas não passam de vão aparato.
Segundo os Antigos, todas as almas evocadas eram errantes ou vinham dos Infernos, que compreendiam, como se sabe, os Campos Elísios e o Tártaro. À expressão não se ligava nenhum sentido pejorativo. Na linguagem moderna o significado de inferno tornouse restrito, como morada dos condenados. Daí se seguiu a idéia que fazem certas pessoas, de que a evocação esteja ligada aos maus Espíritos ou demônios. Esta crença, porém, cai, à medida que adquirimos um conhecimento mais aprofundado dos fatos. Assim, é menos espalhada entre os que acreditam na realidade das manifestações espíritas: não poderia, realmente, prevalecer ante a experiência e um raciocínio isento de preconceitos.
LARES – (Vide Manes, Penates).
O vocábulo clarividência é mais geral. Lucidez se diz mais particularmente da clarividência sonambúlica. Um sonâmbulo é mais ou menos lúcido, conforme seja mais ou menos completa a emancipação da alma.
O magnetismo animal pode assim ser definido: ação recíproca de dois seres vivos por meio de um agente especial chamado fluído magnético.
Aparentes, quando o Espírito é visto. (Vide Aparições).
Espontâneas, quando são independentes da vontade e se dão sem que nenhum Espírito tenha sido chamado.
Físicas, quando se traduzem por fenômenos materiais, tais corno ruídos, movimentos, deslocamento de objetos.
Inteligentes, quando revelam um pensamento. (Vide Comunicação).
Ocultas, quando nada têm de ostensivo e quanto o Espírito se limita a agir sobre a mente.
Patentes, quando se tornam apreciáveis pelos sentidos.
Provocadas, quando são efeito da vontade, do desejo ou de uma evocação determinada.
Médiuns de influência física, os que têm o poder de provocar manifestações ostensivas. Compreendem as seguintes variedades:
médiuns motores, que provocam movimento e deslocamento de objetos;médiuns tiptólogos, os que provocam ruídos e golpes vibrados;médiuns de aparição, os que provocam aparições. (Vide Aparição).
Entre os médiuns de influência física distinguem-se: os médiuns facultativos, isto é, que têm o poder de provocar os fenômenos por um ato da vontade, e os médiuns naturais, os que produzem espontaneamente e sem qualquer participação da vontade.
Médiuns de influência moral, os que são mais especialmente aptos a receber e transmitir as comunicações inteligentes. Conforme sua aptidão especial, distinguem-se em:
médiuns de pressentimentos, pessoas que, em certas circunstâncias, têm uma vaga intuição das coisas futuras;
médiuns desenhistas, os que desenham sob a influência dos Espíritos;
médiuns escreventes ou psicógrafos, os que têm a faculdade de escrever sob a influência dos Espíritos. (Vide Psicografia);
médiuns excitadores, os que têm o poder de desenvolver nos outros, pela sua vontade, a faculdade de escrever, sejam ou não médiuns escreventes[1];
médiuns falantes ou parlantes, os que transmitem pela palavra falada o que os psi-cógrafos transmitem pela escrita;
médiuns inspirados, as pessoas que, em estado normal ou em êxtase, recebem pelo pensamento comunicações ocultas, estranhas às suas ideias;
médiuns musicistas, os que escrevem música ou a executam sob a influência dos Espíritos;
médiuns pneumatógrafos, os que têm a faculdade de obter a escrita direta dos Espíritos. (Vide Pneumatografia);
médiuns sensitivos ou impressíveis, são as pessoas suscetíveis de sentir a presença dos Espíritos por uma vaga impressão de que não se podem dar conta. Essa variedade não tem um caráter bem definido. Todos os médiuns são necessariamente impressíveis. A impressionabilidade é, assim, antes uma qualidade geral que especial. É: a faculdade rudimentar indispensável ao desenvolvimento de todas as outras. Difere da impressionabilidade puramente física e nervosa, com a qual não deve ser confundida;
médiuns videntes, são as pessoas que têm a faculdade da segunda vista, ou de veros Espíritos.(Vide Vista).
Observação – Algumas pessoas dizem no plural, os media, como se diz errata. Não vemos vantagem em multiplicar desnecessariamente as exceções, já tão numerosas, de nossa língua. Todos os gramáticos estão hoje de acordo em dar à maioria dos nomes estrangeiros passados para o uso da língua o sinal francês do plural. Várias palavras de terminação latina aliás estão neste caso: diz-se os "museums, factums, pensums, mémorandums", etc. Por que não dizer "médiuns"? Dizer os "media" seria uma afetação pedante7.
[1] A expressão em francês é médiums communicateurs, cuja tradução exata seria médiuns comunicantes. Preferimos chamá-los médiuns excitadores, porque a sua função é a de um motor de partida, que faz desabrochar o poder mediúnico latente no outro médium e, muitas vezes, excitar a capacidade vibratória do médium, do Espírito que deseja comunicar-se, ou de ambos, produzindo a manifestação que, diga-se de passagem, não é somente o de escrever, mas a de incorporação. N. do T. 7
Seguindo o mesmo critério em português, escreve-se o médium (homem ou mulher), porque o vocábulo é epiceno, como a cobra, a onça, o tigre (macho ou fêmea); e, no plural os médiuns– e não médiums, que é a forma francesa. É erro dizer a médium e erro maior a média, ou d. Fulana é boa média. N. do T.
MUNDO CORPÓREO – Conjunto dos seres inteligentes que têm um corpo material.
[1] Todos os vocábulos compostos com a raiz grega manteia como segundo elemento são paroxítonos e não proparoxítonos. Assim, deve pronunciar-se necromancia, quiromancia, cartomancia, com a tônica cí e não necromância, quiromancia e cartomancia, com a tônica mân. N do T.
A doutrina ensinada pelos Espíritos superiores está de acordo com a ciência. Nada contém que fira a razão e esteja em contradição com os conhecimentos exatos. Mostranos a morada dos Bons, não num lugar fechado, ou numa dessas hipotéticas esferas com que a ignorância havia cercado o nosso globo, mas por toda parte onde haja bons Espíritos, no espaço para os que se acham errantes, nos mundos mais perfeitos para os que estão encarnados. Aí é, o Paraíso Terrestre, aí estão os Campos Elísios, cuja ideia primeira vem do conhecimento intuitivo que tinha sido dado ao homem desse estado de coisas, e que a ignorância e os preconceitos reduziram a proporções mesquinhas. Ela nos mostra os maus recebendo o castigo de suas faltas em sua própria imperfeição, nos seus sofrimentos morais, na presença inevitável de suas vítimas, castigos mais terríveis que as torturas físicas incompatíveis com a doutrina da imortalidade da alma. Ela no-los mostra expiando os seus erros pelas tribulações de novas existências corpóreas, realizadas em mundos imperfeitos e não num lugar de eternos suplícios, de onde para sempre foi banida a esperança. Aí é o Inferno. Quantos homens nos disseram: "Se nos tivessem ensinado isto desde a infância, jamais teríamos duvidado!”
Ensina-nos a experiência que os Espíritos não suficientemente desmaterializados ainda se acham sob o império das ideias e preconceitos da existência corpórea. Aqueles que, em suas comunicações, empregam uma linguagem conforme às ideias cujo erro material está demonstrado, provam por isso mesmo sua ignorância e sua inferioridade.
Os lares e os penates, cujo culto pode dizer-se que era universal, posto que sob nomes diferentes, não eram senão os Espíritos familiares cuja existência hoje nos é revelada. Mas os Antigos os transformavam em deuses, aos quais a superstição elevava altares, ao passo que nós os consideramos apenas como Espíritos que animaram corpos de homens como nós, por vezes nossos parentes e amigos e que se ligam a nós por simpatia. (Vide Politeísmo).
Posto que de natureza etérea, a substância do perispírito é susceptível de certas modificações que a tornam perceptível aos nossos olhos. É o que se dá nas aparições. Pode até, por sua união com o fluido de certas pessoas, tornar-se temporariamente tangível, isto é, oferecer ao tato a resistência de um corpo sólido, como se tem visto nas aparições estereotitas ou palpáveis.
A natureza íntima do perispírito é ainda desconhecida. Poderia, porém, supor-se que a matéria dos corpos é composta de uma parte sólida e grosseira e de uma parte sutil etérea; que somente a primeira sofra a decomposição produzida pela morte, ao passo que a segunda persista e acompanhe o Espírito. Assim, o Espírito teria um duplo envoltório; a morte apenas o despojaria do mais grosseiro; o segundo, que constitui o perispírito, conservaria a marca e a forma do primeiro, do qual é uma espécie de sombra. Mas sua natureza essencialmente vaporosa permitiria que o Espírito lhe modificasse a forma à vontade, e a tornasse visível ou invisível, palpável ou impalpável.
O perispírito é para o Espírito aquilo que o perisperma é para o germe do fruto. Despojada de seu invólucro lenhoso, a amêndoa encerra o germe no envoltório delicado do perisperma.
PNEUMATOGRAFIA – do gr. pneuma e grapho, eu escrevo. Escrita direta dos Espíritos, sem o concurso da mão do médium. (Vide Psicografia).
A superstição vulgar atribui à possessão do demônio certas doenças que não têm outra causa senão uma alteração dos órgãos. Tal crença era muito espalhada entre os judeus. Para eles curar essas doenças era expulsar os demônios. Seja qual for a causa da doença, desde que se dê a cura isto nada tira do poder daquele que a opera. Jesus e seus discípulos podiam, pois, expulsar os demônios, para se servirem da linguagem comum. Se tivessem falado de outro modo não teriam sido compreendidos e talvez nem mesmo acreditados. Uma coisa pode ser verdadeira ou falsa, conforme o sentido ligado às palavras. As maiores verdades podem parecer absurdas quando não se considera senão a forma.
PSlCOFONIA – do gr. psuké, alma e phone, som ou voz. Transmissão do pensamento dos Espíritos pela voz do médium falante.
Psicografia imediata ou direta, é quando o próprio médium escreve, tomando do lápis como para escrever normalmente.
Psicografia mediata ou indireta, é quando o lápis é adaptado a um objeto qualquer, que serve, de certo modo, como um apêndice da mão, tal como uma cesta, uma prancheta, etc.
Admite a Igreja a eficácia das preces pelas almas do purgatório; dizem-nos os Espíritos que pela prece chamamos os bons Espíritos e que então dão aos fracos a força moral que lhes falta para suportar as provas. Os Espíritos sofredores podem, pois, pedir preces, sem que haja nisto, contradição com a doutrina espírita. Ora, de acordo com o que sabemos dos vários graus dos Espíritos, compreendemos que eles possam pedi-las segundo a forma que lhes era familiar quando em vida. (Vide Prece).
A Igreja admite apenas uma existência corpórea, depois da qual a sorte do homem estará irrevogavelmente selada para a eternidade. Dizem-nos os Espíritos que uma única existência, por vezes abreviada pelos acidentes, não passa de um ponto na eternidade, não basta à alma para se purificar e que, em sua justiça, Deus não condena sem remissão aquele de quem não dependeu ser suficientemente esclarecido sobre o bem a fim de o praticar. Sua doutrina deixa à alma a faculdade de realizar numa série de existências aquilo que não pode fazer numa única. Nisto se acha a principal diferença. Mas se prescrutássemos cuidadosamente todos os princípios dogmáticos e se puséssemos de lado aquilo que deve ser tomado em sentido figurado, sem dúvida desapareceriam muitas das contradições aparentes.
REENCARNAÇÃO – Volta do Espírito à vida corporal.
SERAFIM – (Vide Anjos).
A crença nos silfos evidentemente se originou nas manifestações espíritas. São Espíritos de ordem inferior, levianos mas benévolos.
9Paracelso. Trata-se de Philippus-Aureolus-Theofrastus Bombast von Hohenheim, cognominado Paracelso, criador da medicina hermética, nascido perto de Zurich, em 1493 e morto em Salzburg em 1541. Foi professor na Universidade de Bâle, de cuja cátedra atacou as idéias de Galiano, de Avicena e de Rhazes. Foi alquimista, criou a doutrina dos específicos e da terapêutica química.
Deixou a cátedra para correr o mundo, pregando suas teorias.
Não encontro referências o Gabalis que me parece ter sido um alquimista.
Também não encontro nenhuma referência que me leve o identificar esse escritor A. Martin, quer pela direção dos escritos dos vários Martin, cujo prenome tem a inicial A, quer pela época em que viveram. N. do T.
O esquecimento absoluto no momento de despertar é um dos sinais característicos do verdadeiro sonambulismo, porque a independência da alma e do corpo é mais completa do que no sonho.
Sonambulismo magnético ou artificial é aquele que é provocado pela ação que uma pessoa exerce sobre outra, por meio do fluido magnético que derrama sobre esta.
Sonambulismo natural, o que é espontâneo e se produz sem provocação e sem a influência de um agente exterior.
Apoiam-se os adversários do espiritismo no perigo que tais fenômenos apresentam para a razão. Todas as causas que podem excitar as imaginações fracas podem produzir a loucura. O que, antes de mais nada, é preciso é curar o mal do medo. Ora, o meio de o conseguir não é exagerar o perigo, fazendo crer que todas as manifestações sejam obra do diabo. Os que propagam essa crença visando desacreditar a doutrina, fogem completamente ao seu objetivo, primeiro porque assinar uma causa qualquer aos fenômenos espíritas é reconhecer a sua existência; em segundo lugar porque, querendo persuadir que o diabo seja o seu único agente, afetam perigosamente a moral de certos indivíduos. Como não podem impedir que se produzam manifestações mesmo entre aqueles que as não desejam, eles não verão em seu redor e por toda parte senão diabos e demônios, até nos mais simples efeitos, que tomam por manifestações. Nisto há muito coisa para perturbar o cérebro. Dar prestígio a esse medo é propagar o mal do medo, em vez de o curar. Nisto está o verdadeiro perigo; pois aí está a superstição.
Tiptologia alfabética, quando os golpes designam as letras do alfabeto, cuja reunião forma palavras e frases. Pode ser produzida pelos dois meios adiante citados.
A tiptologia é um meio de comunicação muito imperfeito, à vista da lentidão que não permite desenvolvimentos tão extensos quanto os obtidos pela psicografia ou pela psicofonia. (Vide estes vocábulos).
Tiptologia íntima ou passiva, quando os golpes são ouvidos na substância própria de um objeto imóvel.
Tiplologia pelo movimento, quando os golpes são vibrados por um objeto qualquer que se move, como, por exemplo, uma mesa que bate com o pé, por um movimento de básculo.
TRANSMIGRAÇÃO – (Vide Reencarnação, Metempsicose).
10Sob o verbete TRASGO reunimos dois verbetes do original: farfadet e lutin.
Do primeiro, diz o original: "do lat. fadus, fada, fada". Dá a primeira definição que aparece no texto e acrescenta: "Vide Lutin".
De lutin diz: "do velho vocábulo luicter, lutar, conforme uns, de onde foram feitos, sucessivamente, luicton, luiton, luits e, finalmente, lutin. Segundo outros luicton teria sido usado em vez de nuicton, derivado de nuict, a noite, porque os lutins, segundo o crença vulgar, aparecem principalmente à noite, para atormentar os vivos.
Está certo Allan Kardec. Os melhores dicionários antigos do língua francesa são concordes com a sua explicação da etimologia dos dois vocábulos. Apenas ele foi pouco explícito quanto à do primeiro (farfadet), que é derivado do provençal moderno farfadet, alteração de fadet, este derivado de fata, fada.
Em português não se tem uma diferenciação no emprego dos vocábulos duende, trasgo, espectro, etc. Os escritores os empregam indistintamente. Em Alexandre Herculano lê-se: "As histórias de duendes, espectros e almas penadas, e possessos, e diabretes constituíam na Idade Média um sistema de doutrinas, cuja solidez se estribava em fatos repetidos". (Dicionário de Laudelino Freire). A Federação Espírita Brasileira preferiu, no caso dos lutins e dos farfadets a tradução por nós acima adotada, por ser específica. Vê-se em Kardec que as duas vozes são sinônimos quase perfeitos. N. do T.
VISÃO – (Vide Aparição).

Capítulo I - Escala espírita
Terceira ordem - Espíritos imperfeitos
Têm a intuição de Deus, mas não o compreendem.
Nem todos são essencialmente maus. Nalguns há mais leviandade, inconsequência e malícia do que verdadeira maldade. Uns nem fazem o bem nem o mal; mas denotam inferioridade pelo simples fato de não fazerem o bem. Outros, ao contrário, se comprazem no mal e ficam satisfeitos quando se lhes apresenta ocasião de o praticar.
A inteligência pode aliar-se à maldade ou à malícia. Todavia, seja qual for o seu desenvolvimento intelectual, suas ideias são pouco elevadas e seus sentimentos mais ou menos abjetos.
Seus conhecimentos sobre as coisas do mundo espírita são limitados e o pouco que sabem se confunde com as ideias e os preconceitos da vida corpórea. Não nos podem dar senão noções falsas e incompletas. Mas o observador atento sempre descobre em suas comunicações, mesmo imperfeitas, a confirmação das grandes verdades ensinadas pelos Espíritos superiores.
Seu caráter se revela pela linguagem. Todo Espírito que, em suas comunicações, trai um mau pensamento, pode ser catalogado na terceira ordem. Conseguintemente, todo mau pensamento que nos é sugerido vem de um Espírito desta ordem.
Eles veem a felicidade dos bons, o que lhes é um tormento incessante, pois experimentam todas as angústias produzidas pela inveja e pelo ciúme.
Conservam a lembrança e a percepção dos sofrimentos da vida corpórea e essa impressão é por vezes mais penosa que a realidade. Sofrem, pois, realmente os males que suportaram e os que causaram aos outros; e como sofrem muito tempo, creem sofrer sempre. Para os punir, quer Deus que pensem que é assim.
Podem ser divididos em quatro grupos principais[1].
[1] Esta escala é a mesma dada em O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Ed. de "O Pensamento", por nós traduzida da 22ª edição. O leitor notará, entretanto, que entre as nove classes do presente volume e as dez classes do volume citado a única diferença é o aparecimento da classe dos ESPÍRITOS BATEDORES E PERTURBADORES, que ocupou o 6º lugar. Assim, houve uma alteração na numeração das classes, 9ª, 8ª, 7ª e 6ª, desta obra, que passaram, em O LIVRO DOS ESPÍRITOS, para 10ª, 9ª, 8ª e 7ª classes; introduziu-se a 6ª classe e as restantes classes mais elevadas ficaram inalteradas.
O fato se explica: Allan Kardec fez sucessivas ampliações em O LIVRO DOS ESÍRITOS e só lhe deu caráter definitivo, que não mais se alterou, na 13ª edição. Foi antes disso que lançou a presente obra. Mas depois da edição de O LIVRO DOS ESPÍRITOS não mais reeditou As instruções. N. do T.
Nas suas manifestações, reconhecemo-los pela linguagem; a trivialidade e a grosseria das expressões, entre os Espíritos como entre os homens, são sempre um índice de inferioridade moral, se não intelectual. Suas comunicações denotam a baixeza de suas inclinações; e se tentam enganar, falando de um modo sensato, não podem representar o papel por muito tempo: acabam sempre traindo a sua origem.
Certos povos fizeram deles divindades malfazejas; outros os designaram pelos nomes de demônios, gênios maus, Espíritos do mal.
Quando encarnados, animam criaturas inclinadas a todos os vícios gerados pelas paixões vis e degradantes: a sensualidade, a crueldade, a felonia, a hipocrisia, a cupidez e a avareza sórdida. Fazem o mal por prazer e o mais das vezes sem motivo, e por ódio ao bem; quase sempre escolhem suas vitimas entre as pessoas honestas. São flagelos para a humanidade, seja qual for sua posição social: o verniz da civilização não os isenta do opróbrio e da ignomínia.
Em suas comunicações com os homens sua linguagem é, por vezes, espirituosa e faceta, mas quase sempre sem profundeza; apreendem as singularidades e os ridículos, que exprimem em traços mordazes e satíricos. Se tomam nomes supostos, fazem-no mais por malícia que por maldade.
Segunda ordem - Bons Espíritos
Compreendem Deus e o infinito e já desfrutam da felicidade dos bons. Sentem-se felizes pelo bem que fazem e pelo mal que impedem. O amor que os une é-lhes uma fonte inefável de felicidade, que não alteram nem a inveja, nem os remorsos, nem qualquer das paixões inferiores que atormentam os Espíritos imperfeitos. Mas todos têm ainda que passar por provas até atingirem a perfeição absoluta.
Como Espíritos sugerem bons pensamentos, desviam os homens do caminho do mal, protegem na vida àqueles que se tornam dignos e neutralizam a influência dos Espíritos imperfeitos sobre aqueles que se não comprazem em tais influências.
Quando encarnados são bons e benevolentes para com os seus semelhantes; não são movidos pelo orgulho, nem pelo egoísmo ou pela ambição; não experimentam nem ódio, nem rancor, nem inveja ou ciúme e fazem o bem pelo bem.
A esta ordem pertencem os Espíritos designados nas crenças vulgares como bons gênios, gênios protetores, Espírito do bem. Nos tempos de superstição e de ignorância foram transformados em divindades benfazejas.
Podem ser divididos em quatro grupos principais:
Quando, excepcionalmente, encarnam na Terra, vêm cumprir missão de progresso e, então, oferecem-nos o tipo da perfeição a que pode aqui aspirar a humanidade.
Primeira ordem - Puros Espíritos
Gozam de uma felicidade inalterável, porque nem estão sujeitos às necessidades, nem às vicissitudes da vida material; mas essa felicidade não é absolutamente uma ociosidade monótona, passada em perpétua contemplação. São os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam para a manutenção do equilíbrio universal. Comandam a todos os Espíritos que lhes são inferiores, ajudam-nos a se aperfeiçoarem e lhes confiam missões. Para eles é suave ocupação ajudar e assistir aos homens em suas aflições, excitá-los ao bem e à expiação de sues faltas que os afastam da felicidade suprema. São, por vezes, designados como anjos, arcanjos ou serafins.
Os homens podem entrar com eles em comunicação; presunçoso, entretanto, seria aquele que pensasse em os ter constantemente às suas ordens.
Certas pessoas erroneamente os designam pelo nome de Espíritos incriados. Os Espíritos incriados existiriam, como Deus, de toda a eternidade. Ora, se no universo pudessem existir seres sem a vontade de Deus, Deus não seria todo-poderoso. Alguns Espíritos se serviram dessa expressão, mas não nesse sentido. Por ela entendiam os Espíritos que não mais se encamavam e que, sob esse ponto de vista, não mais serão criados como os homens. O termo é impróprio, porque dá lugar a uma falsa interpretação. Aí está o inconveniente de nos atermos à letra, sem perscrutar a idéia[1].
[1] Vide no vocabulário o verbete Anjo.
Capítulo II - Das manifestações espíritas
Não devemos daí inferir que não tenhamos iniciativa; longe disso: o Espírito encarnado tem sempre o livre-arbítrio; em definitivo, não faz senão aquilo que quer e, muitas vezes, segue seus próprios impulsos. Para se dar conta da maneira por que as coisas se passam, necessitamos figurar a nossa alma desprendida dos laços, pela emancipação, o que sempre ocorre durante o sono, haja ou não sonho; toda vez que há entorpecimento dos sentidos e, até, em estado de vigília. Então ela entra em comunicação com os outros Espíritos, como alguém que saísse de casa para ir aos vizinhos - se se admite essa comparação familiar. Assim se estabelece entre eles uma espécie de conversação ou, mais exatamente, uma troca de idéias. A influência do Espírito estranho não é um domínio, mas uma espécie de conselho dado à nossa alma, o qual pode ser mais ou menos prudente, conforme a natureza do Espírito, sendo a alma livre de aceitá-lo ou não, mas que pode melhor apreciar quando não mais se acha sob o império das idéias suscitadas pela vida de relação. Por isso diz-se que a noite traz o seu conselho.
Nem sempre é fácil distinguir a idéia sugerida da idéia própria, porque muitas vezes elas se confundem. Entretanto há presunção de que venha de uma fonte estranha quando é espontânea e surge em nós como uma inspiração e quando se opõe à nossa própria maneira de ver. Nosso julgamento e nossa consciência nos dão a conhecer se ela é boa ou má.
Os mais simples efeitos desse gênero são os golpes vibrados sem causa ostensiva conhecida e o movimento circular de uma mesa ou de um objeto qualquer, com ou sem imposição de mãos. Mas podem assumir proporções muito estranhas: os golpes por vezes são ouvidos de todos os lados e com uma intensidade que degenera em verdadeiro barulho; os móveis são deslocados, derrubados, levantados do chão; os objetos transportados de um lugar para outro, à vista de todos, as cortinas puxadas, arrancadas as cobertas das camas, tocadas as campainhas. Compreende-se que quando tais fenômenos se produzem certas pessoas os tenham atribuído a uma origem diabólica. Um estudo atento explicou essa crença supersticiosa. Voltaremos ao assunto.
Se as manifestações puramente físicas, de que acabamos de falar, são de natureza a cativar nosso interesse, com mais forte razão quando nos revelam a presença de uma inteligência oculta, porque então não é mais um simples corpo inerte que defrontamos, mas um ser capaz de nos compreender, e com o qual podemos trocar idéias. Compreende-se, desde logo, que o modo de experimentação deve ser absolutamente outro do que seria se se tratasse de um fenômeno essencialmente material e que os nossos processos de laboratório são insuficientes para nos dar conta dos fatos pertinentes à ordem intelectual. Já não se pode mais aqui fazer questão de análises ou de cálculos matemáticos das forças. Ora, é precisamente este o erro em que caíram a maioria dos cientistas: julgaramse em presença de um desses fenômenos que a ciência reproduz à vontade, e sobre o qual é possível operar como sobre um sal ou um gás. Isto nada lhes tira de seu saber. Apenas dizemos que eles se enganaram julgando que poderiam meter os Espíritos numa retorta, como o espírito de vinho, e que os fenômenos espíritas não pertençam mais ao domínio das ciências exatas do que às questões de teologia ou de metafísica.
As pessoas que vemos em sonho são verdadeiras visões. Se sonhamos mais frequentemente com as que preocupam a nossa mente, é que o pensamento é um modo de evocação e por ele nós chamamos a nós o Espírito dessas pessoas, sejam elas vivas ou mortas.
Seria uma injúria ao bom senso de nossos leitores refutar tudo quanto existe de absurdo e de ridículo naquilo que vulgarmente é apresentado como interpretação dos sonhos.
As aparições propriamente ditas dão-se em estado de vigília, quando gozamos da plenitude e da inteira liberdade de nossas faculdades. É incontestavelmente o gênero de manifestações mais adequado a excitar a curiosidade, mas é, também, o menos fácil de obter-se. Podem os Espíritos manifestar-se ostensivamente de vários modos: por vezes é sob forma de flamas ligeiras e de luares mais ou menos brilhantes, sem qualquer analogia, tanto pelo aspecto quanto pelas circunstâncias nas quais se produzem, com os fogos fátuo e outros fenômenos físicos cuja causa está perfeitamente demonstrada. Outras vezes tomam os traços de uma pessoa conhecida ou desconhecida, sobre cuja individualidade podemos iludir-nos, conforme as ideias de que estejamos imbuídos. É então uma imagem vaporosa, etérea, que não encontra qualquer obstáculo nos corpos sólidos. Os fatos desse gênero são numerosos. Mas antes de os atribuir à imaginação ou à charlatanice, devem levar-se em conta as circunstâncias em que os mesmos se produzem, a posição e, principalmente, o caráter do narrador.
Em certos casos a aparição se torna tangível, isto é, adquire momentaneamente e sob o império de certas circunstâncias, as propriedades da matéria sólida. Então não é mais pelos olhos que constatamos a realidade, mas pelo tato. Se se pudesse atribuir à ilusão ou a uma espécie de fascinação a aparição apenas visual, a dúvida já não seria permissível quando se pode tocar, pegar e apalpar, quando ela mesma nos agarra e nos abraça[2].
[1] Vide o verbete Sonho no vocabulário.
[2] Vide na REVISTA ESPÍRITA, meses de março, abril e maio de 1858, a descrição e a explicação das manifestações desse gênero. Vide, também, trabalhos mais recentes de escritores espíritas e sua abundante documentação. N. do editor francês.
As manifestações espontâneas nem são raras nem novas. Rara é a crônica local que não encerre algum relato desse gênero. Sem dúvida o medo exagerou os fatos, que tomaram, assim, proporções gigantescamente ridículas, ao passar de boca em boca. Devido ao trabalho da superstição, as casas onde eles se passaram foram consideradas assombradas pelo diabo. Daí todos os contos maravilhosos ou terríveis dos fantasmas. Por outro lado o embuste não perdeu tão bela ocasião para explorar a credulidade, muitas vezes em proveito pessoal. Aliás, é compreensível, mesmo quando reduzido à realidade, a impressão causada por fatos desse gênero sobre os caracteres fracos e predispostos pela educação a idéias supersticiosas. O mais seguro meio de prevenir os inconvenientes que poderiam ter os mesmos - já que se não poderia impedi-los - é dar a conhecer a verdade. As mais simples coisas tornam-se apavorantes quando se lhes desconhecem as causas. Uma vez familiarizados com os Espíritos e desde que aqueles a quem eles se manifestam não creiam ter às costas uma legião de demônios, aqueles não mais os temerão.
As manifestações espontâneas se produzem muito raramente em lugares isolados. É quase sempre em casas habitadas que elas ocorrem, isto pelo fato da presença de certas pessoas que, mau grado seu, exercem uma certa influência. Tais pessoas são verdadeiros médiuns que ignoram suas próprias faculdades e que, por isso, os chamamos médiuns naturais. Eles são para os outros médiuns aquilo que os sonâmbulos naturais são para os sonâmbulos magnéticos e igualmente dignos de serem observados. É por isso que aconselhamos àqueles que se ocupam com os fenômenos espíritas a colher todos os fatos desse gênero que chegarem ao seu conhecimento, mas sobretudo a constatar a sua realidade cuidadosamente, a fim de evitar se-jam vítimas de ilusões e de fraudes, o que conseguirão por meio de uma observação atenta.
Devemos manter-nos em guarda não só contra as histórias que podem ser marcadas de exageros, mas contra as nossas próprias impressões e não atribuir uma origem oculta a tudo quanto não se compreenda. Uma infinidade de causas muito simples e muito naturais podem produzir efeitos estranhos à primeira vista; e seria verdadeira superstição ver em toda parte Espíritos ocupados em derrubar móveis, quebrar louça e, enfim, suscitar mil e uma complicações domésticas que seria mais racional levar à conta de descuidos.
O que é preciso fazer em casos semelhantes é procurar a causa; e há cem probabilidades contra uma de encontrarmos uma explicação muito simples onde parecia tratar-se de um Espírito perturbador. Quando ocorre um fenômeno inexplicável, o primeiro pensamento que se deve ter é que o mesmo seja devido a uma causa material, por ser a mais provável, e não admitir a intervenção dos Espíritos senão com conhecimento de causa. Por exemplo, aquele que, sem se aproximar de ninguém, recebesse um sopro ou uma bengalada nas costas, como tem acontecido, não poderia duvidar da presença de um ser invisível.
De todas as manifestações espíritas as mais simples e as mais freqüentes são os ruídos e os golpes vibrados. Aqui, sobretudo, é que se deve temer a ilusão, pois uma porção de causas naturais os podem produzir: o vento que sopra, ou agita um objeto, um objeto que movemos sem nos apercebermos, um efeito acústico, um animal escondido, um inseto, etc., por vezes, mesmo, uma traquinada de mau gosto. Aliás os ruídos espíritas têm um caráter particular, e afetam um timbre e uma intensidade muito variados, que os tornam facilmente reconhecíveis e não permitem sejam confundidos com o estalo da madeira que se dilata, o crepitar do fogo ou o tic-tac monótono de um relógio. São golpes ora surdos, distintos, por vezes barulhentos, que mudam de lugar e se repetem sem aquela regularidade mecânica. De todos os meios de controle o mais eficaz, o que não deixa dúvidas quanto à sua origem, é a obediência à vontade. Se os golpes se fazem ouvir num lugar determinado, se respondem ao pensamento pelo número e pela intensidade, não é possível negar a existência de uma causa inteligente; mas a falta de obediência nem sempre é prova em contrário.
Admitamos agora que, por uma constatação minuciosa, se adquira a certeza de que os ruídos ou quaisquer outros efeitos sejam manifestações reais. Será razoável ficar apavorado? Certo que não. Porque, em qualquer caso, não poderia haver o menor perigo. Só as pessoas persuadidas de que é o diabo e que podem ser afetadas prejudicialmente, como as crianças a quem metem medo com o Lobo-mau ou com o Tutu-marambá. Em certas circunstâncias essas manifestações adquirem proporções e uma persistência desagradáveis - é bom reconhecer e despertam o natural desejo de nos desembaraçarmos delas. Torna-se necessária uma explicação a respeito.
Temos dito que as manifestações físicas têm por fim chamar a nossa atenção para alguma coisa e convencer-nos da presença de uma força superior ao homem. Temos dito também, que os Espíritos elevados não se ocupam dessas espécies de manifestações: eles se servem dos Espíritos inferiores para as produzir, assim como nós nos servimos dos criados para as tarefas grosseiras, e com o objetivo que acabamos de indicar. Atingido o objetivo, cessa a manifestação material, por não mais ser necessária. Um dos dois exemplos darão bem a compreender. No começo de meus estudos sobre o Espiritismo, estando uma noite ocupado com um trabalho do gênero, golpes foram ouvidos em torno de mim, durante quatro horas consecutivas. Era a primeira vez que tal me acontecia. Constatei que eles não eram devidos a nenhuma causa acidental, mas no momento não foi possível saber mais do que isto. Nessa época eu tinha oportunidade de ver com freqüência um excelente médium psicógrafo. No dia seguinte interroguei o Espírito que se comunicava por seu intermédio sobre a causa daqueles golpes.
- “Foi teu Espírito familiar”, respondeu-me ele, "que deseja falar-te”.
- E o que desejava dizer-me?
- "Podes perguntar tu mesmo, pois que aqui se acha”.
Não se rufam os tambores para acordar os soldados, desde que eles já estejam de pé.
Um fato mais ou menos semelhante aconteceu a um de nossos amigos. Desde algum tempo em seu quarto soavam ruídos diversos, que se tornaram incômodos. Apresentando-se uma oportunidade de interrogar o Espírito de seu pai por um médium psicógrafo, ficou sabendo o que queriam, fez o que lhe era recomendado e desde então nada mais foi ouvido. É de notar-se que as pessoas que têm um meio regular de fácil comunicação com os Espíritos têm muito mais raramente manifestações desse gênero, o que é fácil de compreender-se.
Os Espíritos que se manifestam assim podem igualmente agir por conta própria. Por vezes são Espíritos sofredores que pedem assistência moral[1]. Quando podem traduzir seu pensamento de maneira mais inteligível, pedem essa assistência segundo a forma que lhes era familiar em vida; ou que está nas idéias e nos hábitos daqueles a quem se dirigem, pois pouco importa essa forma, de vez que a intenção vem do coração.
Em resumo, o meio de fazer cessar essas manifestações importunas é procurar entrar em comunicação inteligente com o Espírito que vem perturbar-nos, a fim de saber quem seja ele e o que quer de nós. Satisfeito o seu desejo, ele rios deixa em paz. É como alguém que bate a uma porta até que lha abram.
- Que faz o doente que não tem médico? Passa sem ele.
[1] Vide no vocabulário o verbete Prece.
A bondade e a benevolência ainda são atributos essenciais dos Espíritos depurados: não têm ódio aos homens, nem aos outros Espíritos; lamentam as fraquezas, criticam os erros, mas sempre com moderação, sem azedume nem animosidade. Isto quanto à moral. Podemos igualmente julgá-las pela natureza de sua inteligência. Um Espírito pode ser bom, benevolente só ensinar o bem e ter conhecimentos limitados, porque nele o desenvolvimento ainda é incompleto. Não falamos dos Espíritos notoriamente inferiores: com estes seria uma perda de tempo pedir explicações sobre certas coisas; seria o mesmo que perguntar a um colegial o que pensa de Aristóteles ou do sistema do universo. Mas alguns há que, sob certos pontos de vista, parecem esclarecidos, ao passo que sobre outras questões acusam uma ignorância absoluta pelas mais absurdas heresias científicas. Este raciocinará muito sensatamente sobre um ponto, mas será desarrazoado sobre outro. É ainda como entre nós: um astrônomo é sábio no que concerne aos astros e pode ser muito ignorante em arquitetura, em música, em pintura, em agricultura, etc. Evidentemente tudo isto denota um desenvolvimento imperfeito, o que não quer dizer que se trate de um Espírito mau.
Para julgar os Espíritos, como para julgar os homens, é necessário, de saída, saber julgar-se a si próprio. Infelizmente há muita gente que toma a sua opinião pessoal como medida exclusiva do bom e do mau, do verdadeiro e do falso: tudo quanto contradiga a sua maneira de ver, as suas ideias, o sistema que conceberam ou adotaram, aos seus olhos é mau. Evidentemente a tais criaturas falta a primeira qualidade para uma sã apreciação - o reto julgamento. Mas elas nem o suspeitam. E isto é uma falta sobre a qual mais se iludem.
Geralmente se pensa que, interrogando o Espírito de um homem que na Terra foi cientista em certa especialidade, obter-se-á a verdade com mais segurança. Isto é lógico, mas nem sempre é verdadeiro. Demonstra a experiência que os cientistas, bem como os outros homens, sobretudo aqueles que recentemente deixaram a Terra, ainda se acham sob o império dos preconceitos da vida corpórea; não se desfazem imediatamente do espírito de sistema. Pode, pois, acontecer que, sob a influência das idéias que acariciaram em vida, e das quais fizeram um título de glória, vejam menos claro do que supomos. Não damos este princípio como regra absoluta; apenas dizemos que isto se vê e que, consequentemente, nem sempre sua ciência humana é urna prova da infalibilidade como Espírito. Aqueles que, como por vezes acontece, condenam, como Espíritos, as doutrinas que haviam sustentado como homens, dão assim uma prova de elevação. Regra geral: O Espírito é tanto menos perfeito quanto menos desprendido da matéria. Toda vez, pois, que se reconhece nele a persistência das ideias falsas que o preocupavam em vida, sejam elas de ordem física ou de ordem moral, temos um sinal infalível de que ele não está completamente desmaterializado.
A tenacidade das ideias terrenas é tanto maior quanto mais recente a morte. No momento da morte a alma se acha sempre num estado de perturbação, durante o qual apenas se reconhece; é um despertar incompleto. Suas constantes respostas são: Não sei onde estou; tudo é confuso para mim. Por vezes se lastimam por terem sido desorganizadas tão cedo; outras dizem cruamente que as deixem tranquilas e, conforme o caráter, exprimem esse pensamento em termos mais ou menos corteses. Muitos não creem que estejam mortos - principalmente os suplicados, os suicidas e, em geral, os que sofrem morte violenta: veem seu corpo; sabem que este lhes pertence e não compreendem que do mesmo se achem separados. Isto lhes causa espanto, é-lhes necessário algum tempo para se darem conta de sua nova situação. Assim, a evocação não pode ser feita nesse momento senão com o objetivo de estudo psicológico. Mas não é o caso de se lhes pedirem informações.
Este estado de confusão que pode ser comparado ao estado transitório do sono à vigília, persiste mais ou menos tempo. Temos visto alguns que se acham completamente desprendidos ao cabo de três ou quatro dias e outros que ainda não estavam depois de vários meses. Acompanha-se com interesse sua marcha progressiva; assiste-se, de certo modo, o despertar da alma; as perguntas que lhes são dirigidas, desde que feitas com certa medida, prudência, circunspecção e benevolência, os ajudam até a se desvencilharem. Se sofrem e nos apiedamos de sua dor, sentem-se aliviados. Quando a morte é natural, isto é, quando se dá pela extinção gradual das forças vitais, a alma já se acha em parte desligada antes da cessação completa da vida orgânica e se reconhece mais prontamente. Dá-se o mesmo com os homens que, em vida, se elevaram pelo pensamento acima das coisas materiais. Desde este mundo eles pertencem, de certo modo, ao mundo dos Espíritos; a passagem de um a outro se dá rapidamente e a perturbação é de curta duração.
Uma vez desprendida dos restos de sua roupagem corpórea, encontra-se a alma em seu estado normal de Espírito: só então é que pode ser julgada, por isso que se mostra verdadeiramente como é; suas qualidades e defeitos, suas imperfeições e preconceitos, suas prevenções e ideias falsas, mesquinhas ou ridículas, persistem sem modificação durante todo o período de sua vida errante, ainda que seja de mil anos; é-lhe necessário atravessar um novo crivo da vida corpórea a fim de aí deixar algumas de suas impurezas e elevar-se mais uns degraus. Vimos alguns que, depois de duzentos anos de vida errante, ainda tinham as manias e as pequenezas que se lhes conheciam em vida, ao passo que outros quase que imediatamente demonstram uma grande superioridade.
A propósito do estado de transição que acabamos de descrever, temos falado de Espíritos sofredores. Naturalmente perguntarão se esse momento é doloroso. Não entra no nosso plano abordar a questão do sofrimento dos Espíritos, nem, sobretudo, examinar a natureza desse sofrimento. Esta questão terá seu lugar na Revista[2]. Limitar-nos-emos, pois, a dizer que para o homem de bem, para aquele que dorme na paz de uma consciência pura e não teme nenhum olhar perscrutador, o despertar é sempre calmo, suave e pacífico; para aquele cuja consciência se acha carregada de erros, para o homem material que pôs todas as suas alegrias na satisfação de seu corpo, para aquele que mal aplicou os favores concedidos pela Providência, é terrível. Sim, esses Espíritos sofrem assim que deixam a vida; sofrem muito e esse sofrimento pode durar tanto quanto a sua vida errante. Tal sofrimento poderá ser apenas moral, mas nem por isso será menos pungente, porque nem sempre lhes é dado ver o seu termo. Sofrem até que um raio de esperança venha brilhar aos seus olhos, e essa esperança podemos fazê-la nascer em conversa com eles. Boas palavras, testemunhos de simpatia são para eles um alívio, para o que podem concorrer os bons Espíritos que chamamos em nosso auxílio, a fim de ajudar as nossas intenções.
Um suicida evocado pouco depois de sua morte nos descrevia as suas torturas.
- Quanto tempo durará isto? perguntamos.
- “Nada sei; e é isto que me desespera”.
- “Isto durará até o termo natural de sua vida, voluntariamente interrompida”.
- “Obrigado”, disse o outro, “por isto que este que ai está me acaba de informar”.
Ora, para quem quer que deseje entrar em contato com eles, importa bem conhecê-las, a fim de estar em condições de lhes apreciar a situação e de melhor compreender sua linguagem que, sem isto, poderia, às vezes, parecer contraditória. Por isso nos alongamos um tanto neste capítulo.
[1] Vide no vocabulário o verbete Comunicações.
[2] O autor refere-se à REVUE SPIRITE, de sua autoria, isto é, à Revista Espírita, que estamos traduzindo fielmente. N. do T.
Capítulo IV - Diferentes modos de comunicação
Se uma pessoa colocar as pontas dos dedos sobre a borda de um objeto circular, móvel, como, por exemplo, uma taça, um prato, um chapéu, um copo, etc.; e se, nessa situação, concentrar a vontade sobre o objeto a fim de fazê-lo mover-se, poderá acontecer que o mesmo objeto se agite num movimento de rotação, lento a princípio, depois cada vez mais rápido, a ponto de ser difícil acompanhá-lo. O objeto girará para a direita, ou para a esquerda, conforme a direção indicada pela pessoa, verbal ou mentalmente. Desde que se estabeleça a comunicação fluídica entre a pessoa e o objeto, pode este produzir o movimento sem contacto, por simples ação mental. Dissemos que isto pode acontecer, porque realmente não há certeza absoluta de sucesso. Certas pessoas são dotadas, a esse respeito, de uma força tal que o movimento se produz ao cabo de alguns segundos. Outras só o conseguem depois de cinco ou dez minutos. Enfim, outras absolutamente não o conseguem. Sem a experimentação não há diagnóstico possível para reconhecer a aptidão para produzir tal fenômeno. Nisso não entra a força física: pessoas frágeis e delicadas muitas vezes conseguem mais que homens vigorosos. É um ensaio que cada um pode fazer sem o menor perigo, posto que, às vezes; produza uma grande fadiga muscular e uma espécie de agitação febril.
Se a pessoa for dotada de uma força suficiente, ela só poderá fazer mover-se uma mesinha; às vezes, até, atuar sobre uma mesa pesada e maciça. Para isto, porém, é necessária uma força excepcional.
Para operar com mais segurança sobre uma mesa de certo peso, sentam-se diversas pessoas em seu redor; o número é indiferente; também não há necessidade de alternar os sexos, nem de estabelecer contado entre os dedos dos assistentes: basta pôr as pontas dos dedos estirados sobre a borda da mesa, como sobre o teclado do piano. Tudo isto é indiferente. Por outro lado, há condições essenciais mais difíceis de preencher: a concentração do pensamento de todos, visando obter um movimento num sentido ou em outro; um recolhimento e um silêncio absolutos e, sobretudo, uma grande paciência. O movimento Se opera por vezes em cinco ou dez minutos; mas por vezes é preciso resignar-se a uma espera de meia hora e até mais. Se depois de uma hora nada foi obtido, é inútil continuar.
Devemos acrescentar que certas pessoas são antipáticas18 a esse fenômeno e sua influência negativa pode exercer-se pelo fato de sua simples presença; outras são completamente neutras. Em geral quanto menos espectadores melhor, seja porque haverá menos chance de entre eles haver antipáticos, seja porque o silêncio e o recolhimento se tornam mais fáceis.
O fenômeno é sempre provocado por efeito da aptidão especial de algumas pessoas cuja força se acha multiplicada pelo número. Quando a força é bastante grande, a mesa não se limita a girar: agita-se, levanta-se, ergue-se num pé, balança-se como um navio e acaba erguendo-se do solo sem qualquer ponto de apoio.
Uma coisa admirável é que, seja qual for a inclinação da mesa, os objetos que se acham sobre ela se mantêm e nem mesmo a lâmpada sofre qualquer risco. Fato não menos singular é que, estando inclinada se apoiando sobre um pé só, pode oferecer uma resistência tal que o peso de uma pessoa não consiga baixá-la.
Quando se chega a produzir um movimento enérgico, o contado das mãos se torna desnecessário: as pessoas podem então afastar-se da mesa e ela se dirige para a direita, para a esquerda, para a frente, para trás, para esta ou aquela pessoa designada, eleva-se sobre um pé ou sobre outro, conforme a ordem que lhe é dada.
Até aqui esses fenômenos não denotam nenhum caráter essencialmente inteligente: nem por isso são menos dignos de observação, como produto de uma força desconhecida. Aliás são de natureza a convencer certas pessoas que não o seriam por meio de provas filosóficas. É o primeiro passo na ciência espírita, que conduz muito naturalmente aos meios de comunicação.
O mais simples de todos os meios é, como no homem privado da palavra ou da escrita, a linguagem dos sinais. Um Espírito pode comunicar seu pensamento pelo movimento de um objeto qualquer. Conhecemos alguém que se entretinha com seu Espírito familiar, aliás uma criatura a quem muito estimava, por meio do primeiro objeto que aparecesse: uma régua, uma faca para papel, encontrados à mesa de trabalho. Ele punha os dedos sobre o objeto e, depois de ter evocado esse Espírito, a régua se movia para a direita e para a esquerda, para dizer sim ou não, conforme convencionado, indicava números, etc. O mesmo resultado é obtido com uma mesa ou uma tripeça. Colocados os dedos em seu bordo, quer só, quer acompanhado, chamando-se um Espírito, se ele se apresentar e julgar conveniente revelar-se, a mesa se ergue, se abaixa, se agita, e por movimentos para a direita e para a esquerda, ou movimentos basculantes, responde afirmativa ou negativamente. Pela trepidação exprime alegria, impaciência e até cólera; por vezes cai violentamente ou se precipita sobre um dos assistentes, como se tivesse sido empurrada por mãos invisíveis; e nesse movimento pode reconhecer-se a expressão de um sentimento de afeição ou de antipatia. Um dos nossos amigos estava uma noite em seu salão, ocupado com manifestações desse gênero; recebeu uma carta; enquanto a lia, a tripeça avançou para ele, aproximando-se da carta, espontaneamente, sem que ninguém a influenciasse. Terminada a leitura ele foi colocar a carta sobre uma mesa do outro lado do salão; a tripeça o seguiu e foi precipitar-se sobre a carta. Concluiu ele, daí, que se achava presente um Espírito recém-chegado, simpático ao autor da carta e que queria comunicarse com ele. Tendo-o interrogado por meio da tripeça, as previsões se confirmaram. Eis o que chamamos sematologia, ou linguagem dos sinais.
A tiplologia, ou linguagem dos golpes vibrados oferece mais precisão. É obtida por dois modos diversos.
O primeiro, que chamamos tiptologia pelo movimento, consiste nos golpes dados pela própria mesa, com um de seus pés. Tais golpes podem responder sim ou não, conforme o seu número convencionado para exprimir uma ou outra resposta. Estas são, como bem se compreende, muito incompletas, sujeitas a enganos e pouco convincentes para os novatos, porque sempre podem ser atribuídas ao acaso.
A tiptologia íntima é produzida de modo inteiramente diverso. Já não é a mesa que bate: ela fica imóvel, mas os golpes ressoam na própria substância da madeira, da pedra ou de qualquer outro corpo e por vezes com bastante força para serem ouvidos na sala vizinha. Se se aplicar o ouvido ou a mão sobre uma parte qualquer da mesa, percebe-se a sua vibração dos pés ao tampo. Esse fenômeno é obtido tornando-se a mesma atitude, com a diferença que o movimento puro e simples pode ocorrer sem evocação, ao passo que, quanto a estes golpes, quase sempre é preciso apelar a um Espírito.
Nesses golpes se reconhece a intervenção de uma inteligência, por isso que eles obedecem ao pensamento. Assim, conforme o desejo expresso verbalmente ou mesmo mentalmente, eles mudam de lugar, fazem-se ouvir junto a uma determinada pessoa, fazem a volta da mesa, soam mais forte ou mais fracamente, imitam o eco, o ruído da serra, do martelo, do tambor, a descarga de fuzilaria, marcam o compasso de uma determinada música, indicam a hora, o número das pessoas presentes, etc., ou, ainda, deixam a mesa e vão-se fazer ouvir na parede, na porta, num ponto convencionado; enfim, respondem sim ou não às perguntas que lhes são dirigidas. Tais experiências são antes um objeto de curiosidade, pois não comportam comunicações sérias. Os Espíritos que se manifestam assim, em geral pertencem a uma ordem inferior. Os Espíritos sérios não se prestam a essa exibição de força como, entre nós, os homens respeitáveis não se prestam às palhaçadas dos saltimbancos. Quando interrogados a respeito, assim respondem: “Porventura entre vós são os homens superiores que fazem os ursos dançar?”
Oferece-nos a tiptologia alfabética um meio de correspondência mais fácil e mais completo. Consiste na designação das letras do alfabeto por um número de golpes correspondente à ordem numérica de cada letra, e desta maneira, formam-se palavras e frases. Contudo o processo, por sua lentidão, tem o grande inconveniente de não se prestar a desenvolvimentos de certa extensão. Assim, é ele abreviado numa porção de casos. Muitas vezes basta conhecer as primeiras letras de uma palavra para adivinhá-la e, então, não se deixa acabá-la. Na dúvida, pergunta-se se é a palavra que se supõe e o Espírito responderá sim ou não, pelos sinais convencionais.
A tiptologia alfabética pode obter-se pelos dois modos que acabamos de indicar: os golpes vibrados pela mesa e os que se fazem ouvir na substância de um corpo sólido. Para as comunicações um pouco sérias preferimos o primeiro processo por duas razões: uma é que, de certo modo, ele é mais manejável e há um maior número de pessoas com essa aptidão; o outro diz com a natureza dos Espíritos. Na tiptologia íntima os Espíritos que se manifestam são, em geral, os chamados Espíritos batedores: levianos, por vezes muito divertidos, mas sempre ignorantes. Podem ser agentes de Espíritos sérios, conforme as circunstâncias, mas em geral agem espontaneamente e por conta própria. Ao passo que a experiência prova que Os Espíritos das outras ordens se comunicam melhor pelo movimento.
Em todo caso, a tiptologia alfabética é um modo de comunicação de que os Espíritos superiores se servem a contra-gosto e apenas em falta de um melhor. Eles preferem os que se prestam à rapidez do pensamento, e devido a essa lentidão, que os impacienta, abreviam suas respostas. Eles já acham a nossa linguagem muito lenta e, com mais forte razão, quando o processo lhe agrava a lentidão.
Eis a Sua disposição.
No começo deste capítulo dissemos que uma pessoa dotada de uma aptidão especial pode imprimir um movimento de rotação a um objeto qualquer. Tomemos, por exemplo, uma pequena cesta de quinze a vinte centímetros de diâmetro (não importando que seja de madeira ou de vime, pois a substância é indiferente). Se então fizermos passar um lápis pelo seu fundo, fixando-o bem, com a ponta para fora e para baixo, e se mantivermos o conjunto equilibrado sobre a ponta do lápis, colocada sobre uma folha de papel, pondo os dedos sobre a cesta, esta tomará movimento. Mas, em vez de girar como um pião, passeará o lápis em vários sentidos sobre o papel, de maneira a formar traços sem significação ou letras. Se um Espírito for evocado e quiser comunicar-se, responderá, já não pelo sim ou pelo não, mas por palavras e frases completas.
Em tal dispositivo, ao chegar ao fim da linha, o lápis não voltará sobre si mesmo para escrever nova linha: continuará circularmente, de modo que a linha escrita formará uma espiral, o que exige que se faça girar a folha de papel, a fim de ler o que está escrito.
Nem sempre é legível a escrita assim obtida, pois as palavras não ficam separadas; mas o médium, por uma espécie de intuição, as decifra facilmente. Por uma questão de economia, pode substituir-se o papel e o lápis pela ardósia e lápis adequado. Designaremos esta cesta pelo nome de cesta-pitorra.
Vários outros dispositivos foram imaginados, visando atingir o mesmo objetivo. A mais cômoda é a que chamaremos cesta de bico e que consiste em adaptar a uma cesta uma haste de madeira inclinada, com uma saliência de dez a quinze centímetros de um lado, na posição do mastro de proa (gurupé). Por um furo feito na ponta da haste ou bico faz-se passar um lápis suficientemente grande para que a sua ponta repouse sobre o papel. Pondo o médium os dedos sobre a cesta, todo o aparelho se agita e o lápis escreve como no caso anterior, com a diferença que a escrita é em geral mais legível, as palavras separadas e as linhas não são mais em espiral - seguem como na escrita comum e o lápis passa por si mesmo de uma a outra linha. Assim se obtêm dissertações de várias páginas, tão rapidamente quanto se fossem escritas à mão.
A inteligência que age muitas vezes se manifesta por outros sinais inequívocos. Chegando ao fim da página espontaneamente o lápis faz um movimento para voltá-la; se quer referir-se a uma passagem anterior, na mesma página ou em precedente, ela a procura com a ponta do lápis, como faríamos com os olhos, depois a sublinha. Se o Espírito quer dirigir-se a um dos presentes, para ele se volta a ponta da haste. Em resumo, ele exprime muitas vezes o sim e o não por sinais de afirmação ou de negação que fazemos com a cabeça. De todos os processos empregados este é o que dá a mais variada escrita, conforme ao Espírito que se manifesta e, muitas vezes, uma escrita semelhante à que tinha em vida, caso tenha deixado a Terra há pouco tempo.
Em vez da cesta algumas pessoas se servem de uma espécie de pequena mesa feita especialmente, de doze a quinze centímetros de comprimento por cinco a seis de altura, com três pés, dos quais um munido de lápis. Outras se servem apenas de uma prancheta sem pés. Num de seus bordos há um furo para colocar o lápis. Posta para escrever, ela se acha inclinada e se apoia sobre o papel por um de seus lados. Aliás compreende-se que todas as disposições nada têm de absoluto: a mais cômoda é a melhor.
Com todos esses aparelhos quase sempre são necessárias duas pessoas. Mas não é preciso que a segunda seja dotada de mediunidade, pois que seu papel apenas é o de manter o equilíbrio e diminuir a fadiga do médium.
Chamamos psicografia indireta a escrita assim obtida, em oposição à psicografia direta ou escrita obtida pela própria mão do médium. Para compreender esse último processo é necessário dar-se conta do que se passa nessa operação. O Espírito estranho que se manifesta age sobre o médium; este, sob a sua influência, dirige maquinalmente o braço e a mão para escrever, sem que, pelo menos no caso mais comum, tenha a menor consciência do que escreve. A mão age sobre a cesta e esta sobre o lápis. Assim, não é a cesta que se torna inteligente: é um instrumento dirigido por uma inteligência; na realidade, não passa de um porta-lápis, de um apêndice da mão, um intermediário inerte entre a mão e o lápis. Suprima-se esse intermediário e coloque-se o lápis na mão e ter-se-á o mesmo resultado, com um mecanismo muito mais simples, pois que o médium escreve como o faria em condições normais. Assim, toda pessoa que escreve por meio da cesta, da prancheta ou de outro objeto, pode escrever diretamente. De todos os meios de comunicação é indubitavelmente o mais simples, o mais fácil e o mais cômodo, porque não exige qualquer preparação e, como a escrita comum, se presta aos mais extensos desenvolvimentos. Voltaremos ao assunto quando falarmos dos médiuns.
A pneumatografia é a escrita direta dos Espíritos. Quando esse fenômeno apareceu pela primeira vez - ao menos em nosso tempo, pois nada prova que não tenha sido conhecido na Idade Média, bem como todos os outros gêneros de manifestações - levantou dúvidas muito naturais. Hoje, porém, é um fato inconteste. Alguém muito digno de fé afirmou-nos que um cônego amigo de seus pais, de parceria com o Abade Faria, obtinha esse gênero de escrita em Paris, desde o ano de 1804. O Barão de Guldenstubbe acaba de publicar a respeito uma obra muito interessante, acompanhada de numerosos autógrafos dessa escrita. De certo modo foi ele quem a pôs em evidência e muitas outras pessoas, depois dele, têm obtido os mesmos resultados. A princípio foi colocada uma folha de papel e um lápis sobre um túmulo, sob a estátua ou o retrato de uma pessoa qualquer; no dia seguinte, por vezes apenas algumas horas depois, sobre o papel aparecia um nome, uma sentença, quando não alguns sinais ininteligíveis.. É evidente que nem o túmulo, nem a estátua ou o retrato tinham diretamente qualquer influência por si mesmos: era simplesmente um meio de evocação pelo pensamento. Agora contentamo-nos com deixar o papel, com ou sem lápis, numa gaveta ou numa caixa, que podem ser fechadas a chave, tomando todas as precauções necessárias a fim de evitar toda fraude e obteremos o mesmo resultado evocando o Espírito.
Inquestionavelmente este fenômeno é um dos mais extraordinários que apresentam as manifestações espíritas e um dos que atestam de maneira peremptória a intervenção de uma inteligência oculta; mas não poderia substituir a psicografia, pelo menos até agora, para os desenvolvimentos que certos assuntos comportam. Assim também se obtém a expressão de um pensamento espontâneo, mas parece que se presta mais dificilmente a entretenimento e a uma rápida troca de ideias que comporta outro meio. Aliás este modo é de obtenção mais rara, ao passo que os médiuns escreventes são muito numerosos.
A princípio parece difícil darmos conta de um fato tão anormal. Não cabe no nosso plano desenvolvê-lo aqui, porque seria preciso remontar às fontes de outros fenômenos dos quais é consequência. A explicação completa será encontrada na REVISTA ESPÍRITA e ver-se-á que, por uma dedução lógica, a ele se chega como a um resultado muito natural.
Enfim os Espíritos nos transmitem seu pensamento pela voz de certos médiuns dotados para tanto de uma faculdade especial, que denominamos psicofonia. Esse meio tem todas as vantagens de psicografia pela rapidez e extensão dos desenvolvimentos. Ele agrada muito aos Espíritos superiores, mas talvez tenha, para as pessoas que duvidam, o inconveniente de não acusar de modo muito evidente a intervenção de uma inteligência estranha. Convém, sobretudo, aos que, já suficientemente edificados sobre a realidade dos fatos, dele se servem para a complementação de seus estudos e não necessitam aumentar a sua convicção.
Acabamos de esboçar os diversos meios de comunicação direta com os espíritos. Designamo-los por nomes característicos, que lhes abarcam todas as variedades e, até, todas as nuanças, assim permitindo que melhor se os entendam do que por perífrases, que nada têm de fixo nem de metódico. No princípio das manifestações, quando a respeito as idéias eram menos precisas, foram publicados vários escritos com estas denominações: Comunicações de uma cesta, por uma prancheta, pelas mesas falantes, etc. Hoje compreende-se tudo quanto essas expressões encerram de insuficiente e de errôneo, abstração feita de seu caráter pouco sério. Com efeito, como acabamos de ver, as mesas, pranchetas e cestas não passam de instrumentos inertes, que nada podem comunicar por si mesmos. Nisso tomam o efeito pela causa, o instrumento pelo principio. Seria o mesmo para um autor declarar no titulo de uma obra que a tinha escrito com uma pena metálica ou com uma pena de pato. Esses instrumentos aliás não são absolutos: conhecemos alguém que, em vez da cesta-pitorra, já descrita, servia-se de um funil, por cujo bico passava um lápis. Assim, poder-se-iam ter tido comunicações de um funil, tanto quanto de uma caçarola ou uma saladeira. Se elas se dão por meio de golpes, e se estes são dados por uma cadeira ou por uma bengala, já não é mais uma mesa falante, mas uma cadeira ou uma bengala falante. O que importa conhecer não é a natureza do instrumento, mas o modo de obtenção. Se a comunicação se dá pela escrita, seja qual for o porta-lápis, é para nós psicografia. Se por batidas, é tiptologia. Tomando as proporções de uma ciência, o Espiritismo necessita de uma linguagem científica.
Capítulo V - Dos médiuns
Por si mesma essa faculdade não indica um estado patológico, pois não é incompatível com a saúde perfeita. Se aquele que a possui é doente, o é por uma causa outra. Assim, os meios terapêuticos são impotentes para fazer cessar a mediunidade. Em certos casos ela pode ser consecutiva de uma certa fraqueza orgânica, mas nunca é a sua causa eficiente. Assim, não se poderia razoavelmente conceber qualquer inquietação do ponto de vista higiênico: ela não poderia ter inconvenientes senão quando o sensitivo, transformado em médium facultativo, dela fizesse um emprego abusivo, porque então teria uma emissão demasiado abundante de fluido vital e, consequentemente, um enfraquecimento orgânico.
Sobretudo deve ser evitada qualquer experimentação física, sempre prejudicial às organizações sensitivas, pois aí é que está o perigo: dela poderão resultar graves desordens na economia orgânica. A razão se revolta contra a ideia de torturas morais e corpóreas, a que, por vezes, são submetidos seres fracos e delicados, visando constatar que não há qualquer charlatanice de sua parte. Fazer tais provas é jogar com a vida. O observador de boa fé não precisa empregar tais meios. Aquele que está familiarizado com esses fenômenos sabe, aliás, que os mesmos pertencem mais à ordem moral que à ordem física, e que em vão a solução seria procurada em nossas ciências exatas.
Por isso mesmo que tais fenômenos estão ligados à ordem moral, deve evitar-se escrupulosamente tudo quanto possa excitar a imaginação. Conhecem-se os acidentes que podem ser ocasionados pelo medo e seríamos menos imprudentes se conhecêssemos todos os casos de loucura e de epilepsia que se originam nos contos do Lobo-mau e do Tutu-marambá. Que dizer, então, se nos persuadirmos de que é o diabo! Os que acreditam nessas coisas não sabem a responsabilidade que assumem: podem matar! Ora, o perigo não é apenas para o sensitivo, mas também para os que o cercam e que podem ficar apavorados com a ideia de que sua casa é um antro de demônios. Foi essa crença funesta que causou tantos atos de atrocidades nos tempos da ignorância. Com um pouco mais de discernimento poder-se-ia ter pensado que ao queimar um corpo supostamente possuído pelo diabo não se queimava o próprio diabo. Desde que queriam livrar-se do diabo, este é que devia morrer. Esclarecendo-nos sobre a verdadeira causa de todos esses fenômenos, a doutrina espírita dá-lhe o golpe de misericórdia. Longe, pois, de fazer nascer tal ideia, deve-se combatê-la, caso exista, o que constitui um dever de moralidade e de humanidade.
Quando uma tal faculdade se desenvolve espontaneamente numa pessoa, deve deixar-se que o fenômeno siga o seu curso natural: a natureza é mais sábia que os homens; aliás a Providência tem seus pontos de vista e o mais humilde pode ser instrumento de grandes desígnios. Deve-se, porém, convir que o fenômeno por vezes adquire proporções fatigantes e importunas para todos. Ora, eis aqui, em todo caso, o que se deve fazer[1].
Partindo do princípio que as manifestações físicas espontâneas têm o objetivo de chamar a nossa atenção para qualquer coisa, é preciso procurar conhecer tal objetivo, para o que se deve interrogar o Ser invisível que deseja comunicar-se. A respeito demos uma explicação no capítulo das manifestações. Pode ele querer algo para si mesmo ou para a pessoa a quem se manifesta. Num caso, como no outro, é provável, conforme já dissemos, que se for atendido cessem as visitas. Aliás, eis um outro meio, como o precedente, baseado na observação dos fatos.
Os seres invisíveis, que revelam sua presença por efeitos sensíveis, geralmente são Espíritos de ordem inferior e que podem ser dominados pelo ascendente moral. É esse ascendente que devemos adquirir. Longe, pois, de nos mostrarmos submissos aos seus caprichos, devemos opor-lhes a vontade e obrigá-los a obedecer, o que não impede que condescendamos com todos os pedidos justos e legítimos que nos pudessem fazer. Aliás, tudo depende da natureza do Espírito que se comunica: pode ele ser inferior, mas benevolente, e vir com boas intenções. É disso que nos devemos assegurar e que facilmente reconheceremos pela natureza das comunicações. Mas não lhe perguntemos se é um bom Espírito, pois responderá afirmativamente quem quer que ele seja. Seria o mesmo que perguntar a um ladrão se é um homem de bem.
Para obter esse ascendente é necessário fazer o sensitivo passar do estado de médium natural ao de médium facultativo. Produz-se, então, um efeito semelhante ao que se dá no sonambulismo. Sabe-se que o sonambulismo natural geralmente cessa quando é substituído pelo sonambulismo magnético. Não se pára a faculdade emancipadora da alma: apenas se lhe dá outro curso. O mesmo acontece com a faculdade mediatriz. Para isto, em vez de entravar os fenômenos, o que raramente se consegue e que nem sempre está isento de perigo, é necessário excitar o médium a produzi-los à sua vontade, impondo-se ao Espírito. Por tal meio chega-se a dominá-lo; e de um denominador por vezes tirânico, fazemos um ser subordinado e até muito dócil. Um fato digno de observação, e justificado pela experiência, e que em semelhantes casos uma criança tem tanta e às vezes, mais autoridade que um adulto, prova nova, em apoio deste ponto capital da doutrina, que o Espírito só é criança pelo corpo e tem por si mesmo um desenvolvimento necessariamente anterior à sua encarnação atual, o qual lhe pode dar ascendente sobre os Espíritos que lhe sejam inferiores.
[1] A explicação teórica é encontrado na REVISTA ESPÍRITA, nos números de maio e junho de 1858.
Para o médium, a faculdade de escrever é, além disso, mais suscetível de desenvolvimento pelo exercício. No capítulo dos modos de comunicações explicamos as diversas maneiras de obter a escrita. Vimos que a cesta e a prancheta apenas desempenham o papel de apêndice da mão: é um porta-lápis alongado - eis tudo. Ter-se-á êxito do mesmo modo se o lápis for colocado na ponta de uma bengala. Tais aparelhos têm a vantagem de dar uma escrita mais característica do que a obtida com a mão, mas têm o inconveniente de exigir quase sempre a cooperação de uma segunda pessoa, o que pode ser Incomodo. Por isso aconselhamos a preferência pela escrita imediata. O processo é dos mais simples: consiste simplesmente em tomar lápis e papel e colocar-se na posição de uma pessoa que escreve sem qualquer preparação. Entretanto para se ter êxito são necessárias algumas recomendações.
Como, em definitiva, é pela influência de um Espírito que a gente escreve, esse Espírito não virá se não for chamado. É, pois, necessário evocá-lo por pensamento e lhe pedir, em nome de Deus, a bondade de se comunicar. Não há para isso uma formula sacramental: quem quer que pretendesse apresentar uma pode imediatamente ser taxado de charlatanismo. O pensamento é tudo, a forma nada é. Não é menos necessário chamar um que seja simpático, e isto por duas razões: a primeira é que ele virá de melhor vontade, desde que nos estime; a segunda é que, por força dessa estima, estará mais disposto a ajudar os nossos esforços para comunicar-se conosco. Será, pois, de preferência, um parente ou um amigo. Pode entretanto, acontecer que esse parente ou esse amigo se ache numa posição que não permite venha atender ao nosso apelo, ou que não tenha força suficiente para nos fazer escrever. Por isso é sempre útil juntar à evocação a evocação do nosso Espírito familiar, seja ele quem for, sem que haja necessidade de lhe saber o nome, por isso que ele estará sempre conosco. Então, uma de duas: ou será ele quem responde, ou irá procurar o outro; em todo Caso presta o seu apoio.
Uma coisa negligenciada por quase todos os principiantes e fazer uma pergunta. E evidente que o Espírito evocado não poderá responder, desde que não seja interrogado. Poderá sem dúvida, dizer algo espontaneamente, como acontece a cada momento com os médiuns formados; mas com quem esteja ainda no princípio, o Espírito tem uma primeira dificuldade a vencer. É, pois, necessário simplificá-la tanto quanto possível, por ser o efeito que produz uma pergunta conducente a uma resposta precisa. Para começar, dever-se-á ter cuidado de formular a pergunta de tal maneira que a resposta seja apenas sim ou não; mais tarde essa precaução tornar-se-á inútil. A natureza da pergunta não é indiferente: não é preciso que, por si mesma, tenha uma importância real; ao contrário, quanto mais simples, melhor; a princípio trata-se de simples relação a estabelecer; o essencial é que não seja fútil, que não se reporte a interesses privados e, sobretudo, que seja a expressão de um sentimento benevolente e simpático para o Espírito ao qual nos dirigimos.
Coisas não menos necessárias são a calma e o recolhimento, unidos a um ardente desejo e a uma firme vontade de êxito. E pela vontade aqui entendemos não uma vontade efêmera, que age por impulsos e que a cada instante é interrompida por outras preocupações, mas uma vontade paciente, perseverante, sustentada pela prece dirigida ao Espírito evocado. O recolhimento é favorecido pela solidão, pelo silêncio e pelo afastamento de tudo quanto possa causar distrações. Agora resta apenas uma coisa a fazer: esperar sem desânimo e renovar diariamente a tentativa durante dez a quinze minutos no máximo de cada vez, possivelmente num período de quinze dias a um ou dois meses. Por isso dissemos que era preciso uma vontade paciente e perseverante. É que, por outro lado, consultados os Espíritos sobre a aptidão desta ou daquela pessoa, quase sempre dizem: “com a vontade triunfareis”. É então possível que se tenha êxito logo da primeira vez, como também é possível que se tenha de esperar durante um tempo mais ou menos longo. Em todo caso, se ao cabo de três meses não se obtiver absolutamente nada será quase inútil continuar.
É de notar-se que quando se interrogam os Espíritos a respeito de saber se se é ou não médium, quase sempre eles respondem afirmativamente, o que não impede que os ensaios sejam muitas vezes infrutíferos. Isto se explica naturalmente. Faz-se ao Espírito uma pergunta genérica e ele responde de maneira geral. Ora, como se sabe, nada mais elástico do que a faculdade mediatriz, pois que se apresenta sob as mais variadas formas e em graus muito diversos. Pode-se, pois, ser médium sem o notar e num sentido diverso daquele em que se pensa. À pergunta vaga: sou médium? o Espírito pode responder afirmativamente. A uma pergunta mais precisa, como: sou médium escrevente? ele pode responder que não. É necessário levar em conta, ainda, a natureza do Espírito interrogado. Uns são levianos e tão ignorantes que respondem a torto e a direito, como verdadeiros estorvados.
Um meio que geralmente dá resultado, quer para ativar o desenvolvimento, quer para fazer com que escreva uma pessoa, sem o auxílio do qual não o conseguiria, consiste em empregar momentaneamente, como auxiliar, um bom médium escrevente ou de outra mediunidade, mas já desenvolvido. Se este puser a mão ou os dedos sobre a mão que deve escrever, é raro que esta não o consiga imediatamente. Compreende-se o que se passa em tais circunstâncias: a mão que segura o lápis torna-se, de algum modo, um apêndice da mão do médium, como se fosse a cesta ou a prancheta. Isto, porém, não impede que o exercício seja útil, quando se o quer empregar, pois que, repetido com frequência e regularidade, ajuda a vencer o obstáculo material e provoca o desenvolvimento da faculdade. Às vezes basta magnetizar fortemente o braço e a mão daquele que deseja escrever; por vezes mesmo o magnetizador se limita a pôr a mão sobre o ombro e, como temos presenciado, ele escreve imediatamente sob tal influência. O mesmo efeito também pode produzir-se sem nenhum contado e pela simples ação da vontade. Neste caso, é necessário excitar os esforços do Espírito, encorajando-o pela palavra. Compreende-se sem dificuldade que a confiança do magnetizador em sua própria força deve aqui representar um grande papel, e que um magnetizador incrédulo exerceria pouca ou nenhuma influência.
A força que permite desenvolver nos outros a faculdade de escrever constitui uma variedade de médiuns que chamamos médiuns excitadores[1]. Talvez pareça estranho que tal faculdades exista em pessoas que não escrevem, elas próprias, sob a ação de Espíritos. Seu concurso muitas vezes é útil aos principiantes, mesmo para os que possuam uma aptidão natural. Há uma porção de pequenas precauções que muitas vezes nós desprezamos, em detrimento de um progresso rápido e que um guia experimentado faz observar, seja por disposição material, seja principalmente pela natureza das primeiras perguntas e pela maneira de as fazer. Seu papel aqui é o de um professor que dispensamos, desde que nos tornamos hábeis.
A fé no médium incipiente não é condição de rigor: incontestavelmente acompanha os esforços, mas não é indispensável; bastam o desejo e a boa vontade. Têm-se visto pessoas absolutamente incrédulas ficar admiradas de escrever, mau grado seu, enquanto que crentes sinceros não o conseguem. Isto prova que a faculdade se deve a uma disposição orgânica.
Como disposição material recomendamos evitar tudo quanto possa prejudicar o livre movimento da mão; é mesmo preferível que esta não se apoie completamente sobre o papel. A ponta do lápis deve apoiar-se suficientemente para traçar, mas não tanto que crie resistência. Todas as precauções se tornam inúteis uma vez que se consegue escrever correntemente, porque então nenhum obstáculo poderia impedi-lo: são apenas os preliminares do estudante.
O primeiro indício de uma disposição para escrever é uma espécie de frêmito no braço e na mão; pouco a pouco a mão é arrastada por um impulso que não pode dominar. Frequentemente não traça, de início, senão riscos insignificantes; depois os caracteres se definem cada vez mais e a escrita acaba adquirindo a rapidez da escrita corrente. Em todo caso é preciso abandonar a mão ao seu movimento natural e não oferecer nem resistência nem impulso.
Por vezes a escrita é bem legível e as letras e palavras bem destacadas; mas com certos médiuns é difícil decifrar outra pessoa aquilo que ele escreve, a não ser pelo hábito. Geralmente é formada por grandes traços; muitas vezes algumas palavras apenas tomam toda uma página; os Espíritos são pouco econômicos quanto ao papel. Quando uma palavra ou frase é pouco legível, pede-se ao Espírito que a recomece, o que, em geral, ele faz de boa vontade. Quando a escrita é habitualmente ilegível, mesmo para o médium, quase sempre este consegue maior correção pelos exercícios frequentes e continuados, para os quais deve contribuir com uma vontade firme, e pedir com ardor que o Espírito escreva com mais clareza. Se se quiser conservar as respostas, é bom transcrevê-las imediatamente, bem como as perguntas, enquanto as temos na memória, pois mais tarde isto às vezes se toma impossível. Certos Espíritos, antes de começar uma resposta, fazem a mão executar algumas evoluções e traçam alguns riscos sem significação: dizem que é para exercitar e desligar à mão ou estabelecer afinidade. Por vezes são emblemas ou alegorias, cuja explicação dão a seguir. Muitas vezes adotam sinais convencionais para exprimir certas idéias, que passam a um emprego regular nas reuniões habituais. Para fazer notar que uma pergunta lhes desagrada e que não desejam respondê-la, farão, por exemplo, um longo traço, ou coisa semelhante.
Quando um Espírito termina o que quer dizer ou não mais quer responder, a mão fica imóvel e, seja qual for a força e a vontade do médium, não consegue nem mais uma palavra. É sinal de que o Espírito partiu. Ao contrário, enquanto ele não concluir, o lápis se move sem que a mão consiga parar. Se quiser dizer algo espontaneamente, a mão tomará o lápis convulsivamente e começará a escrever sem que nada se lhe oponha.
Tais são as explicações mais essenciais que devemos dar relativamente ao desenvolvimento da psicografia. A experiência dará a conhecer, na prática, certos detalhes cuja referência aqui seria inútil e pelos quais nos guiaremos como complementos aos princípios gerais. Que muitos experimentem: verificar-se-á que quase não há uma família que não tenha um médium escrevente entre os seus membros, nem que seja uma criança.
Quem quer que tenha recebido o dom de escrever sob a influência dos Espíritos possui uma faculdade preciosa, porque se toma intérprete entre o mundo visível e o invisível. É muitas vezes uma missão que recebeu para o bem, mas do qual não se deve envaidecer, pois a faculdade pode lhe ser retirada se dela fizer mau uso e, até, voltar-se contra si mesmo, no sentido de que escreverá coisas más e terá apenas maus Espíritos à sua disposição. Aquele que, a despeito dos esforços e da perseverança, não chega a possuí-Ia, não deve, por isso, concluir desfavoravelmente à sua pessoa: é que sua organização física não se presta para isso, mas não fica deserdado das comunicações espíritas; se as não recebe diretamente, pode obtê-las muito belas e muito boas por um intermediário. Aliás, pode, em compensação, possuir outras faculdades não menos úteis. A privação de um sentido quase sempre é compensada por um outro sentido mais desenvolvido.
Como dissemos, o Espírito possui um envoltório semi material chamado perispírito. O fluido condensado, por assim dizer, em redor do Espírito, para formar esse envoltório é o intermediário por meio do qual aquele age sobre o corpo; é o agente de sua força material; é por ele que se produzem os fenômenos físicos.
Se examinarmos certos efeitos que se produzem no movimento das mesas, da cesta ou da prancheta, que escreve, não poderemos duvidar de uma ação exercida diretamente pelo Espírito sobre aqueles objetos. Por vezes a cesta se agita com tal violência que escapa das mãos do médium; outras vezes, mesmo, se dirige para certas pessoas do grupo, para batê-las; outras, ainda, seus movimentos denotam sentimentos afetuosos. O mesmo acontece quando o lápis está na mão: por vezes é atirado ao longe, violentamente, ou a mão, como a cesta, se agita convulsivamente e bate na mesa com raiva, ainda que o médium esteja na maior calma e se admire de não ser senhor de si. Digamos, de passagem, que esses efeitos denotam geralmente a presença de Espíritos imperfeitos; os Espíritos realmente superiores são constantemente calmos, dignos e benevolentes; se não são escutados convenientemente, retiram-se e outros lhes tomam o lugar. O Espírito pode, pois, exprimir diretamente o seu pensamento pelo movimento de um objeto, do qual a mão do médium serve de ponto de apoio. Pode-o até sem que tal objeto esteja em contado com o médium.
A transmissão do pensamento também se dá por meio do Espírito do médium, ou melhor, por meio de sua alma, porque sob este nome designamos o Espírito encarnado. Neste caso o Espírito estranho não age sobre a mão, fazendo-a escrever como no caso da cesta; ele não a domina, não a guia: age sobre a alma, com a qual se identifica. Sob esse impulso, a alma dirige a mão por meio do fluido que constitui o seu perispírito. A mão dirige a cesta, a cesta dirige o lápis. Notemos aqui - e isto é Importante - que o Espírito estranho não se substitui à alma, pois não poderia deslocá-la: ele a domina, mau grado seu e lhe imprime a sua vontade. Quando dizemos mau grado seu, queremos falar da alma agindo exteriormente pelos órgãos do corpo. Mas a alma, como Espírito que é, mesmo encarnado, pode perfeitamente ter consciência da ação exercida sobre si mesma por um Espírito estranho. O papel da alma em tal. circunstância é, por vezes, inteiramente passivo, e, então, o médium nenhuma consciência tem do que escreve ou do que diz, caso seja um médium falante. Mas às vezes, a passividade não é absoluta: então há uma consciência mais ou menos vaga, posto sua mão seja arrastada por um movimento maquinal ao qual fique estranha a sua vontade.
Dir-se-á que se assim é, nada prova que seja um Espírito estranho quem escreve, mas o próprio médium. É aqui o lugar para relevar um erro partilhado por muita gente. Diremos, pois, que pode acontecer que a alma do médium se comunique, como se fosse um Espírito estranho; isto é fácil de compreender-se. Desde que podemos evocar o Espírito de pessoas vivas, ausentes ou presentes, e que esse Espírito se comunique pela escrita ou pela palavra do médium, por que não se comunicaria o Espírito encarnado no médium? Provam os fatos que, em certas circunstâncias assim acontece, como no sonambulismo, por exemplo. Daí se segue que a comunicação dada pela alma do médium seja de menor valor? Absolutamente. O Espírito encarnado no médium pode ser mais adiantado que certos Espíritos estranhos e, então, dará comunicações melhores. A nós cabe julgar. No caso, ele fala como Espírito desprendido da matéria e não como homem. A questão é de saber se não é sempre o Espírito do médium que emite seus próprios pensamentos, como pretendem alguns. Essa opinião absoluta é um sistema que não pode originar-se senão de uma observação incompleta. Assim, é sempre perigoso externar uma teoria sobre coisas não aprofundadas é das quais apenas se viu uma face. Sem dúvida casos há em que a intervenção de um Espírito estranho não é incontestável; basta, porém, que nalguns deles ela seja manifesta para que se conclua que um Espírito, que não o do médium, pode comunicar-se. Ora, essa intervenção estranha não seria duvidosa quando, por exemplo, uma pessoa que não soubesse ler nem escrever, nada obstante escrevesse como médium; quando um médium escreve ou fala uma língua que não conhece; quando, enfim - o que constitui o caso mais comum - nenhuma consciência tem do que escreve, quando os pensamentos expressos são contrários à sua maneira de ver, fora de seus conhecimentos ou acima de seu alcance mental. Sobre este último caso dá a experiência provas tão palpáveis que a dúvida não é permitida em quem haja observado muito e, sobretudo, observado bem.
Seja, pois, qual for o modo de ação do Espírito estranho para a produção pela palavra, o médium nunca passa de um instrumento, mas de um instrumento mais ou menos cômodo. Isto permite que façamos uma observação importante, que responderá a esta pergunta natural: Por que nem todos os médiuns escrevem em todas as línguas que lhes são desconhecidas?
O Espírito estranho sem dúvida compreende todas as línguas, desde que estas são a expressão do pensamento e o Espírito compreende pelo pensamento. Mas para comunicar tal pensamento é necessário um instrumento - o médium. A alma do médium que recebe a comunicação estranha só por seus órgãos corpóreos poderá transmiti-a; ora, esses órgãos não podem ter para uma língua desconhecida a mesma flexibilidade que têm para a que lhes é familiar. Um médium que apenas fala francês acidentalmente poderá dar uma resposta em inglês, por exemplo, se ao Espírito agrada fazê-lo; mas os Espíritos, que já acham muito lenta a linguagem humana, em relação à rapidez do pensamento, por isso que o abreviam quanto podem, impacientam-se com a resistência mecânica que aqueles oferecem. Por isso nem sempre o fazem. É também esta a razão por que o médium novato, que escreve lentamente e com dificuldade, mesmo em sua própria língua, em geral só consegue respostas breves e sem desenvolvimento. Assim, recomendam os Espíritos que por intermédio destes últimos não sejam feitas perguntas senão muito simples. Para as de maior importância é necessário um médium desenvolvido, que não ofereça nenhuma dificuldade mecânica ao Espírito. Nós não tomaríamos para leitor um escolar que apenas deletasse. Um bom operário não gosta de se servir de ferramenta ordinária. Acrescentamos uma outra consideração, de grande importância no que concerne às línguas estranhas. Os ensaios desse gênero são sempre feitos com o objetivo de curiosidade e de experimentação. Ora, nada mais antipático para os Espíritos do que as provas a que tentam submetê-los. Os Espíritos superiores a isso não se prestam e se afastam desde que tentamos entrar por esse caminho. Tanto se comprazem nas coisas úteis e sérias, quanto lhes repugna ocupar-se das coisas fúteis e sem finalidade. É, dirão os incrédulos, para nos convencer; e tal objetivo é útil, desde que pode ganhar adeptos à causa dos Espíritos. A isto respondem os Espíritos: "Nossa causa não necessita dos que são tão orgulhosos que se julgam indispensáveis: chamamos a nós aqueles que queremos e, frequentemente são os mais humildes. Jesus realizou os milagres que lhe pediam os Escribas? De que homens se serviu para revolucionar o mundo? Se quiserdes convencer-vos tendes outros meios fora da exibição de força: começai por vos submeterdes; não é do regulamento que o estudante imponha a sua vontade a.o seu professor”.
Disso resulta que, tirantes raras exceções, o médium transmite o pensamento dos Espíritos pelos meios mecânicos à sua disposição e que a expressão desse pensamento pode, e, mesmo, deve, na maioria dos casos, ressentir-se da imperfeição desses meios. Assim, o homem inculto, o campônio, poderá dizer as mais belas coisas, exprimir os mais elevados pensamentos, os mais filosóficos, falando como um camponês. Para os Espíritos o pensamento é tudo, a forma, nada. Isto responde à objeção de certos críticos, relativamente às incorreções de estilo e de ortografia, que podem ser notadas, e que tanto podem vir do médium quanto do Espírito. Seria futilidade agarrar-se a semelhantes coisas.
Se, do ponto de vista da execução, o médium não passa de um instrumento, sob outro aspecto exerce uma grande influência. Desde que, para se comunicar, o Espírito estranho se identifica com o do médium, tal identificação só se verifica quando entre eles se estabelece simpatia e, se assim se pode dizer, afinidade. A alma exerce sobre o Espírito estranho uma espécie de atração ou de repulsão, conforme o grau de similitude ou de dessemelhança. Ora, os bons têm afinidade pelos bons e os maus pelos maus. De ande se segue que as qualidades morais do médium têm uma influência capital sobre a natureza dos Espíritos que por seu intermédio se comunicam. Se for viciado, os Espíritos inferiores virão agrupar-se em seu redor e estarão sempre prontos a tomar o lugar dos bons Espíritos que forem chamados. As qualidades que atraem os bons Espíritos são: a bondade, a benevolência, a simplicidade de coração, o amor ao próximo e o desprendimento das coisas materiais. Os defeitos que os repelem são: o egoísmo, a inveja, o ciúme, o ódio, a cupidez, a sensualidade e todas as paixões pelas quais o homem se liga à matéria. Um médium por excelência seria, então, aquele que ligasse a facilidade de execução ao mais alto grau de qualidades morais.
A influência do Espírito do médium pode ainda exercer-se de outra maneira. Se for hostil ao Espírito estranho que se comunica, pode lhe ser um intérprete infiel, alterar ou mascarar seu pensamento, ou apresentá-lo em termos impróprios. Dá-se o mesmo entre nós, quando escolhemos um homem de má fé para uma missão de confiança.
A faculdade mediatriz, seja qual for o seu grau de extensão, não basta para que tenhamos boas comunicações. Antes de tudo é necessário, como condição expressa, um médium simpático aos bons Espíritos. A repulsão destes pelos médiuns inferiores do ponto de vista moral e fácil de compreender. Nos tomaríamos como confidentes pessoas às quais não estimássemos?
Certas criaturas não realmente mal aquinhoadas relativamente às comunicações: algumas há que nem recebem nem transmitem habitualmente senão coisas triviais ou grosseiras, para não dizer mais. Devem elas deplorá-lo como um indício seguro da natureza dos Espíritos que se agrupam em seu redor, pois certamente não são Espíritos superiores os que empregam semelhante linguagem. Nunca seriam demasiados os esforços para se desvencilharem de acólitos tão pouco recomendáveis, a menos que tais criaturas achem um certo encanto em tal gênero de conversação. Em todo caso, concitamo-las a evitar a sua exibição, pois isto lhes poderia dar uma ideia pouco lisonjeira das simpatias que encontram no mundo dos Espíritos. Completaremos o que fica dito dos médiuns à medida que o exigir o desenvolvimento dessas instruções.
Então seria absolutamente impossível ter boas comunicações por médiuns imperfeitos? É o que veremos no capitulo seguinte.
Partindo deste princípio, suponhamos uma reunião de criaturas levianas, inconseqüentes, absorvidas em seus prazeres. Quais serão os Espíritos que ai se encontram preferencialmente? Com toda certeza não serão Espíritos superiores, do mesmo modo que não serão os nossos cientistas e os nossos filósofos que aí iriam por passatempo. Assim, toda vez que alguns homens se reúnem, têm consigo uma assembléia invisível que se afina com as suas qualidades ou com os seus defeitos, abstração feita de qualquer idéia de evocação. Adiantamos agora que eles tenham a possibilidade de entreter-se com os seres do mundo invisível através de um intérprete, isto é, de um médium. Quais os que responderão ao apelo? Evidentemente os que lá estão, prontinhos, e que apenas buscam uma ocasião para comunicar-se. Se numa assembléia fútil for chamado um Espírito superior, poderá ele vir e, até, dizer algumas palavras sensatas, como um bom pastor virá ao meio de suas ovelhas desgarradas. Mas desde que veja que não é compreendido nem escutado, vai-se embora, como o faríeis em seu lugar. Então os outros têm o campo livre.
Nem sempre basta que uma reunião seja séria para ter comunicações de ordem elevada. Há criaturas que nunca riem e cujo coração não é mais puro. Ora, é sobretudo o coração que atrai os bons Espíritos. Nenhuma condição moral exclui as comunicações espíritas; mas se estivermos em más condições, conversaremos com os nossos iguais, que não se pejam de nos enganar e que freqüentem ente lisonjeiam os nossos preconceitos.
Pelo fato de não pertencer a uma ordem superior nem sempre um Espírito é mau: por vezes é apenas leviano. Se nos divertirmos com suas facécias, ele as multiplicará de bom grado e nos dará entrada para o sal dos epigramas que não nos assentam bem e, sob uma forma jovial muitas vezes nos dão lições picantes. São os vaudevilistas do mundo espírita, assim como os Espíritos superiores são os seus cientistas e filósofos.
Vê-se por aí a enorme influência do meio sobre a natureza das manifestações inteligentes. Mas essa influência não se exerce como alguns pretendiam, quando não era ainda conhecido o mundo dos Espíritos como o é hoje, e antes que as experiências mais concludentes tivessem vindo esclarecer as dúvidas. Quando as comunicações concordam com a opinião dos assistentes não é porque tal opinião se reflita no Espírito do médium como em um espelho: é porque tendes convosco Espíritos que vos são simpáticos, pelo bem ou pelo mal e que abundam em vossos conceitos. E o que o prova é que se tiverdes a força de atrair outros Espíritos que não os que vos rodeiam, esse mesmo médium vos apresentará uma linguagem completamente diferente, e vos dirá as coisas mais afastadas de vossa mente e de vossas convicções. Em resumo, as condições do meio serão tanto melhores quanto mais homogeneidade aí houver para o bem, mais sentimentos puros e elevados, mais desejo sincero de instruir-se sem segundas intenções.
Nesse meio três elementos podem influir, cada um de per si ou simultaneamente: o conjunto dos assistentes, pelos Espíritos que atraem; o médium, pela natureza de seu próprio Espírito, que serve de intérprete; e aquele que interroga. Este pede, por si só, dominar todas as outras influências e, nada obstante todas as condições desfavoráveis do ambiente, pode por vezes obter grandes coisas por seu ascendente, desde que o fim a que se propõe seja útil. Os Espíritos superiores vêm ao seu apelo e para ele; os outros se calam, como escolares diante dos professores.
A influência do meio faz compreender que quanto menos numerosa a reunião melhor será, por ser mais fácil conseguir a homogeneidade. As pequenas sessões íntimas são sempre mais favoráveis às belas comunicações. Entretanto compreende-se que se cem pessoas reunidas estiverem bastante recolhidas e atentas, obterão mais que dez distraídas e barulhentas.
O que sobretudo é preciso entre os assistentes é uma comunhão de pensamento. Se esta visar o bem, os bons Espíritos virão facilmente e de boa vontade. Nunca seria demasiada a circunspeção mantida quanto aos elementos novos que introduzimos nas sessões: há pessoas que consigo levam a perturbação onde quer que se achem. Neste caso os mais incômodos não são os ignorantes da matéria, nem mesmo os que não acreditam: a convicção só se adquire com a experiência e há criaturas que de boa fé se querem esclarecer. Estas, sobretudo, das quais nos devemos preservar, são as criaturas de sistemas preconcebidos, os incrédulos que mau grado seu ainda duvidam de tudo, mesmo da evidência; os orgulhosos que pretendem que só eles têm a luz infusa, querem por toda parte impor as suas opiniões e olham com desdém os que pensam diversamente. Não nos deixemos influenciar por seu pretenso desejo de esclarecimento; muitos desses ficariam desapontados se fossem obrigados a concordar que se haviam enganado. Guardemo-nos, sobretudo, desses peroradores insípidos, que querem sempre dizer a última palavra. Os Espíritos não gostam de palavras inúteis.
Capítulo VIII - Das relações com os espíritos
De acordo com tudo quanto temos dito, compreende-se que o silêncio e o recolhimento sejam condições de primeira ordem; mas o que não é menos necessário é a regularidade das reuniões. Em todas há sempre Espíritos que poderíamos chamar de freqüentadores - e por isso não entendemos esses Espíritos que se acham por toda parte e em tudo se metem - tanto são Espíritos familiares, quanto aqueles que interrogamos mais freqüentemente. Não se deve supor que esses Espíritos não tenham outra coisa a fazer senão nos escutar: eles têm as suas ocupações e, aliás, podem encontrar-se em condições desfavoráveis para ser evocados.
Quando as reuniões são feitas em dias e horas prefixadas, eles por isso mesmo se dispõem e é raro que faltem. Alguns até levam a pontualidade ao extremo: formalizam-se por quinze minutos de atraso e se, eles próprios, marcam a hora de um apontamento, em vão os chamaríamos alguns minutos mais cedo. Fora das horas consagradas certamente podem vir e vêm até de boa vontade, desde que para um fim útil. Nada, porém, é mais prejudicial às boas comunicações do que os chamar a torto e a direito, quando nos dá na telha e, principalmente, sem um motivo sério. Como não são obrigados a submeter-se aos nossos caprichos, bem poderiam não se incomodar; e é sobretudo nessas ocasiões que outros lhes tomam o lugar e o nome.
Não há hora cabalística para evocações: a escolha é, pois, completamente indiferente; as melhores são aquelas em que as ocupações temporárias deixam mais calma e lazer. Os Espíritos que prescrevessem para qualquer coisa as horas de predileção consagradas aos seres infernais pelos contos fantásticos seriam, sem a menor dúvida, Espíritos mistificadores. Dá-se o mesmo em relação aos dias aos quais a superstição liga uma influência imaginária.
Também nada obsta que as reuniões sejam diárias: seu único inconveniente seria a sua grande freqüência. Se os Espíritos censuram o exagerado apego às coisas deste mundo, também recomendam não descuremos os deveres impostos por nossa posição social. Isto faz parte das provas. Aliás o nosso próprio Espírito, para a saúde do corpo, necessita não estar continuamente voltado para o mesmo objeto e, sobretudo, para as coisas abstratas. Ele lhes presta mais atenção quando não se acha fatigado. As reuniões semanais ou bihebdomadárias são suficientes; são feitas com mais solenidade e recolhimento do que quando mais amiúde. Falamos das sessões onde nos ocupamos de um trabalho regular e não daquelas que um médium incipiente consagra aos necessários exercícios de desenvolvimento. A bem dizer estas não são sessões, mas antes lições que darão resultados tanto mais rápidos quanto mais freqüentes. Uma vez, porém, desenvolvida a faculdade, é essencial não cometer abusos, pelos motivos já expostos. A satisfação causada pela posse dessa faculdade em certos principiantes excita nalguns um entusiasmo cuja moderação é muito importante. Devem eles pensar que ela lhes é dada para o bem e não para satisfazer uma vã curiosidade. Quando dizemos o bem, entendemos o de seus semelhantes e não somente o seu próprio. O médium que deseja entreter com os Espíritos relações sérias tanto deve evitar prestar-se à curiosidade dos amigos e conhecidos que quisessem assaltá-la com suas perguntas ociosas, quanto deve prestar um concurso decidido e desinteressado quando se tratar de coisas úteis. Do contrário seria egoísmo e o egoísmo é uma tara.
Se a escolha do local é indiferente, útil é não mudá-la desnecessariamente. O fluido vital, do qual cada Espírito errante ou encarnado é, de certo modo, um foco, irradia em seu redor pelo pensamento. Compreende-se, pois, que em um local habitual, deve haver um eflúvio desse fluido que aí forma, por assim dizer, uma atmosfera moral com a qual os Espíritos se identificam. Um lugar mesmo consagrado exclusivamente a essa espécie de entretenimentos e que não fosse, por assim dizer, profanado por preocupações vulgares seria ainda preferível, pois que seria um verdadeiro santuário de onde os maus Espíritos estariam excluídos, de vez que os elementos da atmosfera moral aí estariam menos misturados que num lugar banal.
A melhor disposição material é a que for mais cômoda e ocasionar o mínimo de desorganização e de confusão. Nos objetos que constituem a decoração, tudo quanto pode elevar o pensamento e lembrar o assunto de que nos ocupamos é útil. Entretanto é bom que se saiba que toda disposição ou ornamentação que cheira a grimório é absurda e, digamos logo, até perigosa, pelas idéias supersticiosas que naturalmente isto alimenta. Repetimos aqui o que dissemos pouco antes em relação às horas: os que recomendassem tais coisas ou práticas místicas quaisquer são Espíritos inferiores, que se divertem com a credulidade e que, eles próprios, se acham sob o império das idéias que tinham em vida. Dissemos, e nunca seria por demais repetido, que para os Espíritos superiores o pensamento é tudo e a forma, nada. É pelos bons pensamentos que os atraímos e não pelas fórmulas vãs. Os que ligam importância às coisas materiais provam por isso mesmo que ainda se acham sob a influência da matéria. Se, em certa época, as evocações estavam cercadas de mistérios e de símbolos, é que queriam esconder-se do vulgo e dar-se prestígio aos olhos dos ignorantes. Hoje a luz se fez para todos e é em vão que querem pô-la debaixo do alqueire.
Tudo quanto dissemos das reuniões onde se ocupam das comunicações espíritas se aplica naturalmente às comunicações individuais. Por isso não faremos menção especial. Dá-se o mesmo com tudo quanto nos resta examinar. Tomamos como modelo as reuniões, porque estas encerram condições mais complexas, de que cada um poderia fazer aplicação aos casos particulares. Acrescentamos, até, que as reuniões, quando se dão em boas condições, têm uma vantagem: várias pessoas, unidas por um pensamento comum, têm mais força para atrair bons Espíritos que gostam de achar-se num meio simpático, onde podem espargir a luz através de seus ensinamentos. Entretanto há circunstâncias em que eles preferem, e até recomendam as comunicações isoladas. Neste caso, o que de melhor se tem a fazer é conformar-se com os seus desejos.
Esta regra, entretanto, não é absoluta. Nas reuniões regulares, sobretudo naquelas em que nos ocupamos em trabalho continuado, há sempre, conforme ficou dito, Espíritos habituais, que vêm sem ser chamados, por isso mesmo que, à vista da regularidade dos trabalhos, eles se acham prevenidos. Muitas vezes tomam a palavra espontaneamente, para indicar o que devemos fazer, ou para desenvolver um assunto em pauta, e, então, facilmente os reconhecemos, quer pela forma de linguagem, que é sempre idêntica, quer pela escrita ou por certos hábitos que lhes são familiares ou, ainda, pelos nomes que dão, ora no começo, ora no fim da manifestação.
Quanto aos Espíritos estranhos, mais simples é a maneira de os evocar: não há fórmulas sacramentais ou místicas; basta fazê-lo em nome de Deus, nos termos seguintes ou em outros equivalentes: “Peço a Deus Todo-poderoso que permita ao Espírito de... (designar o Espírito com bastante precisão) vir comunicar-se conosco”. Ou assim: “Em nome de Deus Todo-poderoso peço ao Espírito de... que venha comunicar-se conosco”. Se ele puder vir, geralmente obtêm-se como resposta: “Sim”. Ou: “Aqui estou”, ou, ainda: “Para que me querem?”
Muitas vezes nos surpreendemos com a presteza com que um Espírito evocado se apresenta, mesmo pela primeira vez. Dir-se-ia que estivesse prevenido. Efetivamente é o que acontece, quando nos preocupamos previamente com a evocação. Essa preocupação é uma espécie de evocação antecipada; e como temos sempre nossos Espíritos familiares ou outros que se identificam com o nosso pensamento, eles preparam o caminho de tal modo que, se nada se opuser, o Espírito que queremos evocar já se acha presente. Caso contrário, é o Espírito familiar do médium ou daquele que interroga, ou, ainda, o de um dos frequentadores quem o vai procurar, para o que não é preciso muito tempo. Se o Espírito evocado não puder vir imediatamente, o mensageiro (o mercúrio, se quiserem) marca um prazo de cinco minutos, um quarto de hora, uma hora ou mesmo alguns dias. Quando chega diz: “Ele está aqui”. Então podemos iniciar o questionário que desejamos fazer.
Quando dizemos que a evocação deve ser feita em nome de Deus entendemos que nossa recomendação deve ser tomada a sério e não levianamente. Os que nisso vissem uma fórmula sem consequência fariam melhor se se abstivessem.
Entre as causas que podem opor-se à manifestação de um Espírito, umas lhes são pessoais e outras lhes são estranhas. Entre as primeiras devem ser colocadas as suas ocupações ou as missões que devem realizar e das quais não podem desviar-se para ceder aos nossos desejos. Neste caso a visita é adiada.
Há, ainda, a sua própria situação. Posto o estado de encanação não seja um obstáculo absoluto, pode ser um impedimento em dados momentos, principalmente quando a encarnação se verifica em mundos inferiores e quando o próprio Espírito é pouco desmaterializado. Nos mundos superiores, naqueles onde os laços entre o Espírito e a matéria são muitos fracos, a manifestação é quase tão fácil quanto no estado de erraticidade; em todo caso é mais fácil do que naqueles em que a matéria corpórea é mais compacta.
As causas estranhas são devidas principalmente à natureza do médium, à da personalidade evocada, ao meio onde se dá a evocação e, enfim, ao objetivo que se tem em mira. Certos médiuns recebem mais particularmente comunicações de seus Espíritos familiares, que podem ser mais ou menos adiantados; outros são aptos a servir de intermediários a todos os Espíritos. Isto depende da simpatia ou da antipatia, da atração ou da repulsão que o Espírito do médium exerce sobre o Espírito estranho que o tome por intérprete com satisfação ou com repugnância. Depende, ainda, abstração feita das qualidades íntimas do médium, do desenvolvimento de sua faculdade mediúnica. Os Espíritos vêm com melhor vontade e, sobretudo, são mais explícitos com os médiuns que lhes não oferecem obstáculo material de qualquer espécie. Sendo todas as coisas iguais quanto às condições morais, quanto maior for a facilidade do médium para escrever ou falar, tanto mais se generalizarão as suas relações com o mundo espírita.
É necessário, ainda levar em conta a facilidade que deve dar o hábito de comunicar-se com este ou aquele Espírito. Com o tempo o Espírito estranho se identifica com o do médium e com o daquele que o chama. De lado a questão de simpatia, estabelecem-se entre eles relações semi materiais, que tomam as comunicações mais rápidas. É por isso que uma primeira conversa nem sempre é tão satisfatória quanto poderia desejar-se; por isso também às vezes os Espíritos pedem que sejam chamados novamente. O Espírito que vem habitualmente sente-se como em casa: está familiarizado com os ouvintes e os intérpretes; fala e age mais livremente.
Em resumo, e do que acabamos de dizer, resulta que a facilidade de evocar um Espírito qualquer não implica para este a obrigação de estar às nossas ordens; que ele poderá vir em dado momento e não em outro, pelo médium e com o evocador que lhe agrada e não com outros; que dirá o que quer e não será constrangido a dizer o que não quer; que irá embora quando lhe convier; enfim, que, por causas dependentes ou não de sua vontade, depois de se ter mostrado assíduo durante algum tempo, repentinamente poderá deixar de vir.
Da possibilidade de evocar os Espíritos encarnados resulta a de evocar o Espírito de uma pessoa viva. Então responderá ele como Espírito e não como homem e frequentemente suas ideias não serão as mesmas. Esta espécie de evocação requer prudência, porque circunstâncias há em que poderiam ter inconvenientes. A emancipação da alma, como se sabe, quase sempre se dá durante o sono. Ora, a evocação o provoca, se a pessoa não estiver dormindo ou, ao menos, produzirá um entorpecimento e uma suspensão momentânea das faculdades sensitivas. Assim, haveria perigo se nesse momento a pessoa se achasse numa posição em que necessitasse inteiramente de sua consciência. Outro inconveniente seria se estivesse doente porque o mal poderia agravar-se. O perigo, aliás, é atenuado no sentido em que o Espírito conhece as necessidades de seu corpo e a isto se conforma, não ficando ausente mais que o tempo necessário. Assim, por exemplo, quando vê que o corpo vai despertar, di-lo e anuncia que é forçado a se retirar. Como os Espíritos podem reencarnar na Terra, acontece por vezes que evocamos pessoas vivas sem o suspeitarmos; nós mesmos podemos sê-lo sem nos apercebermos. Mas então as circunstâncias não são as mesmas e disso nada resultaria de prejudicial.
Podemos admirar-nos de ver o Espírito dos mais ilustres homens, daqueles aos quais mal ousaríamos falar em vida, responder ao apelo das mais vulgares criaturas. Isto não surpreenderá senão os que não conhecem a natureza do mundo espírita. Quem quer que o tenha estudado, sabe que a posição ocupada na Terra não dá ali nenhuma supremacia e que lá o poderoso talvez esteja abaixo do que foi o seu criado. Tal é o sentido das palavras de Jesus: “Os grandes serão humilhados e os pequenos serão exaltados”. E, ainda: “Aquele que se humilha será exaltado e aquele que se eleva será humilhado”. Assim, um Espírito pode não ocupar entre os seus semelhantes a posição que lhe atribuímos; mas se for verdadeiramente superior deve ter-se despojado de todo orgulho e de toda vaidade e, desde então, olha o sentimento e não as exterioridades.
Quanto à questão de saber se se deve tratar os Espíritos por tu[1] ela é muito pouco importante. O respeito está no pensamento e não nas palavras. Tudo depende da intenção ligada ao caso, pois a esse respeito os usos não são os mesmos em todas as línguas. Pode-se, pois, tratar ou não os Espíritos por tu, conforme sua classe e o grau de intimidade que exista entre eles e nós, como faríamos com os nossos semelhantes.
Se os Espíritos não ligam às palavras, gostam, entretanto, que se saiba o seu grau de condescendência, tanto em vir quanto em nos responder. Devemos, pois, agradecer-lhes, como também aos que se ligam a nós e nos protegem, o que constitui um meio para que continuem. Grave erro seria supor que a forma imperativa pode ter sobre eles alguma influência: é um meio infalível de afastar os Espíritos. Pedimos-lhes, mas não lhes ordenamos, pois que não se acham às nossas ordens; e tudo quanto denota orgulho os repele. Os próprios Espíritos familiares abandonam aqueles que os desamparam e se lhes mostram ingratos.
Mesmo quando não sejam de primeira categoria, nem por isso os Espíritos merecem menos a nossa consideração quando, sobretudo revelam uma relativa superioridade. Quanto aos Espíritos inferiores, seu caráter nos marca a linguagem que convém em seu trato. Entre estes alguns há que, posto inofensivos e até benevolentes, são levianos, ignorantes e estorvados. Tratá-los como se fossem Espíritos sérios, como o fazem certas pessoas, seria o mesmo que ajoelhar-se diante de um escolar ou de um jumento enfeitado com um capelo. O tom de familiaridade não lhes seria inadequado e eles não se formalizam: ao contrário, prestam-se de boa vontade.
Entre os Espíritos inferiores alguns são infelizes. Sejam quais forem as faltas que expiam, seus sofrimentos são títulos tanto maiores à nossa comissariarão que ninguém se pode gabar de escapar àquelas palavras do Cristo: “Aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra”. A benevolência que lhes testemunhamos lhes é um alívio; em falta de simpatia devem eles encontrar a indulgência que desejaríamos tivessem para conosco.
Os Espíritos que revelam sua inferioridade pelo cinismo da linguagem, pelas mentiras e pela baixeza de sentimentos ou pela perfídia de seus conselhos certamente são menos dignos de nosso interesse que aqueles cujas palavras denotam arrependimento. Devemos-lhes, ao menos, a piedade que temos pelos maiores criminosos; e o meio de os reduzir ao silêncio é mostrarmo-nos superiores: pois eles só se entregam às pessoas das quais pensam que nada devem temer. É aqui o caso de falar com autoridade para os afastar, o que sempre se consegue por meio de uma vontade firme, intimando-os em nome de Deus e com o auxilio dos bons Espíritos. Eles se inclinam ante a superioridade moral, como um culpado ante o juiz.
Em resumo, tanto seria irreverente tratar os Espíritos superiores de igual para igual, quanto seria ridículo ter para com todos, sem exceção, a mesma deferência. Tenhamos veneração aos que a merecem, reconhecimento aos que nos assistem e protegem e para com todos uma benevolência de que um dia talvez nós mesmos tenhamos necessidade. Penetrando no mundo incorpóreo teremos aprendido a conhecê-lo e esse conhecimento nos deve orientar em nossas relações com os que o habitam. Em sua ignorância os Antigos lhes levantaram altares; para nós eles apenas são criaturas mais ou menos perfeitas e não levantamos altares senão a Deus[2].
[2] Vide no vocabulário o verbete Politeísmo.
Posto isto, convém dirigir perguntas aos Espíritos? Algumas pessoas acham que nos devemos abster e que lhes devemos deixar a iniciativa do que querem dizer. Baseiam-se em que, falando espontaneamente, o Espírito falará mais livremente, dirá apenas o que quer e, assim, teremos mais segurança de receber a expressão de seu próprio pensamento. Pensam elas até que é mais respeitoso esperar o ensinamento que ele julga conveniente nos dar. A experiência contradita esta teoria, como tantas outras nascidas no início das manifestações. O conhecimento das diversas categorias de Espíritos traça o limite do respeito que lhes é devido e prova que, a menos que tenhamos a certeza de tratar com Espíritos superiores, seu ensino espontâneo nem sempre seria muito edificante. De lado esta consideração e supondo o Espírito suficientemente elevado para não dizer senão coisas boas, seu ensino muitas vezes seria limitado, caso não fosse alimentado por perguntas. Vimos inúmeras vezes sessões fracas ou nulas, por falta de um determinado assunto preponderante. Ora, como em definitiva os Espíritos não respondem senão aquilo que lhes convém, tomando uma atitude conveniente nós não faremos nenhuma violência ao seu livre-arbítrio. Por vezes eles mesmos provocam as perguntas, indagando: "Que queres? Pergunta e eu responderei”. Outras vezes eles nos interrogam não para instruir-se, mas para nos porem à prova ou nos levar a tomar mais claro o nosso pensamento. Reduzir-nos em sua presença a um papel meramente passivo seria um excesso de submissão que eles não exigem: o que querem é a atenção e o recolhimento. Quando espontaneamente tomam a palavra sem esperar as perguntas, como dissemos acima, ao falar das evocações, então é o caso de não os interromper e seguir a linha que eles traçam. Como, porém, nem sempre assim acontece, é bom estar de posse de um tema previamente escolhido, em falta de iniciativa dos Espíritos.
Regra geral: quando um Espírito fala não devemos interrompê-lo; quando ele manifesta por um sinal qualquer a intenção de falar, devemos esperar e não falar senão quando temos a certeza de que ele nada mais tem a dizer.
Se, em princípio, as perguntas não desagradam aos Espíritos, algumas há que lhes são soberanamente antipáticas e das quais nos devemos abster completamente, sob pena de não obtermos resposta ou termos respostas más. Quando dizemos que algumas perguntas são antipáticas, referimos aos Espíritos elevados: os inferiores não são tão escrupulosos; podemos perguntar-lhes tudo quanto quisermos sem os chocar, mesmo as coisas mais escabrosas e eles a tudo responderão como eles próprios dizem: "A uma pergunta boba, uma resposta boba”. Louco seria quem os levasse a sério.
Podem os Espíritos abster-se de responder por vários motivos: 1º - a questão lhes pode ser desagradável; 2º - nem sempre têm os conhecimentos necessários; 3º - há coisas que lhes é proibido revelar. Se, pois, não satisfazem a um pedido, e porque não querem, não podem ou não devem. Seja qual for o motivo, uma regra invariável é que toda vez que um Espírito recusa categoricamente responder, não devemos insistir. Do contrário a resposta será dada por um desses Espíritos levianos sempre prontos a se meterem em tudo e que muito pouco se inquietam com a verdade. Se a recusa não for absoluta, pode pedir-se ao Espírito que condescenda ao nosso desejo. Por vezes ele o faz, mas nunca cede à exigência. Esta regra não se aplica aos desenvolvimentos que devemos até pedir sobre um ponto que não estivesse suficientemente esclarecido. Quando um Espírito quer encerrar uma conversa, geralmente o indica por uma expressão tal como: adeus; chega por hoje - é tarde - até outro dia, etc. Quase sempre isto é sem apelo. A imobilidade do lápis é uma prova de que o Espírito já partiu e, então, é desnecessário insistir.
Dois pontos essenciais devem ser considerados nas perguntas: o fundo e a forma. Pela forma, posto que sem fraseologia ridícula, devem testemunhar atenções e condescendências devidas ao Espírito que se comunica, se for superior, e nossa benevolência se for nosso igual ou nosso inferior. Sob outro ponto de vista, devem ser claras, precisas, sem ambiguidade; devemos evitar as que tenham um sentido complexo. Melhor será fazer duas perguntas, caso necessário. Quando um assunto requer uma série de perguntas, importa que estas sejam postas em ordem, que se encadeiem e se sucedam metodicamente. Por isso é sempre útil prepará-las previamente, o que, aliás, como já dissemos, é uma espécie de evocação prévia, que prepara os caminhos; meditando sobre elas com a cabeça fresca, formulamo-las e as classificamos melhor, assim obtendo respostas mais satisfatórias. Isto não impede que, no curso da palestra, ajuntemos perguntas complementares, nas quais nem havíamos pensado, ou que podem ser sugeridas pelas respostas; mas o quadro está sempre traçado e é o essencial. O que devemos evitar é passar bruscamente de um a outro objetivo, por meio de perguntas que se não encadeiam, lançadas de permeio ao assunto principal. Por vezes acontece também que algumas perguntas preparadas antecipadamente, na previsão de certas respostas, se tornam inúteis e, neste caso, devemos passar adiante. Um fato que se verifica muito frequentemente é que por vezes a resposta se adianta à pergunta e que, apenas pronunciadas as primeiras palavras, o Espírito responde sem deixar que terminemos. Por vezes mesmo ele responde a um pensamento expresso em voz baixa por algum dos assistentes, sem que tenha sido feita uma pergunta e à revelia do médium. Se não tivéssemos a cada instante a prova manifesta da absoluta neutralidade deste último, fatos desse gênero não poderiam deixar a mais leve sombra de dúvida a tal respeito.
Em relação ao fundo, as perguntas merecem uma atenção especial, conforme o objetivo. As perguntas frívolas, de pura curiosidade ou de provas, são as que desagradam aos Espíritos sérios: elas os afastam ou eles não as respondem. Os Espíritos levianos se divertem com elas.
As perguntas de provas ordinariamente são feitas por aqueles que ainda não têm uma convicção adquirida e que procuram assim assegurar-se da existência dos Espíritos, de sua perspicácia e de sua identidade. Sem dúvida isto é natural de sua parte, mas foge completamente ao seu objetivo e a insistência sobre tal ponto é devida à sua ignorância mesma das bases sopre que repousa a ciência espírita, base completamente diferente daquelas das ciências experimentais. Aqueles, pois, que desejam instruir-se devem resignar-se a seguir uma via completamente diversa e a por de lado os nossos processos clássicos. Se acreditam não poder fazê-lo senão os experimentando a seu modo, melhor seria que se abstivessem. Que diria um professor ao qual pretendesse um aluno impor o seu método, que quisesse ensiná-la a agir desta ou daquela maneira e fazer as experiências à sua vontade? Ainda uma vez a ciência espírita tem seus princípios. Os que querem conhecê-la devem a eles se conformar. Do contrário não se poderão dizer aptos a julgá-los. Tais princípios os seguintes, no que concerne à questão das provas:
1º - Os Espíritos não são máquinas que movemos à nossa vontade: são seres inteligentes que não fazem nem dizem senão o que querem e que não podemos sujeitar aos nossos caprichos;
2º - As provas que desejamos ter de sua existência, de sua perspicácia e de sua identidade eles mesmos as dão espontaneamente e de bom grado em muitas ocasiões; mas as dão quando o querem e de maneira por que o querem; a nós cabe esperar, ver, observar e tais provas não nos faltarão: é necessário colhe-las de passagem; se quisermos provocá-las e então que nos escapam e nisto os Espíritos nos provam sua independência e seu livre-arbítrio.
Aliás, este princípio é que rege todas as ciências de observação. Que faz o naturalista que estuda os costumes de um inseto, por exemplo? Acompanha-o em todas as manifestações de sua inteligência ou de seu instinto; observa o que se passa, mas espera que os fenômenos se apresentem; não pensa em os provocar nem em lhes desviar o curso; aliás sabe que se fizesse não os teria mais na sua simplicidade natural. Dá-se mesmo em relação às observações espíritas.
De acordo com o que agora sabemos, compreende-se que não basta que um Espírito seja sério para resolver exprofesso toda questão séria; também não basta, como já dissemos, que tenha sido um cientista na Terra para resolver todas as questões de ciência, pois que pode estar ainda imbuído de preconceitos terrenos; é preciso que seja suficientemente elevado ou que o seu desenvolvimento como Espírito se tenha realizado no âmbito das ideias que lhe queremos submeter e esse desenvolvimento por vezes é bem diverso daquele que lhe pudemos observar em vida; mas também muitas vezes acontece que outros Espíritos mais elevados venham em auxílio daquele que interrogamos e supram a sua deficiência. Isto acontece sobretudo quando a intenção do interpelante é boa, pura e sem segunda intenção. Em suma, a primeira coisa a fazer, quando nos dirigimos pela primeira vez a um Espírito é aprender a conhecê-lo, a fim de julgar da natureza das perguntas que lhe podemos dirigir com mais segurança.
Em geral os Espíritos ligam pouca importância às questões puramente de interesse material e às que concernem às coisas da vida particular. Seria, pois, engano pensar que neles temos guias infalíveis aos quais podemos consultar a cada momento sobre a marcha e o resultado dos nossos negócios. Repetimo-lo mais uma vez: os Espíritos levianos respondem a tudo; até predizem, se o quisermos, a alta e a baixa na Bolsa, dirão se o marido esperado será louro ou moreno, etc. Tanto melhor se o acaso os faz acertar.
No número das questões frívolas não incluímos todas as que têm cunho pessoal. O bom-senso nos levará a uma apreciação. Mas os Espíritos que melhor nos podem guiar nesse terreno são os familiares, os encarregados de velar por nós e que, pelo hábito de nos acompanhar, estão identificados com as nossas necessidades. Estes, incontestavelmente, conhecem os nossos negócios melhor que nós. É, pois, a eles que devemos perguntar essas coisas e ainda devemos fazê-lo com calma, recolhimento e por um apelo sério à sua benevolência e não levianamente. Pedi-lo, porém, à queima-roupa e ao primeiro Espírito que se apresenta seria o mesmo que nos dirigirmos ao primeiro indivíduo que encontrássemos em nosso caminho.
Nossos Espíritos familiares podem, pois, esclarecer-nos, e em muitas circunstâncias o fazem de maneira eficaz; mas sua assistência nem sempre é patente e material; na maioria dos casos é oculta; ajudam-nos por uma porção de avisos indiretos que provocam e dos quais infelizmente nem sempre nos damos conta, do que resulta que muitas vezes só de nós mesmos nos devemos queixar por nossas tribulações. Quando os interrogamos em certos casos, eles podem dar-nos conselhos positivos; mas em geral se limitam a mostrar-nos o caminho e recomendar que não nos choquemos, para o que têm um duplo motivo. Primeiro, porque as tribulações da vida, quando não resultam de faltas propriamente nossas, fazem parte das provas que devemos suportar; podem eles ajudar-nos a sofrê-las com coragem e resignação, mas não lhes cabe desviá-las. Em segundo lugar se nos guiarem pela mão a fim de evitarem todos os escolhos, que faríamos do nosso livre arbítrio? Seríamos como crianças mantidas nas andadeiras até a idade adulta. Eles nos dizem: “Eis o caminho; siga a boa trilha: eu lhe inspirarei o que deve preferir, mas sirva-se de seu raciocínio como a criança se serve das pernas para andar”.
Podem os Espíritos predizer o futuro? Tal é a pergunta que não escapa a todo novato. Diremos apenas uma palavra. A Providência foi sábia ao ocultar o futuro. Que tormentos nos são poupados por sua ignorância! sem contar que se o conhecêssemos, nos abandonaríamos cegamente ao nosso destino, abdicando de qualquer iniciativa. Os próprios Espíritos não o conhecem senão em proporção de sua elevação e por isso os Espíritos inferiores que sofrem julgam sofrer sempre. Quando o sabem, não o devem revelar. Entretanto por vezes podem levantar a ponta do véu que o cobre; mas então o fazem espontaneamente, por considerá-la útil; nunca ao nosso pedido. Dá-se o mesmo como nosso passado. Insistir nesse ponto, como sobre outros, quando eles se recusam a responder, é tornar-se joguete dos mistificadores.
Não poderíamos passar em revista toda a variedade de perguntas que é possível fazer sem reproduzir aqui o que está contido em O LIVRO DOS ESPÍRITOS. A ele remetemos o leitor, para o desenvolvimento de tudo quanto concerne o futuro, as existências anteriores, as descobertas, os tesouros ocultos, as ciências, a medicina, etc.
Se foi bem compreendido o que dissemos das condições necessárias para servir de intérprete aos bons Espíritos, das numerosas causas que os podem afastar, das circunstâncias independentes de sua vontade que, por vezes constituem um obstáculo à sua vinda; enfim de todas as condições morais que podem exercer influência sobre a natureza das comunicações, como poderíamos supor que um Espírito, por menos elevado que fosse, estivesse continuamente às ordens de um vendedor de consultas e submetido às suas exigências para satisfazer a curiosidade do primeiro que chegasse? Sabemos da aversão dos Espíritos por tudo quanto cheira a cupidez e a egoísmo, o pouco caso que ligam às coisas materiais e queríamos que eles ajudassem a traficar com a sua presença?! Isto repugna pensar e seria preciso conhecer muito pouco a natureza do mundo espírita para pensar que assim pudesse ser. Como, porém, os Espíritos levianos são menos escrupulosos e apenas procuram ocasião para divertir-se à nossa custa, o resultado é que se pão formos mistificados por um falso médium, teremos toda chance de o ser por alguns entre os médiuns. Só estas reflexões nos dão a medida do grau de confiança que deveríamos depositar em comunicações desse gênero. Aliás, para que serviriam hoje os médiuns remunerados, se, em falta de nossa própria faculdade, poderemos descobri-la na família ou entre os amigos e conhecidos?
O inconveniente que acabamos de assinalar não é o mesmo quando se trata de manifestações puramente físicas. A natureza dos Espíritos que se comunicam nessas circunstâncias o toma facilmente compreensível. Contudo, como a faculdade dos médiuns de influência física nem sempre está à sua disposição, por vezes poderia faltar àquele que a deveria exibir em hora certa, para satisfazer ao público. A faculdade mediúnica, mesmo nesse limite, não nos foi dada para exibição e quem quer que pretenda ter os Espíritos às suas ordens, ainda que os das mais baixas camadas, para os obrigar a agir a todo instante, pode razoavelmente ser suspeito de charlatanismo e de prestidigitação mais ou menos hábil. Tomemos como tal sempre que virmos anúncios de pretensas sessões de espiritismo ou espiritualismo a tanto a cadeira.
Como se viu, o mundo espírita apresenta tantas variedades, do ponto de vista intelectual e moral quanto a humanidade. Devemos mesmo dizer que é muito maior, pois que, seja qual for a distância que separa os homens na Terra, do primeiro ao último elo, há Espíritos aquém e além desses mesmos elos. Para conhecer um povo é preciso vê-lo da base ao topo, estudá-lo em todas as fases da vida, sondar as suas ideias, perquirir os seus hábitos particulares, numa palavra fazer-lhe, por assim dizer, a dissecção moral. Só multiplicando as observações é que podemos descobrir as analogias e as anomalias, e firmar um julgamento por comparação. Quem poderá contar os volumes escritos sobre etnografia, antropologia e sobre o coração humano? Entretanto estamos ainda longe de tudo haver dito. O que se fez em relação ao homem pode ser feito em relação aos Espíritos. E este é o único meio de aprender a conhecer esse mundo, que nos interessa tanto mais quanto a morte, a que todos estamos sujeitos, a ele nos conduz pela própria força das coisas. Ora, esse mundo se nos revela pelas manifestações inteligentes dos Espíritos. Podemos, pois, interrogar os seus habitantes de todas as classes, já não somente sobre generalidades, mas sobre particularidades de sua existência de além-túmulo e por aí julgar o que nos espera conforme a nossa própria conduta na Terra. Até o presente a sorte que nos era reservada não nos era senão objeto de ensino teórico. As manifestações espíritas no-las mostram a nu, fazem-nos tocá-las e vê-las pelos mais surpreendentes exemplos, cuja realidade não poderia ser posta em dúvida por quem quer que lhes volte um olhar perscrutador. É a essa realidade que queremos dar os meios de constatar pela direção dos estudos.
Se a evocação dos homens ilustres, dos Espíritos superiores é eminentemente útil pelos ensinamentos que nos trazem, a dos Espíritos vulgares não o é menos, posto sejam eles incapazes de resolver questões de maior alcance. Por sua inferioridade eles mesmos se retratam e, quanto menor a distância que nos separa deles, mais aí encontramos correspondência com a nossa própria situação. É, pois, do mais alto interesse, sob o duplo ponto de vista psicológico e moral, estudar a posição dos que foram nossos contemporâneos, que partilharam ao nosso lado o caminho da vida, cujo caráter, aptidões, vícios e virtudes conhecemos, ainda que fossem criaturas muito obscuras. Nós os compreendemos melhor, porque estão em nosso nível; por vezes nos oferecem traços característicos do mais alto interesse; diremos ainda que é nesse círculo, de certo modo íntimo, que a identidade dos Espíritos se revela, sobretudo de maneira menos contestável. Como se vê, é uma mina inesgotável de observações, ainda que considerando apenas os homens cuja vida apresenta alguma particularidade em relação ao gênero de morte, à idade, às boas, ou más qualidades, à posição feliz ou infeliz na Terra, os hábitos, o estado mental, etc.
Com os Espíritos elevados o quadro dos estudos se amplia: além das questões psicológicas que têm um certo limite, é possível propor-lhe uma porção de problemas morais que se estendem ao infinito sobre todas as posições da vida, sobre a melhor conduta a ter nesta ou naquela circunstância, sobre os nossos deveres recíprocos, etc. O valor da instrução que se recebe sobre um assunto qualquer, moral, histórico, filosófico ou científico, depende inteiramente do estado do Espírito que se interroga. A nós cabe julgá-lo.
Além das perguntas propriamente ditas, podemos solicitar dos Espíritos superiores dissertações sobre determinados assuntos, ou por eles escolhidos numa lista que se lhes apresenta. Podemos, assim, tomar para texto as qualidades, os vícios e os desvios da sociedade, como a avareza, o orgulho, a preguiça, o ciúme, o ódio, a cólera, a caridade, a modéstia, etc. Espíritos um pouco menos elevados, mas inteligentes, podem tratar de maneira feliz assuntos menos sérios, mas não menos interessantes. Outros, enfim, podem, conforme a sua aptidão e a facilidade de execução que lhes ofereça o médium, ditar obras de fôlego.
A maneira de fazer as perguntas e as coordenar é, como acabamos de ver, uma coisa essencial. Sobre isto encontraremos numerosas aplicações nos artigos publicados na REVISTA ESPÍRITA, sob o título de Palestras Familiares de Além-Túmulo. Podem ser tomadas como exemplo da marcha a seguir nas relações que se queiram estabelecer com os Espíritos.
É possível contornar esse inconveniente seguindo marcha contrária, isto é, começando pela teoria. É o que aconselhamos a todos quantos queiram seriamente esclarecer-se. Pelo estudo dos princípios da ciência, perfeitamente compreensíveis sem experimentação prática, adquirimos uma primeira convicção moral, que necessita apenas de corroboração pelos fatos. Ora, como nesse estudo preliminar todos os fatos foram passados em revista e comentados, resulta que quando os vemos, os compreendemos, seja qual for a ordem na qual as circunstâncias nos permitam observá-las.
Procuramos reunir nas nossas três publicações todos os elementos necessários a tal efeito, encarando a ciência sob todos os aspectos e dando sobre os vários pontos as explicações que comporta o estado atual dos conhecimentos. Uma leitura atenta dessas obras seria, pois, uma primeira iniciação que permitiria esperar os fatos ou daria os meios de os provocar com conhecimento de causa, desde que a isso nada se opusesse, sem que nos perdêssemos em ensaios que poderiam ser infrutíferos, por não terem sido conduzidos dentro dos limites do possível.
Nesta Instrução Prática encontram-se os princípios fundamentais necessários aos principiantes; na REVISTA ESPÍRITA, além de extensos desenvolvimentos, uma variedade considerável de fatos e de aplicações. Enfim, em O LIVRO DOS MÉDIUNS, o próprio ensino dos Espíritos sobre todas as questões de metafísica e de moral que se ligam à doutrina espírita.
Se o Espiritismo é uma realidade, é porque está na natureza, não é uma teoria, uma opinião, ou um sistema: são os fatos. Se é perigoso, é necessário lhe dar uma direção. Não se suprime um rio - retificar-lhe o curso. Vejamos, pois, em poucas palavras, quais são esses supostos perigos.
Dizem que pode produzir uma impressão prejudicial às faculdades mentais. Já nos explicamos suficientemente no curso desta obra sobre a verdadeira fonte deste perigo, que vem precisamente daqueles que julgam combatê-la inoculando nos cérebros fracos a ideia do diabo ou do demônio. É verdade que a exaltação também pode vir em sentido oposto. Mas, de lado qualquer ideia de Espiritismo, não se vê nenhum cérebro desarranjado por uma falsa apreciação das coisas mais santas? Ultimamente os jornais relataram o caso de uma jovem camponesa que, tomando o Evangelho ao pé da letra "Se tua mão é causa de escândalo, corta-a”, decepou o punho a machadadas. Devemos, por isso, concluir que o Evangelho seja perigoso? E essa mãe, que mata os filhos para os fazer entrar no Paraíso, prova que seja perigosa a ideia do Paraíso?
Em apoio a esse preconceito contra o Espiritismo citam-se números. Por exemplo, dizem que nos Estados Unidos, apenas numa região, contam-se quatro mil casos de loucura causada por essas ideias. Para começar, perguntamos aos que divulgam fatos desse gênero em que fonte os colheram? tal estatística é autêntica? Cremo-los tirados de jornais daquele país os quais, como todos os adversários, julgando-se com o monopólio do bom senso, consideram como cérebros doentes todos os que acreditam nas manifestações espíritas. Não é de admirar que com semelhante sistema tenham encontrado quatro mil. O número até nos parece modesto, porque hoje eles se contam por centenas de milhares. Então construam hospícios para todo o mundo!
Chega sobre um assunto que não merece um exame sério. Vejamos uma acusação muito mais grave.
Dizem algumas pessoas que o Espiritismo arruína a religião. Há bem razão de dizer-se que nada mais perigoso que um amigo desastrado. Tais pessoas não pensam que assim dizendo elas mesmas atacam a religião nos seus fundamentos: a sua eternidade. Como?! uma religião estabelecida por Deus seria comprometida por alguns Espíritos batedores? Credes então no poder desses Espíritos, que para vós, em outras ocasiões, não passam de quimeras? Ao menos ficai de acordo convosco: se tais Espíritos são mitos, por que os temeis? Se existem, de duas uma: ou os julgais muito poderosos ou julgais a religião muito fraca. Escolhei. Mas - direis vós - nós não tememos os Espíritos, não cremos neles; só tememos as falsas doutrinas dos que os preconizam. Vá lá. Mas, em vossa opinião, os que acreditam nos Espíritos são loucos. Então vós tendes receio de que os loucos destruam a Igreja! Escolhei ainda. Quanto a nós, diremos que os que assim falam não têm fé. Porque é não ter fé no poder de Deus acreditar que seja vulnerável por causas tão frágeis uma religião da qual diz Jesus: "As portas do inferno não prevalecerão contra ela”.
Entretanto vejamos em que a doutrina é contrária aos princípios religiosos. Que ensinam esses Espíritos? Dizem isto: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos”. "Amai-vos uns aos outros como irmãos. Perdoai aos vossos inimigos; esquecei as ofensas; fazei aos outros o que quereríeis que vos fosse feito. Não vos contenteis em não fazer o mal: fazei o bem. Suportai com paciência e resignação as penas da vida. Bani do vosso coração o egoísmo, o orgulho, a inveja, o ódio, o ciúme”. Dizem ainda: "Deus vos dá os bens da terra para que deles façais bom uso e não para gozar como avarentos; a sensualidade vos rebaixa ao nível dos brutos”.
Mas Jesus também disse tudo isso. Sua moral é, pois, a do Evangelho. Ensinam eles o dogma da fatalidade? Não: proclamam que o homem é livre em todos os seus atos e responsável por suas obras. Dizem que pouco importa a conduta aqui na Terra e que o destino é o mesmo depois da morte? Absolutamente: eles reconhecem as penas e recompensas futuras; vão mais adiante: eles as tornam patentes, porque são os próprios seres felizes ou infelizes que nos vêm pintar Os seus sofrimentos ou as suas alegrias. É verdade que eles não os explicam exatamente como no vosso meio; não admitem um fogo material para queimar eternamente as almas imateriais. Mas que importa a forma, se o fundo existe? a menos que se pretenda que a forma seja mais importante que o fundo, e o sentido figurado superior ao sentido próprio. As crenças religiosas não se modificaram sobre muitas passagens das Escrituras, notadamente sobre os seis dias da criação, que se sabe muito bem não serem mais seis vezes vinte e quatro horas, mas, talvez, seis vezes mil anos? sobre a ancianidade do globo terrestre? sobre o movimento da Terra em redor do Sol? O que outrora era considerado como uma heresia digna do fogo terreno e do fogo celeste e como que a derrubada da religião, já não é admitido peta Igreja desde que a ciência positiva veio demonstrar não o erro do texto, mas a falsa interpretação que lhe havia sido dada? Dá-se o mesmo em relação ao inferno, que ela não mais coloca nos lugares baixos da Terra, desde que os alcançamos com olhos investigadores: a alta teologia admite perfeitamente a existência de um fogo moral; ela não assina mais um lugar determinado ao purgatório, desde que foram sondadas as profundezas do espaço e penso que ele bem poderia estar por toda parte, mesmo ao nosso lado. A religião não sofreu por isso. Ao contrário, ganhou por não se chocar contra a evidência dos fatos. É, preciso não a julgar pelo que ainda ensinam nas escolas de aldeia, onde as doutrinas superiores não seriam compreendidas. O alto clero está mais esclarecido do que geralmente se pensa e em muitas ocasiões provou que sabe, conforme as necessidades transpor a rotina da tradição e dos preconceitos. Há, porém, criaturas que querem ser mais religiosas que a religião e a rebaixam pela estreiteza de seus pontos de vista. Para estas a forma é tudo e até ultrapassa a moral do Evangelho, que praticam muito pouco: são estas as que lhe causam maiores males. Em que, pois, a doutrina espírita seria perniciosa? Ela explica aquilo que era inexplicado; demonstra a possibilidade do que se pensava impossível; prova a utilidade da prece; apenas diz que a prece do coração é a única eficaz e que as dos lábios não passam de simulacro. Quem ousaria sustentar o contrário? A não eternidade das penas! a reencarnação! Eis a grande pedra de escândalo! Mas se jamais os fatos se tornaram tão patentes e tão vulgares quanto o movimento da Terra em torno do Sol, será preciso torná-los evidentes, como se fez com o resto; certamente buscando desde já, seria menos difícil concordar que não se acredita. Assim, não haja pressa em pronunciar uma sentença que talvez fosse muito precipitada: aproveitemos as lições da História.
O maior inimigo da religião é o materialismo e este não tem mais rude adversário do que a doutrina espírita. O Espiritismo já trouxe ao Espiritualismo muitos materialistas obstinados, que até então haviam resistido a todos os argumentos teológicos. É que o Espiritismo faz mais do que argumentar: torna as coisas patentes. É, pois, o mais poderoso auxiliar das ideias religiosas, porque dá ao homem a convicção de seu destino futuro e, neste sentido, deve ser acolhido como um benefício para a humanidade. Em muitos corações ele reanimou a fé na Providência, fez nascer a esperança em substituição à dúvida. Fez mais: arrancou mais de unia vítima ao suicídio, restabeleceu a paz e a concórdia nas famílias, acalmou ódios, amorteceu paixões brutais, desarmou a vingança e levou a resignação às almas sofredoras. É subversivo da ordem social e da moral publica? Uma doutrina que condena o ódio e o egoísmo, que prega o desinteresse, o amor ao próximo sem exceção de seitas e de castas não pode excitar as paixões hostis e cena desejável para o repouso do mundo e para a felicidade do gênero humano que todos os homens compreendessem e praticassem tais princípios: eles nada deveriam temer uns dos outros.
Eis aonde conduz a loucura do Espiritismo aqueles que, aprofundando-se nos mistérios, veem nas manifestações algo mais que mesas girantes e demônios que batem.