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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860 > Abril
Abril
BoletimComunicações diversas:
1.º) ─ Carta de Dieppe, confirmando em todos os pontos as manifestações espontâneas ocorridas em casa de um padeiro do burgo de Grandes-Ventes, perto de Dieppe, e relatadas no La Vigie (Publicadas em nosso número de março).
2.º) ─ Carta do Sr. M., de Teil d’Ardèche, que dá novas informações sobre os fatos ocorridos no castelo de Fons, perto de Aubenas.
3.º) ─ Carta do Barão Tscherkassoff, com detalhes circunstanciados e autênticos sobre um fato muito extraordinário de manifestação espontânea por um Espírito perturbador, ocorrido no começo do século, com um fabricante de São Petersburgo (Publicado a seguir).
4.º) ─ Relato de um fato de aparição tangível, com todos os caracteres de um agênere, ocorrido a 15 de janeiro último, na comuna de Brix, perto de Valognes. O fato foi transmitido ao Sr. Ledoyen, por pessoa de seu conhecimento e que lhe verificou a exatidão. (Publicado a seguir).
5.º) ─ Leitura de uma tradição muçulmana sobre o profeta Esdras, extraída do Moniteur de 15 de fevereiro de 1860, e que repousa sobre um fato de faculdade mediúnica.
Estudos:
1.º) ─ Ditado espontâneo de Charlet, recebido pelo Sr. Didier filho, em confirmação ao trabalho começado.
2.º) ─ Evocação do Sr. Jules-Louis C..., falecido a 30 de janeiro último, no hospital de Val-de-Grâce, em consequência de um câncer que lhe havia destruído parte da face e do maxilar.
Esta evocação foi feita conforme o desejo de um de seus amigos presente à sessão e de uma pessoa da família. É sobretudo instrutiva do ponto de vista da modificação das ideias após a morte, desde que em vida o Sr. C... professava abertamente o materialismo.
3º) ─ É perguntado a São Luís se é possível chamar o Espírito que se manifestou em casa do padeiro de Dieppe. Ele responde que não, por motivos que mais tarde serão sabidos.
SEXTA-FEIRA, 2 DE MARCO DE 1860
(SESSÃO PARTICULAR) Exame e discussão de vários assuntos administrativos.
Estudo e apreciação de várias comunicações espíritas, quer obtidas na Sociedade, quer fora das sessões.
Solicitado a dar um ditado espontâneo, São Luís escreve o que se segue, por intermédio da Srta. Huet:
“Eis-me aqui, meus amigos, pronto para vos dar os meus conselhos, como tenho feito até hoje. Desconfiai dos maus Espíritos que poderiam insinuar-se entre vós procurando semear a desunião. Infelizmente, aqueles que querem tornar-se úteis a uma obra, sempre encontram obstáculos. Aí não está a pessoa generosa que os encontra, mas o encarregado de executar os desejos que manifesta. Não temais. Triunfareis de todos os obstáculos pela paciência, uma atitude firme contra as vontades que querem impor-se. Quanto às várias comunicações que me atribuem, são por vezes de outro Espírito que usa o meu nome. Pouco me comunico fora da Sociedade, que tomei sob meu patrocínio. Gosto destes lugares de reunião, que me são especialmente consagrados. É somente aqui que gosto de dar avisos e conselhos. Assim, desconfiai dos Espíritos que às vezes se servem do meu nome. Que a paz e a união estejam entre vós! Em nome de Deus todo poderoso, que criou o bem, eu o desejo.
São Luís
Um sócio faz esta observação: “Como pode um Espírito inferior usurpar o nome de um Espírito Superior, sem o consentimento deste último? Isto só se pode dar com intenção má. Então, por que os bons Espíritos o permitem? Se não podem a isto se opor, serão menos poderosos que os maus?”
A isso foi respondido: Existe algo mais poderoso que os bons Espíritos: Deus. Deus pode permitir que os maus Espíritos se manifestem para ajudá-los a progredir, e mais, para experimentar a nossa paciência, a nossa fé, a nossa confiança, a nossa firmeza em resistir à tentação e sobretudo para exercitar a nossa perspicácia em distinguir o verdadeiro do falso. De nós depende afastá-los por nossa vontade, provando-lhes que não somos seus joguetes. Se ganharem domínio sobre nós, é apenas por nossa fraqueza. São o orgulho, o ciúme e todas as más paixões dos homens que constituem sua força e lhes dão o domínio. Sabemos por experiência que sua obsessão cessa quando veem que não conseguem fatigar-nos. A nós, pois, cabe mostrar-lhes que perdem seu tempo. Se Deus nos quer experimentar, nenhum Espírito pode opor-se. A obsessão dos Espíritos enganadores ou malévolos não é, pois, resultado do seu poder, nem da fraqueza dos bons, mas de uma vontade que é superior a todos. Quanto maior a luta, maior o nosso mérito, se sairmos vencedores.
1.º) ─ Carta de Dieppe, confirmando em todos os pontos as manifestações espontâneas ocorridas em casa de um padeiro do burgo de Grandes-Ventes, perto de Dieppe, e relatadas no La Vigie (Publicadas em nosso número de março).
2.º) ─ Carta do Sr. M., de Teil d’Ardèche, que dá novas informações sobre os fatos ocorridos no castelo de Fons, perto de Aubenas.
3.º) ─ Carta do Barão Tscherkassoff, com detalhes circunstanciados e autênticos sobre um fato muito extraordinário de manifestação espontânea por um Espírito perturbador, ocorrido no começo do século, com um fabricante de São Petersburgo (Publicado a seguir).
4.º) ─ Relato de um fato de aparição tangível, com todos os caracteres de um agênere, ocorrido a 15 de janeiro último, na comuna de Brix, perto de Valognes. O fato foi transmitido ao Sr. Ledoyen, por pessoa de seu conhecimento e que lhe verificou a exatidão. (Publicado a seguir).
5.º) ─ Leitura de uma tradição muçulmana sobre o profeta Esdras, extraída do Moniteur de 15 de fevereiro de 1860, e que repousa sobre um fato de faculdade mediúnica.
Estudos:
1.º) ─ Ditado espontâneo de Charlet, recebido pelo Sr. Didier filho, em confirmação ao trabalho começado.
2.º) ─ Evocação do Sr. Jules-Louis C..., falecido a 30 de janeiro último, no hospital de Val-de-Grâce, em consequência de um câncer que lhe havia destruído parte da face e do maxilar.
Esta evocação foi feita conforme o desejo de um de seus amigos presente à sessão e de uma pessoa da família. É sobretudo instrutiva do ponto de vista da modificação das ideias após a morte, desde que em vida o Sr. C... professava abertamente o materialismo.
3º) ─ É perguntado a São Luís se é possível chamar o Espírito que se manifestou em casa do padeiro de Dieppe. Ele responde que não, por motivos que mais tarde serão sabidos.
SEXTA-FEIRA, 2 DE MARCO DE 1860
(SESSÃO PARTICULAR) Exame e discussão de vários assuntos administrativos.
Estudo e apreciação de várias comunicações espíritas, quer obtidas na Sociedade, quer fora das sessões.
Solicitado a dar um ditado espontâneo, São Luís escreve o que se segue, por intermédio da Srta. Huet:
“Eis-me aqui, meus amigos, pronto para vos dar os meus conselhos, como tenho feito até hoje. Desconfiai dos maus Espíritos que poderiam insinuar-se entre vós procurando semear a desunião. Infelizmente, aqueles que querem tornar-se úteis a uma obra, sempre encontram obstáculos. Aí não está a pessoa generosa que os encontra, mas o encarregado de executar os desejos que manifesta. Não temais. Triunfareis de todos os obstáculos pela paciência, uma atitude firme contra as vontades que querem impor-se. Quanto às várias comunicações que me atribuem, são por vezes de outro Espírito que usa o meu nome. Pouco me comunico fora da Sociedade, que tomei sob meu patrocínio. Gosto destes lugares de reunião, que me são especialmente consagrados. É somente aqui que gosto de dar avisos e conselhos. Assim, desconfiai dos Espíritos que às vezes se servem do meu nome. Que a paz e a união estejam entre vós! Em nome de Deus todo poderoso, que criou o bem, eu o desejo.
São Luís
Um sócio faz esta observação: “Como pode um Espírito inferior usurpar o nome de um Espírito Superior, sem o consentimento deste último? Isto só se pode dar com intenção má. Então, por que os bons Espíritos o permitem? Se não podem a isto se opor, serão menos poderosos que os maus?”
A isso foi respondido: Existe algo mais poderoso que os bons Espíritos: Deus. Deus pode permitir que os maus Espíritos se manifestem para ajudá-los a progredir, e mais, para experimentar a nossa paciência, a nossa fé, a nossa confiança, a nossa firmeza em resistir à tentação e sobretudo para exercitar a nossa perspicácia em distinguir o verdadeiro do falso. De nós depende afastá-los por nossa vontade, provando-lhes que não somos seus joguetes. Se ganharem domínio sobre nós, é apenas por nossa fraqueza. São o orgulho, o ciúme e todas as más paixões dos homens que constituem sua força e lhes dão o domínio. Sabemos por experiência que sua obsessão cessa quando veem que não conseguem fatigar-nos. A nós, pois, cabe mostrar-lhes que perdem seu tempo. Se Deus nos quer experimentar, nenhum Espírito pode opor-se. A obsessão dos Espíritos enganadores ou malévolos não é, pois, resultado do seu poder, nem da fraqueza dos bons, mas de uma vontade que é superior a todos. Quanto maior a luta, maior o nosso mérito, se sairmos vencedores.
SEXTA-FEIRA, 9 DE MARÇO DE 1860
(SESSÃO PARTICULAR)
Leitura do projeto de modificações a introduzir no regulamento da Sociedade. A respeito, o Sr. Allan Kardec apresenta:
CONSIDERAÇÕES SOBRE O OBJETIVO E O CARÁTER DA SOCIEDADE “Senhores,
“Algumas pessoas parecem enganadas quanto ao verdadeiro objetivo e o caráter da Sociedade. Permiti-me relembrá-los em poucas palavras.
“O objetivo da Sociedade está claramente definido em seu título e no preâmbulo do regimento atual. Esse objetivo é essencialmente e, pode-se dizer, exclusivamente, o estudo da Ciência Espírita. O que queremos, antes de tudo, não é nos convencermos, pois já o estamos, mas instruir-nos e aprender aquilo que não sabemos. Para tanto, queremos colocar-nos nas mais favoráveis condições. Como tais estudos exigem calma e recolhimento, queremos evitar tudo quanto seja causa de perturbações. Tal é a consideração que deve prevalecer na apreciação das medidas que adotarmos.
“Partindo deste princípio, a Sociedade não se apresenta absolutamente como sociedade de propaganda. Sem dúvida, cada um de nós deseja a difusão das ideias que julga justas e úteis e contribui para isso no círculo de suas relações e na medida de suas forças, mas seria erro julgar que seja necessário para tanto estar reunidos em sociedade e, mais falso ainda, crer que a Sociedade seja a coluna sem a qual o Espiritismo estaria em perigo. Estando a nossa sociedade regularmente constituída, por isso mesmo procede com mais ordem e método do que se marchasse ao acaso, mas, com tudo isto, ela não é mais preponderante do que milhares de sociedades livres ou reuniões particulares na França e do estrangeiro. Ainda uma vez, o que ela quer é instruir-se, por isso não admite em seu seio senão pessoas sérias e animadas do mesmo desejo, porque o antagonismo de princípios é uma causa de perturbação. Falo de antagonismo sistemático sobre as bases fundamentais, porque não poderia ela, sem se contradizer, afastar a discussão da questão de detalhes. Se ela adotou certos princípios gerais, não o fez por estreito espírito de exclusivismo. Ela viu tudo, tudo estudou e comparou. Depois é que formou uma opinião baseada no raciocínio e na experiência. Só o futuro pode encarregar-se de lhe dar razão ou não. Mas, enquanto espera, ela não busca qualquer supremacia e só os que não a conhecem podem supor-lhe a ridícula pretensão de absorver todos os partidários do Espiritismo, ou de se estabelecer como reguladora universal. Se ela não existisse, cada um de nós instruir-se-ia por seu lado, e em vez de uma única reunião, talvez formássemos dez ou vinte ─ eis toda a diferença. Não impomos nossas ideias a ninguém. Os que as adotam é porque as consideram justas. Os que vêm a nós é porque pensam aqui encontrar oportunidade de aprender, mas isto não é como uma afiliação, pois não formamos uma seita, nem um partido. Nós nos reunimos para o estudo do Espiritismo, como outros para o estudo da Frenologia, da História ou de outras ciências. Como nossas reuniões não se baseiam em qualquer interesse material, pouco nos importa se outras se formam ao nosso lado. Na verdade, seria atribuir-nos ideias muito mesquinhas, estreitas e pueris, crer que as veríamos com olhos ciumentos, e os que pensassem em criar-nos rivalidades, mostrariam, assim, quão pouco compreendem o verdadeiro espírito da Doutrina. Só uma coisa lamentaríamos: é que nos conheçam tão mal, a ponto de nos suporem acessíveis ao ignóbil sentimento da inveja. Concebe-se que empresas mercenárias rivais, que se podem prejudicar pela concorrência, se vejam com maus olhos. Mas se tais reuniões não têm em vista, como deve ser, senão interesse puramente moral; se não se mistura nenhuma consideração mercantil, pergunto em que podem elas ser prejudicadas pela multiplicidade? Dir-se-á, por certo, que se não há interesse material, há o do amor próprio, o desejo de destruir o crédito moral do vizinho. Mas esse móvel seria provavelmente mais ignóbil ainda. Se assim é ─ o que Deus não permita ─ teríamos apenas a lamentar os que fossem movidos por semelhantes pensamentos. Queremos sobrepujar o vizinho? Tratemos de fazer melhor que ele. Eis uma luta nobre e digna, se não for comprometida pela inveja e pelo ciúme.
Eis, pois, senhores, um ponto essencial a não perder de vista, é que nem formamos uma seita, nem uma sociedade de propaganda, nem uma corporação com um interesse comum. Se cessássemos de existir, o Espiritismo não sofreria qualquer prejuízo. Dos nossos restos formar-se-iam vinte outras sociedades. Portanto, os que buscassem destruir-nos, visando entravar o progresso das ideias espíritas, nada lucrariam. É preciso saberem que as raízes do Espiritismo não estão em nossa Sociedade, mas no mundo inteiro. Existe algo mais poderoso do que eles; mais influente do que todas as Sociedades: é a doutrina que vai ao coração e à razão dos que a compreendem e sobretudo dos que a praticam.
Esses princípios, senhores, indicam-nos o verdadeiro caráter do nosso regimento, que nada tem de comum com os estatutos de uma corporação. Nenhum contrato nos liga uns aos outros. Fora das sessões, não temos outras obrigações recíprocas senão as de nos comportarmos como gente bem educada. Os que nestas reuniões não encontrarem o que esperavam, têm toda liberdade de retirar-se, e eu não compreenderia mesmo que permanecessem, desde que não lhes conviesse o que aqui se faz. Não seria racional que aqui viessem perder seu tempo.
Em toda reunião é preciso uma regra para a manutenção da boa ordem. Nosso regulamento é, pois, apenas um roteiro destinado a estabelecer a ordem das sessões; a manter, entre os presentes, as relações de urbanidade e educação que devem presidir a todas as assembleias de pessoas de boas maneiras, abstração feita das condições inerentes à especialidade de nossos trabalhos, porque não tratamos apenas com homens, mas também com Espíritos e, como sabeis, nem todos são bons. Contra a violência daqueles que destoam, temos de nos guardar. Entre eles, alguns são mais astuciosos e podem mesmo, por ódio ao bem, induzir-nos a uma via perigosa. Devemos, pois, ter muita prudência e perspicácia para vencê-los, o que nos obriga a tomar precauções especiais.
Lembrai-vos, senhores, de como se formou a Sociedade. Eu recebia em minha casa um pequeno número de pessoas. Acharam que o grupo cresceu; que era preciso um local maior. Para tê-lo, teríamos que pagar, portanto, teríamos que nos cotizarmos. Disseram mais: é preciso ordem nas sessões; não é possível admitir o primeiro que se apresente; é necessário um regulamento. Eis toda a história da Sociedade. Ela é muito simples, como vedes. Não passou pela cabeça de ninguém a idéia de fundar uma instituição, nem de ocupar-se, fosse do que fosse, além dos estudos, e eu declaro mesmo, de modo muito formal, que se um dia a Sociedade fosse além, eu não a acompanharia.
Aquilo que eu fiz, outros podem fazê-lo com maestria, ocupando-se disso à sua vontade, conforme o seu gosto, suas idéias e seus pontos de vista particulares, e esses diferentes grupos podem entender-se perfeitamente e viver como bons vizinhos. Como é materialmente impossível reunir todos os partidários do Espiritismo num mesmo local, a não ser que se ocupasse uma praça pública para as assembleias, esses diversos grupos devem constituir frações de um grande todo, mas não seitas rivais. O próprio grupo, tornando-se muito numeroso, pode subdividir-se como os enxames de abelhas. Esses grupos já existem em grande número e se multiplicam diariamente. Ora, é precisamente contra essa multiplicação que a má vontade dos inimigos do Espiritismo virá quebrar-se, porque os entraves teriam como efeito inevitável, e pela mesma força das coisas, a multiplicação das reuniões particulares.
Convenhamos, entretanto, que entre certos grupos há uma espécie de rivalidade ou antagonismo. Qual a causa? Ó meu Deus! Essa causa está na fraqueza humana; no espírito de orgulho que quer impor-se; está, sobretudo, no conhecimento ainda incompleto dos verdadeiros princípios do Espiritismo. Cada um defende os seus Espíritos, como outrora as cidades da Grécia defendiam os seus deuses, que, diga-se de passagem, não passavam de Espíritos mais ou menos bons. Essas dissidências só existem porque há pessoas que querem julgar antes de terem tudo visto, ou julgam do ponto de vista de sua personalidade. Elas apagar-se-ão como muitas outras se apagaram, à medida que a Ciência se reformular, porque, em definitivo, a verdade é uma só, e sairá do exame imparcial das várias opiniões. Esperando que a luz se faça sobre todos os pontos, qual será o juiz? Dir-se-á que a razão. Mas quando duas pessoas se contradizem, cada uma invoca a sua razão. Que razão superior decidirá entre aquelas duas?
Sem nos determos sobre a forma mais ou menos imponente da linguagem, forma que muito bem sabem utilizar os Espíritos impostores e pseudossábios, para seduzir pelas aparências, partimos do princípio de que os bons Espíritos não aconselham senão o bem, a união, a concórdia; que sua linguagem é sempre simples, modesta, penetrada de benevolência, isenta de acrimônia, de arrogância e de fatuidade. Numa palavra, que tudo neles respira a mais pura caridade. A caridade, eis o verdadeiro critério para julgar os Espíritos e para julgar-se a si próprio. Quem quer que, sondando o foro íntimo de sua consciência, nele encontrar um germe de rancor contra o próximo, mesmo um simples desejo do mal, pode dizer a si mesmo, com certeza, que é solicitado por um Espírito malévolo, porque esquece as palavras do Cristo: “Sereis perdoados como vós mesmos houverdes perdoado.” Então, se houvesse rivalidade entre dois grupos espíritas, os Espíritos realmente bons não poderiam estar ao lado do que anatematizasse o outro, porque jamais um homem sensato poderia crer que a inveja, o rancor, a malevolência, numa palavra, todo sentimento contrário à caridade pudesse emanar de uma fonte pura. Procurai, então, de que lado há mais caridade prática e não de palavras e reconhecereis sem esforço de que lado estão os melhores Espíritos e, consequentemente, de quais temos mais razão de esperar a verdade.
Estas considerações, senhores, longe de nos afastarem do nosso assunto, colocam-nos no verdadeiro terreno. Encarado deste ponto de vista, o regimento perde completamente seu caráter de contrato para revestir aquele, bem mais modesto, de simples regra disciplinar.
Todas as reuniões, seja qual for o objetivo, deverão premunir-se contra um escolho, o dos caracteres perturbadores, que parecem nascidos para semear o tumulto e a cizânia onde se encontrem. A desordem e a contradição são o seu elemento. Mais que as outras, as reuniões espíritas devem afastá-los, porque as melhores comunicações só são obtidas na calma e no recolhimento, incompatíveis com a sua presença e a dos Espíritos simpáticos que os acompanham.
Em resumo, o que devemos buscar é remover todas as causas de perturbações e de interrupção; manter entre nós as boas relações, de que, mais que os outros, os bons espíritas devem dar exemplo; opor-nos por todos os meios possíveis a que a Sociedade se afaste de seu objetivo; que aborde questões que não são de sua competência, e que degenere em arena de controvérsias e personalismo. O que devemos buscar, além disso, é a possibilidade de execução, simplificando o mais possível as engrenagens. Quanto mais complicadas essas engrenagens, tanto mais numerosas as causas de perturbação. O relaxamento seria introduzido pela força das coisas, e do relaxamento à anarquia há um só passo.”
“O objetivo da Sociedade está claramente definido em seu título e no preâmbulo do regimento atual. Esse objetivo é essencialmente e, pode-se dizer, exclusivamente, o estudo da Ciência Espírita. O que queremos, antes de tudo, não é nos convencermos, pois já o estamos, mas instruir-nos e aprender aquilo que não sabemos. Para tanto, queremos colocar-nos nas mais favoráveis condições. Como tais estudos exigem calma e recolhimento, queremos evitar tudo quanto seja causa de perturbações. Tal é a consideração que deve prevalecer na apreciação das medidas que adotarmos.
“Partindo deste princípio, a Sociedade não se apresenta absolutamente como sociedade de propaganda. Sem dúvida, cada um de nós deseja a difusão das ideias que julga justas e úteis e contribui para isso no círculo de suas relações e na medida de suas forças, mas seria erro julgar que seja necessário para tanto estar reunidos em sociedade e, mais falso ainda, crer que a Sociedade seja a coluna sem a qual o Espiritismo estaria em perigo. Estando a nossa sociedade regularmente constituída, por isso mesmo procede com mais ordem e método do que se marchasse ao acaso, mas, com tudo isto, ela não é mais preponderante do que milhares de sociedades livres ou reuniões particulares na França e do estrangeiro. Ainda uma vez, o que ela quer é instruir-se, por isso não admite em seu seio senão pessoas sérias e animadas do mesmo desejo, porque o antagonismo de princípios é uma causa de perturbação. Falo de antagonismo sistemático sobre as bases fundamentais, porque não poderia ela, sem se contradizer, afastar a discussão da questão de detalhes. Se ela adotou certos princípios gerais, não o fez por estreito espírito de exclusivismo. Ela viu tudo, tudo estudou e comparou. Depois é que formou uma opinião baseada no raciocínio e na experiência. Só o futuro pode encarregar-se de lhe dar razão ou não. Mas, enquanto espera, ela não busca qualquer supremacia e só os que não a conhecem podem supor-lhe a ridícula pretensão de absorver todos os partidários do Espiritismo, ou de se estabelecer como reguladora universal. Se ela não existisse, cada um de nós instruir-se-ia por seu lado, e em vez de uma única reunião, talvez formássemos dez ou vinte ─ eis toda a diferença. Não impomos nossas ideias a ninguém. Os que as adotam é porque as consideram justas. Os que vêm a nós é porque pensam aqui encontrar oportunidade de aprender, mas isto não é como uma afiliação, pois não formamos uma seita, nem um partido. Nós nos reunimos para o estudo do Espiritismo, como outros para o estudo da Frenologia, da História ou de outras ciências. Como nossas reuniões não se baseiam em qualquer interesse material, pouco nos importa se outras se formam ao nosso lado. Na verdade, seria atribuir-nos ideias muito mesquinhas, estreitas e pueris, crer que as veríamos com olhos ciumentos, e os que pensassem em criar-nos rivalidades, mostrariam, assim, quão pouco compreendem o verdadeiro espírito da Doutrina. Só uma coisa lamentaríamos: é que nos conheçam tão mal, a ponto de nos suporem acessíveis ao ignóbil sentimento da inveja. Concebe-se que empresas mercenárias rivais, que se podem prejudicar pela concorrência, se vejam com maus olhos. Mas se tais reuniões não têm em vista, como deve ser, senão interesse puramente moral; se não se mistura nenhuma consideração mercantil, pergunto em que podem elas ser prejudicadas pela multiplicidade? Dir-se-á, por certo, que se não há interesse material, há o do amor próprio, o desejo de destruir o crédito moral do vizinho. Mas esse móvel seria provavelmente mais ignóbil ainda. Se assim é ─ o que Deus não permita ─ teríamos apenas a lamentar os que fossem movidos por semelhantes pensamentos. Queremos sobrepujar o vizinho? Tratemos de fazer melhor que ele. Eis uma luta nobre e digna, se não for comprometida pela inveja e pelo ciúme.
Eis, pois, senhores, um ponto essencial a não perder de vista, é que nem formamos uma seita, nem uma sociedade de propaganda, nem uma corporação com um interesse comum. Se cessássemos de existir, o Espiritismo não sofreria qualquer prejuízo. Dos nossos restos formar-se-iam vinte outras sociedades. Portanto, os que buscassem destruir-nos, visando entravar o progresso das ideias espíritas, nada lucrariam. É preciso saberem que as raízes do Espiritismo não estão em nossa Sociedade, mas no mundo inteiro. Existe algo mais poderoso do que eles; mais influente do que todas as Sociedades: é a doutrina que vai ao coração e à razão dos que a compreendem e sobretudo dos que a praticam.
Esses princípios, senhores, indicam-nos o verdadeiro caráter do nosso regimento, que nada tem de comum com os estatutos de uma corporação. Nenhum contrato nos liga uns aos outros. Fora das sessões, não temos outras obrigações recíprocas senão as de nos comportarmos como gente bem educada. Os que nestas reuniões não encontrarem o que esperavam, têm toda liberdade de retirar-se, e eu não compreenderia mesmo que permanecessem, desde que não lhes conviesse o que aqui se faz. Não seria racional que aqui viessem perder seu tempo.
Em toda reunião é preciso uma regra para a manutenção da boa ordem. Nosso regulamento é, pois, apenas um roteiro destinado a estabelecer a ordem das sessões; a manter, entre os presentes, as relações de urbanidade e educação que devem presidir a todas as assembleias de pessoas de boas maneiras, abstração feita das condições inerentes à especialidade de nossos trabalhos, porque não tratamos apenas com homens, mas também com Espíritos e, como sabeis, nem todos são bons. Contra a violência daqueles que destoam, temos de nos guardar. Entre eles, alguns são mais astuciosos e podem mesmo, por ódio ao bem, induzir-nos a uma via perigosa. Devemos, pois, ter muita prudência e perspicácia para vencê-los, o que nos obriga a tomar precauções especiais.
Lembrai-vos, senhores, de como se formou a Sociedade. Eu recebia em minha casa um pequeno número de pessoas. Acharam que o grupo cresceu; que era preciso um local maior. Para tê-lo, teríamos que pagar, portanto, teríamos que nos cotizarmos. Disseram mais: é preciso ordem nas sessões; não é possível admitir o primeiro que se apresente; é necessário um regulamento. Eis toda a história da Sociedade. Ela é muito simples, como vedes. Não passou pela cabeça de ninguém a idéia de fundar uma instituição, nem de ocupar-se, fosse do que fosse, além dos estudos, e eu declaro mesmo, de modo muito formal, que se um dia a Sociedade fosse além, eu não a acompanharia.
Aquilo que eu fiz, outros podem fazê-lo com maestria, ocupando-se disso à sua vontade, conforme o seu gosto, suas idéias e seus pontos de vista particulares, e esses diferentes grupos podem entender-se perfeitamente e viver como bons vizinhos. Como é materialmente impossível reunir todos os partidários do Espiritismo num mesmo local, a não ser que se ocupasse uma praça pública para as assembleias, esses diversos grupos devem constituir frações de um grande todo, mas não seitas rivais. O próprio grupo, tornando-se muito numeroso, pode subdividir-se como os enxames de abelhas. Esses grupos já existem em grande número e se multiplicam diariamente. Ora, é precisamente contra essa multiplicação que a má vontade dos inimigos do Espiritismo virá quebrar-se, porque os entraves teriam como efeito inevitável, e pela mesma força das coisas, a multiplicação das reuniões particulares.
Convenhamos, entretanto, que entre certos grupos há uma espécie de rivalidade ou antagonismo. Qual a causa? Ó meu Deus! Essa causa está na fraqueza humana; no espírito de orgulho que quer impor-se; está, sobretudo, no conhecimento ainda incompleto dos verdadeiros princípios do Espiritismo. Cada um defende os seus Espíritos, como outrora as cidades da Grécia defendiam os seus deuses, que, diga-se de passagem, não passavam de Espíritos mais ou menos bons. Essas dissidências só existem porque há pessoas que querem julgar antes de terem tudo visto, ou julgam do ponto de vista de sua personalidade. Elas apagar-se-ão como muitas outras se apagaram, à medida que a Ciência se reformular, porque, em definitivo, a verdade é uma só, e sairá do exame imparcial das várias opiniões. Esperando que a luz se faça sobre todos os pontos, qual será o juiz? Dir-se-á que a razão. Mas quando duas pessoas se contradizem, cada uma invoca a sua razão. Que razão superior decidirá entre aquelas duas?
Sem nos determos sobre a forma mais ou menos imponente da linguagem, forma que muito bem sabem utilizar os Espíritos impostores e pseudossábios, para seduzir pelas aparências, partimos do princípio de que os bons Espíritos não aconselham senão o bem, a união, a concórdia; que sua linguagem é sempre simples, modesta, penetrada de benevolência, isenta de acrimônia, de arrogância e de fatuidade. Numa palavra, que tudo neles respira a mais pura caridade. A caridade, eis o verdadeiro critério para julgar os Espíritos e para julgar-se a si próprio. Quem quer que, sondando o foro íntimo de sua consciência, nele encontrar um germe de rancor contra o próximo, mesmo um simples desejo do mal, pode dizer a si mesmo, com certeza, que é solicitado por um Espírito malévolo, porque esquece as palavras do Cristo: “Sereis perdoados como vós mesmos houverdes perdoado.” Então, se houvesse rivalidade entre dois grupos espíritas, os Espíritos realmente bons não poderiam estar ao lado do que anatematizasse o outro, porque jamais um homem sensato poderia crer que a inveja, o rancor, a malevolência, numa palavra, todo sentimento contrário à caridade pudesse emanar de uma fonte pura. Procurai, então, de que lado há mais caridade prática e não de palavras e reconhecereis sem esforço de que lado estão os melhores Espíritos e, consequentemente, de quais temos mais razão de esperar a verdade.
Estas considerações, senhores, longe de nos afastarem do nosso assunto, colocam-nos no verdadeiro terreno. Encarado deste ponto de vista, o regimento perde completamente seu caráter de contrato para revestir aquele, bem mais modesto, de simples regra disciplinar.
Todas as reuniões, seja qual for o objetivo, deverão premunir-se contra um escolho, o dos caracteres perturbadores, que parecem nascidos para semear o tumulto e a cizânia onde se encontrem. A desordem e a contradição são o seu elemento. Mais que as outras, as reuniões espíritas devem afastá-los, porque as melhores comunicações só são obtidas na calma e no recolhimento, incompatíveis com a sua presença e a dos Espíritos simpáticos que os acompanham.
Em resumo, o que devemos buscar é remover todas as causas de perturbações e de interrupção; manter entre nós as boas relações, de que, mais que os outros, os bons espíritas devem dar exemplo; opor-nos por todos os meios possíveis a que a Sociedade se afaste de seu objetivo; que aborde questões que não são de sua competência, e que degenere em arena de controvérsias e personalismo. O que devemos buscar, além disso, é a possibilidade de execução, simplificando o mais possível as engrenagens. Quanto mais complicadas essas engrenagens, tanto mais numerosas as causas de perturbação. O relaxamento seria introduzido pela força das coisas, e do relaxamento à anarquia há um só passo.”
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 1860
(SESSÃO PARTICULAR)
Discussão e adoção do regimento modificado.
SEXTA-FEIRA, 23 DE MARÇO
Discussão e adoção do regimento modificado.
SEXTA-FEIRA, 23 DE MARÇO
(SESSÃO PARTICULAR)
Nomeação do pessoal e da comissão.
Estudos:
Foram obtidos dois ditados espontâneos, o primeiro, do Espírito de Charlet, pelo Sr. Didier filho; o segundo, pela Sra. Boyer, de um Espírito que disse ter sido forçado a vir acusar-se por ter querido romper a boa harmonia e lançar a perturbação entre os homens, suscitando a inveja e a rivalidade entre os que deviam estar unidos. Cita alguns fatos de que foi culpado. Esta confissão espontânea, diz ele, faz parte da punição que lhe é aplicada.
Formação da Terra - Teoria da incrustação planetária
Nosso sábio confrade Sr. Jobard, de Bruxelas, nos escreve o que segue, a propósito de nosso artigo sobre os pré-adamitas, publicado na Revista do mês passado:
“Permiti-me algumas reflexões sobre a criação do mundo, com o fito de reabilitar a Bíblia aos vossos olhos e aos dos livres-pensadores. Deus criou o mundo em seis dias, quatro mil anos antes da era cristã. Eis o que os geólogos contestam, pelo estudo dos fósseis e pelos milhares de caracteres incontestáveis de vetustez, que fazem remontar a origem da Terra a milhares de milhões de anos. Entretanto, a Escritura diz a verdade e os geólogos também, e é um simples camponês que os põe de acordo, ensinando que a nossa Terra não passa de um planeta incrustado, muito moderno, composto de materiais muito antigos.
“Depois da elevação do planeta desconhecido, chegado à maturidade ou em harmonia com o que existia no lugar que ocupamos hoje, a alma da Terra recebeu ordem de reunir seus satélites para formar nosso globo atual, segundo as regras do progresso em tudo e por tudo. Apenas quatro desses astros consentiram na associação que lhes era proposta; só a Lua persistiu em sua autonomia, porque os globos também possuem o livre-arbítrio. Para proceder a essa fusão, a alma da Terra dirigiu a esses satélites um raio magnético atrativo, que cataleptizou todo o seu componente vegetal, animal e hominal que eles trouxeram à comunidade. A operação só teve por testemunhas a alma da Terra e os grandes mensageiros celestes que a ajudaram nessa grande obra, abrindo os seus globos para compartilhar suas entranhas. Operada a soldagem, as águas se escoaram para os vazios deixados pela ausência da Lua, da qual se tinha o direito de esperar uma apreciação melhor de seus interesses.
As atmosferas se confundiram e o despertar, ou ressurreição dos germes cataleptizados, começou. O homem foi tirado em último lugar de seu estado de hipnotismo e se viu cercado da vegetação luxuriante do paraíso terrestre e dos animais que pacificamente pastavam ao seu redor. Concordareis que tudo isto poderia fazer-se em seis dias, com operários tão poderosos quanto aqueles que Deus havia encarregado da tarefa. O planeta Ásia nos trouxe a raça amarela, a de mais antiga civilização; o África, a raça negra; o Europa, a raça branca e o América, a raça vermelha. Certamente a Lua nos teria trazido a raça verde ou azul.
“Assim, certos animais, dos quais só se encontram os restos, jamais teriam vivido em nossa Terra atual, mas teriam sido deslocados de mundos envelhecidos para o nosso. Os fósseis que se encontram em climas onde não poderiam sobreviver, certamente viviam em zonas diferentes, nos globos onde nasceram. Esses restos, entre nós, se encontram nos polos, quando em seu mundo viviam no equador. Ademais, essas enormes massas cuja existência não podemos conceber no ar, viviam no fundo dos mares, sob a pressão de um meio que lhes facilitava a locomoção. Os futuros levantamentos dos mares nos trarão outros restos, muitos outros germes que despertarão de sua longa letargia para nos mostrar espécies desconhecidas de plantas, de animais e de autóctones contemporâneos do dilúvio, e ficareis muito admirados ao descobrirdes no meio do vasto oceano novas ilhas povoadas de plantas e animais que não podem vir de parte alguma, nem transportadas pelos ventos, nem pelas ondas.
“Nossa ciência, que acha a Bíblia errada, acabará lhe restituindo o seu mérito, como foi forçada a fazê-lo a propósito da rotação da Terra, porque não é erro da Bíblia, mas dos que não a compreendem. Eis a prova:
“Josué parou o sol, dizendo-lhe: Sta, sol! Ora, desde então ele está parado, pois em parte alguma encontrais que ele lhe tenha ordenado que se movesse; e se desde a derrota dos amalecitas a noite sucede ao dia, é preciso que a Terra se mova. Então não é Galileu, mas os inquisidores que devem ser censurados por não terem tomado a Bíblia ao pé da letra.
“Também se negava a existência do unicórnio bíblico e acabam de ser mortos dois nas montanhas do Tibet. Negava-se a aparição do espectro de Saul e, graças a Deus, estais a ponto de convencer os negadores. Lembremo-nos sempre deste aviso das Escrituras: Noli esse incredulus sicut equus et mulus, quibus non est intellectus. “Saudação cordial e respeitosa ao autor da Etnologia do Mundo Espírita.
“JOBARD.”
A teoria da formação da Terra pela incrustação de vários corpos planetários já foi dada em várias épocas, por certos Espíritos e através de médiuns desconhecidos uns dos outros. Não somos adeptos dessa doutrina, que confessamos não ter sido ainda suficientemente estudada para sobre ela nos pronunciarmos, mas reconhecemos que merece um sério exame. As reflexões que ela nos sugere não passam de hipóteses, até que dados mais positivos venham confirmá-las ou desmenti-las. Enquanto se espera, é uma baliza que pode pôr a caminho de uma grande descoberta, guiar nas buscas, e talvez um dia os cientistas encontrem nela a solução de muitos problemas.
Mas, dirão certos críticos, não tendes confiança nos Espíritos e duvidais de suas afirmações? Como inteligências desprendidas da matéria, não podem remover todas as dúvidas da Ciência e lançar a luz onde reina a obscuridade?
Esta é uma questão séria, que se liga à própria base do Espiritismo, e que não poderíamos resolver no momento, sem repetir o que já temos dito a respeito. Acrescentaremos apenas algumas palavras, a fim de justificar nossas reservas. Para começar, responderemos que nos tornaríamos sábios muito facilmente se tratássemos apenas de interrogar os Espíritos para conhecer tudo quanto se ignora. Deus quer que adquiramos o conhecimento pelo trabalho, e não encarregou os Espíritos de no-lo trazer preparado, favorecendo a nossa preguiça. Em segundo lugar, a Humanidade, como os indivíduos, tem sua infância, sua adolescência, sua juventude e sua idade viril. Encarregados por Deus de instruir os homens, devem, pois, os Espíritos proporcionar-lhes ensinos para o desenvolvimento da inteligência. Não dirão tudo a todos e, antes de semear, esperam que a terra esteja pronta para receber a semente, a fim de fazê-la frutificar. Eis por que certas verdades que nos são ensinadas hoje não o foram aos nossos pais, que também interrogavam os Espíritos; eis por que, ainda, verdades para as quais não estamos maduros só serão ensinadas aos que vierem depois de nós. Nosso equívoco está em nos julgarmos chegados ao topo da escada, quando apenas nos achamos a meio caminho.
Digamos de passagem que os Espíritos têm duas maneiras de instruir os homens. Podem fazê-lo tanto se comunicando diretamente, o que ocorreu em todos os tempos, como o provam todas as histórias sagradas e profanas, quanto encarnando-se entre eles, para o desempenho das missões de progresso. Tais são esses homens de bem e de gênio que aparecem, de tempos em tempos, como fachos para a Humanidade, fazendo-a avançar alguns passos. Vede o que acontece quando esses mesmos homens vêm antes da era propícia para as ideias que devem espalhar: são desconhecidos em vida, mas seu ensino não se perde. Depositado nos arquivos do mundo, como precioso grão posto de reserva, um belo dia sai do pó, no momento em que pode frutificar.
Desde então, compreende-se que, se não tiver chegado o tempo necessário para disseminar certas ideias, será em vão que interrogaremos os Espíritos. Eles não podem dizer senão o que lhes é permitido. Há, porém, outra razão, que compreendem perfeitamente todos os que têm alguma experiência do mundo espírita.
Não basta ser Espírito para possuir a ciência universal, pois assim a morte nos faria quase iguais a Deus. Aliás, o simples bom-senso se recusa a admitir que o Espírito de um selvagem, de um ignorante ou de um malvado, desde que separado da matéria, esteja no nível do cientista ou do homem de bem. Isto não seria racional. Há, pois, Espíritos adiantados, e outros mais ou menos atrasados, que devem superar ainda várias etapas, passar por numerosas peneiras antes de se despojarem de todas as imperfeições. Disso resulta que, no mundo dos Espíritos, são encontradas todas as variedades morais e intelectuais existentes entre os homens, e outras mais. Ora, a experiência prova que os maus se comunicam tanto quanto os bons. Os que são francamente maus, são facilmente reconhecíveis, mas há também os meio sábios, os falsos sábios, os presunçosos, os sistemáticos e até os hipócritas. Estes são os mais perigosos, porque afetam uma aparência séria, de ciência e de sabedoria, em favor da qual frequentemente proclamam, em meio a algumas verdades e boas máximas, as mais absurdas coisas. Para melhor enganar, não receiam enfeitar-se com os mais respeitáveis nomes. Separar o verdadeiro do falso; descobrir a trapaça oculta numa cascata de palavras bonitas; desmascarar os impostores, eis, sem contradita, uma das maiores dificuldades da ciência espírita. Para superá-la, faz-se necessária uma longa experiência; conhecer todas as sutilezas de que são capazes os Espíritos de baixa classe; ter muita prudência; ver as coisas com o mais imperturbável sangue frio e guardar-se principalmente contra o entusiasmo que cega. Com o hábito e um pouco de tato chega-se fàcilmente a ver as mãozinhas de fora, mesmo sob a ênfase da mais pretensiosa linguagem. Mas infeliz do médium que se julga infalível, que se ilude com as comunicações que recebe. O Espírito que o domina pode fasciná-lo a ponto de fazê-lo achar sublime aquilo que, por vezes, é apenas absurdo e salta aos olhos de todos, menos aos seus.
Voltemos ao assunto. A teoria da formação da Terra por incrustação não é a única que foi dada pelos Espíritos. Em qual acreditar? Isto nos prova que, fora da moral, que não pode ter duas interpretações, não devem ser aceitas teorias científicas dos Espíritos, senão com muitas reservas, porque, uma vez mais, não estão encarregados de nos trazer a Ciência acabada; estão longe de tudo saber, sobretudo no que concerne ao princípio das coisas; enfim, é preciso desconfiar das ideias sistemáticas, que alguns dentre eles querem que prevaleçam e às quais não têm escrúpulo de dar uma origem divina. Examinando essas comunicações a sangue frio, e sobretudo sem prevenção; pesando maduramente todas as palavras, facilmente descobrimos os traços de uma origem suspeita, incompatível com o caráter do Espírito que supomos falar. São, por vezes, heresias científicas tão patentes, que seria preciso ser cego ou muito ignorante para não percebê-las. Ora, como supor que um Espírito superior cometa tais absurdos? Outras vezes são expressões triviais, de formas ridículas, pueris, e mil outros sinais que traem a inferioridade, para quem quer que não esteja fascinado. Que homem de bom senso poderia jamais crer que uma doutrina contrária aos mais positivos dados da Ciência pudesse emanar de um Espírito sábio, ainda quando tivesse o nome de Arago? Como crer na bondade de um Espírito que desse conselhos contrários à caridade e à benevolência, ainda que assinados por um apóstolo da beneficência? Dizemos mais, há uma profanação em mesclar nomes venerados a comunicações com evidentes traços de inferioridade. Quanto mais elevados os nomes, tanto mais devem ser acolhidos com circunspecção e mais se deve temer ser joguete de uma mistificação. Em resumo, o grande critério do ensino dado pelos Espíritos é a lógica. Deus nos deu a capacidade de julgamento e a razão, para delas nos servirmos. Os bons Espíritos no-las recomendam, no que nos dão uma prova de sua superioridade. Os outros delas se afastam. Eles querem ser acreditados sob palavra, pois sabem que têm tudo a perder, em caso de exame.
Como se vê, temos muitos motivos para não aceitarmos levianamente todas as teorias dadas pelos Espíritos. Quando surge uma, fechamo-nos no papel de observador. Fazemos abstração de sua origem espírita, sem nos deixarmos ofuscar pelo brilho de nomes pomposos. Examinamo-la como se emanasse de um simples mortal e vemos se é racional, se dá conta de tudo, se resolve todas as dificuldades. Foi assim que procedemos com a doutrina da reencarnação, que não adotamos, embora vinda dos Espíritos, senão depois de havermos reconhecido que ela só, e só ela, podia resolver aquilo que nenhuma filosofia jamais havia resolvido, e isto abstração feita das provas materiais que diariamente dela são dadas, a nós e a muitos outros. Pouco nos importam, pois, os contraditores, ainda que fossem Espíritos. Desde que ela é lógica, conforme à justiça de Deus; que nada podem apresentar de mais satisfatório, não nos inquietamos mais do que com os que afirmam que a Terra não gira em torno do Sol ─ porque há Espíritos que defendem essa ideia e que se julgam sábios ─ ou que pretendem que o homem veio perfeitamente formado de outro mundo, carregado nas costas de um elefante alado.
Menos ainda concordamos com o ponto de vista da formação e, sobretudo, do povoamento da Terra. Por isto dissemos, de começo, que para nós a questão não estava suficientemente elucidada. Encarada do ponto de vista exclusivamente científico, dizemos apenas que, à primeira vista, a teoria da incrustação não nos parecia despida de fundamento e, sem nos pronunciarmos pró nem contra, dizemos haver nela matéria para exame. Com efeito, estudados os caracteres fisiológicos das diversas raças humanas, não é possível lhes atribuir uma origem comum, porque a raça negra não é um abastardamento da raça branca. Ora, adotando a letra da Bíblia, que faz todos os homens procederem da família de Noé, dois mil e quatrocentos anos antes da Era Cristã, seria preciso admitir não só que em alguns séculos essa única família teria povoado a Ásia, a Europa e a África, mas que se havia transformado em negros. Sabemos muito bem que influência o clima e os hábitos podem exercer sobre a economia orgânica. Um sol ardente avermelha a epiderme e escurece a pele, mas em parte alguma se viu, mesmo sob o mais intenso ardor tropical, famílias brancas procriando negros, sem cruzamento de raças. Portanto, para nós é evidente que as raças primitivas da Terra provêm de origens diferentes. Qual é o princípio? Eis a questão, e até provas concretas, não é permitido a respeito fazer mais do que conjecturas. Aos sábios, pois, compete ver as que melhor concordam com os fatos constatados pela Ciência.
Sem examinar como foi possível a junção e a soldagem de vários corpos planetários para formarem o nosso globo atual, devemos reconhecer que a coisa não é impossível, e desde então estaria explicada a presença simultânea de raças heterogêneas, tão diferentes em costumes e em línguas, de que cada globo teria trazido os germes ou os embriões; e quem sabe, talvez os indivíduos já formados. Nesta hipótese, a raça branca proviria de um mundo mais adiantado que o que teria trazido a raça negra. Em todos os casos, a junção não se teria operado sem um cataclismo geral, o que só teria permitido a sobrevivência de alguns indivíduos.
Assim, conforme essa teoria, nosso globo seria, ao mesmo tempo, muito antigo por suas partes constituintes, e muito novo por sua aglomeração. Como se vê, tal sistema em nada contradiz os períodos geológicos, que assim remontariam a uma época indeterminada e anterior à junção. Seja como for, e diga o que quiser dizer a respeito o Sr. Jobard, se as coisas assim se passaram, parece difícil que tal acontecimento se tenha realizado e, sobretudo, que o equilíbrio de semelhante caos tenha podido estabelecer-se em seis dias de 24 horas. Os movimentos da matéria inerte estão submetidos a leis eternas, que não podem ser derrogadas senão por milagres.
Resta-nos explicar o que se deve entender por alma da Terra, porque não entra na cabeça de ninguém atribuir uma vontade à matéria. Os Espíritos sempre disseram que alguns entre eles têm atribuições especiais. Agentes e ministros de Deus, dirigem, conforme o seu grau de elevação, os fatos de ordem física, bem como os de ordem moral. Assim como alguns velam pelos indivíduos, dos quais se constituem gênios familiares ou protetores, outros tomam sob seu patrocínio reuniões de indivíduos, grupos, cidades, povos e mesmo mundos. A alma da Terra deve, pois, ser entendida como o Espírito chamado por sua missão a dirigi-la e fazê-la progredir, tendo sob suas ordens as inumeráveis legiões de Espíritos encarregados de velar pela realização de seus desígnios. O Espírito diretor de um mundo deve ser, necessariamente, de uma ordem superior, e tanto mais elevado quanto mais adiantado for o mundo.
Se insistimos sobre vários pontos que poderiam parecer estranhos ao assunto, foi precisamente por se tratar de uma questão científica eminentemente controvertida. Importa que seja bem constatado, pelos que julgam as coisas sem conhecê-las, que o Espiritismo está longe de tomar como artigo de fé tudo o que vem do mundo invisível e que, ao contrário do que pretendem, ele não se apoia numa crença cega, mas sobre a razão.
Se todos os seus partidários não mantêm a mesma circunspecção, a falha não é da Ciência, mas dos que não se dão ao trabalho de aprofundá-la. Ora, não seria mais lógico emitir um julgamento com base no exagero de alguns indivíduos do que condenar a religião pela opinião de alguns fanáticos.
“Permiti-me algumas reflexões sobre a criação do mundo, com o fito de reabilitar a Bíblia aos vossos olhos e aos dos livres-pensadores. Deus criou o mundo em seis dias, quatro mil anos antes da era cristã. Eis o que os geólogos contestam, pelo estudo dos fósseis e pelos milhares de caracteres incontestáveis de vetustez, que fazem remontar a origem da Terra a milhares de milhões de anos. Entretanto, a Escritura diz a verdade e os geólogos também, e é um simples camponês que os põe de acordo, ensinando que a nossa Terra não passa de um planeta incrustado, muito moderno, composto de materiais muito antigos.
“Depois da elevação do planeta desconhecido, chegado à maturidade ou em harmonia com o que existia no lugar que ocupamos hoje, a alma da Terra recebeu ordem de reunir seus satélites para formar nosso globo atual, segundo as regras do progresso em tudo e por tudo. Apenas quatro desses astros consentiram na associação que lhes era proposta; só a Lua persistiu em sua autonomia, porque os globos também possuem o livre-arbítrio. Para proceder a essa fusão, a alma da Terra dirigiu a esses satélites um raio magnético atrativo, que cataleptizou todo o seu componente vegetal, animal e hominal que eles trouxeram à comunidade. A operação só teve por testemunhas a alma da Terra e os grandes mensageiros celestes que a ajudaram nessa grande obra, abrindo os seus globos para compartilhar suas entranhas. Operada a soldagem, as águas se escoaram para os vazios deixados pela ausência da Lua, da qual se tinha o direito de esperar uma apreciação melhor de seus interesses.
As atmosferas se confundiram e o despertar, ou ressurreição dos germes cataleptizados, começou. O homem foi tirado em último lugar de seu estado de hipnotismo e se viu cercado da vegetação luxuriante do paraíso terrestre e dos animais que pacificamente pastavam ao seu redor. Concordareis que tudo isto poderia fazer-se em seis dias, com operários tão poderosos quanto aqueles que Deus havia encarregado da tarefa. O planeta Ásia nos trouxe a raça amarela, a de mais antiga civilização; o África, a raça negra; o Europa, a raça branca e o América, a raça vermelha. Certamente a Lua nos teria trazido a raça verde ou azul.
“Assim, certos animais, dos quais só se encontram os restos, jamais teriam vivido em nossa Terra atual, mas teriam sido deslocados de mundos envelhecidos para o nosso. Os fósseis que se encontram em climas onde não poderiam sobreviver, certamente viviam em zonas diferentes, nos globos onde nasceram. Esses restos, entre nós, se encontram nos polos, quando em seu mundo viviam no equador. Ademais, essas enormes massas cuja existência não podemos conceber no ar, viviam no fundo dos mares, sob a pressão de um meio que lhes facilitava a locomoção. Os futuros levantamentos dos mares nos trarão outros restos, muitos outros germes que despertarão de sua longa letargia para nos mostrar espécies desconhecidas de plantas, de animais e de autóctones contemporâneos do dilúvio, e ficareis muito admirados ao descobrirdes no meio do vasto oceano novas ilhas povoadas de plantas e animais que não podem vir de parte alguma, nem transportadas pelos ventos, nem pelas ondas.
“Nossa ciência, que acha a Bíblia errada, acabará lhe restituindo o seu mérito, como foi forçada a fazê-lo a propósito da rotação da Terra, porque não é erro da Bíblia, mas dos que não a compreendem. Eis a prova:
“Josué parou o sol, dizendo-lhe: Sta, sol! Ora, desde então ele está parado, pois em parte alguma encontrais que ele lhe tenha ordenado que se movesse; e se desde a derrota dos amalecitas a noite sucede ao dia, é preciso que a Terra se mova. Então não é Galileu, mas os inquisidores que devem ser censurados por não terem tomado a Bíblia ao pé da letra.
“Também se negava a existência do unicórnio bíblico e acabam de ser mortos dois nas montanhas do Tibet. Negava-se a aparição do espectro de Saul e, graças a Deus, estais a ponto de convencer os negadores. Lembremo-nos sempre deste aviso das Escrituras: Noli esse incredulus sicut equus et mulus, quibus non est intellectus. “Saudação cordial e respeitosa ao autor da Etnologia do Mundo Espírita.
“JOBARD.”
A teoria da formação da Terra pela incrustação de vários corpos planetários já foi dada em várias épocas, por certos Espíritos e através de médiuns desconhecidos uns dos outros. Não somos adeptos dessa doutrina, que confessamos não ter sido ainda suficientemente estudada para sobre ela nos pronunciarmos, mas reconhecemos que merece um sério exame. As reflexões que ela nos sugere não passam de hipóteses, até que dados mais positivos venham confirmá-las ou desmenti-las. Enquanto se espera, é uma baliza que pode pôr a caminho de uma grande descoberta, guiar nas buscas, e talvez um dia os cientistas encontrem nela a solução de muitos problemas.
Mas, dirão certos críticos, não tendes confiança nos Espíritos e duvidais de suas afirmações? Como inteligências desprendidas da matéria, não podem remover todas as dúvidas da Ciência e lançar a luz onde reina a obscuridade?
Esta é uma questão séria, que se liga à própria base do Espiritismo, e que não poderíamos resolver no momento, sem repetir o que já temos dito a respeito. Acrescentaremos apenas algumas palavras, a fim de justificar nossas reservas. Para começar, responderemos que nos tornaríamos sábios muito facilmente se tratássemos apenas de interrogar os Espíritos para conhecer tudo quanto se ignora. Deus quer que adquiramos o conhecimento pelo trabalho, e não encarregou os Espíritos de no-lo trazer preparado, favorecendo a nossa preguiça. Em segundo lugar, a Humanidade, como os indivíduos, tem sua infância, sua adolescência, sua juventude e sua idade viril. Encarregados por Deus de instruir os homens, devem, pois, os Espíritos proporcionar-lhes ensinos para o desenvolvimento da inteligência. Não dirão tudo a todos e, antes de semear, esperam que a terra esteja pronta para receber a semente, a fim de fazê-la frutificar. Eis por que certas verdades que nos são ensinadas hoje não o foram aos nossos pais, que também interrogavam os Espíritos; eis por que, ainda, verdades para as quais não estamos maduros só serão ensinadas aos que vierem depois de nós. Nosso equívoco está em nos julgarmos chegados ao topo da escada, quando apenas nos achamos a meio caminho.
Digamos de passagem que os Espíritos têm duas maneiras de instruir os homens. Podem fazê-lo tanto se comunicando diretamente, o que ocorreu em todos os tempos, como o provam todas as histórias sagradas e profanas, quanto encarnando-se entre eles, para o desempenho das missões de progresso. Tais são esses homens de bem e de gênio que aparecem, de tempos em tempos, como fachos para a Humanidade, fazendo-a avançar alguns passos. Vede o que acontece quando esses mesmos homens vêm antes da era propícia para as ideias que devem espalhar: são desconhecidos em vida, mas seu ensino não se perde. Depositado nos arquivos do mundo, como precioso grão posto de reserva, um belo dia sai do pó, no momento em que pode frutificar.
Desde então, compreende-se que, se não tiver chegado o tempo necessário para disseminar certas ideias, será em vão que interrogaremos os Espíritos. Eles não podem dizer senão o que lhes é permitido. Há, porém, outra razão, que compreendem perfeitamente todos os que têm alguma experiência do mundo espírita.
Não basta ser Espírito para possuir a ciência universal, pois assim a morte nos faria quase iguais a Deus. Aliás, o simples bom-senso se recusa a admitir que o Espírito de um selvagem, de um ignorante ou de um malvado, desde que separado da matéria, esteja no nível do cientista ou do homem de bem. Isto não seria racional. Há, pois, Espíritos adiantados, e outros mais ou menos atrasados, que devem superar ainda várias etapas, passar por numerosas peneiras antes de se despojarem de todas as imperfeições. Disso resulta que, no mundo dos Espíritos, são encontradas todas as variedades morais e intelectuais existentes entre os homens, e outras mais. Ora, a experiência prova que os maus se comunicam tanto quanto os bons. Os que são francamente maus, são facilmente reconhecíveis, mas há também os meio sábios, os falsos sábios, os presunçosos, os sistemáticos e até os hipócritas. Estes são os mais perigosos, porque afetam uma aparência séria, de ciência e de sabedoria, em favor da qual frequentemente proclamam, em meio a algumas verdades e boas máximas, as mais absurdas coisas. Para melhor enganar, não receiam enfeitar-se com os mais respeitáveis nomes. Separar o verdadeiro do falso; descobrir a trapaça oculta numa cascata de palavras bonitas; desmascarar os impostores, eis, sem contradita, uma das maiores dificuldades da ciência espírita. Para superá-la, faz-se necessária uma longa experiência; conhecer todas as sutilezas de que são capazes os Espíritos de baixa classe; ter muita prudência; ver as coisas com o mais imperturbável sangue frio e guardar-se principalmente contra o entusiasmo que cega. Com o hábito e um pouco de tato chega-se fàcilmente a ver as mãozinhas de fora, mesmo sob a ênfase da mais pretensiosa linguagem. Mas infeliz do médium que se julga infalível, que se ilude com as comunicações que recebe. O Espírito que o domina pode fasciná-lo a ponto de fazê-lo achar sublime aquilo que, por vezes, é apenas absurdo e salta aos olhos de todos, menos aos seus.
Voltemos ao assunto. A teoria da formação da Terra por incrustação não é a única que foi dada pelos Espíritos. Em qual acreditar? Isto nos prova que, fora da moral, que não pode ter duas interpretações, não devem ser aceitas teorias científicas dos Espíritos, senão com muitas reservas, porque, uma vez mais, não estão encarregados de nos trazer a Ciência acabada; estão longe de tudo saber, sobretudo no que concerne ao princípio das coisas; enfim, é preciso desconfiar das ideias sistemáticas, que alguns dentre eles querem que prevaleçam e às quais não têm escrúpulo de dar uma origem divina. Examinando essas comunicações a sangue frio, e sobretudo sem prevenção; pesando maduramente todas as palavras, facilmente descobrimos os traços de uma origem suspeita, incompatível com o caráter do Espírito que supomos falar. São, por vezes, heresias científicas tão patentes, que seria preciso ser cego ou muito ignorante para não percebê-las. Ora, como supor que um Espírito superior cometa tais absurdos? Outras vezes são expressões triviais, de formas ridículas, pueris, e mil outros sinais que traem a inferioridade, para quem quer que não esteja fascinado. Que homem de bom senso poderia jamais crer que uma doutrina contrária aos mais positivos dados da Ciência pudesse emanar de um Espírito sábio, ainda quando tivesse o nome de Arago? Como crer na bondade de um Espírito que desse conselhos contrários à caridade e à benevolência, ainda que assinados por um apóstolo da beneficência? Dizemos mais, há uma profanação em mesclar nomes venerados a comunicações com evidentes traços de inferioridade. Quanto mais elevados os nomes, tanto mais devem ser acolhidos com circunspecção e mais se deve temer ser joguete de uma mistificação. Em resumo, o grande critério do ensino dado pelos Espíritos é a lógica. Deus nos deu a capacidade de julgamento e a razão, para delas nos servirmos. Os bons Espíritos no-las recomendam, no que nos dão uma prova de sua superioridade. Os outros delas se afastam. Eles querem ser acreditados sob palavra, pois sabem que têm tudo a perder, em caso de exame.
Como se vê, temos muitos motivos para não aceitarmos levianamente todas as teorias dadas pelos Espíritos. Quando surge uma, fechamo-nos no papel de observador. Fazemos abstração de sua origem espírita, sem nos deixarmos ofuscar pelo brilho de nomes pomposos. Examinamo-la como se emanasse de um simples mortal e vemos se é racional, se dá conta de tudo, se resolve todas as dificuldades. Foi assim que procedemos com a doutrina da reencarnação, que não adotamos, embora vinda dos Espíritos, senão depois de havermos reconhecido que ela só, e só ela, podia resolver aquilo que nenhuma filosofia jamais havia resolvido, e isto abstração feita das provas materiais que diariamente dela são dadas, a nós e a muitos outros. Pouco nos importam, pois, os contraditores, ainda que fossem Espíritos. Desde que ela é lógica, conforme à justiça de Deus; que nada podem apresentar de mais satisfatório, não nos inquietamos mais do que com os que afirmam que a Terra não gira em torno do Sol ─ porque há Espíritos que defendem essa ideia e que se julgam sábios ─ ou que pretendem que o homem veio perfeitamente formado de outro mundo, carregado nas costas de um elefante alado.
Menos ainda concordamos com o ponto de vista da formação e, sobretudo, do povoamento da Terra. Por isto dissemos, de começo, que para nós a questão não estava suficientemente elucidada. Encarada do ponto de vista exclusivamente científico, dizemos apenas que, à primeira vista, a teoria da incrustação não nos parecia despida de fundamento e, sem nos pronunciarmos pró nem contra, dizemos haver nela matéria para exame. Com efeito, estudados os caracteres fisiológicos das diversas raças humanas, não é possível lhes atribuir uma origem comum, porque a raça negra não é um abastardamento da raça branca. Ora, adotando a letra da Bíblia, que faz todos os homens procederem da família de Noé, dois mil e quatrocentos anos antes da Era Cristã, seria preciso admitir não só que em alguns séculos essa única família teria povoado a Ásia, a Europa e a África, mas que se havia transformado em negros. Sabemos muito bem que influência o clima e os hábitos podem exercer sobre a economia orgânica. Um sol ardente avermelha a epiderme e escurece a pele, mas em parte alguma se viu, mesmo sob o mais intenso ardor tropical, famílias brancas procriando negros, sem cruzamento de raças. Portanto, para nós é evidente que as raças primitivas da Terra provêm de origens diferentes. Qual é o princípio? Eis a questão, e até provas concretas, não é permitido a respeito fazer mais do que conjecturas. Aos sábios, pois, compete ver as que melhor concordam com os fatos constatados pela Ciência.
Sem examinar como foi possível a junção e a soldagem de vários corpos planetários para formarem o nosso globo atual, devemos reconhecer que a coisa não é impossível, e desde então estaria explicada a presença simultânea de raças heterogêneas, tão diferentes em costumes e em línguas, de que cada globo teria trazido os germes ou os embriões; e quem sabe, talvez os indivíduos já formados. Nesta hipótese, a raça branca proviria de um mundo mais adiantado que o que teria trazido a raça negra. Em todos os casos, a junção não se teria operado sem um cataclismo geral, o que só teria permitido a sobrevivência de alguns indivíduos.
Assim, conforme essa teoria, nosso globo seria, ao mesmo tempo, muito antigo por suas partes constituintes, e muito novo por sua aglomeração. Como se vê, tal sistema em nada contradiz os períodos geológicos, que assim remontariam a uma época indeterminada e anterior à junção. Seja como for, e diga o que quiser dizer a respeito o Sr. Jobard, se as coisas assim se passaram, parece difícil que tal acontecimento se tenha realizado e, sobretudo, que o equilíbrio de semelhante caos tenha podido estabelecer-se em seis dias de 24 horas. Os movimentos da matéria inerte estão submetidos a leis eternas, que não podem ser derrogadas senão por milagres.
Resta-nos explicar o que se deve entender por alma da Terra, porque não entra na cabeça de ninguém atribuir uma vontade à matéria. Os Espíritos sempre disseram que alguns entre eles têm atribuições especiais. Agentes e ministros de Deus, dirigem, conforme o seu grau de elevação, os fatos de ordem física, bem como os de ordem moral. Assim como alguns velam pelos indivíduos, dos quais se constituem gênios familiares ou protetores, outros tomam sob seu patrocínio reuniões de indivíduos, grupos, cidades, povos e mesmo mundos. A alma da Terra deve, pois, ser entendida como o Espírito chamado por sua missão a dirigi-la e fazê-la progredir, tendo sob suas ordens as inumeráveis legiões de Espíritos encarregados de velar pela realização de seus desígnios. O Espírito diretor de um mundo deve ser, necessariamente, de uma ordem superior, e tanto mais elevado quanto mais adiantado for o mundo.
Se insistimos sobre vários pontos que poderiam parecer estranhos ao assunto, foi precisamente por se tratar de uma questão científica eminentemente controvertida. Importa que seja bem constatado, pelos que julgam as coisas sem conhecê-las, que o Espiritismo está longe de tomar como artigo de fé tudo o que vem do mundo invisível e que, ao contrário do que pretendem, ele não se apoia numa crença cega, mas sobre a razão.
Se todos os seus partidários não mantêm a mesma circunspecção, a falha não é da Ciência, mas dos que não se dão ao trabalho de aprofundá-la. Ora, não seria mais lógico emitir um julgamento com base no exagero de alguns indivíduos do que condenar a religião pela opinião de alguns fanáticos.
Cartas do Dr. Morhéry sobre a Srta. Désirée Godu
Falamos sobre a notável faculdade da Srta. Désirée Godu, como médium curadora, e poderíamos ter citado provas autênticas que temos em mãos. Mas eis um testemunho cujo alcance ninguém contestará. Não é um desses certificados fornecidos um tanto levianamente. É o resultado de observações sérias de um homem de saber, eminentemente capaz para apreciar as coisas do duplo ponto de vista da Ciência e do Espiritismo. O Dr. Morhéry nos envia as duas cartas seguintes, cuja publicação os leitores agradecerão.
“Plessis-Bloudet, perto de Loudéac (Côtes-du-Nord).
“Senhor Allan Kardec,
“Posto que esmagado pelas ocupações, neste momento, como membro correspondente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas julgo dever informarvos de um acontecimento para mim inesperado e que sem dúvida interessa a todos os nossos colegas.
“Elogiastes a Srta. Désirée Godu, de Hennebon, nos últimos números de vossa Revista. Dissestes que depois de ter sido médium vidente, auditiva e escrevente, essa senhorita se havia tornado, desde alguns anos, médium curadora. Foi nesta última condição que ela se dirigiu a mim, reclamando a minha ajuda, como doutor em medicina, para comprovar a eficácia de sua medicação, que penso poderia dizer-se espirítica. A princípio pensei que as ameaças que lhe eram feitas e os obstáculos criados à sua prática médica sem diploma fossem a causa única de sua determinação. Ela, porém, me disse que o Espírito que a dirige há seis anos havia aconselhado a medida como necessária, do ponto de vista da Doutrina Espírita. Seja como for, julguei que era meu dever e de interesse da Humanidade, aceitar sua generosa proposta, mas duvidava de que ela a realizasse. Sem conhecê-la e sem jamais tê-la visto, tinha sabido que essa piedosa criatura não havia querido separar-se de sua família senão numa circunstância excepcional e para cumprir, além disso, uma missão não menos importante, na idade de 17 anos. Fiquei agradavelmente surpreendido vendo-a chegar a minha casa, conduzida por sua mãe que ela deixou no dia seguinte com profunda mágoa. Mas essa mágoa era atenuada pela coragem da resignação. Há dez dias a Srta. Godu está no seio da minha família, da qual ela se faz motivo de alegria, a despeito de sua enervante ocupação.
“Desde sua chegada, já constatei 75 casos de observação de várias doenças, contra as quais, na maioria, os recursos médicos haviam falhado. Temos amauroses, oftalmias graves, paralisias antigas e rebeldes a todo tratamento, escrofulosos, dartrosos, cataratas e cânceres terminais. Todos os casos são fichados; a natureza da moléstia por mim constatada; os curativos são mencionados, e tudo mantido em regra, como numa sala clínica destinada às observações.
“O tempo ainda não foi suficiente para que eu me possa pronunciar de maneira peremptória sobre as curas operadas pela medicação da Srta. Godu. Mas, desde hoje, posso manifestar minha surpresa pelos resultados revulsivos que ela obtém pela aplicação dos seus unguentos, cujos efeitos variam ao infinito, por uma causa que eu não saberia explicar com as regras ordinárias da Ciência. Também vi com prazer que ela cortava as febres sem qualquer preparação de quinino ou de seus extratos, e por simples infusão de flores ou folhas de diversas plantas.
“Acompanho com vivo interesse, sobretudo o tratamento de um câncer no terceiro período. Esse câncer, que foi constatado e tratado sem sucesso, como sempre, por vários colegas, é objeto da maior preocupação da Srta. Godu. Não é uma nem duas vezes que ela o pensa, mas a todas as horas. Desejo muito vivamente que seus esforços sejam coroados de êxito e que ela cure esse indigente, que trata com zelo acima de qualquer elogio. Se o conseguir, pode-se naturalmente esperar que tenha outros sucessos e, neste caso, prestará imenso serviço à Humanidade, curando esta moléstia horrível e atroz.
“Sei que alguns confrades trocistas poderão rir-se da esperança que me anima. Mas que me importa, se a esperança se realizar! Já me censuram por auxiliar a uma pessoa cuja intenção ninguém contesta, mas cujas aptidões para curar são negadas pela maioria porque essa aptidão não foi dada pela Faculdade.
“A isto responderei que não foi a Faculdade que descobriu a vacina, mas simples pastores; não foi a Faculdade que descobriu a casca do Peru, mas os índios daquele país. A Faculdade constata os fatos, agrupa-os e classifica-os, para formar a preciosa base do ensino, mas não os produz exclusivamente. Alguns tolos ─ e infelizmente os há aqui como em toda a parte ─ se julgam espirituosos, qualificando a Srta. Godu como feiticeira. É por certo uma feiticeira amável e muito útil, pois não inspira nenhum temor nem o desejo de mandá-la para a fogueira.
“A outros, que a julgam instrumento do diabo, responderei firmemente: se o demônio vem à Terra curar os incuráveis, abandonados e indigentes, deve-se concluir que, enfim, o demônio se converteu e tem direito aos nossos agradecimentos. Ora, duvido muito que entre os que assim falam haja muitos que não prefiram ser curados pelas suas mãos a morrer nas mãos do médico. Recebamos, pois, o bem, de onde ele vier e, não sendo com provas autênticas, não atribuamos o seu mérito ao diabo. É mais moral e racional atribuir o bem a Deus e lhe dar graças. A respeito, penso que meu ponto de vista será partilhado por vós e por todos os meus colegas.
“Aliás, quer isto se torne ou não uma realidade, sempre resultará algo para a Ciência. Não sou homem que deixe ao esquecimento certos meios empregados, que hoje desprezamos. Diz-se que a Medicina fez imensos progressos. Sim, para a Ciência, sem dúvida, mas não tanto para a arte de curar. Aprendemos muito e muito esquecemos. O Espírito humano é como o oceano: não pode abarcar tudo; quando invade uma praia deixa outra. Voltarei ao assunto e vos porei ao corrente desta curiosa experiência. Ligo a isto a maior importância. Se ela triunfar, será uma brilhante manifestação contra a qual será impossível lutar, porque nada detém os que sofrem e querem curar-se. Estou decidido a tudo enfrentar com esse objetivo, inclusive o ridículo que tanto se teme na França.
“Aproveito a ocasião para vos remeter minha tese inaugural. Se quiserdes tomar o trabalho de a ler, compreendereis facilmente quanto eu estava disposto a admitir o Espiritismo. Esta tese foi defendida quando a Medicina havia caído no mais profundo materialismo. Era um protesto contra essa corrente que nos arrastou para a Medicina orgânica e a farmacologia mineral, de que tanto se abusou. Quanta saúde devastada pelo uso de substâncias minerais que, em caso de choque, aumentam o mal, e no da melhora, muitas vezes deixam traços em nosso organismo! “Recebei, etc.
“MORHÉRY” “20 de março de 1860.
“Senhor
“Em minha última carta vos anunciei que a senhorita Désirée Godu tinha vindo exercer sua faculdade curadora sob minhas vistas. Venho hoje dar-vos algumas notícias.
“Desde 25 de fevereiro, comecei minhas observações com grande número de doentes, quase todos indigentes e impossibilitados de se tratarem adequadamente. Alguns têm doenças pouco importantes, mas a maioria é atingida por afecções que resistiram aos meios curativos ordinários. Fichei, desde 25 de fevereiro, 152 casos de moléstias muito diversas. Infelizmente, em nossa terra, sobretudo os doentes indigentes seguem seus caprichos e não têm paciência para se resignarem a um tratamento seguido e metódico. Desde que experimentam melhoras, julgam-se curados e nada mais fazem. É um fato muitas vezes constatado em minha clientela e que, necessariamente, deveria verificar-se com a da Srta. Godu.
“Como vos disse, nada quero prejulgar, nada afirmar, salvo os resultados constatados pela experiência. Mais tarde farei o balanço de minhas observações e relatarei as mais notáveis. Mas, desde já, posso exprimir a minha admiração por certas curas obtidas fora dos meios ordinários.
“Vi curar sem quinino três febres intermitentes, rebeldes, das quais uma tinha resistido a todos os meios por mim empregados.
“A senhorita Godu curou igualmente três panarícios e duas inflamações subaponevróticas da mão, em poucos dias. Fiquei realmente surpreendido.
“Posso também atestar a cura, ainda não radical, mas muito avançada, de um de nossos mais inteligentes trabalhadores, Pierre Le Boudec, de Saint-Hervé, surdo há 18 anos. Ele ficou tão maravilhado quanto eu quando, após três dias de tratamento, pôde ouvir o canto dos pássaros e a voz de seus filhos. Vi-o esta manhã e tudo leva a esperar a cura radical dentro em pouco.
“Entre os nossos doentes, o que mais atrai a minha atenção no momento é um tal Bigot, operário em Saint-Caradec, há dois anos e meio atingido por um câncer no lábio inferior. O câncer chegou ao último grau. O lábio inferior está em parte destruído; as gengivas e as glândulas sublinguais e submaxilares estão canceromatosas e o osso do maxilar inferior também está afetado pela doença. Quando se apresentou em minha casa, seu estado era desesperador. Suas dores eram atrozes. Não dormia há seis meses. Qualquer operação era impraticável, pois o mal estava muito adiantado. A cura me parecia impossível e o declarei francamente à senhorita Godu, a fim de premuni-la contra uma derrota inevitável. Minha opinião não mudou quanto ao prognóstico. Ainda não posso crer na cura de um câncer tão adiantado. Contudo, devo declarar que, desde o primeiro curativo, o doente experimenta um alívio e desde aquele dia, 25 de fevereiro, dorme bem e se alimenta; voltou-lhe a confiança; a chaga mudou de aspecto de modo visível e se isto continuar, a despeito da minha opinião formal, serei obrigado a esperar uma cura. Se realizar-se, será o maior fenômeno de cura que se poderia constatar. É preciso esperar e ter paciência, como o doente. A senhorita Godu tem com ele um cuidado particular. Tem feito curativos, por vezes de meia em meia hora. Esse indigente é o seu favorito.
“Além disso, nada a dizer. Eu poderia informar-vos sobre boatos e falatórios e alusões à feitiçaria, mas como a tolice é inerente à Humanidade, não me ocupo com o trabalho de curá-la.
“Aceitai etc.
“MORHÉHY”
“Plessis-Bloudet, perto de Loudéac (Côtes-du-Nord).
“Senhor Allan Kardec,
“Posto que esmagado pelas ocupações, neste momento, como membro correspondente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas julgo dever informarvos de um acontecimento para mim inesperado e que sem dúvida interessa a todos os nossos colegas.
“Elogiastes a Srta. Désirée Godu, de Hennebon, nos últimos números de vossa Revista. Dissestes que depois de ter sido médium vidente, auditiva e escrevente, essa senhorita se havia tornado, desde alguns anos, médium curadora. Foi nesta última condição que ela se dirigiu a mim, reclamando a minha ajuda, como doutor em medicina, para comprovar a eficácia de sua medicação, que penso poderia dizer-se espirítica. A princípio pensei que as ameaças que lhe eram feitas e os obstáculos criados à sua prática médica sem diploma fossem a causa única de sua determinação. Ela, porém, me disse que o Espírito que a dirige há seis anos havia aconselhado a medida como necessária, do ponto de vista da Doutrina Espírita. Seja como for, julguei que era meu dever e de interesse da Humanidade, aceitar sua generosa proposta, mas duvidava de que ela a realizasse. Sem conhecê-la e sem jamais tê-la visto, tinha sabido que essa piedosa criatura não havia querido separar-se de sua família senão numa circunstância excepcional e para cumprir, além disso, uma missão não menos importante, na idade de 17 anos. Fiquei agradavelmente surpreendido vendo-a chegar a minha casa, conduzida por sua mãe que ela deixou no dia seguinte com profunda mágoa. Mas essa mágoa era atenuada pela coragem da resignação. Há dez dias a Srta. Godu está no seio da minha família, da qual ela se faz motivo de alegria, a despeito de sua enervante ocupação.
“Desde sua chegada, já constatei 75 casos de observação de várias doenças, contra as quais, na maioria, os recursos médicos haviam falhado. Temos amauroses, oftalmias graves, paralisias antigas e rebeldes a todo tratamento, escrofulosos, dartrosos, cataratas e cânceres terminais. Todos os casos são fichados; a natureza da moléstia por mim constatada; os curativos são mencionados, e tudo mantido em regra, como numa sala clínica destinada às observações.
“O tempo ainda não foi suficiente para que eu me possa pronunciar de maneira peremptória sobre as curas operadas pela medicação da Srta. Godu. Mas, desde hoje, posso manifestar minha surpresa pelos resultados revulsivos que ela obtém pela aplicação dos seus unguentos, cujos efeitos variam ao infinito, por uma causa que eu não saberia explicar com as regras ordinárias da Ciência. Também vi com prazer que ela cortava as febres sem qualquer preparação de quinino ou de seus extratos, e por simples infusão de flores ou folhas de diversas plantas.
“Acompanho com vivo interesse, sobretudo o tratamento de um câncer no terceiro período. Esse câncer, que foi constatado e tratado sem sucesso, como sempre, por vários colegas, é objeto da maior preocupação da Srta. Godu. Não é uma nem duas vezes que ela o pensa, mas a todas as horas. Desejo muito vivamente que seus esforços sejam coroados de êxito e que ela cure esse indigente, que trata com zelo acima de qualquer elogio. Se o conseguir, pode-se naturalmente esperar que tenha outros sucessos e, neste caso, prestará imenso serviço à Humanidade, curando esta moléstia horrível e atroz.
“Sei que alguns confrades trocistas poderão rir-se da esperança que me anima. Mas que me importa, se a esperança se realizar! Já me censuram por auxiliar a uma pessoa cuja intenção ninguém contesta, mas cujas aptidões para curar são negadas pela maioria porque essa aptidão não foi dada pela Faculdade.
“A isto responderei que não foi a Faculdade que descobriu a vacina, mas simples pastores; não foi a Faculdade que descobriu a casca do Peru, mas os índios daquele país. A Faculdade constata os fatos, agrupa-os e classifica-os, para formar a preciosa base do ensino, mas não os produz exclusivamente. Alguns tolos ─ e infelizmente os há aqui como em toda a parte ─ se julgam espirituosos, qualificando a Srta. Godu como feiticeira. É por certo uma feiticeira amável e muito útil, pois não inspira nenhum temor nem o desejo de mandá-la para a fogueira.
“A outros, que a julgam instrumento do diabo, responderei firmemente: se o demônio vem à Terra curar os incuráveis, abandonados e indigentes, deve-se concluir que, enfim, o demônio se converteu e tem direito aos nossos agradecimentos. Ora, duvido muito que entre os que assim falam haja muitos que não prefiram ser curados pelas suas mãos a morrer nas mãos do médico. Recebamos, pois, o bem, de onde ele vier e, não sendo com provas autênticas, não atribuamos o seu mérito ao diabo. É mais moral e racional atribuir o bem a Deus e lhe dar graças. A respeito, penso que meu ponto de vista será partilhado por vós e por todos os meus colegas.
“Aliás, quer isto se torne ou não uma realidade, sempre resultará algo para a Ciência. Não sou homem que deixe ao esquecimento certos meios empregados, que hoje desprezamos. Diz-se que a Medicina fez imensos progressos. Sim, para a Ciência, sem dúvida, mas não tanto para a arte de curar. Aprendemos muito e muito esquecemos. O Espírito humano é como o oceano: não pode abarcar tudo; quando invade uma praia deixa outra. Voltarei ao assunto e vos porei ao corrente desta curiosa experiência. Ligo a isto a maior importância. Se ela triunfar, será uma brilhante manifestação contra a qual será impossível lutar, porque nada detém os que sofrem e querem curar-se. Estou decidido a tudo enfrentar com esse objetivo, inclusive o ridículo que tanto se teme na França.
“Aproveito a ocasião para vos remeter minha tese inaugural. Se quiserdes tomar o trabalho de a ler, compreendereis facilmente quanto eu estava disposto a admitir o Espiritismo. Esta tese foi defendida quando a Medicina havia caído no mais profundo materialismo. Era um protesto contra essa corrente que nos arrastou para a Medicina orgânica e a farmacologia mineral, de que tanto se abusou. Quanta saúde devastada pelo uso de substâncias minerais que, em caso de choque, aumentam o mal, e no da melhora, muitas vezes deixam traços em nosso organismo! “Recebei, etc.
“MORHÉRY” “20 de março de 1860.
“Senhor
“Em minha última carta vos anunciei que a senhorita Désirée Godu tinha vindo exercer sua faculdade curadora sob minhas vistas. Venho hoje dar-vos algumas notícias.
“Desde 25 de fevereiro, comecei minhas observações com grande número de doentes, quase todos indigentes e impossibilitados de se tratarem adequadamente. Alguns têm doenças pouco importantes, mas a maioria é atingida por afecções que resistiram aos meios curativos ordinários. Fichei, desde 25 de fevereiro, 152 casos de moléstias muito diversas. Infelizmente, em nossa terra, sobretudo os doentes indigentes seguem seus caprichos e não têm paciência para se resignarem a um tratamento seguido e metódico. Desde que experimentam melhoras, julgam-se curados e nada mais fazem. É um fato muitas vezes constatado em minha clientela e que, necessariamente, deveria verificar-se com a da Srta. Godu.
“Como vos disse, nada quero prejulgar, nada afirmar, salvo os resultados constatados pela experiência. Mais tarde farei o balanço de minhas observações e relatarei as mais notáveis. Mas, desde já, posso exprimir a minha admiração por certas curas obtidas fora dos meios ordinários.
“Vi curar sem quinino três febres intermitentes, rebeldes, das quais uma tinha resistido a todos os meios por mim empregados.
“A senhorita Godu curou igualmente três panarícios e duas inflamações subaponevróticas da mão, em poucos dias. Fiquei realmente surpreendido.
“Posso também atestar a cura, ainda não radical, mas muito avançada, de um de nossos mais inteligentes trabalhadores, Pierre Le Boudec, de Saint-Hervé, surdo há 18 anos. Ele ficou tão maravilhado quanto eu quando, após três dias de tratamento, pôde ouvir o canto dos pássaros e a voz de seus filhos. Vi-o esta manhã e tudo leva a esperar a cura radical dentro em pouco.
“Entre os nossos doentes, o que mais atrai a minha atenção no momento é um tal Bigot, operário em Saint-Caradec, há dois anos e meio atingido por um câncer no lábio inferior. O câncer chegou ao último grau. O lábio inferior está em parte destruído; as gengivas e as glândulas sublinguais e submaxilares estão canceromatosas e o osso do maxilar inferior também está afetado pela doença. Quando se apresentou em minha casa, seu estado era desesperador. Suas dores eram atrozes. Não dormia há seis meses. Qualquer operação era impraticável, pois o mal estava muito adiantado. A cura me parecia impossível e o declarei francamente à senhorita Godu, a fim de premuni-la contra uma derrota inevitável. Minha opinião não mudou quanto ao prognóstico. Ainda não posso crer na cura de um câncer tão adiantado. Contudo, devo declarar que, desde o primeiro curativo, o doente experimenta um alívio e desde aquele dia, 25 de fevereiro, dorme bem e se alimenta; voltou-lhe a confiança; a chaga mudou de aspecto de modo visível e se isto continuar, a despeito da minha opinião formal, serei obrigado a esperar uma cura. Se realizar-se, será o maior fenômeno de cura que se poderia constatar. É preciso esperar e ter paciência, como o doente. A senhorita Godu tem com ele um cuidado particular. Tem feito curativos, por vezes de meia em meia hora. Esse indigente é o seu favorito.
“Além disso, nada a dizer. Eu poderia informar-vos sobre boatos e falatórios e alusões à feitiçaria, mas como a tolice é inerente à Humanidade, não me ocupo com o trabalho de curá-la.
“Aceitai etc.
“MORHÉHY”
OBSERVAÇÃO: Como se pode constatar pelas duas cartas acima, o Sr. Morhéry não se deixa tomar pelo entusiasmo. Ele observa as coisas friamente, como homem esclarecido e sem ilusões. Demonstra inteira boa-fé, pondo de lado o amor próprio do médico. Não teme confessar que a Natureza pode prescindir dele, inspirando a uma jovem sem instrução, meios de curar que não encontrou nem nos ensinos da Faculdade nem em seu próprio cérebro, e nem por isso se julga humilhado. Seus conhecimentos de Espiritismo lhe mostram que a coisa é possível, sem que por isso haja derrogação das leis da Natureza. Ele a compreende, desde que essa faculdade admirável é para ele um simples fenômeno mais desenvolvido na senhorita Godu do que em outros. Pode dizer-se que essa jovem é para a arte de curar o que Joana d’Arc era para a arte militar. O Sr. Morhéry, esclarecido sobre os dois pontos essenciais — o Espiritismo como fonte e a Medicina comum como controle — pondo de lado o amor próprio e qualquer sentimento pessoal, está na melhor posição para julgar imparcialmente, e nós felicitamos a senhorita Godu pela resolução tomada de colocar-se sob seu patrocínio. Sem dúvida os leitores nos serão gratos por mantê-los ao corrente das observações que forem feitas posteriormente.
Variedades
O fabricante de são petersburgoO fato seguinte, de manifestação espontânea, foi transmitido ao nosso colega, Sr. Kratzoff, de São Petersburgo, por seu compatriota, o barão Gabriel Tscherkassoff, que reside em Cannes (Var) e que lhe garante a autenticidade. Aliás, parece que o fato é muito conhecido e fez sensação na época em que ocorreu.
“No começo do século, havia em São Petersburgo um rico artífice que ocupava grande número de operárias em suas oficinas. Seu nome me escapa, mas creio que era inglês. Homem probo, humano e decente, não só desfrutava da boa renda de seus produtos, mas, muito mais ainda, do bem-estar físico e moral de seus operários que consequentemente ofereciam o exemplo de boa conduta e de uma concórdia quase fraterna. Conforme um costume observado na Rússia ainda em nossos dias, o alojamento e a alimentação eram pagos pelo patrão, e ocupavam os andares superiores e o sótão da mesma casa que ele. Uma manhã, ao despertar, vários operários não encontraram suas roupas que, ao deitar-se, haviam posto ao lado. Não se podia pensar em roubo. Indagaram inutilmente e suspeitavam que os mais maliciosos tinham querido pregar uma peça aos seus camaradas. Enfim, graças às buscas, encontraram todos os objetos desaparecidos no celeiro, nas lareiras e até em cima do telhado. O patrão fez advertências gerais, pois ninguém se confessava culpado. Ao contrário, todos protestavam inocência.
“Passado algum tempo, a coisa se repetiu. Novas recomendações, novos protestos. Pouco a pouco isto começou a se repetir todas as noites e o patrão inquietou-se muito porque, além de seu trabalho estar sendo muito prejudicado, viase ameaçado pela saída de todos os operários, que tinham medo de ficar numa casa onde se passavam, como diziam, coisas sobrenaturais. Seguindo o conselho do patrão, foi organizado um serviço de vigilância noturno, definido pelos próprios operários, para surpreender o culpado. Mas nada deu resultado. Ao contrário, as coisas foram de mal a pior. Para alcançar seus quartos, os operários deviam subir escadas não iluminadas. Ora, aconteceu a vários deles receber pancadas e bofetões. E quando procuravam defender-se, apenas batiam no vazio, enquanto a violência dos golpes os fazia supor que tratavam com um ser sólido. Desta vez o patrão os aconselhou a formarem dois grupos: um deveria ficar no topo da escada, e o outro, embaixo. Desta maneira, o malvado não poderia escapar e receberia o devido corretivo. Mas a previdência do patrão falhou mais uma vez. Os dois grupos levaram muita pancada e cada um acusava o outro. As recriminações tornaram-se violentas e tendo chegado ao máximo possível os desentendimentos entre os operários, o pobre patrão já pensava em fechar as oficinas ou mudar-se.
“Uma noite, estava sentado triste e pensativo, cercado pela família. Todos estavam abatidos, quando de repente um grande ruído se fez ouvir no quarto ao lado, que lhe servia de gabinete de trabalho. Levantou-se precipitadamente e foi procurar a causa do ruído. A primeira coisa que viu foi sua secretária aberta e um candeeiro aceso. Ora, havia poucos instantes ele fechara a secretária e apagara a luz. Tendo-se aproximado, distinguiu sobre a mesa um tinteiro de vidro e uma pena que não lhe pertenciam e uma folha de papel sobre a qual estavam escritas estas palavras, que não tinham tido tempo de secar: “Mande derrubar a parede em tal lugar (era acima da escada). Ali encontrarás ossadas humanas que mandarás sepultar em terra santa.” O patrão tomou o papel e correu a informar a polícia.
“No dia seguinte puseram-se a procurar de onde provinham o tinteiro e a pena. Mostrando-os aos moradores da mesma casa, chegaram até um verdureiro e rendeiro que tinha seu negócio no rés do chão, e que reconheceu um e outra como seus. Interrogado sobre a pessoa a quem havia dado, respondeu: “Ontem à noite, já tendo fechado a porta da quitanda, ouvi uma leve batida na janela; abri e um homem cujos traços não distingui, disse-me: ‘Peço-te que me dês um tinteiro e uma pena. Eu te pagarei.’ Tendo-lhe passado os dois objetos, ele me atirou uma grande moeda de cobre, que ouvi cair no chão mas não encontrei.”
“Demoliram a parede no local indicado e ali encontraram ossadas humanas que foram enterradas, e tudo voltou à ordem. Jamais se soube a quem pertenciam esses ossos.”
Fatos desta natureza devem ter ocorrido em todas as épocas, e vê-se que não são absolutamente provocados pelos conhecimentos espíritas. Compreende-se que, em séculos afastados, ou entre povos ignorantes, tenham dado lugar a toda sorte de suposições supersticiosas.
“No começo do século, havia em São Petersburgo um rico artífice que ocupava grande número de operárias em suas oficinas. Seu nome me escapa, mas creio que era inglês. Homem probo, humano e decente, não só desfrutava da boa renda de seus produtos, mas, muito mais ainda, do bem-estar físico e moral de seus operários que consequentemente ofereciam o exemplo de boa conduta e de uma concórdia quase fraterna. Conforme um costume observado na Rússia ainda em nossos dias, o alojamento e a alimentação eram pagos pelo patrão, e ocupavam os andares superiores e o sótão da mesma casa que ele. Uma manhã, ao despertar, vários operários não encontraram suas roupas que, ao deitar-se, haviam posto ao lado. Não se podia pensar em roubo. Indagaram inutilmente e suspeitavam que os mais maliciosos tinham querido pregar uma peça aos seus camaradas. Enfim, graças às buscas, encontraram todos os objetos desaparecidos no celeiro, nas lareiras e até em cima do telhado. O patrão fez advertências gerais, pois ninguém se confessava culpado. Ao contrário, todos protestavam inocência.
“Passado algum tempo, a coisa se repetiu. Novas recomendações, novos protestos. Pouco a pouco isto começou a se repetir todas as noites e o patrão inquietou-se muito porque, além de seu trabalho estar sendo muito prejudicado, viase ameaçado pela saída de todos os operários, que tinham medo de ficar numa casa onde se passavam, como diziam, coisas sobrenaturais. Seguindo o conselho do patrão, foi organizado um serviço de vigilância noturno, definido pelos próprios operários, para surpreender o culpado. Mas nada deu resultado. Ao contrário, as coisas foram de mal a pior. Para alcançar seus quartos, os operários deviam subir escadas não iluminadas. Ora, aconteceu a vários deles receber pancadas e bofetões. E quando procuravam defender-se, apenas batiam no vazio, enquanto a violência dos golpes os fazia supor que tratavam com um ser sólido. Desta vez o patrão os aconselhou a formarem dois grupos: um deveria ficar no topo da escada, e o outro, embaixo. Desta maneira, o malvado não poderia escapar e receberia o devido corretivo. Mas a previdência do patrão falhou mais uma vez. Os dois grupos levaram muita pancada e cada um acusava o outro. As recriminações tornaram-se violentas e tendo chegado ao máximo possível os desentendimentos entre os operários, o pobre patrão já pensava em fechar as oficinas ou mudar-se.
“Uma noite, estava sentado triste e pensativo, cercado pela família. Todos estavam abatidos, quando de repente um grande ruído se fez ouvir no quarto ao lado, que lhe servia de gabinete de trabalho. Levantou-se precipitadamente e foi procurar a causa do ruído. A primeira coisa que viu foi sua secretária aberta e um candeeiro aceso. Ora, havia poucos instantes ele fechara a secretária e apagara a luz. Tendo-se aproximado, distinguiu sobre a mesa um tinteiro de vidro e uma pena que não lhe pertenciam e uma folha de papel sobre a qual estavam escritas estas palavras, que não tinham tido tempo de secar: “Mande derrubar a parede em tal lugar (era acima da escada). Ali encontrarás ossadas humanas que mandarás sepultar em terra santa.” O patrão tomou o papel e correu a informar a polícia.
“No dia seguinte puseram-se a procurar de onde provinham o tinteiro e a pena. Mostrando-os aos moradores da mesma casa, chegaram até um verdureiro e rendeiro que tinha seu negócio no rés do chão, e que reconheceu um e outra como seus. Interrogado sobre a pessoa a quem havia dado, respondeu: “Ontem à noite, já tendo fechado a porta da quitanda, ouvi uma leve batida na janela; abri e um homem cujos traços não distingui, disse-me: ‘Peço-te que me dês um tinteiro e uma pena. Eu te pagarei.’ Tendo-lhe passado os dois objetos, ele me atirou uma grande moeda de cobre, que ouvi cair no chão mas não encontrei.”
“Demoliram a parede no local indicado e ali encontraram ossadas humanas que foram enterradas, e tudo voltou à ordem. Jamais se soube a quem pertenciam esses ossos.”
Fatos desta natureza devem ter ocorrido em todas as épocas, e vê-se que não são absolutamente provocados pelos conhecimentos espíritas. Compreende-se que, em séculos afastados, ou entre povos ignorantes, tenham dado lugar a toda sorte de suposições supersticiosas.
Aparição tangível
A 14 de janeiro último, o senhor Lecomte, cultivador na comuna de Brix, departamento de Valognes, foi visitado por um indivíduo que se dizia um de seus antigos camaradas, com o qual tinha trabalhado no porto de Cherburgo, e cuja morte remonta há dois anos e meio. A aparição tinha por fim pedir a Lecomte que mandasse rezar uma missa. No dia 15, a aparição se renovou. Menos espantado, Lecomte efetivamente reconheceu o antigo camarada. Mas, ainda perturbado, não soube o que responder. O mesmo aconteceu a 17 e 18 de janeiro. Só no dia 19 Lecomte lhe disse:
─ Já que desejas uma missa, onde queres que seja rezada? E irás assistir?
─ Eu desejo, respondeu o Espírito, que a missa seja dita na capela de São Salvador, dentro de oito dias. Eu ali estarei. E acrescentou: Há muito tempo que eu não te via e era longe para vir ver-te. Dito isto, retirou-se, apertando-lhe a mão.
O senhor Lecomte não faltou à promessa. No dia 27 a missa foi dita na capela de São Salvador, e ele viu seu antigo camarada ajoelhado nos degraus do altar, junto ao padre oficiante. Ninguém mais o viu, embora tivesse perguntado ao padre e aos assistentes se não o viram.
Desde então, Lecomte não mais foi visitado e retomou sua habitual tranquilidade.
OBSERVAÇÃO: Conforme esse relato, cuja autenticidade é garantida por pessoa fidedigna, não se trata de simples visão, mas de uma aparição tangível, pois que o defunto amigo de Lecomte lhe havia apertado a mão. Os incrédulos dirão que foi uma alucinação. Mas, até o presente, ainda esperamos de sua parte uma explicação clara, lógica e verdadeiramente científica dos estranhos fenômenos que designam por esse nome com o único fim, segundo nos parece, de recusarem qualquer solução.
─ Já que desejas uma missa, onde queres que seja rezada? E irás assistir?
─ Eu desejo, respondeu o Espírito, que a missa seja dita na capela de São Salvador, dentro de oito dias. Eu ali estarei. E acrescentou: Há muito tempo que eu não te via e era longe para vir ver-te. Dito isto, retirou-se, apertando-lhe a mão.
O senhor Lecomte não faltou à promessa. No dia 27 a missa foi dita na capela de São Salvador, e ele viu seu antigo camarada ajoelhado nos degraus do altar, junto ao padre oficiante. Ninguém mais o viu, embora tivesse perguntado ao padre e aos assistentes se não o viram.
Desde então, Lecomte não mais foi visitado e retomou sua habitual tranquilidade.
OBSERVAÇÃO: Conforme esse relato, cuja autenticidade é garantida por pessoa fidedigna, não se trata de simples visão, mas de uma aparição tangível, pois que o defunto amigo de Lecomte lhe havia apertado a mão. Os incrédulos dirão que foi uma alucinação. Mas, até o presente, ainda esperamos de sua parte uma explicação clara, lógica e verdadeiramente científica dos estranhos fenômenos que designam por esse nome com o único fim, segundo nos parece, de recusarem qualquer solução.
Ditados espontâneos e dissertações espíritas
O Anjo das criançasMeu nome é Micael. Sou um dos Espíritos designados para a guarda das crianças. Que suave missão! E que felicidade proporciona à alma! A guarda das crianças? perguntareis. Mas elas não têm suas mães, bons anjos designados para essa guarda? E por que ainda é necessário um Espírito para delas se ocupar? Mas não pensais nas que não têm mais essa boa mãe? Não as há, e muitas? E a mãe, ela mesma, por vezes não necessita de ajuda? Quem a desperta em meio ao seu primeiro sono? Quem a faz pressentir o perigo, inventar o alívio quando o mal é grave? Nós, sempre nós. Nós, que desviamos a criança do barranco, para onde corre traquinas; que dela afastamos os animais perigosos e que afastamos o fogo que poderia misturar-se aos seus cabelos louros. Nossa missão é suave! Somos ainda nós que lhes inspiramos a compaixão pelo pobre, a doçura, a bondade. Nenhuma, mesmo das piores, poderia perturbar-nos. Há sempre um instante no qual seu coraçãozinho se abre para nós. Quantos de vós admirar-se-ão desta missão. Mas não dizeis sempre que há um Deus para as crianças, sobretudo para as crianças pobres? Não, não há um Deus, mas anjos, amigos. Como poderíeis explicar de outro modo esses salvamentos miraculosos? Há ainda muitos outros poderes, de cuja existência nem mesmo suspeitais. Há o Espírito das flores, dos perfumes; há mil e um outros, cujas missões mais ou menos elevadas vos pareceriam deliciosas e invejáveis, após vossa dura vida de provas. Eu os convidarei a virem ao vosso meio. Neste momento sou recompensada por uma vida inteiramente dedicada às crianças. Casada jovem com um homem que tinha muitas, não tive a felicidade de ter as minhas próprias. Inteiramente devotada a elas, Deus, o bom e soberano Senhor, concedeu-me ser ainda guarda das crianças. Suave e santa missão! eu o repito, e cuja plena eficácia as mães aqui presentes não poderiam negar. Adeus, vou à cabeceira dos meus pequenos protegidos. A hora do sono é a minha hora, e é preciso que visite todas essas lindas pálpebras fechadas. O bom anjo que vela por elas, sabei-o, não é uma alegoria, mas uma verdade.
Conselhos
Outrora vos teriam crucificado, queimado, torturado. A forca foi derrubada; a fogueira, extinta; os instrumentos de tortura, quebrados. A arma terrível do ridículo, tão poderosa contra a mentira, mover-se-á contra a verdade. Seus inimigos mais terríveis se fecharam num círculo intransponível. Com efeito, negar a realidade de nossas manifestações seria negar a revelação que é a base de todas as religiões. Atribuí-las ao demônio; pretender que o Espírito do mal venha vos confortar, vos desenvolver o Evangelho, exortar-vos ao bem, à prática de todas as virtudes, é simplesmente e felizmente provar que ele não existe. Todo reino dividido contra si mesmo perecerá. Restam os maus Espíritos. Jamais uma boa árvore produzirá maus frutos; jamais uma árvore má produzirá bons frutos. Nada de melhor tendes a fazer do que lhes responder o que respondia o Cristo aos seus perseguidores, quando formularam contra ele as mesmas acusações, e como ele rogar a Deus que os perdoe, pois não sabem o que fazem.
O Espírito de Verdade
(OUTRA, DITADA AO SR. ROZE E LIDA NA SOCIEDADE)
A França leva o estandarte do progresso e deve guiar as outras nações. Provamno os acontecimentos passados e contemporâneos. Fostes escolhidos para serdes o espelho que deve receber e refletir a luz divina, que deve iluminar a Terra, até agora mergulhada nas trevas da ignorância e da mentira. Mas se não estiverdes animados pelo amor ao próximo e por um desinteresse sem limites; se o desejo de conhecer e propagar a verdade, cujas vias deveis abrir à posteridade não for o único móvel a guiar os vossos trabalhos; se a mais leve reserva mental de orgulho, de egoísmo e de interesse material achar lugar em vossos corações, não nos serviremos de vós, senão como o artista que provisoriamente emprega uma ferramenta defeituosa. Viremos a vós até que tenhamos encontrado ou provocado um centro mais rico do que vós em virtudes, mais simpático à falange de Espíritos que Deus enviou para revelar a verdade aos homens de boa vontade. Pensai nisto seriamente. Descei aos vossos corações, sondai-lhes os mais íntimos refolhos e expulsai com energia as más paixões que nos afastam, senão retirai-vos, antes de comprometerdes os trabalhos de vossos irmãos pela vossa presença, ou pela dos Espíritos que traríeis convosco.
O Espírito de VerdadeA ostentação
Numa bela tarde de primavera, um homem rico e generoso estava sentado em sua sala. Sorvia, feliz, o perfume das flores de seu jardim. Enumerava, complacente, todas as boas obras que tinha praticado durante o ano. A essa lembrança não pôde impedir um olhar quase desprezível sobre a casa de um de seus vizinhos, que não pudera dar senão módica moeda para a construção da igreja paroquial. De minha parte, disse ele, dei mais de mil escudos para essa obra pia; lancei negligentemente uma nota de 500 francos na bolsa que me apresentava aquela jovem duquesa em favor dos pobres; dei muito para as festas de beneficência, para toda sorte de loterias e creio que Deus me será grato por tanto bem que fiz. Ah! Eu esquecia uma pequena esmola dada ultimamente a uma infeliz viúva com o peso de numerosa família e que ainda cria um órfão. Mas o que lhe dei é tão pouco que certamente não é isto que me abrirá o Céu.
─ Tu te enganas, respondeu de repente uma voz que lhe fez voltar a cabeça: é a única que Deus aceita; e eis a prova. No mesmo instante uma mão apagou o papel que ele tinha riscado com todas as suas boas obras, deixando apenas a última: ela o levou ao Céu.
Não é, pois, a esmola feita com ostentação que é a melhor, mas aquela que é feita com toda a humildade do coração.
JOINVILLE, AMY DE LOYS.
─ Tu te enganas, respondeu de repente uma voz que lhe fez voltar a cabeça: é a única que Deus aceita; e eis a prova. No mesmo instante uma mão apagou o papel que ele tinha riscado com todas as suas boas obras, deixando apenas a última: ela o levou ao Céu.
Não é, pois, a esmola feita com ostentação que é a melhor, mas aquela que é feita com toda a humildade do coração.
JOINVILLE, AMY DE LOYS.
Amor e liberdade
Deus é amor e liberdade. É pelo amor e pela liberdade que o Espírito se aproxima dele. Pelo amor desenvolve, em cada existência, novas relações que o aproximam da unidade; pela liberdade escolhe o bem que o aproxima de Deus. Sede ardentes na propagação da nova fé. Que o santo ardor que vos anima, jamais vos faça atingir a liberdade alheia. Evitai, por uma insistência muito grande junto à incredulidade orgulhosa e temível, exasperar uma resistência meio vencida e prestes a render-se. O reino do constrangimento e da opressão acabou; começa o da razão, da liberdade, do amor fraterno. Não é mais pelo medo e pela força que os poderes da Terra adquirirão, de agora em diante, o direito de dirigir os interesses morais, espirituais e físicos dos povos, mas pelo amor à liberdade.
Abelardo.
Abelardo.
A imortabilidade
Como pode um homem, e um homem inteligente, não crer na imortalidade da alma e, consequentemente, numa vida futura, que não é outra senão a do Espiritismo? Em que deveriam tornar-se esse amor imenso que a mãe vota ao filho, esses cuidados com que o cerca na tenra idade, essa solicitude esclarecida que o pai dedica à educação de um ser bem amado? Tudo isto seria, então, aniquilado no momento da morte ou da separação? Seríamos, assim, semelhantes aos animais, cujo instinto é admirável, sem dúvida, mas que não cuidam de sua progênie com ternura, senão até o momento em que ela cessa de ter necessidade dos cuidados maternos? Chegado esse momento, os pais abandonam os filhos e tudo está acabado: o corpo está criado, a alma não existe. Mas o homem não teria uma alma, e uma alma imortal! E o gênio sublime que só se pode comparar a Deus, pois dele emana, esse gênio que gera prodígios, que cria obras primas, tudo isto seria aniquilado pela morte do homem?! Profanação! Não se pode aniquilar assim as coisas que vêm de Deus. Um Rafael, um Newton, um Michelângelo, e tantos outros gênios sublimes, abarcam ainda o Universo em seu Espírito, embora seus corpos não mais existam. Não vos enganeis. Eles vivem e viverão eternamente. Quanto a se comunicarem convosco, isto é menos fácil de admitir pela maioria dos homens. Só pelo estudo e pela observação eles podem adquirir a certeza de que isso é possível.
FÉNELON.
FÉNELON.
Parábola
Em sua última travessia, um velho navio foi assaltado por terrível tempestade. Além de grande número de passageiros, transportava uma porção de mercadorias estrangeiras ao seu destino, acumuladas pela avareza e cupidez de seus donos. O perigo era iminente. Reinava a bordo a maior desordem. Os chefes se recusavam a lançar a carga fora. Suas ordens eram ignoradas, pois tinham perdido a confiança da equipagem e dos passageiros. Era necessário pensar em abandonar o navio. Puseram três embarcações no mar. Na primeira, a maior, precipitaram-se, aturdidos, os mais impacientes e os mais inexperientes, que se apressaram a remar na direção da luz que avistavam ao longe, na costa. Caíram nas mãos de uma horda de náufragos, que os despojou dos objetos preciosos que tinham recolhido às pressas e os maltratou sem piedade.
Os segundos, mais perspicazes, souberam distinguir um farol libertador em meio às luzes enganadoras que iluminavam o horizonte. Confiantes, lançaram o barco ao capricho das ondas e foram arrebentar-se nos arrecifes, ao pé do farol, do qual não haviam tirado os olhos. Foram tanto mais sensíveis à sua ruína e à perda de seus bens, quanto haviam entrevisto a salvação.
Os terceiros, pouco numerosos, mas sábios e prudentes, guiaram com cuidado o frágil barco em meio aos escolhos, e salvaram corpos e bens, sem outro mal além da fadiga da viagem.
Não vos contenteis, portanto, em vos guardardes contra os faróis dos náufragos, contra os maus Espíritos, mas sabei evitar o erro dos viajantes indolentes, que perderam seus bens e naufragaram no porto. Sabei guiar vosso barco em meio aos escolhos das paixões, e abordareis com felicidade o porto da vida eterna, ricos das virtudes que tiverdes adquirido em vossas viagens.
SÃO VICENTE DE PAULO
Os segundos, mais perspicazes, souberam distinguir um farol libertador em meio às luzes enganadoras que iluminavam o horizonte. Confiantes, lançaram o barco ao capricho das ondas e foram arrebentar-se nos arrecifes, ao pé do farol, do qual não haviam tirado os olhos. Foram tanto mais sensíveis à sua ruína e à perda de seus bens, quanto haviam entrevisto a salvação.
Os terceiros, pouco numerosos, mas sábios e prudentes, guiaram com cuidado o frágil barco em meio aos escolhos, e salvaram corpos e bens, sem outro mal além da fadiga da viagem.
Não vos contenteis, portanto, em vos guardardes contra os faróis dos náufragos, contra os maus Espíritos, mas sabei evitar o erro dos viajantes indolentes, que perderam seus bens e naufragaram no porto. Sabei guiar vosso barco em meio aos escolhos das paixões, e abordareis com felicidade o porto da vida eterna, ricos das virtudes que tiverdes adquirido em vossas viagens.
SÃO VICENTE DE PAULO
O Espiritismo
O Espiritismo está convocado a esclarecer o mundo, mas necessita de um certo tempo para progredir. Existiu desde a Criação, mas só era reconhecido por algumas pessoas, porque, em geral, a massa pouco se ocupa em meditar sobre questões espíritas. Hoje, com o auxílio desta pura doutrina, haverá uma luz nova. Deus, que não quer deixar a criatura na ignorância, permite que os Espíritos mais elevados nos venham em auxílio, para contrabalançarem o Espírito das trevas, que tenta envolver o mundo. O orgulho humano obscurece a razão e a faz cometer muitos erros. São necessários Espíritos simples e dóceis, para difundirem a luz e atenuarem todos os males. Coragem! Persisti nesta obra, que é agradável a Deus, porque ela é útil para a sua maior glória, e dela resultarão grandes bens para a salvação das almas.
FRANCISCO DE SALES
FRANCISCO DE SALES
Filosofia
Escrevei isto: O homem! Que é ele? De onde veio? Aonde vai? Deus? A Natureza? A Criação? O mundo? Sua eternidade no passado e no futuro! Limite da Natureza, relações do ser infinito com o ser particular? Passagem do infinito ao finito? ─ Perguntas que devia fazer o homem, criança ainda, quando viu pela primeira vez, com sua razão, acima da cabeça, a marcha misteriosa dos astros; sob seus pés a terra, alternativamente revestida com roupas de festa, sob o tépido sopro da primavera, ou coberta de um manto de luto, debaixo do sopro gelado do inverno; quando ele próprio, pensando, sentindo, se viu por um instante lançado nesse imenso turbilhão vital entre o ontem, dia de seu nascimento, e o amanhã, dia de sua morte. Perguntas que se fizeram todos os povos, em todas as idades e em todas as suas escolas e que, entretanto, não deixaram de ficar como enigmas para as gerações seguintes. São, contudo, questões dignas de cativar o espírito investigador do vosso século e o gênio do vosso país. Se, pois, houvesse entre vós um homem, dez homens, com a consciência da alta importância de uma missão apostólica e vontade de deixar um traço de sua passagem por aqui, para servir de ponto de referência à posteridade, eu lhes diria: Durante muito tempo transigistes com os erros e preconceitos da vossa época; para vós, a fase das manifestações materiais e físicas é passada; aquilo a que chamais de evocações experimentais já não vos pode ensinar grandes coisas, porque, na maioria dos casos, apenas a curiosidade está em jogo. Mas a era filosófica da Doutrina se aproxima. Não vos demoreis mais tempo agarrados aos batentes já carcomidos do pórtico, e penetrai corajosamente no santuário celeste, levando com firmeza a bandeira da filosofia moderna, na qual inscrevei sem medo: misticismo, racionalismo. Fazei ecletismo no ecletismo moderno; fazei-o como os Antigos, apoiando-vos na tradição histórica, mística e legendária, sempre, porém, com o cuidado de não sair da revelação, facho que nos faltou a todos, recorrendo às luzes dos Espíritos superiores, votados missionariamente à marcha do espírito humano. Esses Espíritos, por mais elevados que sejam, não sabem tudo. Só Deus o sabe. Além disso, de tudo quanto sabem, nem tudo podem revelar. Onde ficaria, então, o livre-arbítrio do homem, sua responsabilidade, o mérito e o demérito? E, como sanção, o castigo e a recompensa?
Contudo, posso balizar o caminho que vos mostro, com alguns princípios fundamentais. Portanto, escutai isto:
1º. ─ A alma tem o poder de retirar-se da matéria;
2º. ─ De elevar-se muito acima da inteligência;
3º. ─ Esse estado é superior à razão;
4º. ─ Ele pode colocar o homem em relação com aquilo que escapa às suas faculdades;
5º. ─ O homem pode provocá-lo pela prece a Deus, por um esforço constante da vontade, reduzindo a alma, por assim dizer, ao estado de pura essência, privada da atividade sensível e exterior; pela abstração, numa palavra, de tudo o que há de diverso, de múltiplo, de indeciso, de turbilhonamento, de exterioridade na alma;
6. ─ Existe no Eu concreto e complexo do homem uma força completamente ignorada até hoje. Procurai-a, portanto.
MOISÉS, PLATÃO, depois JULIANO
Contudo, posso balizar o caminho que vos mostro, com alguns princípios fundamentais. Portanto, escutai isto:
1º. ─ A alma tem o poder de retirar-se da matéria;
2º. ─ De elevar-se muito acima da inteligência;
3º. ─ Esse estado é superior à razão;
4º. ─ Ele pode colocar o homem em relação com aquilo que escapa às suas faculdades;
5º. ─ O homem pode provocá-lo pela prece a Deus, por um esforço constante da vontade, reduzindo a alma, por assim dizer, ao estado de pura essência, privada da atividade sensível e exterior; pela abstração, numa palavra, de tudo o que há de diverso, de múltiplo, de indeciso, de turbilhonamento, de exterioridade na alma;
6. ─ Existe no Eu concreto e complexo do homem uma força completamente ignorada até hoje. Procurai-a, portanto.
MOISÉS, PLATÃO, depois JULIANO
Comunicações lidas na sociedade
(PELO SR. PÊCHEUR)
Meu amigo, não sabes que todo homem que segue a via do progresso, tem sempre contra si a ignorância e a inveja? A inveja é a poeira levantada por vossos passos. Vossas idéias revoltam certos homens, porque não compreendem ou abafam no orgulho o clamor da consciência, que lhes clama: Aquilo que repeles, teu juiz o lembrará um dia; é a mão que Deus te oferece, para retirar do lodaçal onde te lançaram as paixões. Escuta por um instante a voz da razão; pensa que vives no século do dinheiro, onde o Eis domina; que o amor às riquezas te resseca o coração, carregando a consciência de muitas faltas e mesmo de crimes que serão confessados. Homens sem fé, que vos dizeis hábeis, vossa habilidade vos levará ao naufrágio; nenhuma ajuda vos será oferecida; fostes surdos às misérias alheias e soçobrareis sem que uma lágrima caía sobre vós. Parai! ainda é tempo; que o arrependimento penetre vossos corações; que ele seja sincero, e Deus vos perdoará. Procurai o infeliz que não ousa lastimar-se e que a miséria mata lentamente, e o pobre que tiverdes aliviado incluirá o vosso nome em suas preces; abençoará a mão que talvez lhe tenha salvo a filha da fome que mata e da vergonha que desonra. Infelizes de vós se fordes surdos à sua voz. Deus vos disse, pela boca sagrada do Cristo: Ama a teu irmão como a ti mesmo. Não vos deu a razão para julgardes o bem e o mal? Não vos deu um coração para vos compadecerdes dos sofrimentos dos vossos semelhantes? Não sentis que abafando a consciência abafais a voz do progresso e da caridade? Não sentis que apenas arrastais um corpo vazio? Que nada bate mais em vosso peito, o que torna incerta a vossa marcha? Porque fugistes à luz e os vossos olhos se tornaram de carne; as trevas que vos cercam vos agitam e causam medo; procurais, mas muito tarde, sair dessa via que se esboroa aos vossos pés; o medo, que não podeis definir, vos torna supersticiosos; fingis caridade; esperando resgatar a vida de egoísta, dais o tostão que o medo vos arranca, mas Deus sabe o que vos leva a agir: não podeis enganá-lo; vossa vida extinguir-se-á sem esperança, e não podeis prolongá-la por um só dia; ela extinguir-se-á a despeito de vossas riquezas, que vossos filhos ambicionam por antecipação, pois lhes destes o exemplo. Como vós, eles tem um amor único, o do ouro, único sonho de felicidade para eles. E quando soar esta hora de justiça, tereis de comparecer perante o Supremo Juiz, que tendes olvidado.
Tua Filha
Meu amigo, não sabes que todo homem que segue a via do progresso, tem sempre contra si a ignorância e a inveja? A inveja é a poeira levantada por vossos passos. Vossas idéias revoltam certos homens, porque não compreendem ou abafam no orgulho o clamor da consciência, que lhes clama: Aquilo que repeles, teu juiz o lembrará um dia; é a mão que Deus te oferece, para retirar do lodaçal onde te lançaram as paixões. Escuta por um instante a voz da razão; pensa que vives no século do dinheiro, onde o Eis domina; que o amor às riquezas te resseca o coração, carregando a consciência de muitas faltas e mesmo de crimes que serão confessados. Homens sem fé, que vos dizeis hábeis, vossa habilidade vos levará ao naufrágio; nenhuma ajuda vos será oferecida; fostes surdos às misérias alheias e soçobrareis sem que uma lágrima caía sobre vós. Parai! ainda é tempo; que o arrependimento penetre vossos corações; que ele seja sincero, e Deus vos perdoará. Procurai o infeliz que não ousa lastimar-se e que a miséria mata lentamente, e o pobre que tiverdes aliviado incluirá o vosso nome em suas preces; abençoará a mão que talvez lhe tenha salvo a filha da fome que mata e da vergonha que desonra. Infelizes de vós se fordes surdos à sua voz. Deus vos disse, pela boca sagrada do Cristo: Ama a teu irmão como a ti mesmo. Não vos deu a razão para julgardes o bem e o mal? Não vos deu um coração para vos compadecerdes dos sofrimentos dos vossos semelhantes? Não sentis que abafando a consciência abafais a voz do progresso e da caridade? Não sentis que apenas arrastais um corpo vazio? Que nada bate mais em vosso peito, o que torna incerta a vossa marcha? Porque fugistes à luz e os vossos olhos se tornaram de carne; as trevas que vos cercam vos agitam e causam medo; procurais, mas muito tarde, sair dessa via que se esboroa aos vossos pés; o medo, que não podeis definir, vos torna supersticiosos; fingis caridade; esperando resgatar a vida de egoísta, dais o tostão que o medo vos arranca, mas Deus sabe o que vos leva a agir: não podeis enganá-lo; vossa vida extinguir-se-á sem esperança, e não podeis prolongá-la por um só dia; ela extinguir-se-á a despeito de vossas riquezas, que vossos filhos ambicionam por antecipação, pois lhes destes o exemplo. Como vós, eles tem um amor único, o do ouro, único sonho de felicidade para eles. E quando soar esta hora de justiça, tereis de comparecer perante o Supremo Juiz, que tendes olvidado.
Tua Filha
A CONSCIÊNCIA
Cada homem tem em si o que chamais uma voz interior. É o que o Espírita chama de consciência, juiz severo, que preside a todas as ações de vossa vida, Quando o homem está só, escuta essa consciência e se pesa no seu justo valor Por vezes envergonha-se de si mesmo. Nesse momento reconhece Deus, mas a ignorância, conselheira fatal, o impele e lhe põe a máscara do orgulho. Ele se vos apresenta cheio do seu vazio; procura enganar-vos pelo aprumo que apresenta. Mas o homem de coração reto não tem a cabeça altaneira; escuta com proveito as palavras do sábio. Sente que nada é, e que Deus é tudo. Procura instruir-se no livro da Natureza, escrito pela mão do Criador. Seu Espírito se eleva e expulsa as paixões materiais que muitas vezes vos desviam, É um guia perigoso, essa paixão que vos arrasta. Guarda, isto, amigo: deixa rir o céptico; seu sorriso extinguir-se-á. À sua hora derradeira, o homem torna-se crente. Amigo, pensa sempre em Deus, o único que não engana. Lembra-te de que há apenas um caminho que conduz a Ele: a fé e o amor aos semelhantes.
Tua Filha
Cada homem tem em si o que chamais uma voz interior. É o que o Espírita chama de consciência, juiz severo, que preside a todas as ações de vossa vida, Quando o homem está só, escuta essa consciência e se pesa no seu justo valor Por vezes envergonha-se de si mesmo. Nesse momento reconhece Deus, mas a ignorância, conselheira fatal, o impele e lhe põe a máscara do orgulho. Ele se vos apresenta cheio do seu vazio; procura enganar-vos pelo aprumo que apresenta. Mas o homem de coração reto não tem a cabeça altaneira; escuta com proveito as palavras do sábio. Sente que nada é, e que Deus é tudo. Procura instruir-se no livro da Natureza, escrito pela mão do Criador. Seu Espírito se eleva e expulsa as paixões materiais que muitas vezes vos desviam, É um guia perigoso, essa paixão que vos arrasta. Guarda, isto, amigo: deixa rir o céptico; seu sorriso extinguir-se-á. À sua hora derradeira, o homem torna-se crente. Amigo, pensa sempre em Deus, o único que não engana. Lembra-te de que há apenas um caminho que conduz a Ele: a fé e o amor aos semelhantes.
Tua Filha
A MORADA DOS ELEITOS
(PELA SRA. DESI...)
Teu pensamento ainda está absorvido pelas coisas da Terra. Se nos queres escutar, deves esquecê-las. Tentemos conversar do alto. Que teu Espírito se eleve para essas regiões, morada dos Eleitos do Senhor. Vê esses mundos que esperam a todos os mortais, e cujos lugares estão marcados conforme o merecimento. Quanta felicidade para aquele que se compras nas coisas santas, nos grandes ensinamentos dados em nome de Deus! Ó homens! Como sois pequenos, comparados aos Espíritos desprendidos da matéria, que planam nos espaços ocupados pela glória do Senhor! Felizes os que forem chamados a habitar os mundos onde a matéria é quase apenas um nome; onde tudo é etéreo e translúcido; onde não se escutam mau os passos. A música celeste é o único ruído que chega aos sentidos, tão perfeitos que captam os menores sons, desde que estes se chamem harmonia! Que leveza a de todos os seres amados por Deus! Como percorrem deliciados essas regiões encantadas, que são o seu asilo! Ali, não há mais discórdias, inveja ou ódio; o amor tornou-se o laço destinado a unir entre si todos os seres criados. E esse amor, que lhes enche o coração, só tem Deus como limite: o fim e no qual se resumem: a fé, o amor e a caridade.
Um amigo
(OUTRA, PELO MESMO MÉDIUM)
Teu esquecimento me afligia. Não me deixes mais por tanto tempo sem me chamares. Sinto-me disposto a conversar contigo e te dar conselhos. Guarda-te de acreditar em tudo quanto outros Espíritos poderiam dizer-te; talvez tenham tomado um mau caminho. Antes de tudo, sê prudente, a fim de que Deus não te tire a missão que te encarregou de cumprir, a saber: ajudar a levar ao conhecimento dos homens revelação da existência dos Espíritos ao redor deles. Nem todos estão em condições de apreciar e compreender o elevado alcance destas coisas, cujo conhecimento Deus só permite aos eleitos. Dia virá em que esta ciência, cheia de consolação e de grandeza, será a partilha da humanidade inteira, onde não mais se encontrará um incrédulo. Os homens, então, não poderão compreender que uma verdade tão palpável tenha sido posta em dúvida por um só instante pelo mais simples dos mortais. Na verdade te digo, não passará meio século, antes que os olhos e ouvidos de todos sejam abertos a essa grande verdade: que os Espíritos circulam no espaço e ocupam diferentes mundos, conforme seu mérito aos olhos de Deus; que a verdadeira vida está na morte, e que é necessário que o homem seja muitas vezes resgatado, antes de obter a vida eterna, a que todos deverão chegar, através de mais ou menos séculos de sofrimentos, conforme tenham sido mais ou menos fiéis à voz do Senhor.
Um Amigo
(PELA SRA. DESI...)
Teu pensamento ainda está absorvido pelas coisas da Terra. Se nos queres escutar, deves esquecê-las. Tentemos conversar do alto. Que teu Espírito se eleve para essas regiões, morada dos Eleitos do Senhor. Vê esses mundos que esperam a todos os mortais, e cujos lugares estão marcados conforme o merecimento. Quanta felicidade para aquele que se compras nas coisas santas, nos grandes ensinamentos dados em nome de Deus! Ó homens! Como sois pequenos, comparados aos Espíritos desprendidos da matéria, que planam nos espaços ocupados pela glória do Senhor! Felizes os que forem chamados a habitar os mundos onde a matéria é quase apenas um nome; onde tudo é etéreo e translúcido; onde não se escutam mau os passos. A música celeste é o único ruído que chega aos sentidos, tão perfeitos que captam os menores sons, desde que estes se chamem harmonia! Que leveza a de todos os seres amados por Deus! Como percorrem deliciados essas regiões encantadas, que são o seu asilo! Ali, não há mais discórdias, inveja ou ódio; o amor tornou-se o laço destinado a unir entre si todos os seres criados. E esse amor, que lhes enche o coração, só tem Deus como limite: o fim e no qual se resumem: a fé, o amor e a caridade.
Um amigo
(OUTRA, PELO MESMO MÉDIUM)
Teu esquecimento me afligia. Não me deixes mais por tanto tempo sem me chamares. Sinto-me disposto a conversar contigo e te dar conselhos. Guarda-te de acreditar em tudo quanto outros Espíritos poderiam dizer-te; talvez tenham tomado um mau caminho. Antes de tudo, sê prudente, a fim de que Deus não te tire a missão que te encarregou de cumprir, a saber: ajudar a levar ao conhecimento dos homens revelação da existência dos Espíritos ao redor deles. Nem todos estão em condições de apreciar e compreender o elevado alcance destas coisas, cujo conhecimento Deus só permite aos eleitos. Dia virá em que esta ciência, cheia de consolação e de grandeza, será a partilha da humanidade inteira, onde não mais se encontrará um incrédulo. Os homens, então, não poderão compreender que uma verdade tão palpável tenha sido posta em dúvida por um só instante pelo mais simples dos mortais. Na verdade te digo, não passará meio século, antes que os olhos e ouvidos de todos sejam abertos a essa grande verdade: que os Espíritos circulam no espaço e ocupam diferentes mundos, conforme seu mérito aos olhos de Deus; que a verdadeira vida está na morte, e que é necessário que o homem seja muitas vezes resgatado, antes de obter a vida eterna, a que todos deverão chegar, através de mais ou menos séculos de sofrimentos, conforme tenham sido mais ou menos fiéis à voz do Senhor.
Um Amigo
O ESPÍRITO E O JULGAMENTO
(PELA SRA. NETZ)
A liberdade do homem é toda individual; nasceu livre, mas essa liberdade por vezes é a sua desgraça. Liberdade moral, liberdade física, tudo ele reuniu, mas muitas vezes lhe falta o discernimento, aquilo a que chamais bom senso. Se um homem tiver muito espírito e lhe faltar esta última qualidade, é como se nada tivesse, pois o que fará o seu espírito, se não pode governá-lo, se não tem a necessária inteligência para se conduzir, se julga marchar em boa via, quando está no lodaçal, se sempre se julga com a razão, quando muitas vezes está errado? O discernimento pode tomar o lugar do espírito, mas este, jamais substituirá o discernimento, E uma qualidade necessária; e, quando não a temos, todos os esforços devem ser feitos para adquiri-la.
Um Espírito Familiar
(PELA SRA. NETZ)
A liberdade do homem é toda individual; nasceu livre, mas essa liberdade por vezes é a sua desgraça. Liberdade moral, liberdade física, tudo ele reuniu, mas muitas vezes lhe falta o discernimento, aquilo a que chamais bom senso. Se um homem tiver muito espírito e lhe faltar esta última qualidade, é como se nada tivesse, pois o que fará o seu espírito, se não pode governá-lo, se não tem a necessária inteligência para se conduzir, se julga marchar em boa via, quando está no lodaçal, se sempre se julga com a razão, quando muitas vezes está errado? O discernimento pode tomar o lugar do espírito, mas este, jamais substituirá o discernimento, E uma qualidade necessária; e, quando não a temos, todos os esforços devem ser feitos para adquiri-la.
Um Espírito Familiar
O INCRÉDULO
(PELA SRA. L...)
Vossa doutrina é bela e santa. Sua primeira baliza está plantada; e solidamente plantada. Agora só tendes que marchar. O caminho que vos é aberto é grande e majestoso. Feliz o que chegar ao porto. Quanto mais prosélitos houver feito, mais lhe será contado. Mas para isto não se deve abraçar a doutrina friamente: é necessário ardor, e este ardor será dobrado, porque Deus está sempre convosco quando fazeis o bem. Aqueles que trouxerdes serão outras tantas ovelhas entradas no redil. Pobres ovelhas meio tresmalhadas! Crede que o mais céptico, o mais ateu, o mais incrédulo, enfim, tem sempre um cantinho no coração que eledesejaria esconder a si mesmo. Muito bem! É esse cantinho que eledeve procurar, que deve encontrar, e é esse lado vulnerável que deve atacar. E uma pequena brecha deixada intencionalmente por Deus, para facilitar à sua criatura o meio de voltar ao seu seio.
São BENTO.
(PELA SRA. L...)
Vossa doutrina é bela e santa. Sua primeira baliza está plantada; e solidamente plantada. Agora só tendes que marchar. O caminho que vos é aberto é grande e majestoso. Feliz o que chegar ao porto. Quanto mais prosélitos houver feito, mais lhe será contado. Mas para isto não se deve abraçar a doutrina friamente: é necessário ardor, e este ardor será dobrado, porque Deus está sempre convosco quando fazeis o bem. Aqueles que trouxerdes serão outras tantas ovelhas entradas no redil. Pobres ovelhas meio tresmalhadas! Crede que o mais céptico, o mais ateu, o mais incrédulo, enfim, tem sempre um cantinho no coração que eledesejaria esconder a si mesmo. Muito bem! É esse cantinho que eledeve procurar, que deve encontrar, e é esse lado vulnerável que deve atacar. E uma pequena brecha deixada intencionalmente por Deus, para facilitar à sua criatura o meio de voltar ao seu seio.
São BENTO.
O SOBRENATURAL
(PELO SR. RABACHE, DE BORDÉUS)
Meus filhos, vosso pai fez bem em vos chamar a atenção para os fenômenos produzidos nas sessões, que vos ocupam há alguns dias. A julgá-los conforme a instrução de certos Espíritos sectários, ignorantes ou dominadores, tais efeitos são sobrenaturais. Não creiais nisso, meus filhos; nada do que acontece é sobrenatural; se fosse, o bom senso diz que só aconteceria fora da Natureza e, então, não o veríeis. Para que vossos olhos e demais sentidos percebam uma coisa, é de todo necessário que essa coisa seja natural. Com um pouco de reflexão não há um Espírito sério que consinta em crer em coisas sobrenaturais. Com isto não quero dizer que não haja coisas que tal não pareçam à vossa inteligência, mas a única razão para isto é que não as compreendeis, Quando um fato vos parece fugir do que julgais natural, guardai-vos contra essa preguiça de espírito que vos induziria a crer que seja sobrenatural. Buscai compreender. Para isto vos foi dada a inteligência. Para que vos serviria ela, se tivésseis de vos contentar com aprender e crer no que ensinaram os predecessores? É preciso que cada um ponha a inteligência a serviço do progresso, que é obra coletiva de todos. Já que sois dotados de pensamento, pensai; já que tendes a razão —que não existe ator — examinai e julgai. Não aceiteis julgamentos acabados, senão depois de passados pelo crivo da razão. Duvidai longamente, se não tiverdes certeza, mas não negueis jamais aquilo que não compreendeis. Examinai seriamente. Só o preguiçoso, o não inteligente, o indiferente, aceitam como verdadeiro ou falso tudo quanto ouvem afirmar ou negar. Enfim, meus filhos, fazei esforços para vos tomardes sérios e úteis, a fim de bem cumprirdes a missão que vos está confiada. Nunca é demasiado cedo para vos ocupardes do bem e do que é bom.
Começai, pois, cedo, a vos ocupardes das coisas sérias, O tempo das futilidades é sempre longo: é inútil para o Vosso progresso, o qual nem por um instante deve ser perdido de vista. As coisas da Terra nada são; servem à vossa passagem para outro estado, que será. tanto mais perfeito, quanto melhor preparados estiverdes.
— Vossa avó.
(PELO SR. RABACHE, DE BORDÉUS)
Meus filhos, vosso pai fez bem em vos chamar a atenção para os fenômenos produzidos nas sessões, que vos ocupam há alguns dias. A julgá-los conforme a instrução de certos Espíritos sectários, ignorantes ou dominadores, tais efeitos são sobrenaturais. Não creiais nisso, meus filhos; nada do que acontece é sobrenatural; se fosse, o bom senso diz que só aconteceria fora da Natureza e, então, não o veríeis. Para que vossos olhos e demais sentidos percebam uma coisa, é de todo necessário que essa coisa seja natural. Com um pouco de reflexão não há um Espírito sério que consinta em crer em coisas sobrenaturais. Com isto não quero dizer que não haja coisas que tal não pareçam à vossa inteligência, mas a única razão para isto é que não as compreendeis, Quando um fato vos parece fugir do que julgais natural, guardai-vos contra essa preguiça de espírito que vos induziria a crer que seja sobrenatural. Buscai compreender. Para isto vos foi dada a inteligência. Para que vos serviria ela, se tivésseis de vos contentar com aprender e crer no que ensinaram os predecessores? É preciso que cada um ponha a inteligência a serviço do progresso, que é obra coletiva de todos. Já que sois dotados de pensamento, pensai; já que tendes a razão —que não existe ator — examinai e julgai. Não aceiteis julgamentos acabados, senão depois de passados pelo crivo da razão. Duvidai longamente, se não tiverdes certeza, mas não negueis jamais aquilo que não compreendeis. Examinai seriamente. Só o preguiçoso, o não inteligente, o indiferente, aceitam como verdadeiro ou falso tudo quanto ouvem afirmar ou negar. Enfim, meus filhos, fazei esforços para vos tomardes sérios e úteis, a fim de bem cumprirdes a missão que vos está confiada. Nunca é demasiado cedo para vos ocupardes do bem e do que é bom.
Começai, pois, cedo, a vos ocupardes das coisas sérias, O tempo das futilidades é sempre longo: é inútil para o Vosso progresso, o qual nem por um instante deve ser perdido de vista. As coisas da Terra nada são; servem à vossa passagem para outro estado, que será. tanto mais perfeito, quanto melhor preparados estiverdes.
— Vossa avó.