Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

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Fevereiro

Boletim

Leitura da ata da sessão de 23 de dezembro.

A Sociedade decide que em cada sessão particular, em seguida à leitura da ata, seja lida a lista nominal dos ouvintes que assistiram à sessão geral precedente, com indicação dos membros que os apresentaram, e que uma exortação será feita para assinalar os inconvenientes causados pela presença de pessoas estranhas à Sociedade. Em consequência, foi lida uma lista dos ouvintes presentes na última sessão.

São admitidos como membros titulares, conforme pedido escrito e relatório verbal:

1º. ─ O Sr. Forbes, de Londres, oficial de engenharia, apresentado a 16 de dezembro.

2º. ─ A Sra. Forbes, nascida Condessa Passerini Corretesi, de Florença, apresentada a 16 de dezembro[1].

3º. ─ O Sr. Soive, negociante de Paris, apresentado a 23 de dezembro[2].

4º. ─ O Sr. Demange, negociante de Paris, apresentado a 23 de dezembro.

Leitura de três novas cartas pedindo admissão. Relatório e decisão adiados para 6 de janeiro.

Comunicações diversas:

1º. ─ Carta do Sr. Brion Dorgeval, com a resposta enviada ao Sr. Oscar Comettant, a respeito do artigo deste último, publicado no Siècle. (Vide o n.º de janeiro).

2º. ─ Carta do Sr. Jobard, de Bruxelas, com observações muito justas sobre o estado moral dos Espíritos. Lamenta ele que os partidários do Espiritismo geralmente sejam designados por suas iniciais. Pensa que indicações mais explícitas contribuiriam para o progresso da ciência. Em consequência, convida todos os adeptos a assinarem o nome, como ele o faz. (Vide o n.º de janeiro).

Essa última observação do Sr. Jobard é fortemente apoiada por grande número de sócios, que autorizam a pôr seus nomes em todas as referências que lhes disserem respeito.

O Sr. Allan Kardec afirma que o medo do que dirão diminui diariamente, e que hoje há poucas pessoas que temem confessar suas opiniões relativamente ao Espiritismo. Os epítetos de mau gosto que lhes são dados tornam-se ridículos lugares-comuns dos quais se riem, quando se vê tanta gente da elite ligar-se à Doutrina, pois já se vislumbra o momento em que a força da opinião imporá silêncio ao sarcasmo. Mas uma coisa é ter coragem de sua opinião na conversa e outra é lançar o nome à publicidade. Entre as pessoas que com mais energia sustentam a causa do Espiritismo, há muitas que não gostam de ser postas em evidência, menos por outros motivos do que por esse. Esses escrúpulos, que não implicam falta de coragem, devem ser respeitados. Quando fatos extraordinários se passam em qualquer parte, compreende-se que seria pouco agradável para as pessoas que lhes são objeto, ficarem na mira da curiosidade pública e aborrecidas pelos importunos. Sem dúvida, devemos ser gratos aos que se põem acima dos preconceitos, mas também não devemos censurar muito levianamente os que talvez tenham motivos muito legítimos para se não exibirem.


Estudos:

1º. ─ Perguntas dirigidas a São Luís sobre os Espíritos que presidem às flores, a propósito da comunicação recebida pela Sra. B... Uma interessante explicação, que será publicada, foi dada a respeito.

2º. ─ Outras perguntas sobre o espírito dos animais.

3º. ─ Duas comunicações espontâneas e simultâneas: a primeira, do Espírito de Verdade, pelo Sr. Roze, com alguns conselhos à Sociedade; a segunda, de Fénelon, pela senhorita Huet.

SEXTA-FEIRA, 6 DE JANEIRO (SESSÃO PARTICULAR) Leitura da ata da sessão de 30 de dezembro.

Admitidos, por pedido escrito, como membros titulares, depois de relatório verbal:

1º. ─ O Sr. Ducastel, proprietário em Abbéville, apresentado a 30 de dezembro;

2º. ─ A Sra. Deslandes, de Paris, apresentada a 30 de dezembro;3º. ─ A Sra. Rakowska, de Paris, apresentada a 30 de dezembro.

Leitura de um pedido de admissão.

Carta do Sr. Poinsignon, de Paris, felicitando a Sociedade pela passagem do Ano Novo e fazendo votos pela propagação do Espiritismo.

Carta do Sr. Demange, recentemente recebida, agradecendo a admissão. Assegura à Sociedade sua cooperação ativa.

Exame de vários problemas relativos aos negócios administrativos da Sociedade.

Comunicações diversas:

1º. ─ Notícia sobre D. Péra, prior de Armilly, falecido há 30 anos. A respeito será feito um estudo.

2º. ─ Carta do Sr. Lussiez, de Troyes, com judiciosas reflexões relativas à influência moralizadora do Espiritismo sobre as classes operárias.

3º. ─ Carta da Sra. P..., de Rouen, anunciando ter recebido, como médium, notáveis comunicações, em tudo conforme a doutrina do Livro dos Espíritos. Essa carta contém, além disso, reflexões que denotam, da parte de seu autor, uma apreciação muito sadia das idéias espíritas.

4º. ─ Carta relativa à senhorita Desirée Godu, médium curadora, de Hennebon. Sabe-se que a obra da senhorita Godu é de devotamento e de pura filantropia.

Estudos:

1º. ─ Diversas perguntas a São Luís, para esclarecimento e desenvolvimento de várias comunicações anteriores.

2º. ─ Tendo a senhorita Dubois, médium, membro da Sociedade, recebido uma comunicação de um Espírito que se diz Chateaubriand, deseja esclarecimentos. Um outro Espírito se apresenta com seu nome, mas se recusa a identificar-se, em nome de Deus. Confessa sua fraude, pede desculpas e dá curiosas informações sobre sua pessoa. A seguir, o verdadeiro Chateaubriand dá curta comunicação espontânea e promete, de outra vez, outra mais explícita.

SEXTA-FEIRA, 13 DE JANEIRO DE 1860 (SESSÃO GERAL) Leitura da ata de 6 de janeiro.

Leitura de três novos pedidos de admissão. Exame e relatório adiados para a sessão de 20 de janeiro.

Comunicações diversas:

1º. ─ Carta do Sr. Maurice, de Tell, Ardèche, relatando fatos extraordinários que ocorreram numa casa em Fons, perto de Aubenas e que, sob certos aspectos, lembram os que se passaram em Java.

2º. ─ Carta do Sr. Albert Ferdinand, de Béziers, relatando três fatos notáveis, que lhe são pessoais, e que provam a ação física que os Espíritos podem exercer sobre certos médiuns.

3º. ─ Carta do Sr. Crozet, do Havre, médium correspondente da Sociedade, que dá conta de uma comunicação recebida conjuntamente com o Sr. Sprenger, de um Espírito brincalhão. Esse Espírito, que é o de um capitão de marinha falecido em Marselha há seis meses, explica com notável precisão e lucidez as cartadas do jogo de “bésigue” e de que maneira faz com que os parceirosganhem ou percam. (Será publicada).

4º. ─ Um Espírito dançarino. O Sr. e Sra. Netz, membros da Sociedade, desde algum tempo recebem manifestações de um Espírito que se apresenta dançando constantemente, isto é, fazendo dançar uma mesa, que marca o ritmo, perfeitamente reconhecível, de uma polca, uma mazurca, uma quadrilha, uma valsa em dois ou três tempos, etc. Jamais quis escrever e só responde por batidas. Por esse meio chegou a dizer que era peruano, de raça índia, falecido há 56 anos com 35 anos de idade; que em vida gostava muito de cachaça e que atualmente frequenta os bailes públicos, onde sente muito prazer. Apresenta a particularidade de jamais chegar antes das 10 horas da noite e em dias certos. Diz que vem pela Sra. Netz, mas só se pode comunicar com o concurso do Sr. D..., médium de efeitos físicos, de modo que necessita da presença de ambos. Assim, o Sr. D... jamais o atraiu a sua casa e a Sra. Netz não poderá fazê-lo se estiver só.

5º. ─ Leitura de uma comunicação espontânea remetida pelo Sr. Rabache, de Bordéus, em continuação das que foram publicadas sob o título de Conselhos de Família.

6º. ─ A Sra. Forbes lê três comunicações espontâneas recebidas por seu marido, sobre o amor filial, o amor paterno e a paciência. Essas comunicações, notáveis pela alta moralidade e singeleza de linguagem, podem classificar-se na categoria de conselhos íntimos.

Estudos:

1.º ─ Evocação do Espírito de Castelnaudary, já evocado a 9 de dezembro. Vide o relato completo sob o título História de um danado.

2.º ─ Evocação do Espírito dançarino. Ele não quer escrever, mas bate o ritmo de várias danças com o lápis e agita o braço do médium em cadência. São Luís dá algumas explicações sobre o seu caráter e confirma as informações precedentes.

3.º ─ Perguntas sobre as manifestações de Fons, perto de Aubenas. A resposta é que há algo de verdadeiro nos fatos, mas não devem ser aceitos sem controle e sobretudo devemos prevenir-nos contra o exagero.

4.º ─ Evocação de D. Péra, prior de Armilly. Ele dá importantes detalhes sobre sua situação e seu caráter.

5.º ─ Recebimento de duas comunicações espontâneas, a primeira pelo Sr. Roze, de um Espírito que se designa pelo nome de Estelle Riquier e que havia levado uma vida desordenada e faltado a todos os deveres de esposa e de mãe; a segunda pelo Sr. Forbes, contendo conselhos sobre a cólera.

SEXTA-FEIRA, 20 DE JANEIRO DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR) Leitura da ata de 13 de janeiro.

A pedido escrito, e após o relatório verbal, são admitidos como sócios titulares:

1.º ─ O Sr. Krafzoff, de S. Petersburgo, apresentado a 13 de janeiro;

2.º ─ O Sr. Julien, de Belfort, Alto Rheno, apresentado a 13 de janeiro;

3.º ─ O Sr. Conde Alexandre Stenbock Fermor, de S. Petersburgo, apresentado a 6 de janeiro.

Comunicações diversas:

1.º ─ Leitura de uma comunicação espontânea recebida pelo Sr. Pécheur, membro da Sociedade.

2.º ─ Novos detalhes sobre o Espírito dançarino. A Sra. Netz, que é médium escrevente, tendo interrogado a respeito um outro Espírito, obteve várias informações por sua conta, entre outras a de que, em vida, era muito rico; de que morreu num acidente de caça, quando se achava completamente só. Tendo mais tarde interrogado o dançarino sobre tais fatos e com o auxílio de seu médium, por meio de batidas, obteve respostas idênticas. Ora, a Sra. Netz não havia comunicado ao médium as primeiras respostas escritas. Por outro lado, já não era ela que servia de médium. Além disso, tinha formulado as perguntas insidiosamente, podendo levar a respostas contrárias. Havia, pois, de um e de outro lado, independência de pensamento e a correlação das respostas é um fato característico.


Outro fato igualmente curioso é que seu médium predileto para a dança, um dia, ao sair de casa, foi tomado por movimentos involuntários, que o faziam andar em cadência pela rua. Por sua vontade e resistindo, podia parar esse movimento, mas desde que se abandonava a si mesmo, as pernas tomavam o jeito de dançarino. Nada havia de muito ostensivo para chamar a atenção dos transeuntes. Mas, por isso mesmo, compreende-se que Espíritos de outra ordem e menos bem intencionados que o dançarino que, afinal de contas, apenas quer divertir-se, possam sobre certas organizações produzir movimentos mais violentos e da natureza dos que se veem nos convulsionários e nos crisíacos.

3.º ─ Relato de uma comunicação espontânea do Espírito de uma pessoa viva, feito pelo Sr. de G..., médium escrevente, e que lhe foi dada pessoalmente. O Espírito entrou em detalhes circunstanciados completamente ignorados pelo médium, e cuja exatidão foi verificada. O Sr. de G... não conhecia essa pessoa, que apenas vira uma vez numa visita, não mais a tendo encontrado. Só lhe sabia o nome de família. Ora, o Espírito assinou também o seu prenome perfeitamente certo. Tal circunstância, acrescida de outras indicações de tempo e lugar, fornecidas pelo Espírito, constitui prova evidente de identidade.

A respeito, observa o Sr. Conde de R... que tais espécies de comunicações por vezes podem ser indiscretas, e pergunta se a pessoa em questão teria ficado satisfeita se soubesse da conversa.


A isto foi respondido:

─ que se a pessoa se comunicou é que ela o quis como Espírito, pois veio por própria vontade, uma vez que o Sr. G..., não pensando nela, não a tinha chamado;
─ que, desprendendo-se do corpo, o Espírito sempre tem o livre-arbítrio e só diz o que quer;

─ que nesse estado, o Espírito é mesmo mais prudente do que em vigília, porque aprecia melhor o alcance das coisas. Se esse Espírito tivesse visto algum inconveniente em suas palavras, não as teria dito.

4.º ─ Leitura de uma comunicação de Lyon, dirigida à Sociedade, na qual, entre outras coisas, é dito o seguinte:

Que a reforma da Humanidade se prepara pela encarnação na Terra de Espíritos melhores, que constituirão uma nova geração, dominada pelo amor do bem; que os homens votados ao mal e que fecham os olhos à luz serão reencarnados numa nova falange de Espíritos simples e ignorantes, e enviados por Deus ao trabalho da formação de um mundo inferior à Terra. Não poderão encontrar-se com seus irmãos terrícolas senão depois que, através de rudes trabalhos, houverem alcançado o nível em que estes últimos vão entrar, após esta geração, porque aos Espíritos maus não será dado assistir ao começo desta brilhante transformação.


O Sr. Theubet observa que esta comunicação parece consagrar o princípio de uma marcha retrógrada, contrariando tudo quanto foi ensinado.

A respeito, trava-se longa e profunda discussão. Ela assim se resume: O Espírito pode decair como posição, mas não quanto às aptidões adquiridas. O princípio da não retrogradação deve entender-se do progresso intelectual e moral, isto é, que o Espírito não pode perder o que adquiriu em inteligência e moralidade e não volta ao estado de infância espiritual. Por outras palavras, nem se torna mais ignorante nem pior do que era, o que o não impede de reencarnar-se numa posição inferior mais penosa e entre Espíritos mais ignorantes que ele, se o mereceu. Um Espírito muito atrasado que se reencarnasse num povo civilizado, aí estaria deslocado e não poderia manter a sua classe. Voltando para junto dos selvagens, em nova existência, apenas retomaria o lugar que havia deixado demasiado cedo, mas as ideias que tenha adquirido durante a passagem entre os homens mais esclarecidos não estarão perdidas para ele. O mesmo deve se dar com os homens que irão concorrer para a formação de um mundo novo. Encontrando-se deslocados na Terra melhorada, irão para um mundo compatível com seu estado moral.


Estudos:

1.º ─ Evocação do negro do navio Constant, já evocado a 30 de setembro de 1859. Ele dá novas explicações sobre as circunstâncias que acompanharam a sua morte.

2.º ─ Três comunicações espontâneas: a primeira de Chateaubriand, pelo Sr. Roze; a segunda de Platão, pelo Sr. Colin; a terceira de Charlet, pelo Sr. Didier filho, em continuação ao trabalho por ele começado sobre a natureza dos animais.




[1] No original consta como data da apresentação 23 de dezembro, quando o correto é 16 de dezembro, conforme ata respectiva (vide o nº de janeiro de 1860). (Nota da Eq. Revisora)




[2] No original consta como data da apresentação 16 de dezembro, quando o correto é 23 de dezembro, conforme ata respectiva (vide o nº de janeiro de 1860) (Nota da Eq. Revisora)


Os Espíritos glóbulos

O desejo de ver os Espíritos é coisa muito natural e conhecemos poucas pessoas que não desejam ter esta faculdade. Infelizmente é uma das mais raras, sobretudo quando permanente. As aparições espontâneas são bastante frequentes, mas são acidentais e quase sempre motivadas por uma circunstância totalmente individual, baseada nas relações que podem ter existido entre o vidente e o Espírito que lhe aparece. Uma coisa é ver fortuitamente um Espírito, e outra vê-lo habitualmente e nas condições normais ordinárias. Ora, aí está o que constitui, a bem dizer, a faculdade dos médiuns videntes. Ela resulta de uma aptidão especial, cuja causa ainda é desconhecida e que pode desenvolver-se, mas que seria provocada em vão se não existisse a predisposição natural. É necessário, pois, mantermo-nos em guarda contra as ilusões que podem nascer do desejo de possuí-la, e que deram lugar a tantos sistemas estranhos. Tanto combatemos as teorias temerárias, por causa das quais são atacadas as manifestações, principalmente quando tais teorias denotam a ignorância dos fatos, quanto devemos procurar, no interesse da verdade, destruir ideias que provam mais entusiasmo do que reflexão, e que, por isso mesmo, produzem mais o mal do que o bem, expondo-as ao ridículo.

A teoria das visões e das aparições é hoje perfeitamente conhecida. Nós a desenvolvemos em vários artigos, especialmente nos números de dezembro de 1858, fevereiro e agosto de 1859 e no nosso Livro dos Médiuns, ou Espiritismo Experimental. Não a repetiremos aqui, maslembraremos apenas alguns pontos essenciais, antes de chegar ao exame do sistema dos glóbulos.

Os Espíritos podem ser vistos sob vários aspectos, dos quais o mais frequente é a forma humana. Sua aparição geralmente se dá sob uma forma vaporosa e diáfana, por vezes vaga e indecisa. Muitas vezes é, a princípio, um clarão esbranquiçado, cujos contornos se desenham pouco a pouco. Outras vezes as linhas são mais acentuadas e os menores traços do rosto desenhados com uma precisão que permite dar-lhes uma descrição exata. Nestes momentos um pintor certamente poderia fazer o seu retrato, com tanta facilidade quanto o de uma pessoa viva. As atitudes e o aspecto são os mesmos que tinha o Espírito em vida. Podendo dar todas as aparências ao seu perispírito, que lhe constitui seu corpo etéreo, ele se apresenta sob a que melhor pode torná-lo reconhecido. Assim, embora, como Espírito, não mais tenha qualquer enfermidade física que pudesse ter sofrido como homem, mostrar-seá estropiado, coxo ou corcunda, se o julgar conveniente para ser identificado. Quanto às vestes, geralmente se compõem de um panejamento, terminando em longa túnica flutuante. Essa é, pelo menos, a aparência dos Espíritos Superiores, que nada conservaram das coisas terrenas. Os Espíritos vulgares, nossos conhecidos, no entanto, quase sempre têm a roupa que usavam no último período de sua vida. Muitas vezes têm os atributos característicos de sua classe. Os Espíritos Superiores têm sempre um rosto belo, nobre e sereno; ao contrário, os inferiores têm uma fisionomia vulgar, espelho onde se refletem as paixões mais ou menos ignóbeis que os agitavam. Às vezes trazem, ainda, os traços dos crimes que praticaram, ou dos suplícios que sofreram. Uma coisa notável é que, salvo circunstâncias particulares, as partes menos bem desenhadas são geralmente os membros inferiores, ao passo que a cabeça, o peito e os braços são sempre traçados claramente.

Dissemos que a aparição tem algo de vaporoso, malgrado sua nitidez. Em certos casos poder-se-ia compará-la à imagem refletida num vidro sem estanho, que não impede de se ver os objetos que estão atrás. Muito comumente assim são vistas pelos videntes. Eles as veem ir, vir, entrar, sair, circular em meio aos vivos, dando a impressão ─ pelo menos os Espíritos vulgares ─ de tomar parte ativa no que se passa ao seu redor e interessar-se, conforme o assunto, escutando o que se diz. Por vezes, vê-se que se aproximam das pessoas, soprando-lhes ideias, influenciando-as, consolando-as e se mostrando tristes ou contentes com o resultado obtido. Numa palavra, é a réplica ou o reflexo do mundo corpóreo, com suas paixões, seus vícios ou suas virtudes, muitas virtudes que a nossa natureza material dificilmente permite compreendermos. Tal é esse mundo oculto que povoa os espaços, que nos cerca, e no meio do qual vivemos sem suspeitá-lo, como vivemos entre as miríades do mundo microscópico.

Mas pode acontecer que o Espírito revista forma ainda mais nítida e tome todas as aparências de um corpo sólido, a ponto de produzir uma ilusão completa e fazer crer na presença de um ser corporal. Enfim, a tangibilidade pode tornar-se real, isto é, pode ser tocado e apalpado esse corpo; podemos sentir-lhe a resistência e até mesmo o calor, como se fosse um corpo animado, apesar de que ele pode dissipar-se com a rapidez do raio. Embora a aparição desses seres, designados pelo nome de agêneres, seja muito rara, é sempre acidental e de curta duração. Sob essa forma não poderiam tornar-se hóspedes habituais de uma casa.

Sabe-se que entre as faculdades excepcionais de que o Sr. Home deu provas irrecusáveis, deve-se colocar a de fazer aparecerem mãos tangíveis, que podem ser apalpadas e que, por seu lado, podem pegar, apertar e deixar impressões na pele. Dizemos que as aparições tangíveis são muito raras, mas as que ocorreram nos últimos tempos confirmam e explicam as que a História registra, relativamente a pessoas que se mostraram, depois de mortas, com todas as aparências da natureza corpórea. Aliás, por mais extraordinários que pareçam tais fenômenos, desaparece todo o sobrenatural, desde que se conheça a explicação e então compreende-se que, longe de ser uma derrogação das leis da Natureza, são a sua aplicação.

Quando os Espíritos assumem a forma humana, não é possível nos enganarmos. Já não é o mesmo quando tomam outras aparências. Não falaremos de certas imagens terrestres refletidas pela atmosfera, e que alimentaram a superstição de gente ignorante, mas de alguns outros efeitos sobre os quais até homens esclarecidos puderam enganar-se. É sobretudo aí que nos devemos pôr em guarda contra a ilusão, para não nos expormos a tomar como Espíritos, fenômenos puramente físicos.

Nem sempre o ar tem uma limpidez perfeita, e há circunstâncias em que a agitação e as correntes das moléculas aeriformes produzidas pelo calor são perfeitamente visíveis. A aglomeração dessas parcelas forma pequenas massas transparentes que parecem nadar no espaço e que deram lugar ao singular sistema dos Espíritos sob a forma de glóbulos. A causa dessa aparência está no próprio ar, mas também pode estar no olho. O humor aquoso apresenta pontos imperceptíveis que perderam a transparência. Esses pontos são como corpos semiopacos em suspensão no líquido cujos movimentos e ondulações acompanham. Produzem no ar ambiente e à distância, por efeito do aumento e da refração, a aparência de pequenos discos, por vezes irisados, variando de l a 10 milímetros de diâmetro. Vimos certas pessoas tomarem esses discos por Espíritos familiares que os seguiam e acompanhavam a toda parte e, em seu entusiasmo, verem figuras nas nuanças da irisação. Uma simples observação fornecida pelas mesmas pessoas vai trazê-las de volta ao terreno da realidade. Esses discos ou medalhões, dizem elas, não só as acompanham más ainda lhes seguem todos movimentos: vão para a direita, para a esquerda, para cima, para baixo, ou param, conforme o movimento da cabeça. Essa coincidência, por si só, prova que a sede da aparência está em nós, e não fora de nós, e o que o demonstra, além disso, é que em seus movimentos ondulatórios, esses discos jamais se afastam de um certo ângulo; como, porém, não seguem bruscamente o movimento da linha visual, parece que têm certa independência. A causa desse efeito é muito simples. Os pontos opacos ou semiopacos do humor aquoso, causa primeira do fenômeno são, como dissemos, mantidos em suspensão, mas têm sempre uma tendência a descer. Quando sobem, é porque foram solicitados pelo movimento do olho, em sentido ascendente; chegados a certa altura, se o olho se fixar, vê-se o disco descer lentamente, depois parar. Sua mobilidade é extrema, pois um movimento imperceptível do olho é suficiente para fazê-lo percorrer, no campo visual, toda a amplitude do ângulo em sua abertura, no espaço onde a imagem se projeta.

O mesmo diremos das centelhas que se produzem às vezes em feixes mais ou menos compactos, pela contração dos músculos do olho, e que, provavelmente, são devidas à fosforescência ou à eletricidade natural da íris, pois em geral são circunscritas à circunferência do disco desse órgão.

Semelhantes ilusões não podem provir senão de uma observação incompleta. Quem tiver estudado seriamente a natureza dos Espíritos por todos os meios dados pela ciência prática, compreenderá tudo quanto há nisso de pueril. Se esses glóbulos aéreos fossem Espíritos, teríamos de convir que estariam reduzidos a um papel puramente mecânico para seres inteligentes e livres, papel sofrivelmente fastidioso para Espíritos inferiores e com mais forte razão incompatível com a ideia que fazemos dos Espíritos superiores.

Os únicos sinais que realmente podem atestar a presença de Espíritos são os sinais inteligentes. Enquanto não ficar provado que as imagens de que acabamos de falar, ainda que dotadas de forma humana, têm movimento próprio, espontâneo, com evidente caráter intencional e acusando vontade livre, nisso veremos apenas fenômenos fisiológicos ou ópticos. A mesma observação se aplica a todos os gêneros de manifestações, sobretudo aos ruídos, às pancadas, aos movimentos insólitos dos corpos inertes, que mil e uma causas físicas podem produzir. Repetimos: enquanto um efeito não for inteligente por si mesmo e independente da inteligência dos homens, devemos examiná-lo duas vezes antes de atribuí-lo aos Espíritos.


Médiuns especiais

Diariamente prova a experiência quanto são numerosas as variedades da faculdade mediúnica. Mas também nos prova que as várias nuanças dessa faculdade são devidas às aptidões especiais ainda não definidas, abstração feita das qualidades e dos conhecimentos do Espírito que se manifesta.

A natureza das comunicações é sempre relativa à natureza do Espírito, e traz o cunho de sua elevação ou de sua inferioridade, de seu saber ou de sua ignorância. Mas, para mérito igual, do ponto de vista hierárquico, nele há, incontestavelmente, uma propensão para ocupar-se de uma coisa em vez de outra. Por exemplo, os Espíritos batedores quase não saem das manifestações físicas, e entre os que dão manifestações inteligentes, há Espíritos poetas, músicos, desenhistas, moralistas, sábios, médicos, etc. Falamos de Espíritos de uma ordem média, porque, chegando a um certo grau, as aptidões se confundem na unidade da perfeição. Mas, ao lado da aptidão do Espírito, há a do médium, que é para aquele um instrumento mais ou menos cômodo, mais ou menos flexível, e no qual descobre qualidades particulares, que não podemos apreciar.

Façamos uma comparação: Um músico hábil tem em mãos vários violinos que para o vulgo são todos bons, mas entre os quais o artista consumado vê uma grande diferença; percebe nuanças de extrema delicadeza, que o levam a escolher uns e rejeitar outros, nuanças que compreende por intuição, mas que não pode definir. Dáse o mesmo com os médiuns: Entre médiuns com qualidades iguais quanto à força mediúnica, o Espírito preferirá este àquele, conforme o gênero de comunicação que queira dar. Assim, por exemplo, vemos pessoas, como médiuns, escreverem poesias admiráveis, embora em condições ordinárias jamais tenham podido ou sabido fazer um verso. Outras, ao contrário, sendo poetas, como médiuns só escrevem prosa, a despeito de seu desejo. O mesmo se dá quanto ao desenho, à música, etc. Há médiuns que, sem conhecimentos científicos próprios, têm uma aptidão muito especial para receber comunicações científicas; outros para estudos históricos; outros servem mais facilmente de intérpretes a Espíritos moralistas. Numa palavra, seja qual for a flexibilidade do médium, as comunicações que recebe com mais facilidade têm, em geral, um cunho especial. Há alguns, até, que não se afastam de um determinado círculo de ideias, e quando delas se afastam, temos comunicações incompletas, lacônicas e por vezes falsas. Além das causa de aptidão, os Espíritos se comunicam, ainda, mais ou menos voluntariamente por este ou aquele médium, conforme as suas simpatias. Assim, apesar da igualdade de aptidões, o mesmo Espírito será muito mais explícito através de certos médiuns, pelo simples fato de que esses melhor lhes convêm.

Seria erro, portanto, somente por se ter à mão um bom médium que escrevesse com a maior facilidade, pensar obter, por seu intermédio, boas comunicações de todos os gêneros. A primeira condição para se ter boas comunicações é, sem contradita, assegurar-se da fonte de que promanam, isto é, das qualidades do Espírito que as transmite, mas não é menos necessário atentar para as qualidades do instrumento oferecido ao Espírito. É preciso, pois, estudar a natureza do médium como se estuda a do Espírito, pois aí estão os dois elementos essenciais para resultados satisfatórios. Uma terceira condição, que representa papel igualmente importante, é a intenção, o pensamento íntimo, o sentimento mais ou menos louvável de quem interroga. E isto se concebe. Para que uma comunicação seja boa, é preciso que venha de um Espírito bom. Para que esse Espírito possa transmiti-la, é necessário um bom instrumento. Para que a queira transmitir, é preciso que o objetivo lhe convenha. O Espírito, que lê o pensamento, julga se a pergunta feita merece resposta séria e se a pessoa que a dirige é digna de recebê-la. Caso contrário, não perde seu tempo em semear bons grãos sobre pedras, e é então que os Espíritos levianos e zombadores se divertem, porque, pouco se preocupando com a verdade, não são muito corteses e são geralmente muito pouco escrupulosos quanto aos fins e aos meios.

De acordo com o que acabamos de dizer, compreende-se que deve haver Espíritos mais especialmente ocupados, por gosto ou pela razão, com o alívio da Humanidade sofredora e que, paralelamente, deve haver médiuns mais aptos do que outros para lhes servirem de intermediários. Ora, como esses Espíritos agem exclusivamente para o bem, devem procurar em seus intérpretes, além da aptidão que poderia ser chamada fisiológica, certas qualidades morais, entre as quais figuram, em primeira linha, o devotamento e o desinteresse. A cupidez sempre foi, e será sempre, um motivo de repulsa para os bons Espíritos e uma causa de atração para os outros. Pode o bom-senso aceitar que os Espíritos superiores se prestem a todas as combinações do interesse material, e que estejam às ordens do primeiro que aparecer pretendendo explorá-los? Os Espíritos, sejam quais forem, não querem ser explorados, e se alguns parecem concordar; se até mesmo se antecipam a certos desejos muito mundanos, quase sempre têm em vista uma mistificação de que se riem depois, como de uma boa peça pregada a pessoas muito crédulas. Aliás, não é inútil que alguns queimem os dedos, para aprenderem que se não deve brincar com as coisas sérias.

Seria o caso de falarmos aqui de um desses médiuns privilegiados, que os Espíritos curadores parece haverem tomado sob seu patrocínio direto. A senhorita Désirée Godu, residente em Hennebon, no Morbihan, goza, sob todos os aspectos, de uma faculdade verdadeiramente excepcional, que utiliza com a mais piedosa abnegação. A respeito, já dissemos algumas palavras num relatório das sessões da Sociedade, mas a importância do assunto merece artigo especial, que teremos a satisfação de lhe consagrar em nosso próximo número. À parte o interesse ligado ao estudo de toda faculdade rara, consideraremos sempre como um dever dar a conhecer o bem e fazer justiça a quem o pratica.


Bibliografia - A condessa Matilde de Canossa

Este é o título de um romance legendário, publicado em Roma em 1858, pelo Rev. Pe. Bresciani, da Companhia de Jesus[1], autor do Judeu de Verona. O assunto da obra é a História, no gênero de Walter Scott, da antiga família de Canossa. Por isso o autor o dedicou ao atual descendente dessa ilustre família, o Marquês Otávio de Canossa, podestade de Verona e camareiro de S. M. o Imperador da Áustria. A ação se passa na Idade Média. Os feiticeiros e magos representam nela grandes papéis, e as cenas demoníacas são descritas com uma precisão que faria inveja ao romancista escocês. O autor nos parece menos feliz em sua apreciação dos fenômenos espíritas modernos das mesas falantes, do magnetismo e do sonambulismo. Ora, eis o que se lê a respeito no Cap. X, página 170:

“Mais de um de meus leitores, e provavelmente a maioria deles, poderiam admirar-se de ver aparecer nos capítulos precedentes todo esse aparato de diabruras, de esconjuros, de sortilégios, de alucinações, de irrupções fantásticas que não ficaria mal nas histórias de serões e nos contos de amas de leite.

“─ Quem ainda acredita, em nossos dias, em necromantes, em feiticeiros, em encantamentos, em fascínio, em filtros, no comércio com o diabo? Desejaríeis reconduzir-nos aos contos de fadas de Martin del Rio[2], às canhestras superstições do povo e das comadres dos cortiços, por lendas que eriçam a pele das camponesas bochechudas que têm medo da mula-sem-cabeça e tiram o sono dos garotos medrosos, em nome do lobisomem? Realmente, amigo, este é o momento de nos livrarmos dessas futilidades. ─ Tal é, mais ou menos, a linguagem que me parece ouvir.

“Responderei que, antes de desprezar as antigas crenças, cada um deve pôr a mão na consciência e se perguntar, muito francamente, se ao menos não é tão crédulo quanto algum dos seus antepassados. Vejamos bem: O que significa essa voga de magnetizadores, de médiuns, de mesas girantes, falantes e proféticas; de sonâmbulos que veem através de paredes, que leem pelo cotovelo, que têm à sua frente aquilo que se diz e se faz a vinte, trinta e quarenta milhas de distância; que leem e escrevem sem conhecer o abc; que, sem saberem uma palavra de medicina, assinalam, determinam todos os casos patológicos, indicando-lhes as causas e prescrevendo o remédio com as doses da praxe, com todos os termos greco-árabes do vocabulário científico? Que são esses interrogatórios de Espíritos; essas respostas de gente morta e enterrada; essas profecias de acontecimentos futuros? Quem evoca essas sombras? Quem as leva a falar? Quem as faz ver um futuro que não existe? Quem as leva a proferir essas blasfêmias contra Deus, contra os santos do Céu, contra os sacramentos da Igreja?

“Vejamos, brava gente, falai! Por que essas contorções e esses olhares sombrios? ─ Ah! acabareis me dizendo, quem sabe! Mistérios da Natureza, leis desconhecidas, força de lucidez, sentido oculto do organismo humano! Sutilezas do fluido magnético, do influxo nervoso, das ondulações ópticas e acústicas; virtudes secretas que a eletricidade ou o magnetismo excitam no cérebro, no sangue, nas fibras, em todas as partes vitais; potências e forças supremas da vontade e da imaginação.

“Meus amigos, isto são bobagens, palavras sem sentido, frases vazias, desvios ambíguos, enigmas que vós próprios não compreendeis. Toda a diferença que há entre nós e os nossos antepassados é que para negar um mistério nós forjamos uma centena de outros. Enquanto para aquela boa gente um gato era um gato e o diabo, o diabo, nós temos a pretensão de dotar a Natureza de forças que ela não tem nem pode ter.

“Nossos velhos, mais sábios e mais francos, diziam, sem rodeios, que havia operações sobrenaturais e muito honestamente as tratavam de diabolismo. Todavia, menos versados do que nós no conhecimento dos fenômenos naturais, sem dúvida chegaram, por vezes, a tomar como efeito prodigioso, coisas que não saem da ordem natural, ao passo que os modernos, muito mais esclarecidos, não deixam de olhar bom número de charlatanices dos magnetizadores como efeito misterioso das leis secretas da Natureza e as operações realmente diabólicas como golpes de mágica mais ou menos sutis. Mas os homens mais cristãos dos bons tempos de outrora sabiam muito bem que os maus Espíritos, evocados por meio de certos signos, de certas conjurações, de certos pactos, apareciam, respondiam, alucinavam a imaginação, impressionando de mil modos e sobretudo fazendo o maior mal que podiam aos que com eles conversavam. Confessai, pois, de boa-fé, que mesmo em nossos dias, e em maior número do que antigamente, temos os nossos necromantes, encantadores e feiticeiros, com a diferença de que os nossos pais tinham horror a esses malefícios; que eles praticavam-nos em segredo, nas trevas, nas cavernas, nas florestas e que muitos se arrependiam disso, se confessavam e faziam penitência. Em vez disso, em nossos dias, são exercidos nos salões deslumbrantes de ouro e de luz, em presença de curiosos, diante de moças, de crianças e de mães, sem o menor escrúpulo, assim frequentemente se divertindo com as superstições da Idade Média.

“Crede-me. Em todas as épocas os homens quiseram tratar com o demônio, e esse espírito astuto, embora os homens não o devolvam aos abismos e com ele mantenham comércio, submete-se a todas as transformações. Nos séculos idólatras ele vivia com os oráculos e as pitonisas; mostrava-se sob a forma de pomba, de pega, de galo, de serpente e cantava versos fatídicos. Na Idade Média apresentava-se pedante aos povos bárbaros e lhes aparecia sob formas terríveis, em monstruosas conjurações. Se, por vezes, se apequenava e se sutilizava a ponto de aninhar-se nos cabelos, em frasquinhos, em filtros que os feiticeiros faziam os amantes beberem, não deixava de inspirar um grande terror. Hoje, ao contrário, ele se presta à civilização do século. Alegra-se no mundo elegante, nos saraus brilhantes, seguidamente dormindo com os sonâmbulos, dançando com as mesas, escrevendo com as pranchetas. Na verdade, não é muito gentil? Tem o cuidado de não apavorar ninguém; veste-se à americana, à inglesa, à parisiense, à alemã; é realmente amável, com sua barba e seu fino bigode italiano; é a coqueluche dos salões e seria muito canhestro se não assumisse uma distinção irreprochável. Vede! Tornou-se tão bom apóstolo que conversa muito polidamente com aquela senhora que ainda vai à missa e que se lhe disserdes: ‘─ Tomai cuidado! Há coisas que não são naturais e não o poderiam ser. Há nisso algo de traiçoeiro. Os bons cristãos não tratam destas coisas’, vos riria nas bochechas e responderia com um arzinho de superioridade: ‘─ Que diabo! Tudo isto é muito natural; também sou cristã, mas não imbecil.’

“Enquanto isto, se se apresentar uma ocasião, ele magnetizará sua filha de vinte anos, para, na sua intuição magnética, fazer que leia fatos distantes e segredos do futuro.

“Deixo-vos a pensar se esse belo diabo peralta não deve rir-se à socapa da boa cristã!”

Deixamos aos leitores o cuidado de apreciar o julgamento do Pe. Bresciani. Em vão aí procurarão, como nós, argumentos peremptórios contra as ideias espíritas; uma demonstração qualquer da falsidade dessas ideias. Sem dúvida pensa ele que elas não merecem a menor refutação e que basta um sopro para dissipá-las. Parecenos, porém, que, a exemplo da maioria dos adversários, chega ele a uma consequência oposta à que espera, desde que não prova, por A mais B: isto não é nem pode ser. Como o Pe. Bresciani é um homem de um talento incontestável e de instrução superior, pensamos que, desde que seu objetivo era combater os Espíritos, deveria ter reunido contra estes as suas armas mais terríveis, de onde concluímos que se não diz muito, é que nada mais tem a dizer; que se não dá outras provas, é porque não as tem melhores para opor, do contrário, não teria tido o cuidado de deixá-las no fundo do baú. Em toda essa argumentação, os mais ridicularizados não são os Espíritos, mas o próprio diabo, que é tratado um tanto cavalheirescamente e não como uma coisa levada a sério. A gente é forçada a pensar, ante esse estilo faceto, que o autor não acredita mais no diabo do que nos Espíritos. Contudo, se ele é, como se pretende, o agente único de todas as manifestações, forçoso é convir que representa um papel mais divertido do que terrível e muito mais capaz de despertar a curiosidade do que de amedrontar. Aliás, até o presente, tal é o resultado de tudo quanto se tem dito e escrito contra o Espiritismo. Assim, têm-no servido mais do que prejudicado.

Segundo a maioria dos críticos, o fato das manifestações não tem relevância. É uma mania passageira, um jogo de salão, e o autor não nos parece tê-lo encarado por um lado mais sério. Se assim é, por que atormentar-se? Deixai à moda o trabalho de trazer amanhã outro passatempo, e o Espiritismo viverá o que viveu a poticomania: o espaço de duas estações. Atirando-lhe pedras, dá-se a impressão de temê-lo, pois só se procura derrubar aquilo que se teme; se for uma utopia, uma quimera, por que bater-se contra moinhos de vento? É verdade, dizem, que o diabo por vezes se mete nisso, mas não haveria necessidade de tantos autores, como este, para pintarem o diabo com cores tão róseas, para dar às senhoras vontade de conhecê-lo.

O Pe. Bresciani examinou bem o assunto? Pesou o alcance de todas as suas palavras? Que nos permita a dúvida. Quando ele diz: Que são essas respostas de gente morta e enterrada? Quem lhes faz ver um futuro QUE NÃO EXISTE? Perguntamos se foi um cristão ou um materialista que escreveu semelhantes coisas. Mesmo um materialista falaria dos mortos com mais respeito. ─ Quem os faz proferir essas blasfêmias contra Deus? Onde estão essas blasfêmias? O autor, que atribui tudo ao diabo, sem dúvida as supôs, pois do contrário saberia que a confiança mais ilimitada na bondade de Deus é a base do Espiritismo; que tudo nele se faz em nome de Deus; que os Espíritos mais perversos não falam dele senão com temor e respeito, e os bons o fazem com amor. Que há nisso de blasfematório? ─ Mas o que pensar destas palavras: Temos a pretensão de dotar a Natureza de forças que ela não tem e NÃO PODE ter; nossos VELHOS, mais prudentes, as tratavam simplesmente como diabruras. Assim, é mais sábio atribuir os fenômenos da Natureza ao diabo do que a Deus. Enquanto proclamamos o poder infinito do Criador, o Pe. Bresciani lhe estabelece limites: a Natureza, que resume a obra divina, não tem, e não pode ter outras forças além das que conhecemos. Quanto às que poderiam ser descobertas, é mais sábio atribuí-las ao diabo, que seria, assim, mais poderoso do que Deus. É preciso perguntar de que lado está a blasfêmia ou o maior respeito ao Ser Supremo? ─ Enfim, o diabo toma todas as formas. Na verdade não é muito gentil? Veste-se à americana, à inglesa, à parisiense; é realmente amável com sua barba e finos bigodes à italiana e seria preciso ser muito canhestro para não achá-lo de uma distinção irreprochável. Não sabemos se os senhores italianos sentir-se-ão envaidecidos por serem tomados como diabos peraltas. Quem são essas belas senhoras que fazem coqueluche desses gentis demônios e que, ante o caridoso aviso de que há nisso algo de traiçoeiro, vos riem à socapa exclamando: Que diabo! não sou tão imbecil! Se é um flagrante natural, perguntaremos em que mundo, l'entier ou le demi[3], elas se servem de tão belas expressões. Lamentamos que o autor não tenha bebido seus conhecimentos de Espiritismo em fonte mais séria, com o que não falaria tão levianamente. Enquanto não lhes opuserem argumentos mais peremptórios, os partidários do Espiritismo poderão dormir tranquilos.



[1] Um volume in 8, traduzido do italiano. J. -B. Pélagaud e Cia., Rua des Saints Pères, 57 ─ Paris. Preço 3,50 francos.


[2] Del Rio, sábio jesuíta nascido em Antuérpia em 1551 e falecido em 1608. O autor alude à sua obra Disquisitiones Magicoe.


[3] Na época de Kardec, dizia-se demi-monde, palavra criada por Dumas, para significar o mundo da prostituição, o baixo mundo. Demi-mondaine seria cortesã, prostituta. Aqui Kardec faz um trocadilho, contrapondo l’antier (o mundo inteiro) e le demi (o meio mundo) Nota da equipe revisora.



História de um danado

O Sr. de la Roche, membro titular, comunica o fato seguinte, de seu conhecimento pessoal: Numa pequena casa perto de Castelnaudary, havia ruídos estranhos e diversas manifestações que levavam a considerá-la como assombrada por algum mau gênio. Por isso, foi exorcizada em 1848 e nela colocaram grande número de imagens desantos. Desde então, querendo habitá-la, o Sr. D... mandou fazer reparos e retirar as gravuras. Há alguns anos, ali morreu subitamente. Seu filho, que nela mora atualmente ou que pelo menos a ocupava até há pouco, certo dia, ao entrar num quarto, recebeu forte bofetada de mão invisível. Como estivesse absolutamente só, não duvidou que ela viesse de fonte oculta. Agora não quer mais ficar lá e vai mudar-se definitivamente. Há na região uma tradição segundo a qual um grande crime foi cometido na dita casa.

Interrogado quanto à possibilidade de evocar o autor da bofetada, São Luís respondeu favoravelmente. Chamado, o Espírito se manifestou por sinais de violência. O médium foi tomado de extrema agitação, quebrou sete ou oito lápis, lançando alguns sobre os assistentes e rasgou uma página, que cobriu de traços sem sentido, feitos com cólera. Foram inúteis todos os esforços para acalmá-lo. Premido a responder às perguntas, escreveu com a maior dificuldade um não quase indecifrável.

1. (A São Luís) ─ Teríeis a bondade de nos dar algumas informações sobre este Espírito, já que ele não pode ou não quer dá-las? ─ É um Espírito da pior espécie, um verdadeiro monstro. Fizemo-lo vir, mas não foi possível obrigá-lo a escrever, malgrado tudo quanto lhe foi dito. Ele tem seu livre-arbítrio, do qual o infeliz faz triste uso.

2. ─ Há muito que morreu como homem? ─ Procurai informações. Foi ele que cometeu o crime cuja lenda existe na região.

3. ─ Quem era ele em vida? ─ Sabê-lo-eis por vós mesmos.

4. ─ É ele que assombra a casa atualmente? ─ Sem dúvida, desde que foi assim que vo-lo fiz atender.

5. ─ Então os exorcismos não o expulsaram? ─ De modo algum.

6. ─ Ele participou de algum modo da morte súbita do Sr. D...? ─ Sim.

7. ─ De que maneira contribuiu para essa morte? ─ Pelo pavor.

8. ─ Foi ele que deu a bofetada no filho do Sr. D...?─ Sim.

9. ─ Poderia ter dado outra em algum de nós? ─ Sem dúvida. Vontade não lhe faltava.

10. ─ Por que não o fez? ─ Não lhe foi permitido.

11. ─ Haveria um meio de desalojá-lo daquela casa, e qual seria? ─ Se se quiserem desembaraçar da obsessão de semelhantes Espíritos, será fácil, orando por eles. É o que sempre esquecem de fazer. Preferem aterrá-los com fórmulas de exorcismos, que os divertem muito.

12. ─ Dando aos interessados a ideia de orar por esse Espírito, e orando nós mesmos, seria possível desalojá-lo? ─ Sim. Mas notai que eu disse orar e não mandar orar.

13. ─ Tal Espírito é suscetível de melhora? ─ Por que não? Não o são todos, este como os outros? Contudo, é preciso dispor-se a encontrar dificuldades. Mas, por mais perverso que seja, o bem, em retribuição ao mal, acabará por tocá-lo. Que orem a princípio e o evoquem depois de um mês. Podereis apreciar a mudança que nele se operará.

14. ─ Esse Espírito é sofredor e infeliz. Podeis descrever o gênero de sofrimento que experimenta? ─ Ele está persuadido de que terá de ficar eternamente na situação em que se encontra. Vê-se constantemente no momento em que praticou o crime. Qualquer outra lembrança lhe foi apagada e qualquer comunicação com outro Espírito foi interdita. Na Terra, só pode ficar naquela casa, e quando no espaço, nas trevas e na solidão.

15. ─ Em que mundo vivia, antes da última encarnação? A que raça pertencia? ─ Havia tido uma existência entre as tribos mais ferozes e selvagens e, precedentemente, vinha de um planeta inferior à Terra.

16. ─ Se reencarnasse, em que categoria de indivíduos iria encontrar-se? ─ Isto dependerá dele e de seu arrependimento.

17. ─ Em sua próxima existência corporal poderia ser o que se chama um homem de bem? ─ Isto lhe será difícil; por mais que faça, ser-lhe-á difícil evitar uma vida tempestuosa. OBSERVAÇÃO: A Sra. X..., médium vidente que assistia à sessão, viu esse Espírito no momento em que queriam que escrevesse: sacudia o braço do médium; seu aspecto era aterrador; vestia uma camisa coberta de sangue e tinha um punhal. O Sr. e a Sra. F..., presentes à sessão como ouvintes, não sendo ainda sócios, desde a mesma noite cumpriram a recomendação feita em favor do infeliz Espírito, e oraram por ele. Obtiveram várias comunicações dele, bem como de suas vítimas. Damo-las na ordem em que foram recebidas, juntamente com as que, sobre o mesmo assunto, foram obtidas na Sociedade. Além do interesse ligado a essa dramática história, ressalta um ensinamento que a ninguém escapa.

18. (Ao Espírito familiar). ─ Podes dizer algo a respeito do Espírito de Castelnaudary? ─ Evoque-o.

19. ─ Ele é mau? ─ Verás.

20. ─ O que é preciso fazer? ─ Não lhe falar, se nada tens a dizer-lhe.

21. ─ Se lhe falarmos para lamentar seu sofrimento, isto lhe fará bem? ─ A compaixão sempre faz bem aos infelizes.

22. Evocação do Espírito de Castelnaudary. ─ Que querem de mim?

23. ─ Nós te chamamos a fim de te sermos úteis. ─ Oh! Vossa piedade me faz bem, porque sofro... Oh! Como sofro!... Que Deus tenha piedade de mim!... Perdão!... Perdão!...

24. ─ Nossas preces ser-te-ão salutares? ─ Sim. Orai, orai.

25. ─ Está bem! Oraremos por ti. ─ Obrigado! Tu, pelo menos, não me amaldiçoas.

26. ─ Por que não quiseste escrever na Sociedade, quando te chamaram? ─ Oh! Maldição!

27. ─ Maldição para quem? ─ Para mim, que expio muito cruelmente os crimes nos quais a minha vontade teve pequena parte.

OBSERVAÇÃO: Dizendo que sua vontade teve pequena parte nos seus crimes, quer atenuá-los, como mais tarde se ficou sabendo.

28. ─ Se te arrependeres, serás perdoado? ─ Oh! Jamais!

29. ─ Não te desesperes. ─ Eternidade de sofrimento, eis o meu destino.

30. ─ Qual é o teu sofrimento? ─ O que há de mais terrível. Não podes compreender. 31. ─ Oraram por ti desde ontem à noite? ─ Sim, mas sofro ainda mais. 32. ─ Como assim? ─ Sei eu?

OBSERVAÇÃO: Esta circunstância foi explicada mais tarde.

33. ─ Deve-se fazer algo em relação à casa onde te instalaste? ─ Não! Não! Não me falem nisso... Perdão, meu Deus! Já sofri demais!

34. ─ Tens que permanecer lá? ─ Assim estou condenado.

35. ─ Será para que tenhas teus crimes constantemente sob tua vista? ─ É isto.

36. ─ Não te desesperes. Tudo pode ser perdoado com o arrependimento. ─ Não! Não há perdão para Caim.

37. ─ Então mataste teu irmão? ─ Todos somos irmãos.

38. ─ Por que quiseste fazer mal ao Sr. D...? ─ Chega! Por favor, chega!

39. ─ Então, adeus. Tem confiança na misericórdia divina! ─ Orai.

40. Evocação. ─ Estou junto de vós.

41. ─ Começas a ter esperança? ─ Sim, meu arrependimento é grande.

42. ─ Qual era o teu nome? ─ Sabereis mais tarde.

43. ─ Há quantos anos sofres? ─ Há 200 anos.

44. ─ Em que época cometeste o crime? ─ Em 1608.

45. ─ Podes repetir as datas para confirmá-las? ─ É inútil. Uma vez basta. Adeus, eu vos falarei amanhã. Uma força me chama!

46. Evocação. ─ Obrigado, Hugo! (prenome do Sr. F...).

47. ─ Queres falar-nos do que aconteceu em Castelnaudary? ─ Não. Fazeis-me sofrer quando falais disso. Não é generoso de vossa parte.

48. ─ Sabes muito bem que se te falamos disto é com o objetivo de esclarecerte acerca da tua situação e não de agravá-la. Então, fala sem medo. Como te deixaste levar a cometer esse crime? ─ Um momento de desvario.

49. ─ Houve premeditação? ─ Não.

50. ─ Esta não pode ser a verdade. Teus sofrimentos provam que és mais culpado do que dizes. Sabes que só pelo arrependimento podes abrandar tua sorte, e não pela mentira. Vamos! Sê franco. ─ Bem! Já que é preciso, seja!

51. ─ Foi um homem ou uma mulher que mataste? ─ Um homem.

52. ─ Como causaste a morte do Sr. D...? ─ Eu lhe apareci visivelmente. Meu aspecto é tão horroroso que minha simples vista o matou.

53. ─ Fizeste-o de propósito? ─ Sim.

54. ─ Por que? ─ Ele quis me desafiar, e eu faria de novo, se me viessem tentar.

55. ─ Se eu fosse morar naquela casa, tu me farias mal? ─ Oh! Não. Certamente que não! Tu tens piedade de mim e me desejas o bem.

56. ─ O Sr. D... morreu instantaneamente? ─ Não. Foi tomado pelo medo, mas só morreu duas horas depois.

57. ─ Por que te limitaste a dar um sopro no filho do Sr. D...? ─ Era mais do que suficiente ter matado dois homens.

58. Perguntas dirigidas a São Luís. ─ O Espírito que se comunicou com o Sr. e a Sra. F... é realmente o de Castelnaudary? Sim.

59. ─ Como pôde comunicar-se com eles tão prontamente? ─ Ele ainda ignorava a Sociedade. Ele não se havia arrependido, e o arrependimento é tudo.

60. ─ As informações por ele dadas sobre o crime são exatas? ─ Cabe-vos verificar e vos entenderdes com ele.

61. ─ Ele disse que o crime foi cometido em 1608 e que morreu em 1659. Ele se acha nesse estado, portanto, há 200 anos? ─ Isto vos será explicado mais tarde.

62. ─ Podeis descrever seu gênero de suplício? ─ É-lhe atroz. Como sabeis, foi condenado a ficar no local do crime, sem poder dirigir o pensamento a outra coisa senão ao crime, sempre ante os seus olhos, e julga-se eternamente condenado a essa tortura.

63. ─ Está mergulhado na escuridão? ─ Escuridão quando quer afastar-se do lugar de exílio.

64. ─ Qual é o mais terrível gênero de suplício que pode experimentar um Espírito, neste caso? ─ Não há descrição possível das torturas morais que são a punição de certos crimes. Até mesmo aquele que as experimenta terá dificuldade em vos dar uma ideia. Mas a mais horrível é a certeza de se crer condenado sem apelo.

65. ─ Há dois séculos ele se acha em tal situação. Ele avalia o tempo da mesma maneira que em vida, isto é, o tempo lhe parece mais longo ou menos longo do que quando estava vivo? ─ Parece-lhe ainda mais longo. Para ele não há o sono.

66. ─ Foi-nos dito que para o Espírito o tempo não existia, e que para eles um século é um ponto na eternidade. Não é o mesmo para todos? ─ Certamente que não. É assim apenas para os Espíritos chegados a uma grande elevação, mas para os Espíritos inferiores o tempo é por vezes muito longo, sobretudo quando sofrem.

67. ─ Esse Espírito é punido muito severamente pelo seu crime. Ora, vós nos dissestes que antes desta última existência tinha vivido entre bárbaros. Lá deve ter cometido atos pelo menos tão atrozes quanto o último. Foi punido do mesmo modo? ─ Foi menos punido porque, sendo mais ignorante, compreendia menos o alcance.

OBSERVAÇÃO: Todas as observações confirmam este fato, eminentemente conforme à justiça de Deus, que as penas são proporcionais, não à natureza da falta, mas ao grau de inteligência do culpado e à possibilidade de compreender o mal que faz. Assim, uma falta aparentemente menos grave poderá ser mais severamente punida num homem civilizado do que um ato de barbárie num selvagem.

68. ─ O estado em que se encontra esse Espírito é o dos seres vulgarmente chamados danados? ─ Certamente, e há casos ainda muito mais horríveis. Os sofrimentos estão longe de ser os mesmos para todos, mesmo para crimes semelhantes, pois variam conforme o culpado seja mais ou menos acessível ao arrependimento. Para este, a casa onde cometeu o crime é o seu inferno; outros o levam em si mesmos, pelas paixões que os atormentam e que não podem satisfazer.

OBSERVAÇÃO: Com efeito, vimos avarentos sofrerem à vista do ouro que se lhes tornara uma verdadeira quimera; orgulhosos atormentados pela inveja das honras que viam prestadas a outros que não eles; homens que comandavam na Terra, humilhados pelo poder invisível que os constrangia a obedecer e pela visão de seus subordinados que não mais se dobravam diante deles; ateus sofrendo as angústias da incerteza, e achando-se num isolamento absoluto em meio à imensidade, sem encontrarem nenhum ser que os pudesse esclarecer. No mundo dos Espíritos, se há alegria para todas as virtudes, há penas para todas as faltas, e as que não são atingidas pela lei dos homens, sempre o serão pela lei de Deus.

69. ─ Malgrado a sua inferioridade, esse Espírito sente os bons efeitos da prece. O mesmo vimos quanto a outros Espíritos igualmente perversos e da mais bruta natureza. Como é que Espíritos mais esclarecidos, de inteligência mais desenvolvida, mostram completa ausência de bons sentimentos; riem-se de tudo quanto há de mais sagrado; numa palavra, nada os toca e não deixam nunca o seu cinismo? ─ A prece só tem efeito sobre o Espírito que se arrepende. Aquele que, levado pelo orgulho, se revolta contra Deus e persiste nos seus desvios, ainda os exagerando, como fazem os Espíritos infelizes, sobre esses nada pode a prece e nada poderá, senão quando um clarão de arrependimento neles se manifestar. Para eles, a ineficácia da prece é um castigo. Ela só alivia os não totalmente endurecidos.

70.Quando vemos um Espírito inacessível aos bons efe!tos da prece, há uma razão para nos abstermos de orar por ele?
Não, sem dúvida; pois cedo ou tarde ela poderá vencer o seu endurecimento e despertar nele pensamentos salutares.



(SEXTA SESSÃO. EM CASA DO SR. ,...)


71.Evocação: Eis-me aqui.

72.Então, agora podes deixar a casa de Castelnaudary quando quiseres? Permitem-me, porque aproveito vossos bons conselhos.

73.Experimentas algum alívio? Começo a ter esperanças.

74. Se pudéssemos ver-te, sob que aparência te veríamos? Ver-me-íeis de camisa e sem punhal.

75.Por que não mais terias o punhal? Que fizeste dele? Eu o maldigo. Deus me poupa sua vista.

76.Se o Sr. D... Filho voltasse à casa, ainda lhe farias mal? Não; estou arrependido.

77.E se ainda te quisesse desafiar? Oh! não me pergunteis isto. Não me poderia dominar: isto estaria acima de minhas forças... sou apenas um miserável.

78.As preces do Sr. D... Filho ser-te-iam mais salutares que as de outras pessoas? Sim, pois a ele é que fiz o maior mal.

79.Pois bem, continuaremos a fazer por ti o que pudermos. Obrigado. Pelo menos encontrei em vós almas caridosas. Adeus.


(SÉTIMA SESSÃO)


80.Evocação do homem assassinado: Aqui estou.

81.Que nome tínheis em vida? Eu me chamava Pierre Dupont.

82.Qual a vossa profissão? Era salsicheiro em Castelnaudary, onde fui assassinado por meu irmão, a 6 de maio de 1608; por Charles Dupont, irmão mais velho, com um punhal, no meio da noite.

83.Qual foi a causa do crime? Meu irmão pensou que eu queria cortejar uma mulher de quem ele gostava e que eu via multas vezes, Mas ele se enganava, pois eu jamais havia pensado nisso.

84.Como ele vos matou? Eu dormia. Ele me feriu na garganta, depois no coração. Ferindo, despertou-me. Quis lutar, mas sucumbi.

85.Vós o perdoastes? Sim; no momento de sua morte, há 200 anos.

86.Com que idade morreu ele? Com 80 anos.

87.Ele não foi punido em vida? Não.

88.Quem foi acusado por vossa morte? Ninguém. Naqueles tempos de confusão, prestava-se pouca atenção a essas coisas: isto não adiantaria nada.

89.Que aconteceu à mulher? Pouco depois foi morta por meu irmão, em minha casa.

90.Por que a assassinou? Amor frustrado; ele se havia casado com ela, antes de minha morte.


(OITAVA SESSÃO)


91.—Por que não fala ele do assassinato dessa mulher? Porque o meu é o pior para ele.

92.Evocação da mulher assassinada: Estou aqui.


93.Que nome tínheis em vida? Marguerite Aeder, senhora Dupont.

94.Quanto tempo esteve casada? Cinco anos.

95.— Pierre nos disse que seu irmão suspeitava de relaçõescriminosas entre vós dois. Isto é verdade? Nenhuma relação criminosa existia entre mim e Pierre. Não acrediteis nisto.

96.Quanto tempo depois da morte de seu irmão Charles elevos assassinou? Dois anos depois.

97.Que motivo o impeliu? o ciúme e o desejo de ficar com o meu dinheiro.

98.Podeis relatar as circunstâncias do crime? Ele me agarrou e feriu-me na cabeça, no local de trabalho, com sua faca de salsicheiro.

99.Como é que não foi perseguido? Para que? Naqueles tempos funestos tudo era desordem.

100. o ciúme de Charles tinha fundamento? Sim; mas isto não o autorizava a cometer semelhante crime, porque nesse mundo todos somos pecadores.

101. Há quantos anos estáveis casada, quando da morte de Pierre? Há três anos.

102. Podeis precisar a data de vossa morte? Sim: 3 de maio de 1610.

103. Que pensaram da morte de Pierre? Fizeram crer em assassinos que queriam roubar.



OBSERVAÇÃO: Seja qual for a autenticidade desses relatos, que parecem difíceis de controlar, há um fato notável: a precisão e a concordância das datas e de todos os acontecimentos. Tal circunstância é, por si só, curioso assunto de estudo, se considerarmos que os três Espíritos chamados, em intervalos diversos, em nada se contradizem. O que pareceria confirmar suas palavras é que o principal culpado no caso, evocado por outro médium, deu respostas idênticas.


(NONA SESSÃO)


104. Evocação do Sr. D...: Eis-me aqui.

105. Desejamos pedir alguns detalhes das circunstâncias da vossa morte. Quereis no-los fornecer? De boa vontade.


106. Sabíeis que a casa que habitáveis era assombrada por um Espírito? Sim. Mas eu o quis desafiar e errei. Melhor teria sido orar por ele.



OBSERVAÇÃO: Vê-se por ai que os meios geralmente empregados para nos desembaraçarmos dos Espíritos importunos não o os mais eficazes.

As ameaças mais os excitam do que os intimidam. A benevolência e a comiseração tem mais poder que o emprego de meios coercitivos, que os irritam, ou das fórmulas de que se riem.


107. Como vos apareceu esse Espírito? À minha entrada em casa ele estava visível e me olhava fixamente; não me foi possível escapar; tomou-me o pavor e eu expirei sob o olhar terrível desse Espírito que eu havia desprezado, e para com o qual me havia mostrado tão pouco caridoso.

108.— Não poderíeis pedir socorro? Impossível: minha hora havia chegado e assim eu devia morrer.

109. Que aparência tinha ele? De um furioso disposto a me devorar.

110. Sofrestes com a morte? Horrivelmente.



111. Morrestes subitamente? Não: duas horas depois.

112. Que reflexões fazíeis ao vos sentirdes morrer? Não pude refletir; fui tomado de um terror inexprimível.

113. A aparição ficou visível até o fim? Sim: não deixou meu pobre Espírito, um só instante.

114. Quando vosso Espírito se desprendeu percebestes a causa de vossa morte? Não: tudo estava acabado. Só o compreendi mais tarde.

115. Podeis indicar a data de vossa morte? Sim: 9 de agosto de 1853 (A data precisa ainda não foi verificada; mas está mais ou menos certa).


(DÉCIMA SESSÃO SOCIEDADE, 13 DE JANEIRO DE 1860)


Quando esse Espírito foi evocado, a 9 de dezembro, São Luis aconselhou a chamá-lo de novo dentro de um mês, a fim de julgar do progresso que deveria ter feito no intervalo. Já foi possível julgar, pelas comunicações do Sr. e da Sra. F..., da mudança operada em suas idéias, graças à influência das preces e dos bons conselhos. Decorrido pouco mais de um mês de sua primeira evocação, foi de novo chamado à Sociedade, a 13 de janeiro.


116. Evocação: Aqui estou.

117. Lembrai-vos de ter sido chamado aqui há cerca de um mês? Como poderia esquecê-lo?

118. Por que então não pudestes escrever? Eu não queria.


119.— Por que não o queríeis? Ignorância e embrutecimento.

120. Vossas idéias mudaram de então para cá? Muito. Vários dentre vós fostes complacentes e orastes por mim.

121. Confirmais todas as informações dadas por vós e por vossas vitimas? Se não as confirmasse, seria dizer que não as havia dado... E fui eu mesmo.

122. Entrevedes o fim de vossas penas? Oh! ainda não. Já é muito mais do que mereço, saber, graças à vossa intercessão, que não durarão para sempre.

123. Descrevei a vossa situação antes de nossa primeira evocação. Compreendeis que vo-lo pedimos para nossa instrução e não como motivo de curiosidade. Já vos disse que não tinha consciência de nada, no mundo, senão do meu crime e que não podia deixar a casa onde o cometi, senão para elevar-me no espaço, onde tudo em volta de mim era solidão e obscuridade. Não poderia vos dar uma idéia do que isto é, e jamais o compreendi. Desde que me elevava acima do ar, tudo era negro e vazio; não sei o que era. Hoje experimento muito mais remorsos; mas, como vos provam as comunicações, já não sou constrangido a ficar naquela casa fatal; é-me permitido vagar na terra e procurar esclarecer-me por minhas observações. Mas agora compreendo melhor a enormidade de meus erros. E se, por um lado, sofro menos, por outro, as torturas aumentam pelo remorso. Mas, pelo menos, tenho esperança.

124. Se tivésseis que retomar uma existência corpórea, qual escolheríeis? Ainda não vi bastante, nem refleti bastante para o saber.

125. Encontrais as vossas vitimas? Oh! que Deus me guarde!



OBSERVAÇÃO: Sempre foi dito que a presença das vítimas é um dos tormentos dos culpados. Este ainda não as viu, porque estava no isolamento e nas trevas. Era um castigo; mas ele teme essa presença e si talvez esteja o complemento de seu suplicio.


126. Durante vosso longo isolamento e, pode-se dizer, vosso cativeiro, sentistes remorsos? Nem um pouco; e é por isto que sofri tanto. Apenas comecei a experimentá-lo quando, malgrado meu, foram provocadas as circunstâncias que conduziram à minha evocação, à qual devo o começo de minha libertação. Obrigado a vós, que tivestes piedade de mim e me esclarecestes.



OBSERVAÇÃO: Esta evocação não foi casual. Como devia ser útil a asse infeliz, os Espíritos que velavam por ele, vendo que começava a compreender a enormidade de seus crimes, julgaram chegado o momento de lhe prestar socorro eficaz, e então o trouxeram às circunstâncias propicias. É um fato que vimos muitas vazes repetido.

A propósito, perguntam o que teria sido dele, se não tivéssemos podido evocá-lo, como de todos os Espíritos sofredores que, também, não o podem ser, e nos quais não se pensa. A resposta é que as vias de Deus são inumeráveis para a salvação das criaturas. A evocação pode ser um meio de as assistir, mas, certo, não é o único. E Deus não deixa ninguém esquecido. Aliás, as preces coletivas devem ter influência parcial sobre os Espíritos acessíveis ao arrependimento.




Comunicações espontâneas

Estelle Riquier

O tédio, a mágoa, o desespero me devoram. Esposa culpada, mãe desnaturada, abandonei as santas alegrias da família, o domicílio conjugal embelezado pela presença de dois anjinhos descidos do Céu. Arrastada pelas veredas do vício, por um egoísmo, um orgulho e uma vaidade desenfreados, mulher sem coração, conspirei contra o santo amor daquele que Deus e os homens me haviam dado por sustentáculo e companheiro na vida. Ele buscou na morte um refúgio contra o desespero que lhe haviam causado o meu covarde abandono e a sua desonra.
O Cristo perdoou à mulher adúltera e a Madalena arrependida. A mulher adúltera tinha amado e Madalena se tinha arrependido. Mas, eu! Miserável, vendi a preço de ouro um falso amor que jamais senti. Semeei o prazer a mancheias e não colhi senão o desprezo. A miséria horrível e a fome cruel vieram pôr termo a uma vida que me era odiosa... e eu não me arrependi! E eu, miserável e infame, oh! quantas vezes empreguei, com fatal sucesso, minha influência como Espírito, para levar ao vício pobres mulheres que eu via virtuosas e gozando da felicidade que eu havia calcado aos pés. Deus jamais me perdoará? Talvez, se o desprezo que ela vos inspira não vos impedir de orar pela infeliz Estelle Riquier.

OBSERVAÇÃO: Tendo-se comunicado espontaneamente, sem ser chamado e sem ser conhecido dos assistentes, as seguintes perguntas foram dirigidas a esse Espírito.

1. ─ Em que época morrestes? ─ Há cinquenta anos.

2. ─ Onde moráveis? ─ Em Paris.

3. ─ A que classe social pertencia vosso marido? ─ À classe média.

4. ─ Com que idade morrestes? ─ Aos 32 anos.

5. ─ Por que motivo viestes espontaneamente comunicar-se conosco? ─ Foi-me permitido, para vossa instrução e para servir de exemplo.

6. ─ Tínheis recebido certa educação? ─ Sim.

7. ─ Esperamos que Deus leve em consideração a franqueza de vossa confissão e de vosso arrependimento. Pedimos que estenda sua misericórdia sobre vós, e que envie bons Espíritos para vos esclarecer sobre os meios de reparar vosso passado. ─ Oh! Obrigada, obrigada! Que Deus vos ouça!

OBSERVAÇÃO: Várias pessoas nos informaram que consideraram um dever orar pelos Espíritos sofredores que assinalamos, e que pedem assistência. Fazemos votos para que tal pensamento caridoso se generalize entre os nossos leitores. Alguns receberam a visita espontânea dos Espíritos pelos quais se haviam interessado, e que lhes vieram agradecer

O tempo presente

Sois guiados pelo verdadeiro Gênio do Cristianismo, disse-vos eu. É que o próprio Cristo preside aos trabalhos de toda natureza que estão em vias de realização, para abrir-se a era de renovação e de aperfeiçoamento que predizem vossos guias espirituais. Com efeito, se, fora das manifestações espíritas, lançardes os olhos sobre os acontecimentos contemporâneos, reconhecereis sem hesitação os sinais precursores que, de maneira irrefragável, vos provarão que os tempos preditos são chegados. As comunicações se estabelecem entre todos os povos e as barreiras materiais são derrubadas. Os obstáculos morais que se opõem à sua união; os preconceitos políticos e religiosos, apagar-se-ão rapidamente, e o reino da fraternidade estabelecer-se-á, enfim, de maneira sólida e durável. Observai, desde agora, os próprios soberanos, impulsionados por mão invisível, tomarem ─ coisa incrível para vós ─ a iniciativa das reformas; e as reformas que espontaneamente partem de cima, são bem mais rápidas e mais duráveis que as que vêm de baixo e são arrancadas à força. Malgrado os preconceitos da infância e da educação e o culto do passado, eu pressenti a época atual. Estou feliz por isto e mais feliz ainda por vir dizer-vos: Irmãos, coragem! Trabalhai para vós e pelo futuro dos vossos. Trabalhai sobretudo por vosso melhoramento pessoal, e gozareis na vossa próxima existência de uma felicidade que vos é tão difícil imaginar, quanto a mim vo-la dar a compreender.

CHATEAUBRIAND


Os sinos

Podes dizer-me por que sempre gostei de ouvir o som dos sinos? É que a alma do homem, que pensa ou que sofre, busca sempre desprender-se, quando experimenta essa felicidade muda, que desperta em nós vagas lembranças de uma vida passada. É que tal som é uma tradução da palavra do Cristo, que vibra no ar há dezoito séculos. É a voz da esperança. Quantos corações consolou! Quanta força deu à Humanidade crente! Essa voz divina apavorou os grandes da época. Eles a temeram, porque a verdade que haviam abafado fê-los tremer. O Cristo a mostrava a todos. Eles mataram o Cristo, mas não a ideia. Sua palavra sagrada tinha sido compreendida. Ela era imortal e, contudo, quantas vezes a dúvida se introduziu em vossos corações! Quantas vezes o homem acusou a Deus de ser injusto! Ele exclamava: Meu Deus, que fiz eu? Marcou-me a desgraça no berço? Então estou destinado a seguir esta via que me dilacera o coração? Parece que uma fatalidade se liga a meus passos. Sinto que as forças me abandonam. Vou arrebentar nesta vida.

Nesse momento, Deus faz penetrar em vosso coração um raio de esperança. Mão amiga vos tira a venda do materialismo, que vos tapa os olhos, e uma voz do Céu vos diz: Olha no horizonte aquele foco luminoso. É um fogo sagrado que emana de Deus. Essa chama deve iluminar o mundo e purificá-lo. Deve fazer sua luz penetrar no coração do homem e dali espancar as trevas que lhe obscurecem os olhos. Alguns homens pretenderam trazer-vos a luz, mas só produziram um nevoeiro que fez com que perdêsseis o reto caminho.

Não sejais cegos, vós a quem Deus mostra a luz. É o Espiritismo que vos permite levantar a ponta do véu que cobria o vosso passado. Olhai agora aquilo que fostes e julgai. Curvai a cabeça ante a justiça do Criador. Rendei-lhe graças por vos dar coragem para persistirdes na prova que escolhestes. Disse o Cristo: Aquele que usar a espada, pela espada morrerá. Tal pensamento, absolutamente espírita, encerra o mistério dos vossos sofrimentos. Que a esperança na bondade de Deus vos dê coragem e fé. Escutai sempre essa voz que vibra em vossos corações. Cabe-vos compreender, estudar com sabedoria e elevar vossa alma em pensamentos fraternos. Que o rico estenda a mão ao que sofre, pois a riqueza não lhe foi dada para os prazeres pessoais, mas para que seja o seu despenseiro, e Deus lhe pedirá contas do uso que dela tiver feito. Vossas virtudes são a única riqueza que Deus reconhece; a única que levareis, ao deixar este mundo. Deixai falar os falsos sábios, que vos chamam de loucos. Talvez amanhã vos peçam para orar por eles, pois Deus os julgará.

Tua filha, que te ama e que ora por ti.


Conselho de família.

Meus caros filhos, em minhas instruções precedentes aconselhei-vos a calma e a coragem; contudo, nem todos as mostrais tanto quanto deveríeis. Pensai que o lamento não acalma a dor. Ao contrário, ele tende a aumentá-la. Um bom conselho, uma boa palavra, um sorriso, um simples gesto, dão força e coragem. Uma lágrima amolece o coração, em vez de endurecê-lo. Chorai, se o coração a isto vos impele, mas que seja nos momentos de solidão, e não em presença dos que necessitam de toda a sua força ou energia que uma lágrima ou um suspiro podem diminuir e enfraquecer. Todos necessitamos de encorajamento, e nada mais próprio a nos encorajar do que uma voz amiga, um olhar benevolente, uma palavra vinda do coração. Quando vos aconselhei a vos reunirdes, não foi para que reunísseis vossas lágrimas e amarguras; não foi para vos incitar à prece, que apenas prova uma boa intenção, mas foi sim para que unísseis os vossos pensamentos, vossos esforços mútuos e coletivos; para que mutuamente vos désseis bons conselhos e para que em comum procurásseis, não o meio de vos entristecerdes, mas o caminho a seguir para vencerdes os obstáculos que se vos apresentam. Em vão um infeliz que não tem pão se prostrará para rogar a Deus a subsistência que não cairá do céu. Que ele trabalhe e, por pouco que obtenha, isto lhe valerá mais do que todas as suas preces. A prece mais agradável a Deus é o trabalho útil, seja qual for. Eu o repito: a prece apenas prova uma boa intenção, um bom sentimento, mas só produz um efeito moral, porque é toda moral. A prece é excelente como um consolo da alma, porque a alma que ora sinceramente nela encontra alívio para as dores morais.

Fora destes efeitos e dos que decorrem da prece, como vos expliquei em outras instruções, nada espereis, pois sereis iludidos em vossa esperança.

Segui pois exatamente os meus conselhos. Não vos contenteis em pedir a Deus que vos ajude. Ajudai-vos vós mesmos, pois assim provareis a sinceridade de vossa prece. Seria muito cômodo, na verdade, que bastasse pedir uma coisa nas preces para que ela vos fosse concedida. Seria o maior incentivo à preguiça e à negligência das boas ações. A respeito, eu poderia estender-me ainda mais, mas seria muito para vós. Vosso estado de adiantamento ainda não o comporta. Meditai sobre esta instrução, como sobre as precedentes, pois são de natureza a ocupar longamente os vossos espíritos. Elas contêm em germe tudo quanto vos será desvendado no futuro. Segui meus conselhos anteriores.


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