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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860 > Maio
Maio
BoletimAssuntos administrativos:
O Sr. Ledoyen, tesoureiro, apresenta o balanço da situação financeira da Sociedade no segundo semestre do ano social, terminado a 30 de março de 1860. O balanço é aprovado.
Comunicações diversas:
1.º ─ O Sr. Chuard, de Lyon, homenageia a Sociedade com duas brochuras, contendo a primeira uma Ode sacra sobre a imortalidade da alma, e a segunda, uma Sátira sobre as sociedades em comandita. A Sociedade agradece ao autor e, embora uma dessas brochuras, sobretudo, seja estranha aos objetivos de seus trabalhos, irão para a sua biblioteca.
2.º ─ Leitura de três cartas do Sr. Morhéry sobre as curas operadas pela senhorita Godu, médium curadora que foi morar em casa dele e se colocou sob seu patrocínio. O Sr. Morhéry, como homem de ciência, observa os efeitos do tratamento praticado por essa senhorita em diversos doentes de que cuida. Ele faz uma ficha detalhada, como se faz numa sala de clínica, e até constatou, em curto prazo, resultados prodigiosos.
O Sr. Presidente acrescenta que a Sociedade tem duplo motivo para interessarse pela senhorita Godu. Além da simpatia que naturalmente excitam os exemplos de caridade e de desinteresse, tão raros em nossos dias, do ponto de vista espírita essa jovem lhe oferece preciosa matéria para estudo, pois goza de uma faculdade de certo modo excepcional. A gente interessar-se-ia por um médium de efeitos físicos que produzisse fenômenos extraordinários; não poderia ver com mais indiferença aquele cujas faculdades são proveitosas à Humanidade, e que, além disso, nos revela uma nova força da Natureza.
3.º ─ Carta do Sr. Conde de R..., sócio titular que partiu para o Brasil e que se acha agora retido no porto de Cherburgo, devido ao mau tempo. Ele pede à Sociedade que o evoque na presente sessão, se possível.
O Sr. T... observa que a mesma pessoa já foi evocada duas vezes, e que uma terceira parece supérflua.
O Sr. Allan Kardec responde que, sendo o estudo o objetivo da Sociedade, a mesma pessoa poderá oferecer observações úteis na terceira vez, tanto quanto na primeira e na segunda. Aliás, a experiência prova que o Espírito é tanto mais lúcido e explícito quanto mais se comunica e, de certo modo, se identifica com o médium que lhe serve de instrumento. No presente caso, não se trata de satisfazer a um capricho ou a uma vã curiosidade. Em suas evocações, a Sociedade não procura nem encantamento nem diversão. Ela quer instruir-se. Ora, o fato de encontrar-se o Sr. de R... em situação completamente diferente daquela em que foi evocado, pode dar lugar a novas observações.
Consultado sobre a oportunidade da evocação, responde São Luís que ela não se poderia fazer no momento.
Estudos:
1.º ─ Dois ditados espontâneos, um de São Luís, pela Srta. Huet, e outro de Charlet, pelo Sr. Didier filho.
2.º ─ Perguntas diversas feitas a São Luís sobre o Espírito que se comunicou espontaneamente na última sessão, com o nome de Being, pela Sra. de Boyer, e que é acusado de tentar semear perturbação e discórdia e de ter interferido em várias comunicações. Das respostas obtidas ressalta um ensinamento interessante sobre a maneira como agem os Espíritos uns sobre outros.
3.º ─ O Sr. R. propõe a evocação de um de seus amigos desaparecido desde 1848 e do qual não se teve mais notícias. Visto o adiantado da hora, a evocação foi adiada para uma próxima sessão.
A Sociedade decide que não se reunirá na sexta-feira santa, dia 6 de abril. A partir de 20 de abril as sessões serão na nova sede da Sociedade, na Rua SainteAnne, 59, Passagem de Sainte-Anne.
SEXTA-FEIRA, 13 DE ABRIL (SESSÃO PARTICULAR) Assuntos administrativos:
Aprovação de quatro novos sócios como membros livres.
A Sociedade confirma o título de membro honorário a cinco sócios antes aprovados.
Comunicações diversas:
A Sra. Desl..., membro da Sociedade, tendo feito uma viagem a Dieppe, foi até Grandes-Ventes, onde ouviu, do próprio Sr. Goubert, padeiro, a confirmação de todos os fatos relatados no número de março, e com detalhes mais circunstanciados. Ela constatou, pelo exame dos lugares, que, sobretudo quanto a certos fatos, a fraude era impossível. Das informações obtidas parece resultar que tais fenômenos tiveram como causa a presença de um rapaz que desde algum tempo estava a serviço do padeiro, graças ao qual coisas semelhantes ocorreram em outras casas. Sendo esses fenômenos independentes da vontade do médium, pode ele ser classificado na categoria dos médiuns naturais ou involuntários, de efeitos físicos. Desde que deixou a casa do Sr. Goubert, nada se repetiu.
Estudos:
1.º ─ Ditados espontâneos obtidos por três médiuns.
2.º ─ Evocação do Dr. Vogel, viajante no interior da África, onde foi assassinado. A evocação não deu os resultados esperados. O Espírito declara-se sofredor e reclama preces que o ajudem a sair da perturbação em que ainda se encontra. Diz que mais tarde poderá ser mais explícito.
Como assunto de estudo, propõe o Sr. Allan Kardec o exame aprofundado e minucioso de certas mensagens espontâneas e de outras, que poderiam ser analisadas e comentadas, como se faz com as críticas literárias. Tal gênero de estudo teria a dupla vantagem de exercitar a apreciação do valor das comunicações espíritas e, em segundo lugar e em consequência da mesma apreciação, de desencorajar os Espíritos enganadores que, vendo suas palavras epilogadas, controladas pela razão e finalmente repelidas, desde que tenham um cunho suspeito, acabariam por compreender que perdem seu tempo. Quanto aos Espíritos sérios, poderiam ser chamados para darem explicações e desenvolvimentos sobre os pontos de suas comunicações que necessitassem de elucidação.
A Sociedade aprova tal proposta.
SEXTA-FEIRA, 20 DE ABRIL DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR) Correspondência:
1.º ─ Carta do Sr. J..., de Saint-Étienne, membro titular. A carta contém apreciações muito justas sobre o Espiritismo e prova que o autor o compreende sob seu verdadeiro ponto de vista.
2.º ─ Carta do Sr. L..., operário de Troyes, com reflexões quanto à influência moralizadora da Doutrina Espírita sobre as classes laboriosas. Convida os adeptos sérios a se ocuparem de propagá-la em suas fileiras, no interesse da ordem, visando nelas reanimar os sentimentos religiosos que se extinguem dando lugar ao cepticismo que é a chaga do nosso século e a negação de toda responsabilidade moral.
Esses dois senhores já declararam, em outras cartas, que jamais viram algo em matéria de Espiritismo prático, mas que nem por isso estão menos firmemente convencidos, considerando tão somente o alcance filosófico da Ciência. O Presidente chama a atenção, a tal respeito, de que diariamente tem exemplos semelhantes, não da parte de gente que acredita cegamente, mas, ao contrário, da parte dos que refletem e se dão ao trabalho de compreender. Para estes, a parte filosófica é o principal, porque explica o que nenhuma outra filosofia resolveu. O fato das manifestações é acessório.
3.º ─ Carta do Sr. Dumas, de Sétif, Argélia, membro da Sociedade, transmitindo novos detalhes interessantes sobre fatos de cujos resultados foi testemunha. Cita principalmente um jovem médium que apresenta um fenômeno singular, o de entrar espontaneamente, sem ser magnetizado, numa espécie de sonambulismo, toda vez que se quer fazer uma evocação por seu intermédio, e nesse estado escreve ou diz verbalmente as respostas às perguntas feitas.
Comunicações diversas:
1.º ─ A Sra. R..., do Jura, membro correspondente da Sociedade, transmite um fato curioso, que lhe é pessoal. Trata-se de um velho relógio, ao qual se ligam tradições de família, e que parece ser submetido a uma influência singular e inteligente, em determinadas circunstâncias.
2.º ─ Leitura de uma comunicação dada numa outra reunião espírita e assinada por Joana d’Arc. Contém excelentes conselhos aos médiuns, sobre as causas que podem aniquilar ou perverter suas faculdades mediúnicas. (Publicada adiante).
3.º ─ O Sr. Col... inicia a leitura de uma evocação de São Lucas, evangelista, por ele feita particularmente.
Percebendo que na evocação são tratadas diversas questões de dogmas religiosos, interrompe a leitura em virtude do regulamento que proíbe tratar de tais assuntos.
O Sr. Col... observa que, não tendo a comunicação nada de ortodoxo, não tinha pensado houvesse inconveniente em lê-la.
Objeta o presidente que as respostas sempre supõem perguntas. Ora, sejam as respostas ortodoxas ou não, não deixam de dar lugar à suposição de que a Sociedade se ocupa de coisas que lhe são interditas. Uma outra consideração vem corroborar esses motivos: é que entre os membros, há aqueles que pertencem a diferentes cultos; o que para uns seria ortodoxo, poderia não ser para outros, o que é uma razão para nos abstermos. Aliás, o regulamento prescreve o exame prévio de toda comunicação obtida fora da Sociedade. Tal medida deve ser rigorosamente observada.
Estudos:
Evocação do Sr. B..., amigo do Sr. Royer, desaparecido de casa desde 25 de junho de 1848. Dá algumas informações sobre sua morte acidental, quando das perturbações dessa época. O Sr. Royer lhe reconhece a identidade por sua linguagem e por algumas particularidades íntimas.
SEXTA-FEIRA, 27 DE ABRIL DE 1860 (SESSÃO GERAL) Comunicações diversas:
1.º ─ Carta do Dr. Morhéry, com novos estudos sobre as curas obtidas com o concurso da senhorita Godu, por meio daquilo que se pode chamar a medicina intuitiva. (Publicada a seguir).
2.º ─ A propósito da medicina intuitiva, o Sr. C..., um dos ouvintes presentes à sessão, convidado pelo presidente, dá informações do mais alto interesse sobre o poder curador de que desfrutam certas castas negras. Natural do Hindustão e de origem indiana, o Sr. C... foi testemunha ocular de numerosos fatos desse gênero, mas dos quais, na época, não se dava conta. Hoje ele encontra a chave no Espiritismo e no magnetismo. Os negros curadores fazem largo uso de certas plantas, mas muitas vezes se contentam com apalpar e friccionar o doente, agindo conforme as indicações de vozes ocultas que lhes falam.
3.º ─ Fato curioso de intuição circunstanciada de uma existência anterior. A pessoa em questão, que consigna o fato numa carta a um de seus amigos, o qual a leu, diz que desde sua infância ela tem uma lembrança precisa de haver perecido durante os massacres de São Bartolomeu e se recorda até mesmo de detalhes de sua morte, dos lugares, etc. As circunstâncias não permitem ver nesse pensamento um produto de imaginação exaltada, porque tal lembrança remonta a uma época na qual não se tratava nem de Espíritos nem de reencarnação.
4.º ─ O Sr. Georges G..., de Marselha, transmite o seguinte fato: Um jovem morreu há oito meses, e sua família, na qual há três irmãs médiuns, o evoca quase que diariamente, servindo-se de uma cesta. Cada vez que o Espírito é chamado, um cãozinho, do qual gostava muito, pula sobre a mesa e vem cheirar a cesta, grunhindo. A primeira vez que tal aconteceu, a cesta escreveu espontaneamente: Meu bravo cachorrinho, que me reconhece.
Diz o Sr. G...: Posso assegurar-vos a realidade do fato. Não o vi, mas as pessoas que o contam, e que várias vazes o testemunharam, são muito bons espíritas e muito sérias para que eu duvide de sua sinceridade. Eu me pergunto, depois disto, se o perispírito, mesmo não tangível, tem um aroma qualquer, ou se certos animais são dotados de uma espécie de mediunidade.
Um estudo especial será feito posteriormente sobre este interessante assunto, sobre o qual outros fatos não menos curiosos parecem lançar alguma luz.
5.º ─ Constatação da presença de um mau Espírito trazido a uma reunião particular por um visitante, de onde se pode deduzir a influência exercida pela presença de certas pessoas, em determinadas circunstâncias.
6.º ─ Leitura de uma evocação particular feita pelo Sr. Allan Kardec, de uma das principais convulsionárias de Saint-Médard, falecida em 1830, e em presença de sua própria filha, que constatou a identidade do Espírito evocado. Sob vários aspectos, a evocação apresenta um alto grau de ensino, e confere um interesse particular às circunstâncias em que foi feita. (Será publicada).
Estudos:
1.º ─ Ditado espontâneo obtido por intermédio da Sra. P...
2.º ─ Evocação de Stevens, companheiro de Georges Brown.
O Sr. Ledoyen, tesoureiro, apresenta o balanço da situação financeira da Sociedade no segundo semestre do ano social, terminado a 30 de março de 1860. O balanço é aprovado.
Comunicações diversas:
1.º ─ O Sr. Chuard, de Lyon, homenageia a Sociedade com duas brochuras, contendo a primeira uma Ode sacra sobre a imortalidade da alma, e a segunda, uma Sátira sobre as sociedades em comandita. A Sociedade agradece ao autor e, embora uma dessas brochuras, sobretudo, seja estranha aos objetivos de seus trabalhos, irão para a sua biblioteca.
2.º ─ Leitura de três cartas do Sr. Morhéry sobre as curas operadas pela senhorita Godu, médium curadora que foi morar em casa dele e se colocou sob seu patrocínio. O Sr. Morhéry, como homem de ciência, observa os efeitos do tratamento praticado por essa senhorita em diversos doentes de que cuida. Ele faz uma ficha detalhada, como se faz numa sala de clínica, e até constatou, em curto prazo, resultados prodigiosos.
O Sr. Presidente acrescenta que a Sociedade tem duplo motivo para interessarse pela senhorita Godu. Além da simpatia que naturalmente excitam os exemplos de caridade e de desinteresse, tão raros em nossos dias, do ponto de vista espírita essa jovem lhe oferece preciosa matéria para estudo, pois goza de uma faculdade de certo modo excepcional. A gente interessar-se-ia por um médium de efeitos físicos que produzisse fenômenos extraordinários; não poderia ver com mais indiferença aquele cujas faculdades são proveitosas à Humanidade, e que, além disso, nos revela uma nova força da Natureza.
3.º ─ Carta do Sr. Conde de R..., sócio titular que partiu para o Brasil e que se acha agora retido no porto de Cherburgo, devido ao mau tempo. Ele pede à Sociedade que o evoque na presente sessão, se possível.
O Sr. T... observa que a mesma pessoa já foi evocada duas vezes, e que uma terceira parece supérflua.
O Sr. Allan Kardec responde que, sendo o estudo o objetivo da Sociedade, a mesma pessoa poderá oferecer observações úteis na terceira vez, tanto quanto na primeira e na segunda. Aliás, a experiência prova que o Espírito é tanto mais lúcido e explícito quanto mais se comunica e, de certo modo, se identifica com o médium que lhe serve de instrumento. No presente caso, não se trata de satisfazer a um capricho ou a uma vã curiosidade. Em suas evocações, a Sociedade não procura nem encantamento nem diversão. Ela quer instruir-se. Ora, o fato de encontrar-se o Sr. de R... em situação completamente diferente daquela em que foi evocado, pode dar lugar a novas observações.
Consultado sobre a oportunidade da evocação, responde São Luís que ela não se poderia fazer no momento.
Estudos:
1.º ─ Dois ditados espontâneos, um de São Luís, pela Srta. Huet, e outro de Charlet, pelo Sr. Didier filho.
2.º ─ Perguntas diversas feitas a São Luís sobre o Espírito que se comunicou espontaneamente na última sessão, com o nome de Being, pela Sra. de Boyer, e que é acusado de tentar semear perturbação e discórdia e de ter interferido em várias comunicações. Das respostas obtidas ressalta um ensinamento interessante sobre a maneira como agem os Espíritos uns sobre outros.
3.º ─ O Sr. R. propõe a evocação de um de seus amigos desaparecido desde 1848 e do qual não se teve mais notícias. Visto o adiantado da hora, a evocação foi adiada para uma próxima sessão.
A Sociedade decide que não se reunirá na sexta-feira santa, dia 6 de abril. A partir de 20 de abril as sessões serão na nova sede da Sociedade, na Rua SainteAnne, 59, Passagem de Sainte-Anne.
SEXTA-FEIRA, 13 DE ABRIL (SESSÃO PARTICULAR) Assuntos administrativos:
Aprovação de quatro novos sócios como membros livres.
A Sociedade confirma o título de membro honorário a cinco sócios antes aprovados.
Comunicações diversas:
A Sra. Desl..., membro da Sociedade, tendo feito uma viagem a Dieppe, foi até Grandes-Ventes, onde ouviu, do próprio Sr. Goubert, padeiro, a confirmação de todos os fatos relatados no número de março, e com detalhes mais circunstanciados. Ela constatou, pelo exame dos lugares, que, sobretudo quanto a certos fatos, a fraude era impossível. Das informações obtidas parece resultar que tais fenômenos tiveram como causa a presença de um rapaz que desde algum tempo estava a serviço do padeiro, graças ao qual coisas semelhantes ocorreram em outras casas. Sendo esses fenômenos independentes da vontade do médium, pode ele ser classificado na categoria dos médiuns naturais ou involuntários, de efeitos físicos. Desde que deixou a casa do Sr. Goubert, nada se repetiu.
Estudos:
1.º ─ Ditados espontâneos obtidos por três médiuns.
2.º ─ Evocação do Dr. Vogel, viajante no interior da África, onde foi assassinado. A evocação não deu os resultados esperados. O Espírito declara-se sofredor e reclama preces que o ajudem a sair da perturbação em que ainda se encontra. Diz que mais tarde poderá ser mais explícito.
Como assunto de estudo, propõe o Sr. Allan Kardec o exame aprofundado e minucioso de certas mensagens espontâneas e de outras, que poderiam ser analisadas e comentadas, como se faz com as críticas literárias. Tal gênero de estudo teria a dupla vantagem de exercitar a apreciação do valor das comunicações espíritas e, em segundo lugar e em consequência da mesma apreciação, de desencorajar os Espíritos enganadores que, vendo suas palavras epilogadas, controladas pela razão e finalmente repelidas, desde que tenham um cunho suspeito, acabariam por compreender que perdem seu tempo. Quanto aos Espíritos sérios, poderiam ser chamados para darem explicações e desenvolvimentos sobre os pontos de suas comunicações que necessitassem de elucidação.
A Sociedade aprova tal proposta.
SEXTA-FEIRA, 20 DE ABRIL DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR) Correspondência:
1.º ─ Carta do Sr. J..., de Saint-Étienne, membro titular. A carta contém apreciações muito justas sobre o Espiritismo e prova que o autor o compreende sob seu verdadeiro ponto de vista.
2.º ─ Carta do Sr. L..., operário de Troyes, com reflexões quanto à influência moralizadora da Doutrina Espírita sobre as classes laboriosas. Convida os adeptos sérios a se ocuparem de propagá-la em suas fileiras, no interesse da ordem, visando nelas reanimar os sentimentos religiosos que se extinguem dando lugar ao cepticismo que é a chaga do nosso século e a negação de toda responsabilidade moral.
Esses dois senhores já declararam, em outras cartas, que jamais viram algo em matéria de Espiritismo prático, mas que nem por isso estão menos firmemente convencidos, considerando tão somente o alcance filosófico da Ciência. O Presidente chama a atenção, a tal respeito, de que diariamente tem exemplos semelhantes, não da parte de gente que acredita cegamente, mas, ao contrário, da parte dos que refletem e se dão ao trabalho de compreender. Para estes, a parte filosófica é o principal, porque explica o que nenhuma outra filosofia resolveu. O fato das manifestações é acessório.
3.º ─ Carta do Sr. Dumas, de Sétif, Argélia, membro da Sociedade, transmitindo novos detalhes interessantes sobre fatos de cujos resultados foi testemunha. Cita principalmente um jovem médium que apresenta um fenômeno singular, o de entrar espontaneamente, sem ser magnetizado, numa espécie de sonambulismo, toda vez que se quer fazer uma evocação por seu intermédio, e nesse estado escreve ou diz verbalmente as respostas às perguntas feitas.
Comunicações diversas:
1.º ─ A Sra. R..., do Jura, membro correspondente da Sociedade, transmite um fato curioso, que lhe é pessoal. Trata-se de um velho relógio, ao qual se ligam tradições de família, e que parece ser submetido a uma influência singular e inteligente, em determinadas circunstâncias.
2.º ─ Leitura de uma comunicação dada numa outra reunião espírita e assinada por Joana d’Arc. Contém excelentes conselhos aos médiuns, sobre as causas que podem aniquilar ou perverter suas faculdades mediúnicas. (Publicada adiante).
3.º ─ O Sr. Col... inicia a leitura de uma evocação de São Lucas, evangelista, por ele feita particularmente.
Percebendo que na evocação são tratadas diversas questões de dogmas religiosos, interrompe a leitura em virtude do regulamento que proíbe tratar de tais assuntos.
O Sr. Col... observa que, não tendo a comunicação nada de ortodoxo, não tinha pensado houvesse inconveniente em lê-la.
Objeta o presidente que as respostas sempre supõem perguntas. Ora, sejam as respostas ortodoxas ou não, não deixam de dar lugar à suposição de que a Sociedade se ocupa de coisas que lhe são interditas. Uma outra consideração vem corroborar esses motivos: é que entre os membros, há aqueles que pertencem a diferentes cultos; o que para uns seria ortodoxo, poderia não ser para outros, o que é uma razão para nos abstermos. Aliás, o regulamento prescreve o exame prévio de toda comunicação obtida fora da Sociedade. Tal medida deve ser rigorosamente observada.
Estudos:
Evocação do Sr. B..., amigo do Sr. Royer, desaparecido de casa desde 25 de junho de 1848. Dá algumas informações sobre sua morte acidental, quando das perturbações dessa época. O Sr. Royer lhe reconhece a identidade por sua linguagem e por algumas particularidades íntimas.
SEXTA-FEIRA, 27 DE ABRIL DE 1860 (SESSÃO GERAL) Comunicações diversas:
1.º ─ Carta do Dr. Morhéry, com novos estudos sobre as curas obtidas com o concurso da senhorita Godu, por meio daquilo que se pode chamar a medicina intuitiva. (Publicada a seguir).
2.º ─ A propósito da medicina intuitiva, o Sr. C..., um dos ouvintes presentes à sessão, convidado pelo presidente, dá informações do mais alto interesse sobre o poder curador de que desfrutam certas castas negras. Natural do Hindustão e de origem indiana, o Sr. C... foi testemunha ocular de numerosos fatos desse gênero, mas dos quais, na época, não se dava conta. Hoje ele encontra a chave no Espiritismo e no magnetismo. Os negros curadores fazem largo uso de certas plantas, mas muitas vezes se contentam com apalpar e friccionar o doente, agindo conforme as indicações de vozes ocultas que lhes falam.
3.º ─ Fato curioso de intuição circunstanciada de uma existência anterior. A pessoa em questão, que consigna o fato numa carta a um de seus amigos, o qual a leu, diz que desde sua infância ela tem uma lembrança precisa de haver perecido durante os massacres de São Bartolomeu e se recorda até mesmo de detalhes de sua morte, dos lugares, etc. As circunstâncias não permitem ver nesse pensamento um produto de imaginação exaltada, porque tal lembrança remonta a uma época na qual não se tratava nem de Espíritos nem de reencarnação.
4.º ─ O Sr. Georges G..., de Marselha, transmite o seguinte fato: Um jovem morreu há oito meses, e sua família, na qual há três irmãs médiuns, o evoca quase que diariamente, servindo-se de uma cesta. Cada vez que o Espírito é chamado, um cãozinho, do qual gostava muito, pula sobre a mesa e vem cheirar a cesta, grunhindo. A primeira vez que tal aconteceu, a cesta escreveu espontaneamente: Meu bravo cachorrinho, que me reconhece.
Diz o Sr. G...: Posso assegurar-vos a realidade do fato. Não o vi, mas as pessoas que o contam, e que várias vazes o testemunharam, são muito bons espíritas e muito sérias para que eu duvide de sua sinceridade. Eu me pergunto, depois disto, se o perispírito, mesmo não tangível, tem um aroma qualquer, ou se certos animais são dotados de uma espécie de mediunidade.
Um estudo especial será feito posteriormente sobre este interessante assunto, sobre o qual outros fatos não menos curiosos parecem lançar alguma luz.
5.º ─ Constatação da presença de um mau Espírito trazido a uma reunião particular por um visitante, de onde se pode deduzir a influência exercida pela presença de certas pessoas, em determinadas circunstâncias.
6.º ─ Leitura de uma evocação particular feita pelo Sr. Allan Kardec, de uma das principais convulsionárias de Saint-Médard, falecida em 1830, e em presença de sua própria filha, que constatou a identidade do Espírito evocado. Sob vários aspectos, a evocação apresenta um alto grau de ensino, e confere um interesse particular às circunstâncias em que foi feita. (Será publicada).
Estudos:
1.º ─ Ditado espontâneo obtido por intermédio da Sra. P...
2.º ─ Evocação de Stevens, companheiro de Georges Brown.
História do Espírito familiar do senhor de Corasse
Devemos à gentileza de um dos nossos assinantes a notícia que segue, tirada das crônicas de Froissard, e que prova não serem os Espíritos uma descoberta moderna. Pedimos licença aos leitores para relatá-la no estilo da época (século XIV). Ela perderia sua originalidade, se transposta para a linguagem moderna.
A batalha de Juberoth é célebre nas crônicas antigas. Ocorreu durante a guerra que João, rei de Castela, e Diniz, rei de Portugal, travaram para sustentar suas respectivas pretensões sobre este último reino. Os castelhanos e os bearneses foram feitos em pedaços. O fato que Froissard relata por essa ocasião é dos mais singulares. Lê-se no capítulo XVI do Livro III de sua crônica que, no dia seguinte à batalha, o Conde de Foix foi informado de sua realização, o que a distância dos lugares tornava inconcebível na época. É um escudeiro do Conde de Foix que conta a Froissard o fato em questão: “Todo o dia de domingo, e o dia de segunda-feira e o de terça-feira seguinte, o Conde de Foix, estando em seu castelo em Ortais, tinha a cara tão fechada e tão dura, que não se lhe arrancava uma palavra; e durante esses três dias também não quis sair de seu quarto, nem falar a cavaleiro, nem a escudeiro, por mais próximo que estivesse, se não o chamasse; e ainda aconteceu que afastou aqueles, a quem não deu uma só palavra naqueles três dias. Quando chegou terçafeira à noite, ele chamou seu irmão Arnaldo-Guilherme, e lhe disse baixinho:
“─ Nossa gente teve luta que me enfureceu, porque foram assaltados em viagem, como eu lhes disse ao partirem.
“Arnaldo-Guilherme, que é um homem muito prudente e um cavaleiro astuto, e que conhecia a maneira e a condição de seu irmão, calou-se, e o Conde, que desejava experimentar sua coragem, porque durante muito tempo tinha suportado seu aborrecimento, tomou ainda a palavra e falou mais alto do que o tinha feito da primeira vez, e disse:
“─ Por Deus, Senhor Arnaldo, é assim como vos digo, e em breve teremos notícias, mas nunca o país de Béarn perdeu tanto, desde cem anos até este dia, como perdeu desta vez em Portugal. Vários cavaleiros e escudeiros que estavam presentes, e que viram e ouviram o Conde, não ousaram falar.
“E então, dez dias após, soube-se a verdade, por aqueles que por dever lá haviam estado, e que lhe contaram primeiramente e em seguida a todos quantos quisessem ouvir, todas as coisas, na forma e maneira por que tinham acontecido em Juberoth. Isto renovou o pesar do Conde e dos de seu país, os quais lá haviam perdido seus irmãos, seus pais, seus filhos e seus amigos.
“─ Santa Maria! disse eu ao escudeiro que me contava esta história, e como pôde o Conde de Foix saber, sem presumir, logo no dia seguinte? “─ Por minha fé, disse ele, ele o sente bem, como o demonstrou.
“─ Então é adivinho, disse eu; ou ele tem mensageiros que cavalgam o vento, ou deve ter alguma arte.
“O escudeiro pôs-se a rir e disse:
“─ É preciso que ele o saiba por alguma via de nigromancia. Nada sabemos, a bem dizer, nesta terra, como ele a usa, salvo por imaginação (por suposição).
“─ Então, disse eu ao escudeiro, a imaginação que vós pensais, tende a bondade de me dizer e declarar, e eu vos serei grato. E se é coisa para calar, calarei e jamais, haja o que houver no mundo, abrirei minha boca.
“─ Peço-vos, disse o escudeiro, pois não quereria que soubessem que eu o tivesse dito.
“Então me levou para um ângulo do castelo do Ortais e depois começou a fazer o seu relato e disse:
“Há bem uns vinte anos reinava neste país um barão que se chamava em seu nome Raimundo, Senhor de Corasse. Corasse, como sabeis, é uma cidade a sete léguas desta cidade de Ortais. O Senhor de Corasse, ao tempo de que vos falo, tinha um pleito em Avignon, perante o Papa, sobre os dízimos da Igreja, em sua cidade, contra um padre da Catalunha, o qual padre era grandemente abastado e clamava ter grande direito sobre esses dízimos de Corasse, que bem valiam uma renda anual de cem florins, e o direito que ele tinha, mostrava e provava. Porque, por sentença definitiva, o Papa Urbano V, em consistório geral, condenou o cavaleiro e julgou a favor do padre. Da última sentença do Papa levou carta e cavalgou tantos dias que chegou ao Béarn e mostrou suas bulas e suas cartas e entrou na posse desse dízimo. O Senhor de Corasse adiantou-se e disse ao padre: Mestre Pedro, ou Mestre Martin, que tal era o seu nome, pensais que por vossas cartas eu deva perder minha herança? Eu não vos julgo tão esperto para tomá-la, nem para levar as coisas que são minhas, porque se o fizerdes arriscais a vida. Ide a outra parte impetrar benefícios, porque de minha herança nada tereis. De uma vez por todas, eu vo-lo proíbo. O padre desconfiou do Cavaleiro, que era cruel, e não ousou perseverar. Assim, resolveu voltar a Avignon, como o fez. Mas quando devia partir, veio à presença do Cavaleiro e Senhor de Corasse e lhe disse:
“─ Por vossa força, e não direito, vós me tirais os direitos de minha igreja, com o que, em consciência, praticais grande erro. Não sou tão forte neste país como sois vós, mas sabei que o mais cedo que eu puder, eu vos enviarei um campeão que temereis mais do que a mim.
“O Senhor de Corasse, que não fez conta das ameaças, lhe disse:
“─ Vai a Deus, vai, faze o que puderes; eu não temo, morto ou vivo; já por tuas palavras não perderei minha herança.
“Assim se foi o padre e voltou, não sei para onde, para a Catalunha ou para Avignon e não esqueceu o que havia dito ao partir do Senhor de Corasse, porque, quando o Cavaleiro menos pensava, cerca de três meses depois, em seu castelo, quando dormia em seu leito, ao lado de sua mulher, vieram mensageiros invisíveis, que começaram a revolver tudo quanto encontraram no castelo e parecia que iam tudo arrasar e davam golpes tão grandes dentro do quarto do Senhor, que a dama que lá estava ficou apavorada. O Cavaleiro ouvia bem isso tudo, mas não soltou uma palavra, porque não queria mostrar a coragem de um homem assustado; assim, foi bastante esperto para enfrentar todas as aventuras. Essas tempestades e desordens em vários pontos do castelo duraram muito tempo, depois cessaram. Quando veio a manhã, todas as pessoas se reuniram e vieram ao Senhor, à hora em que ele se levantou e lhe perguntaram:
“─ Senhor, não ouvistes o que ouvimos de noite?
“O Senhor de Corasse comoveu-se e disse que não.
“─ Que coisas ouvistes?
“Então disseram da tempestade abaixo do castelo que havia derrubado e quebrado toda a louça da cozinha. Ele começou a rir-se e disse que eles haviam sonhado e que fora apenas o vento.
“─ Em nome de Deus, disse a Senhora, eu também ouvi muito bem.
“Quando em seguida veio a outra noite, ainda voltaram aquelas tempestades, e fizeram maior barulho que antes e davam golpes tão grandes nas paredes e nas janelas do quarto do Cavaleiro que parecia que tudo ia romper-se. O Cavaleiro saiu do leito e não pôde nem quis obter o que desejava:
“─ Quem é que assim bate a esta hora à porta de meu quarto?
“Logo lhe responderam:
“─ Sou eu.
“─ Quem te envia? Perguntou o Cavaleiro?
“─ Envia-me o padre da Catalunha, a quem fazes grande mal, porque lhe tiras os seus direitos a seus benefícios. Não te deixarei em paz enquanto lhe não prestares boa conta e ele não ficar contente.
“O cavaleiro perguntou:
“─ Como te chamas tu, que és tão bom mensageiro?
“─ Chamam-me Orthon.
“─ Orthon, disse o Cavaleiro, o serviço de um padre nada te vale. Ele te dará e te fará muito sofrimento. Se queres crer-me, peço-te, deixa-me em paz e serve-me, e eu te serei muito agradecido.
“Orthon logo achou de responder, porque aproximou-se do Cavaleiro e lhe disse:
“─ Quereis?
“─ Sim, disse o Cavaleiro, mas que não faças mal a ninguém.
“─ A ninguém, disse Orthon, não tenho qualquer poder senão de te acordar, e de não deixar dormir a ti ou aos outros.
“─ Faze o que te digo, disse o Cavaleiro, e entraremos em acordo, e deixa esse padre malvado, que nada de bom tem em si, salvo que pena por ti; assim, serve-me.
“─ Desde que o queres, disse Orthon, eu o quero.
“Assim se ligou de tal modo esse Orthon ao Senhor de Corasse, que muitas vezes vinha vê-lo de noite; e quando ele estava dormindo, puxava o travesseiro ou dava pancadas nas paredes e nas janelas do quarto e, acordando, dizia-lhe o Cavaleiro:
“─ Orthon, deixa-me dormir.
“─ Não o farei, dizia Orthon, antes de te dar notícias.
“Então a senhora do Cavaleiro tinha tanto medo que os seus cabelos se eriçavam e ela mergulhava nas cobertas.
“─ Então, perguntava o Cavaleiro, que novas me trazes?
“─ Venho da Inglaterra, ou da Hungria ou de outro país, dizia Orthon. Saí ontem e aconteceram tais e tais coisas.
“Assim, por Orthon, o Senhor de Corasse sabia o que ia pelo mundo; e manteve esse mensageiro durante cinco anos; e não pôde calar-se e explicou-se ao Conde de Foix, pela maneira por que vos direi. No primeiro ano o Senhor de Corasse veio diversas vezes ao Conde de Foix, em Ortais, e lhe dizia: Senhor, tal coisa aconteceu na Inglaterra, ou na Alemanha, ou em outro país; e o Conde de Foix, que depois verificava tudo ser verdade, ficava maravilhado de como vinha a saber tais coisas. E tanto insistiu, uma vez, que o Senhor de Corasse disse como e por quem lhe vinham tais notícias.
“Quando o Conde de Foix soube a verdade, ficou muito contente e lhe disse:
“─ Senhor de Corasse, procurai agradá-lo; eu bem gostaria de ter um tal mensageiro. Isto não vos custa nada e por esse meio sabeis realmente tudo o que acontece no mundo.
“O Cavaleiro respondeu: ─ Senhor, eu o farei.
“Assim foi o Senhor de Corasse servido por Orthon durante muito tempo. Não sei se esse Orthon tinha mais de um senhor, mas todas as semanas, duas ou três vezes, vinha visitar o Senhor de Corasse, e lhe dava notícias do que acontecia nos países onde tinha conversado, e o Senhor de Corasse as escrevia ao Conde de Foix, o qual tinha grande alegria.
“Uma vez estava o Senhor de Corasse com o Conde de Foix e conversavam sobre isto, de modo que o Conde lhe perguntou:
“─ Senhor de Corasse, nunca vistes o vosso mensageiro?
“─ Por minha fé, nunca; nem uma só vez.
“─ É maravilhoso, disse o Conde; e se ele me fosse tão ligado como a vós, eu lhe teria pedido que se mostrasse a mim; e vos peço que tomeis esse trabalho e me digais qual a sua forma e o seu jeito. Dissestes que ele fala tão bem o gascão quanto eu e vós.
“─ Por minha fé, disse o Senhor de Corasse, é verdade. Ele fala tão bem e tão bonito como vós e eu. E por minha fé procurarei vê-lo, já que mo aconselhais.
“Aconteceu que o Senhor de Corasse, como em outras noites, estava em seu leito, ao lado de sua senhora, a qual já se acostumara a ouvir Orthon e não mais tinha medo. Então veio Orthon, puxou o travesseiro do Senhor de Corasse, que dormia profundamente. O Senhor de Corasse acordou e perguntou:
“─ Quem está aí?
“─ Sou eu, respondeu Orthon.
“─ De onde vens?
“─ Venho de Praga, na Boêmia.
“─ Quanto tempo? disse ele. Tudo bem?
“─ Sessenta dias, disse Orthon.
“─ E vieste tão cedo?
“─ Sim, por Deus; vou rápido como o vento, ou mais.
“─ Então tens asas?
“─ Não, disse ele.
“─ Como, então, voas tão depressa?
“─ Não tendes nada que saber, respondeu Orthon.
“─ Eu te veria com mais prazer para saber qual a tua forma e as tuas maneiras.
“─ Basta que, quando me ouvirdes, vos traga certas notícias, respondeu Orthon.
“─ Por Deus, disse o Senhor de Corasse, eu gostaria mais de ti se te pudesse ver.
“ ─ Já que desejais ver-me, a primeira coisa que vereis e encontrareis amanhã de manhã, quando sairdes do leito, serei eu.
“─ Basta, disse o Senhor de Corasse. Agora, vai; eu te dispenso por esta noite.
“Quando veio a manhã, o Senhor de Corasse levantou-se. A senhora tinha tanto medo que ficou doente e disse que não se levantaria, mas o Senhor quis que ela se levantasse.
“─ Senhor, disse ela, eu veria Orthon, e não quero vê-lo, se Deus mo permitir.
“─ Eu quero vê-lo, disse o Senhor de Corasse.
“Então saiu garboso de seu leito, mas nada viu que pudesse dizer: eu vi Orthon aqui. O dia se passou e veio a noite. Quando o Senhor de Corasse estava deitado na cama, Orthon veio e começou a falar como de costume.
“─ Vai, disse o Senhor de Corasse a Orthon, és um mentiroso; devias ter-te mostrado muito bem a mim e não o fizeste. “─ Sim, fiz.
“─ Não o fizeste.
“─ E quando saístes do leito nada vistes? perguntou Orthon.
“O Senhor de Corasse pensou um pouco e lembrou-se.
“─ Sim, disse ele, saindo da cama e pensando em ti, vi dois fetos de palha no soalho, que giravam juntos.
“─ Era eu, disse Orthon, na forma que tinha tomado.
“─Isto não me basta; peço-te que tomes outra forma, de modo que te possa ver e reconhecer.
“─ Fazeis tanto que me perdereis e que vos deixarei, porque exigis muito.
“─ Tu não te irás de mim; se eu te tivesse visto uma vez não pediria para te ver outra mais.
“─ Ora, disse Orthon, ver-me-eis amanhã; e tomai cuidado com a primeira coisa que virdes ao sair do vosso quarto.
“No dia seguinte, à hora terceira, o Senhor de Corasse levantou-se e vestiu-se e assim que saiu do quarto e veio a um lugar que olha para o pátio do castelo, lançou os olhos e a primeira coisa que viu foi uma porca, a maior que já tinha visto; mas era tão magra que parecia só ter pele e ossos; tinha as orelhas grandes, caídas e manchadas, e tinha o focinho grande, agudo e pontudo. O Senhor de Corasse ficou muito admirado da porca. Como não a visse com bons olhos, chamou a sua gente:
“─ Já, soltem os cães; quero ver esta porca morta e devorada.
“Os criados logo saíram, abriram o lugar onde estavam os cães e os fizeram investir contra a porca que soltou um grande grito e olhou fixamente para o Senhor de Corasse, que se apoiava no terraço em frente ao quarto e deixou de vê-la porque ela desapareceu; não se soube em que se tornou. O Senhor de Corasse entrou em seu quarto muito pensativo e pensou em Orthon. Creio que vi Orthon, meu mensageiro. Arrependo-me de haver lançado os cães sobre ele. Será um azar se não mais o vir, pois me disse várias vezes que assim que o reconhecesse eu o perderia.
“Ele disse a verdade. Desde então jamais voltou ao castelo de Corasse, e o Cavaleiro morreu no ano seguinte.
“─ É verdade, perguntei ao Escudeiro, que o Conde de Foix se tenha servido de tal mensageiro?
“A bem da verdade, a opinião de muitos homens de Béarn é que sim, porque nada se faz no estrangeiro, quando ele quer e ele tem muito cuidado, desde que o saiba; e quando não tem menos cuidado. Assim foi com bons Cavaleiros e Escudeiros deste país que estavam em Portugal. A graça e o renome que ele tem por isto lhe dão grande proveito, porque ele não perderia em casa o valor de uma colher de ouro ou de prata, nem coisa alguma que não soubesse.”
A batalha de Juberoth é célebre nas crônicas antigas. Ocorreu durante a guerra que João, rei de Castela, e Diniz, rei de Portugal, travaram para sustentar suas respectivas pretensões sobre este último reino. Os castelhanos e os bearneses foram feitos em pedaços. O fato que Froissard relata por essa ocasião é dos mais singulares. Lê-se no capítulo XVI do Livro III de sua crônica que, no dia seguinte à batalha, o Conde de Foix foi informado de sua realização, o que a distância dos lugares tornava inconcebível na época. É um escudeiro do Conde de Foix que conta a Froissard o fato em questão: “Todo o dia de domingo, e o dia de segunda-feira e o de terça-feira seguinte, o Conde de Foix, estando em seu castelo em Ortais, tinha a cara tão fechada e tão dura, que não se lhe arrancava uma palavra; e durante esses três dias também não quis sair de seu quarto, nem falar a cavaleiro, nem a escudeiro, por mais próximo que estivesse, se não o chamasse; e ainda aconteceu que afastou aqueles, a quem não deu uma só palavra naqueles três dias. Quando chegou terçafeira à noite, ele chamou seu irmão Arnaldo-Guilherme, e lhe disse baixinho:
“─ Nossa gente teve luta que me enfureceu, porque foram assaltados em viagem, como eu lhes disse ao partirem.
“Arnaldo-Guilherme, que é um homem muito prudente e um cavaleiro astuto, e que conhecia a maneira e a condição de seu irmão, calou-se, e o Conde, que desejava experimentar sua coragem, porque durante muito tempo tinha suportado seu aborrecimento, tomou ainda a palavra e falou mais alto do que o tinha feito da primeira vez, e disse:
“─ Por Deus, Senhor Arnaldo, é assim como vos digo, e em breve teremos notícias, mas nunca o país de Béarn perdeu tanto, desde cem anos até este dia, como perdeu desta vez em Portugal. Vários cavaleiros e escudeiros que estavam presentes, e que viram e ouviram o Conde, não ousaram falar.
“E então, dez dias após, soube-se a verdade, por aqueles que por dever lá haviam estado, e que lhe contaram primeiramente e em seguida a todos quantos quisessem ouvir, todas as coisas, na forma e maneira por que tinham acontecido em Juberoth. Isto renovou o pesar do Conde e dos de seu país, os quais lá haviam perdido seus irmãos, seus pais, seus filhos e seus amigos.
“─ Santa Maria! disse eu ao escudeiro que me contava esta história, e como pôde o Conde de Foix saber, sem presumir, logo no dia seguinte? “─ Por minha fé, disse ele, ele o sente bem, como o demonstrou.
“─ Então é adivinho, disse eu; ou ele tem mensageiros que cavalgam o vento, ou deve ter alguma arte.
“O escudeiro pôs-se a rir e disse:
“─ É preciso que ele o saiba por alguma via de nigromancia. Nada sabemos, a bem dizer, nesta terra, como ele a usa, salvo por imaginação (por suposição).
“─ Então, disse eu ao escudeiro, a imaginação que vós pensais, tende a bondade de me dizer e declarar, e eu vos serei grato. E se é coisa para calar, calarei e jamais, haja o que houver no mundo, abrirei minha boca.
“─ Peço-vos, disse o escudeiro, pois não quereria que soubessem que eu o tivesse dito.
“Então me levou para um ângulo do castelo do Ortais e depois começou a fazer o seu relato e disse:
“Há bem uns vinte anos reinava neste país um barão que se chamava em seu nome Raimundo, Senhor de Corasse. Corasse, como sabeis, é uma cidade a sete léguas desta cidade de Ortais. O Senhor de Corasse, ao tempo de que vos falo, tinha um pleito em Avignon, perante o Papa, sobre os dízimos da Igreja, em sua cidade, contra um padre da Catalunha, o qual padre era grandemente abastado e clamava ter grande direito sobre esses dízimos de Corasse, que bem valiam uma renda anual de cem florins, e o direito que ele tinha, mostrava e provava. Porque, por sentença definitiva, o Papa Urbano V, em consistório geral, condenou o cavaleiro e julgou a favor do padre. Da última sentença do Papa levou carta e cavalgou tantos dias que chegou ao Béarn e mostrou suas bulas e suas cartas e entrou na posse desse dízimo. O Senhor de Corasse adiantou-se e disse ao padre: Mestre Pedro, ou Mestre Martin, que tal era o seu nome, pensais que por vossas cartas eu deva perder minha herança? Eu não vos julgo tão esperto para tomá-la, nem para levar as coisas que são minhas, porque se o fizerdes arriscais a vida. Ide a outra parte impetrar benefícios, porque de minha herança nada tereis. De uma vez por todas, eu vo-lo proíbo. O padre desconfiou do Cavaleiro, que era cruel, e não ousou perseverar. Assim, resolveu voltar a Avignon, como o fez. Mas quando devia partir, veio à presença do Cavaleiro e Senhor de Corasse e lhe disse:
“─ Por vossa força, e não direito, vós me tirais os direitos de minha igreja, com o que, em consciência, praticais grande erro. Não sou tão forte neste país como sois vós, mas sabei que o mais cedo que eu puder, eu vos enviarei um campeão que temereis mais do que a mim.
“O Senhor de Corasse, que não fez conta das ameaças, lhe disse:
“─ Vai a Deus, vai, faze o que puderes; eu não temo, morto ou vivo; já por tuas palavras não perderei minha herança.
“Assim se foi o padre e voltou, não sei para onde, para a Catalunha ou para Avignon e não esqueceu o que havia dito ao partir do Senhor de Corasse, porque, quando o Cavaleiro menos pensava, cerca de três meses depois, em seu castelo, quando dormia em seu leito, ao lado de sua mulher, vieram mensageiros invisíveis, que começaram a revolver tudo quanto encontraram no castelo e parecia que iam tudo arrasar e davam golpes tão grandes dentro do quarto do Senhor, que a dama que lá estava ficou apavorada. O Cavaleiro ouvia bem isso tudo, mas não soltou uma palavra, porque não queria mostrar a coragem de um homem assustado; assim, foi bastante esperto para enfrentar todas as aventuras. Essas tempestades e desordens em vários pontos do castelo duraram muito tempo, depois cessaram. Quando veio a manhã, todas as pessoas se reuniram e vieram ao Senhor, à hora em que ele se levantou e lhe perguntaram:
“─ Senhor, não ouvistes o que ouvimos de noite?
“O Senhor de Corasse comoveu-se e disse que não.
“─ Que coisas ouvistes?
“Então disseram da tempestade abaixo do castelo que havia derrubado e quebrado toda a louça da cozinha. Ele começou a rir-se e disse que eles haviam sonhado e que fora apenas o vento.
“─ Em nome de Deus, disse a Senhora, eu também ouvi muito bem.
“Quando em seguida veio a outra noite, ainda voltaram aquelas tempestades, e fizeram maior barulho que antes e davam golpes tão grandes nas paredes e nas janelas do quarto do Cavaleiro que parecia que tudo ia romper-se. O Cavaleiro saiu do leito e não pôde nem quis obter o que desejava:
“─ Quem é que assim bate a esta hora à porta de meu quarto?
“Logo lhe responderam:
“─ Sou eu.
“─ Quem te envia? Perguntou o Cavaleiro?
“─ Envia-me o padre da Catalunha, a quem fazes grande mal, porque lhe tiras os seus direitos a seus benefícios. Não te deixarei em paz enquanto lhe não prestares boa conta e ele não ficar contente.
“O cavaleiro perguntou:
“─ Como te chamas tu, que és tão bom mensageiro?
“─ Chamam-me Orthon.
“─ Orthon, disse o Cavaleiro, o serviço de um padre nada te vale. Ele te dará e te fará muito sofrimento. Se queres crer-me, peço-te, deixa-me em paz e serve-me, e eu te serei muito agradecido.
“Orthon logo achou de responder, porque aproximou-se do Cavaleiro e lhe disse:
“─ Quereis?
“─ Sim, disse o Cavaleiro, mas que não faças mal a ninguém.
“─ A ninguém, disse Orthon, não tenho qualquer poder senão de te acordar, e de não deixar dormir a ti ou aos outros.
“─ Faze o que te digo, disse o Cavaleiro, e entraremos em acordo, e deixa esse padre malvado, que nada de bom tem em si, salvo que pena por ti; assim, serve-me.
“─ Desde que o queres, disse Orthon, eu o quero.
“Assim se ligou de tal modo esse Orthon ao Senhor de Corasse, que muitas vezes vinha vê-lo de noite; e quando ele estava dormindo, puxava o travesseiro ou dava pancadas nas paredes e nas janelas do quarto e, acordando, dizia-lhe o Cavaleiro:
“─ Orthon, deixa-me dormir.
“─ Não o farei, dizia Orthon, antes de te dar notícias.
“Então a senhora do Cavaleiro tinha tanto medo que os seus cabelos se eriçavam e ela mergulhava nas cobertas.
“─ Então, perguntava o Cavaleiro, que novas me trazes?
“─ Venho da Inglaterra, ou da Hungria ou de outro país, dizia Orthon. Saí ontem e aconteceram tais e tais coisas.
“Assim, por Orthon, o Senhor de Corasse sabia o que ia pelo mundo; e manteve esse mensageiro durante cinco anos; e não pôde calar-se e explicou-se ao Conde de Foix, pela maneira por que vos direi. No primeiro ano o Senhor de Corasse veio diversas vezes ao Conde de Foix, em Ortais, e lhe dizia: Senhor, tal coisa aconteceu na Inglaterra, ou na Alemanha, ou em outro país; e o Conde de Foix, que depois verificava tudo ser verdade, ficava maravilhado de como vinha a saber tais coisas. E tanto insistiu, uma vez, que o Senhor de Corasse disse como e por quem lhe vinham tais notícias.
“Quando o Conde de Foix soube a verdade, ficou muito contente e lhe disse:
“─ Senhor de Corasse, procurai agradá-lo; eu bem gostaria de ter um tal mensageiro. Isto não vos custa nada e por esse meio sabeis realmente tudo o que acontece no mundo.
“O Cavaleiro respondeu: ─ Senhor, eu o farei.
“Assim foi o Senhor de Corasse servido por Orthon durante muito tempo. Não sei se esse Orthon tinha mais de um senhor, mas todas as semanas, duas ou três vezes, vinha visitar o Senhor de Corasse, e lhe dava notícias do que acontecia nos países onde tinha conversado, e o Senhor de Corasse as escrevia ao Conde de Foix, o qual tinha grande alegria.
“Uma vez estava o Senhor de Corasse com o Conde de Foix e conversavam sobre isto, de modo que o Conde lhe perguntou:
“─ Senhor de Corasse, nunca vistes o vosso mensageiro?
“─ Por minha fé, nunca; nem uma só vez.
“─ É maravilhoso, disse o Conde; e se ele me fosse tão ligado como a vós, eu lhe teria pedido que se mostrasse a mim; e vos peço que tomeis esse trabalho e me digais qual a sua forma e o seu jeito. Dissestes que ele fala tão bem o gascão quanto eu e vós.
“─ Por minha fé, disse o Senhor de Corasse, é verdade. Ele fala tão bem e tão bonito como vós e eu. E por minha fé procurarei vê-lo, já que mo aconselhais.
“Aconteceu que o Senhor de Corasse, como em outras noites, estava em seu leito, ao lado de sua senhora, a qual já se acostumara a ouvir Orthon e não mais tinha medo. Então veio Orthon, puxou o travesseiro do Senhor de Corasse, que dormia profundamente. O Senhor de Corasse acordou e perguntou:
“─ Quem está aí?
“─ Sou eu, respondeu Orthon.
“─ De onde vens?
“─ Venho de Praga, na Boêmia.
“─ Quanto tempo? disse ele. Tudo bem?
“─ Sessenta dias, disse Orthon.
“─ E vieste tão cedo?
“─ Sim, por Deus; vou rápido como o vento, ou mais.
“─ Então tens asas?
“─ Não, disse ele.
“─ Como, então, voas tão depressa?
“─ Não tendes nada que saber, respondeu Orthon.
“─ Eu te veria com mais prazer para saber qual a tua forma e as tuas maneiras.
“─ Basta que, quando me ouvirdes, vos traga certas notícias, respondeu Orthon.
“─ Por Deus, disse o Senhor de Corasse, eu gostaria mais de ti se te pudesse ver.
“ ─ Já que desejais ver-me, a primeira coisa que vereis e encontrareis amanhã de manhã, quando sairdes do leito, serei eu.
“─ Basta, disse o Senhor de Corasse. Agora, vai; eu te dispenso por esta noite.
“Quando veio a manhã, o Senhor de Corasse levantou-se. A senhora tinha tanto medo que ficou doente e disse que não se levantaria, mas o Senhor quis que ela se levantasse.
“─ Senhor, disse ela, eu veria Orthon, e não quero vê-lo, se Deus mo permitir.
“─ Eu quero vê-lo, disse o Senhor de Corasse.
“Então saiu garboso de seu leito, mas nada viu que pudesse dizer: eu vi Orthon aqui. O dia se passou e veio a noite. Quando o Senhor de Corasse estava deitado na cama, Orthon veio e começou a falar como de costume.
“─ Vai, disse o Senhor de Corasse a Orthon, és um mentiroso; devias ter-te mostrado muito bem a mim e não o fizeste. “─ Sim, fiz.
“─ Não o fizeste.
“─ E quando saístes do leito nada vistes? perguntou Orthon.
“O Senhor de Corasse pensou um pouco e lembrou-se.
“─ Sim, disse ele, saindo da cama e pensando em ti, vi dois fetos de palha no soalho, que giravam juntos.
“─ Era eu, disse Orthon, na forma que tinha tomado.
“─Isto não me basta; peço-te que tomes outra forma, de modo que te possa ver e reconhecer.
“─ Fazeis tanto que me perdereis e que vos deixarei, porque exigis muito.
“─ Tu não te irás de mim; se eu te tivesse visto uma vez não pediria para te ver outra mais.
“─ Ora, disse Orthon, ver-me-eis amanhã; e tomai cuidado com a primeira coisa que virdes ao sair do vosso quarto.
“No dia seguinte, à hora terceira, o Senhor de Corasse levantou-se e vestiu-se e assim que saiu do quarto e veio a um lugar que olha para o pátio do castelo, lançou os olhos e a primeira coisa que viu foi uma porca, a maior que já tinha visto; mas era tão magra que parecia só ter pele e ossos; tinha as orelhas grandes, caídas e manchadas, e tinha o focinho grande, agudo e pontudo. O Senhor de Corasse ficou muito admirado da porca. Como não a visse com bons olhos, chamou a sua gente:
“─ Já, soltem os cães; quero ver esta porca morta e devorada.
“Os criados logo saíram, abriram o lugar onde estavam os cães e os fizeram investir contra a porca que soltou um grande grito e olhou fixamente para o Senhor de Corasse, que se apoiava no terraço em frente ao quarto e deixou de vê-la porque ela desapareceu; não se soube em que se tornou. O Senhor de Corasse entrou em seu quarto muito pensativo e pensou em Orthon. Creio que vi Orthon, meu mensageiro. Arrependo-me de haver lançado os cães sobre ele. Será um azar se não mais o vir, pois me disse várias vezes que assim que o reconhecesse eu o perderia.
“Ele disse a verdade. Desde então jamais voltou ao castelo de Corasse, e o Cavaleiro morreu no ano seguinte.
“─ É verdade, perguntei ao Escudeiro, que o Conde de Foix se tenha servido de tal mensageiro?
“A bem da verdade, a opinião de muitos homens de Béarn é que sim, porque nada se faz no estrangeiro, quando ele quer e ele tem muito cuidado, desde que o saiba; e quando não tem menos cuidado. Assim foi com bons Cavaleiros e Escudeiros deste país que estavam em Portugal. A graça e o renome que ele tem por isto lhe dão grande proveito, porque ele não perderia em casa o valor de uma colher de ouro ou de prata, nem coisa alguma que não soubesse.”
Correspondência
Carta do Sr. Dr. Morhéry sobre várias curas obtidas pela medicação da senhorita Désirée Godu.
Plessis-Boudet, perto de Loudéac, Côtes-du-Nord, 25 de abril de 1860.
Senhor Allan Kardec,
Venho hoje desobrigar-me da promessa feita de vos assinalar os casos de cura que obtive com o concurso da Srta. Godu. Como bem compreendereis, não enumerarei todos, pois seria muito longo. Limito-me a fazer uma escolha, não à vista da gravidade, mas da variedade das moléstias. Não quis repetir casos nem mencionar curas de pouca importância.
Vedes, Senhor, que a Srta. Godu não perdeu tempo. Desde que está em PlessisBoudet, já visitamos mais de duzentos doentes e tivemos a satisfação de curar quase todos os que tiveram paciência de seguir as prescrições. Não falo dos nossos cancerosos, pois estão bem encaminhados. Esperarei resultados positivos antes de me pronunciar. Temos ainda grande número de doentes em tratamento, e escolhemos de preferência os considerados incuráveis. Dentro de pouco tempo espero, pois, ter novos casos de cura a vos relatar. É sobretudo nas afecções reumáticas, nas paralisias, nas ciáticas, nas úlceras, nos desvios ósseos, nas chagas de toda espécie, que o sistema de tratamento parece dar melhores resultados.
Posso assegurar-vos, senhor, que aprendi muitas coisas úteis que ignorava antes de meu contato com essa senhorita. A cada dia ela me ensina algo de novo, tanto para o tratamento quanto para o diagnóstico. Quanto ao prognóstico, ignoro como pode ela fixá-lo. Contudo, ela não se engana. Com a ciência ordinária não se pode explicar essa penetração. Mas vós, senhor, a compreendeis facilmente.
Termino declarando que certifico como verdadeiras e sinceras todas as observações que seguem, com minha assinatura.
Aceitai, etc.
MORHÉRY, doutor em Medicina.
1ª observação, nº. 5 (23 de fevereiro de 1860). François Langle, trabalhador jornaleiro. Diagnóstico: febre terçã há seis meses. A febre tinha resistido ao sulfato de quinina, por mim administrado ao doente em várias ocasiões; foi curada em cinco dias de tratamento com simples infusão de plantas diversas, e o doente passa melhor do que nunca. Poderia citar dez curas semelhantes.
2ª observação, nº. 9 (24 de fevereiro de 1860). Sra. R..., de Loudéac, 32 anos. Diagnóstico: inflamação e intumescimento crônico das amídalas; cefaleia violenta; dores na coluna vertebral; abatimento geral, apetite nulo. O mal começou por arrepios e surdez; dura há dois anos. ─ Prognóstico: caso grave e de difícil cura, pois o mal resiste aos tratamentos melhor dirigidos. Hoje a doente está curada. Ela não continua o tratamento senão para evitar uma recaída.
3ª observação, nº. 13 (25 de fevereiro de 1860). Pierre Gaubichais, da aldeia de Ventou-Lamotte, 23 anos. Diagnóstico: inflamação subaponevrótica no dorso e na palma da mão. ─ Prognóstico: caso grave, mas não incurável. A cura foi obtida em menos de quinze dias. Temos quatro ou cinco casos semelhantes.
4ª observação, nº. 18 (26 de fevereiro de 1860). François R..., de Loudéac, 27 anos. Diagnóstico: tumor branco cicatrizado no joelho esquerdo; abscesso fistuloso na parte posterior da coxa, acima da articulação. O mal existe desde os 10 anos. ─ Prognóstico: caso muito grave e incurável. O mal resistiu aos melhores tratamentos seguidos durante 6 anos. O doente foi pensado com unguentos preparados pela Srta. Godu e tomou infusões de plantas diversas. Hoje pode considerar-se curado.
5ª observação, nº. 23 (25 de fevereiro de 1860). Jeanne Gloux, operária de Tierné-Loudéac. Diagnóstico: panarício muito intenso há dias. A doente foi radicalmente curada em 15 dias, apenas com unguentos da Srta. Godu. Desde o segundo curativo as dores haviam desaparecido. Temos três casos semelhantes.
6ª observação, nº. 12 (25 de fevereiro de 1860). Vincent Gourdel, tecelão em Lamotte, 32 anos. Diagnóstico: oftalmia aguda, consequente a uma erisipela intensa. Injeção inflamatória da conjuntiva e larga belida se manifestando na córnea transparente do olho esquerdo; estado inflamatório geral. ─ Prognóstico: afecção grave e muito intensa. É de temer-se que o olho se perca em 10 dias. ─ Tratamento: aplicação de unguentos sobre o olho doente. Hoje, a oftalmia está curada; desapareceu a belida, mas o tratamento continua para combater a erisipela, que parece de natureza periódica e talvez dartrosa.
7ª observação, nº. 31 (27 de fevereiro de 1860). Marie-Louise Rivière, jornaleira em Lamotte, 24 anos. Diagnóstico: reumatismo antigo na mão direita, com debilidade completa e paralisia das falanges; impossibilidade de trabalhar. Causa desconhecida. ─ Prognóstico: cura muito difícil, senão impossível. Curada em 20 dias de tratamento.
8ª observação, nº. 34 (28 de fevereiro de 1860). Jean-Marie Le Berre, 19 anos, indigente em Lamotte. Diagnóstico: Cefaleia violenta, insônia, frequentes hemorragias pelas fossas nasais, desvio do joelho direito para dentro, e da perna direita para fora. O doente está realmente estropiado. Prognóstico: incurável. ─ Tratamento: tópico extrativo e unguentos da Srta. Godu. Hoje o membro se endireitou e a cura é mais ou menos completa. Contudo, o tratamento continua, para mais precauções.
9ª observação, nº. 50 (28 de fevereiro de 1860). Marie Nogret, de Lamotte, 23 anos. Diagnóstico: inflamação da pleura e do diafragma; aumento e inflamação das amídalas e da campainha; palpitações, tonturas, sufocação. ─ Prognóstico: posto a paciente seja forte, seu estado é muito grave; não pode dar dois passos. ─ Tratamento: infusões de plantas diversas. Melhora desde o dia seguinte e cura radical em 8 dias.
10ª observação, nº. 109 (12 de março de 1860). Pierre Le Boudu, comuna de Saint-Hervé. Diagnóstico: surdez desde os 18 anos, depois de uma febre tifoide. ─ Prognóstico: incurável e rebelde a todo tratamento. ─ Tratamento: injeções e uso de infusões de plantas diversas, preparadas pela Srta. Godu. Hoje, o doente ouve o movimento de seu relógio; o barulho o incomoda e atordoa, dada a sensibilidade do ouvido.
11ª observação, nº. 132 (18 de março de 1860). Marie Le Maux, residente em Grâces, 10 anos. Diagnóstico: reumatismo, com endurecimento das articulações, particularmente nos joelhos. A criança só anda com muletas. ─ Prognóstico: caso muito grave, senão incurável. ─ Tratamento: tópico extrativo e pensos com unguentos da Srta. Godu. Cura em menos de 20 dias. Hoje a criança anda sem muletas nem bengala.
12ª observação, nº. 80 (19 de março de 1860). Hélène Lucas, indigente de Lamotte, 9 anos. Diagnóstico: saliência e inchação permanente da língua, que avança de 5 a 6 centímetros além dos lábios e parece estrangulada; a língua é rugosa e os dentes inferiores são estragados pela língua. Para comer, a criança é obrigada a pôr a língua de lado com uma das mãos e com a outra enfiar o alimento na boca. Tal estado remonta à idade de dois anos e meio. ─ Prognóstico: caso muito grave, julgado incurável. Hoje, a língua está retraída e a doente quase que inteiramente curada.
MORHÉRY Observa-se sem esforço que as notícias acima não são desses certificados banais, solicitados pela cupidez, nos quais a complacência disputa com a ignorância. São observações de um profissional que, pondo de lado o amor-próprio, concorda francamente com sua insuficiência em presença dos infinitos recursos da Natureza, que não lhe disse a última palavra nos bancos escolares. Reconhece que essa moça, sem instrução especial, lhe ensinou mais do que certos livros dos homens, porque lê no próprio livro da Natureza. Como homem sensato, prefere salvar um doente por meios aparentemente irregulares, do que deixá-lo morrer segundo as regras. E não se julga humilhado.
Num próximo artigo nos propomos a fazer um estudo sério, do ponto de vista teórico, sobre essa faculdade intuitiva mais frequente do que se julga, mas que é mais ou menos desenvolvida, e através da qual a Ciência poderá obter preciosas luzes, quando os homens não se julgarem mais sábios que o Senhor do Universo. Por intermédio de um homem muito esclarecido, natural do Indostão e de origem indiana, tomamos conhecimento de preciosas informações sobre as práticas da medicina intuitiva pelos indígenas, e que vêm juntar à teoria o testemunho de fatos autênticos, bem observados.
Plessis-Boudet, perto de Loudéac, Côtes-du-Nord, 25 de abril de 1860.
Senhor Allan Kardec,
Venho hoje desobrigar-me da promessa feita de vos assinalar os casos de cura que obtive com o concurso da Srta. Godu. Como bem compreendereis, não enumerarei todos, pois seria muito longo. Limito-me a fazer uma escolha, não à vista da gravidade, mas da variedade das moléstias. Não quis repetir casos nem mencionar curas de pouca importância.
Vedes, Senhor, que a Srta. Godu não perdeu tempo. Desde que está em PlessisBoudet, já visitamos mais de duzentos doentes e tivemos a satisfação de curar quase todos os que tiveram paciência de seguir as prescrições. Não falo dos nossos cancerosos, pois estão bem encaminhados. Esperarei resultados positivos antes de me pronunciar. Temos ainda grande número de doentes em tratamento, e escolhemos de preferência os considerados incuráveis. Dentro de pouco tempo espero, pois, ter novos casos de cura a vos relatar. É sobretudo nas afecções reumáticas, nas paralisias, nas ciáticas, nas úlceras, nos desvios ósseos, nas chagas de toda espécie, que o sistema de tratamento parece dar melhores resultados.
Posso assegurar-vos, senhor, que aprendi muitas coisas úteis que ignorava antes de meu contato com essa senhorita. A cada dia ela me ensina algo de novo, tanto para o tratamento quanto para o diagnóstico. Quanto ao prognóstico, ignoro como pode ela fixá-lo. Contudo, ela não se engana. Com a ciência ordinária não se pode explicar essa penetração. Mas vós, senhor, a compreendeis facilmente.
Termino declarando que certifico como verdadeiras e sinceras todas as observações que seguem, com minha assinatura.
Aceitai, etc.
MORHÉRY, doutor em Medicina.
1ª observação, nº. 5 (23 de fevereiro de 1860). François Langle, trabalhador jornaleiro. Diagnóstico: febre terçã há seis meses. A febre tinha resistido ao sulfato de quinina, por mim administrado ao doente em várias ocasiões; foi curada em cinco dias de tratamento com simples infusão de plantas diversas, e o doente passa melhor do que nunca. Poderia citar dez curas semelhantes.
2ª observação, nº. 9 (24 de fevereiro de 1860). Sra. R..., de Loudéac, 32 anos. Diagnóstico: inflamação e intumescimento crônico das amídalas; cefaleia violenta; dores na coluna vertebral; abatimento geral, apetite nulo. O mal começou por arrepios e surdez; dura há dois anos. ─ Prognóstico: caso grave e de difícil cura, pois o mal resiste aos tratamentos melhor dirigidos. Hoje a doente está curada. Ela não continua o tratamento senão para evitar uma recaída.
3ª observação, nº. 13 (25 de fevereiro de 1860). Pierre Gaubichais, da aldeia de Ventou-Lamotte, 23 anos. Diagnóstico: inflamação subaponevrótica no dorso e na palma da mão. ─ Prognóstico: caso grave, mas não incurável. A cura foi obtida em menos de quinze dias. Temos quatro ou cinco casos semelhantes.
4ª observação, nº. 18 (26 de fevereiro de 1860). François R..., de Loudéac, 27 anos. Diagnóstico: tumor branco cicatrizado no joelho esquerdo; abscesso fistuloso na parte posterior da coxa, acima da articulação. O mal existe desde os 10 anos. ─ Prognóstico: caso muito grave e incurável. O mal resistiu aos melhores tratamentos seguidos durante 6 anos. O doente foi pensado com unguentos preparados pela Srta. Godu e tomou infusões de plantas diversas. Hoje pode considerar-se curado.
5ª observação, nº. 23 (25 de fevereiro de 1860). Jeanne Gloux, operária de Tierné-Loudéac. Diagnóstico: panarício muito intenso há dias. A doente foi radicalmente curada em 15 dias, apenas com unguentos da Srta. Godu. Desde o segundo curativo as dores haviam desaparecido. Temos três casos semelhantes.
6ª observação, nº. 12 (25 de fevereiro de 1860). Vincent Gourdel, tecelão em Lamotte, 32 anos. Diagnóstico: oftalmia aguda, consequente a uma erisipela intensa. Injeção inflamatória da conjuntiva e larga belida se manifestando na córnea transparente do olho esquerdo; estado inflamatório geral. ─ Prognóstico: afecção grave e muito intensa. É de temer-se que o olho se perca em 10 dias. ─ Tratamento: aplicação de unguentos sobre o olho doente. Hoje, a oftalmia está curada; desapareceu a belida, mas o tratamento continua para combater a erisipela, que parece de natureza periódica e talvez dartrosa.
7ª observação, nº. 31 (27 de fevereiro de 1860). Marie-Louise Rivière, jornaleira em Lamotte, 24 anos. Diagnóstico: reumatismo antigo na mão direita, com debilidade completa e paralisia das falanges; impossibilidade de trabalhar. Causa desconhecida. ─ Prognóstico: cura muito difícil, senão impossível. Curada em 20 dias de tratamento.
8ª observação, nº. 34 (28 de fevereiro de 1860). Jean-Marie Le Berre, 19 anos, indigente em Lamotte. Diagnóstico: Cefaleia violenta, insônia, frequentes hemorragias pelas fossas nasais, desvio do joelho direito para dentro, e da perna direita para fora. O doente está realmente estropiado. Prognóstico: incurável. ─ Tratamento: tópico extrativo e unguentos da Srta. Godu. Hoje o membro se endireitou e a cura é mais ou menos completa. Contudo, o tratamento continua, para mais precauções.
9ª observação, nº. 50 (28 de fevereiro de 1860). Marie Nogret, de Lamotte, 23 anos. Diagnóstico: inflamação da pleura e do diafragma; aumento e inflamação das amídalas e da campainha; palpitações, tonturas, sufocação. ─ Prognóstico: posto a paciente seja forte, seu estado é muito grave; não pode dar dois passos. ─ Tratamento: infusões de plantas diversas. Melhora desde o dia seguinte e cura radical em 8 dias.
10ª observação, nº. 109 (12 de março de 1860). Pierre Le Boudu, comuna de Saint-Hervé. Diagnóstico: surdez desde os 18 anos, depois de uma febre tifoide. ─ Prognóstico: incurável e rebelde a todo tratamento. ─ Tratamento: injeções e uso de infusões de plantas diversas, preparadas pela Srta. Godu. Hoje, o doente ouve o movimento de seu relógio; o barulho o incomoda e atordoa, dada a sensibilidade do ouvido.
11ª observação, nº. 132 (18 de março de 1860). Marie Le Maux, residente em Grâces, 10 anos. Diagnóstico: reumatismo, com endurecimento das articulações, particularmente nos joelhos. A criança só anda com muletas. ─ Prognóstico: caso muito grave, senão incurável. ─ Tratamento: tópico extrativo e pensos com unguentos da Srta. Godu. Cura em menos de 20 dias. Hoje a criança anda sem muletas nem bengala.
12ª observação, nº. 80 (19 de março de 1860). Hélène Lucas, indigente de Lamotte, 9 anos. Diagnóstico: saliência e inchação permanente da língua, que avança de 5 a 6 centímetros além dos lábios e parece estrangulada; a língua é rugosa e os dentes inferiores são estragados pela língua. Para comer, a criança é obrigada a pôr a língua de lado com uma das mãos e com a outra enfiar o alimento na boca. Tal estado remonta à idade de dois anos e meio. ─ Prognóstico: caso muito grave, julgado incurável. Hoje, a língua está retraída e a doente quase que inteiramente curada.
MORHÉRY Observa-se sem esforço que as notícias acima não são desses certificados banais, solicitados pela cupidez, nos quais a complacência disputa com a ignorância. São observações de um profissional que, pondo de lado o amor-próprio, concorda francamente com sua insuficiência em presença dos infinitos recursos da Natureza, que não lhe disse a última palavra nos bancos escolares. Reconhece que essa moça, sem instrução especial, lhe ensinou mais do que certos livros dos homens, porque lê no próprio livro da Natureza. Como homem sensato, prefere salvar um doente por meios aparentemente irregulares, do que deixá-lo morrer segundo as regras. E não se julga humilhado.
Num próximo artigo nos propomos a fazer um estudo sério, do ponto de vista teórico, sobre essa faculdade intuitiva mais frequente do que se julga, mas que é mais ou menos desenvolvida, e através da qual a Ciência poderá obter preciosas luzes, quando os homens não se julgarem mais sábios que o Senhor do Universo. Por intermédio de um homem muito esclarecido, natural do Indostão e de origem indiana, tomamos conhecimento de preciosas informações sobre as práticas da medicina intuitiva pelos indígenas, e que vêm juntar à teoria o testemunho de fatos autênticos, bem observados.
Palestras familiares de além-túmulo
JardinLê-se no Journal de la Nièvre: Um acidente funesto ocorreu sábado último na estação da estrada de ferro. Um homem de sessenta e dois anos, um tal Jardin, ao sair do pátio da estação, foi colhido pelos varais de um tílburi, e poucas horas depois exalava o último suspiro.
A morte desse homem revelou uma das mais extraordinárias histórias, à qual não daríamos crédito, se testemunhas verídicas não nos tivessem garantido a sua autenticidade. Ei-la, tal qual nos foi contada.
Antes de ser empregado no entreposto de tabacos de Nevers, Jardin morava no Cher, vila de Saint-Germain-des-Bois, onde era alfaiate. Sua mulher tinha morrido havia cinco anos, nessa aldeia, vítima de uma fluxão de peito, quando, há oito anos, ele deixou Saint-Germain para vir morar em Nevers. Empregado laborioso, Jardin era muito piedoso, de uma devoção exaltada e se entregava com fervor às práticas religiosas; tinha um genuflexório em seu quarto, no qual gostava de se ajoelhar. Sexta-feira à noite, encontrando-se só com a filha, anunciou-lhe, de repente, que um secreto pressentimento o advertia que seu fim estava próximo.
─ Escuta, disse-lhe ele, minhas últimas vontades: Quando eu estiver morto, remeterás ao Sr. B... a chave do meu genuflexório para que ele leve o que ali encontrar e deposite em meu caixão.
Admirada com essa brusca recomendação, a senhorita Jardin, não sabendo bem se o pai falava sério, perguntou-lhe o que se acharia no genuflexório. A princípio, ele recusou-se a responder, mas como ela insistisse, ele lhe fez a estranha revelação de que o que se achava ali eram os restos de sua mãe! Informou que antes de deixar Saint-Germain-des-Bois, à noite, tinha ido ao cemitério. Todos dormiam na aldeia; sentindo-se muito só, tinha ido à sepultura da esposa e com uma pá tinha cavado até encontrar os restos da que fora sua companheira. Não querendo separar-se desses preciosos despojos, tinha recolhido os ossos, guardando-os no seu genuflexório.
A essa estranha confidência, a filha, um pouco amedrontada, mas sempre duvidando de que o pai falasse sério, lhe prometeu agir de acordo com suas últimas vontades, persuadida de que ele queria divertir-se à sua custa, e que no dia seguinte lhe daria a solução desse fantástico enigma.
No dia seguinte, sábado, Jardin foi ao escritório, como de costume. Cerca de uma hora foi mandado à estação de mercadorias para despachar sacos de tabaco, destinados ao abastecimento do entreposto. Apenas saía da estação, os varais de um tílburi que ele não tinha visto no meio das viaturas que estacionavam no embarcadouro, o atingiram em pleno peito. Os pressentimentos não o haviam enganado. Derrubado pela violência do choque, foi levado para casa sem sentidos.
Os socorros prestados fizeram-no recuperar os sentidos. Quiseram tirar-lhe as roupas, para examinar os ferimentos; ele se opôs vivamente; insistiram e recusou ainda. Mas como, a despeito da resistência, se dispunham a despi-lo, abateu-se de repente: estava morto.
O corpo foi posto numa cama. Mas qual não foi a surpresa dos presentes quando, depois de despido, viu-se sobre o coração um saco de couro, preso por tiras amarradas em volta de seu corpo! Um corte feito pelo médico chamado para constatar a morte separou o saco em duas partes, de onde caiu uma mão seca!
Lembrando-se do que o pai lhe havia dito na véspera, a senhorita Jardin preveniu os senhores B... e J..., marceneiros. O genuflexório foi aberto; dele foi retirado um schako da guarda nacional. No fundo do schako (boné militar, de copa alta e redonda) estava uma cabeça de morto, ainda com os cabelos; depois perceberam, no fundo do genuflexório, os ossos de um esqueleto: eram os restos da senhora Jardin.
Domingo último levaram à sepultura os despojos de Jardin. Para satisfazer à vontade do sexagenário, tinham posto no caixão os restos de sua mulher e, sobre o seu peito, a mão seca que, se assim podemos dizer, durante oito anos havia sentido bater o seu coração.
1. Evocação: ─ Aqui estou.
2. ─ Quem vos preveniu de que desejávamos falar-vos? ─ Eu não sei de nada; fui atraído para aqui.
3. ─ Onde estáveis quando vos chamamos? ─ Junto a um homem de quem gosto, acompanhado de minha mulher.
4. ─ Como tivestes o pressentimento da morte? ─ Tinha sido prevenido por aquela que tanto lamentava. Deus o havia concedido, por sua prece.
5. ─ Vossa mulher estava, então, sempre ao vosso lado? ─ Ela não me deixava.
6. ─ Os seus restos mortais, que conserváveis, eram a causa de sua presença? ─ De maneira nenhuma, mas eu o acreditava.
7. ─ Assim, se não tivésseis conservado esses restos, nem por isto o Espírito de vossa mulher deixaria de estar ao vosso lado? ─ Então o pensamento não é mais poderoso para atrair o Espírito, do que os restos sem importância para ele?
8. ─ Revistes imediatamente vossa esposa, no momento da morte? ─ Foi ela que veio receber-me e esclarecer-me.
9. ─ Tivestes imediatamente a consciência de vós mesmo? ─ Ao cabo de pouco tempo. Eu tinha uma fé intuitiva na imortalidade daalma.
10. ─ Vossa mulher deve ter tido existências anteriores à última. Como foi que as esqueceu, para consagrar-se inteiramente a vós? ─ Ela devia guiar-me na minha vida material, sem por isso renunciar às antigas afeições. Quando dizemos que jamais abandonamos um Espírito encarnado, deveis compreender que queremos dizer que estaremos mais tempo junto a ele do que alhures. A velocidade do nosso deslocamento nos permite isso, tão facilmente quanto, a vós, uma conversa com vários interlocutores.
11. ─ Tendes lembrança de vossas existências precedentes? ─ Sim. Na última fui um pobre camponês sem instrução; mas anteriormente havia sido religioso, sincero e devotado ao estudo.
12. ─ A extraordinária afeição à vossa esposa não teria, como causa, antigas relações de outras existências? ─ Não.
13. ─ Sois feliz como Espírito? ─ Não se pode mais, deveis compreender.
14. ─ Podeis definir vossa felicidade atual e nos dizer a sua causa? ─ Eu não deveria ter necessidade de vo-lo dizer: eu amava e sentia falta de um Espírito querido; amava a Deus; era honesto; encontrei o que me faltava. Eis os elementos de felicidade para um Espírito.
15. ─ Quais são as vossas ocupações como Espírito? ─ Disse-vos que ao ser chamado estava junto a um homem de quem gostava. Procurava inspirar-lhe o desejo do bem, como sempre fazem os Espíritos que Deus julga dignos. Temos ainda outras ocupações que ainda não podemos revelar.
16. ─ Agradecemos a bondade de terdes vindo. ─ Eu também vos agradeço.
A morte desse homem revelou uma das mais extraordinárias histórias, à qual não daríamos crédito, se testemunhas verídicas não nos tivessem garantido a sua autenticidade. Ei-la, tal qual nos foi contada.
Antes de ser empregado no entreposto de tabacos de Nevers, Jardin morava no Cher, vila de Saint-Germain-des-Bois, onde era alfaiate. Sua mulher tinha morrido havia cinco anos, nessa aldeia, vítima de uma fluxão de peito, quando, há oito anos, ele deixou Saint-Germain para vir morar em Nevers. Empregado laborioso, Jardin era muito piedoso, de uma devoção exaltada e se entregava com fervor às práticas religiosas; tinha um genuflexório em seu quarto, no qual gostava de se ajoelhar. Sexta-feira à noite, encontrando-se só com a filha, anunciou-lhe, de repente, que um secreto pressentimento o advertia que seu fim estava próximo.
─ Escuta, disse-lhe ele, minhas últimas vontades: Quando eu estiver morto, remeterás ao Sr. B... a chave do meu genuflexório para que ele leve o que ali encontrar e deposite em meu caixão.
Admirada com essa brusca recomendação, a senhorita Jardin, não sabendo bem se o pai falava sério, perguntou-lhe o que se acharia no genuflexório. A princípio, ele recusou-se a responder, mas como ela insistisse, ele lhe fez a estranha revelação de que o que se achava ali eram os restos de sua mãe! Informou que antes de deixar Saint-Germain-des-Bois, à noite, tinha ido ao cemitério. Todos dormiam na aldeia; sentindo-se muito só, tinha ido à sepultura da esposa e com uma pá tinha cavado até encontrar os restos da que fora sua companheira. Não querendo separar-se desses preciosos despojos, tinha recolhido os ossos, guardando-os no seu genuflexório.
A essa estranha confidência, a filha, um pouco amedrontada, mas sempre duvidando de que o pai falasse sério, lhe prometeu agir de acordo com suas últimas vontades, persuadida de que ele queria divertir-se à sua custa, e que no dia seguinte lhe daria a solução desse fantástico enigma.
No dia seguinte, sábado, Jardin foi ao escritório, como de costume. Cerca de uma hora foi mandado à estação de mercadorias para despachar sacos de tabaco, destinados ao abastecimento do entreposto. Apenas saía da estação, os varais de um tílburi que ele não tinha visto no meio das viaturas que estacionavam no embarcadouro, o atingiram em pleno peito. Os pressentimentos não o haviam enganado. Derrubado pela violência do choque, foi levado para casa sem sentidos.
Os socorros prestados fizeram-no recuperar os sentidos. Quiseram tirar-lhe as roupas, para examinar os ferimentos; ele se opôs vivamente; insistiram e recusou ainda. Mas como, a despeito da resistência, se dispunham a despi-lo, abateu-se de repente: estava morto.
O corpo foi posto numa cama. Mas qual não foi a surpresa dos presentes quando, depois de despido, viu-se sobre o coração um saco de couro, preso por tiras amarradas em volta de seu corpo! Um corte feito pelo médico chamado para constatar a morte separou o saco em duas partes, de onde caiu uma mão seca!
Lembrando-se do que o pai lhe havia dito na véspera, a senhorita Jardin preveniu os senhores B... e J..., marceneiros. O genuflexório foi aberto; dele foi retirado um schako da guarda nacional. No fundo do schako (boné militar, de copa alta e redonda) estava uma cabeça de morto, ainda com os cabelos; depois perceberam, no fundo do genuflexório, os ossos de um esqueleto: eram os restos da senhora Jardin.
Domingo último levaram à sepultura os despojos de Jardin. Para satisfazer à vontade do sexagenário, tinham posto no caixão os restos de sua mulher e, sobre o seu peito, a mão seca que, se assim podemos dizer, durante oito anos havia sentido bater o seu coração.
1. Evocação: ─ Aqui estou.
2. ─ Quem vos preveniu de que desejávamos falar-vos? ─ Eu não sei de nada; fui atraído para aqui.
3. ─ Onde estáveis quando vos chamamos? ─ Junto a um homem de quem gosto, acompanhado de minha mulher.
4. ─ Como tivestes o pressentimento da morte? ─ Tinha sido prevenido por aquela que tanto lamentava. Deus o havia concedido, por sua prece.
5. ─ Vossa mulher estava, então, sempre ao vosso lado? ─ Ela não me deixava.
6. ─ Os seus restos mortais, que conserváveis, eram a causa de sua presença? ─ De maneira nenhuma, mas eu o acreditava.
7. ─ Assim, se não tivésseis conservado esses restos, nem por isto o Espírito de vossa mulher deixaria de estar ao vosso lado? ─ Então o pensamento não é mais poderoso para atrair o Espírito, do que os restos sem importância para ele?
8. ─ Revistes imediatamente vossa esposa, no momento da morte? ─ Foi ela que veio receber-me e esclarecer-me.
9. ─ Tivestes imediatamente a consciência de vós mesmo? ─ Ao cabo de pouco tempo. Eu tinha uma fé intuitiva na imortalidade daalma.
10. ─ Vossa mulher deve ter tido existências anteriores à última. Como foi que as esqueceu, para consagrar-se inteiramente a vós? ─ Ela devia guiar-me na minha vida material, sem por isso renunciar às antigas afeições. Quando dizemos que jamais abandonamos um Espírito encarnado, deveis compreender que queremos dizer que estaremos mais tempo junto a ele do que alhures. A velocidade do nosso deslocamento nos permite isso, tão facilmente quanto, a vós, uma conversa com vários interlocutores.
11. ─ Tendes lembrança de vossas existências precedentes? ─ Sim. Na última fui um pobre camponês sem instrução; mas anteriormente havia sido religioso, sincero e devotado ao estudo.
12. ─ A extraordinária afeição à vossa esposa não teria, como causa, antigas relações de outras existências? ─ Não.
13. ─ Sois feliz como Espírito? ─ Não se pode mais, deveis compreender.
14. ─ Podeis definir vossa felicidade atual e nos dizer a sua causa? ─ Eu não deveria ter necessidade de vo-lo dizer: eu amava e sentia falta de um Espírito querido; amava a Deus; era honesto; encontrei o que me faltava. Eis os elementos de felicidade para um Espírito.
15. ─ Quais são as vossas ocupações como Espírito? ─ Disse-vos que ao ser chamado estava junto a um homem de quem gostava. Procurava inspirar-lhe o desejo do bem, como sempre fazem os Espíritos que Deus julga dignos. Temos ainda outras ocupações que ainda não podemos revelar.
16. ─ Agradecemos a bondade de terdes vindo. ─ Eu também vos agradeço.
Uma convulsionária
Tendo as circunstâncias permitido contato com a filha de uma das principais convulsionárias de Saint-Médard, foi possível recolher sobre essa espécie de seita algumas informações particulares. Assim, nada há de exagerado no que se relata sobre as torturas a que voluntariamente se submetiam os fanáticos. Sabe-se que uma das provas, denominadas grandes socorros, consistia em sofrer a crucificação e todos os sofrimentos da Paixão do Cristo. A pessoa de quem falamos, e que só faleceu em 1830, ainda tinha nas mãos os furos feitos pelos pregos que haviam servido para suspendê-la à cruz, e no lado as marcas dos golpes de lança que havia recebido. Ela escondia cuidadosamente esses estigmas do fanatismo, e sempre tinha evitado explicá-los aos filhos. É conhecida na história das convulsionárias sob um pseudônimo que calaremos, pelos motivos que revelaremos oportunamente. A conversa que segue ocorreu em presença de sua filha, que a desejou. Dela suprimiremos particularidades íntimas, que não interessariam aos estranhos e que foram, sobretudo para a filha, uma incontestável prova de identidade.
1. Evocação. ─ Há muito tempo desejo conversar convosco.
2. ─ Qual o motivo que vos levava a desejar conversar comigo? ─ Sei apreciar vossos trabalhos, a despeito do que possais pensar de minhas crenças.
3. ─ Vedes aqui a senhora sua filha? Foi sobretudo ela que quis conversar convosco, e ficaremos encantados de aproveitar o ensejo para nossa instrução. ─ Sim, uma mãe sempre vê seus filhos.
4. ─ Sois feliz como Espírito? ─ Sim e não, porque poderia ter feito melhor. Mas Deus leva em conta a minha ignorância.
5. ─ Lembrai-vos perfeitamente da última existência? ─ Eu teria muita coisa a vos dizer, mas orai por mim, a fim de que isto me seja permitido.
6. ─ As torturas a que vos submetestes vos elevaram e tornaram mais feliz como Espírito? ─ Não me fizeram mal, mas não me ajudaram a avançar como inteligência.
7. ─ Peço-vos a fineza de ser precisa. Pergunto se aquilo vos foi levado à conta de mérito? ─ Direi que tendes um item no Livro dos Espíritos que dá a resposta geral. Quanto a mim, eu era uma pobre fanática.
NOTA: Alusão ao item 726 do Livro dos Espíritos, sobre os sofrimentos voluntários.
8. ─ Esse item diz que o mérito dos sofrimentos voluntários está na razão da utilidade resultante para o próximo. Ora, os das convulsionárias não tinham, segundo creio, senão um fim puramente pessoal. ─ Era geralmente pessoal, e se jamais falei disso a meus filhos, foi porque compreendia vagamente que não era aquele o verdadeiro caminho.
OBSERVAÇÃO: Aqui o Espírito da mãe responde por antecipação ao pensamento da filha, que desejava perguntar por que, em vida, tinha evitado falar disso aos filhos.
9. ─ Qual a causa do estado de crise das convulsionárias? ─ Disposição natural e superexcitação fanática. Jamais teria querido que meus filhos fossem arrastados para essa rampa fatal, que hoje ainda melhor reconheço como tal. Respondendo espontaneamente a uma reflexão de sua filha que, entretanto, não havia formulado a pergunta, acrescenta: ─ Eu não tinha educação, mas intuição de muitas existências anteriores.
10. ─ Dentre os fenômenos produzidos entre as convulsionárias, alguns têm analogia com certos efeitos sonambúlicos, como, por exemplo, a penetração do pensamento, a visão à distância, a intuição das línguas? O magnetismo representava nisso um algum papel? ─ Muito, e vários sacerdotes magnetizavam, sem o consentimento das pessoas.
11. ─ De onde provinham as cicatrizes que tínheis nas mãos e noutras partes do corpo? ─ Pobres troféus de nossas vitórias, que a ninguém serviram, e que por vezes excitaram paixões. Deveis compreender-me.
OBSERVAÇÃO: Parece que nas práticas das convulsionárias passavam-se coisas de grande imoralidade que haviam revoltado o coração honesto dessa senhora, e mais tarde, quando acalmada a febre fanática, fizeram-na tomar aversão por tudo quanto lhe trouxesse recordações do passado. É sem dúvida uma das razões que a levavam a não falar do assunto a seus filhos.
12. ─ Realmente eram operadas curas sobre o túmulo do diácono Pâris? ─ Oh! Que pergunta! Bem sabeis que não, ou pouca coisa, sobretudo para vós.
13. ─ Depois de vossa morte, vistes Pâris? ─ Desde que ingressei no mundo dos Espíritos, não me ocupei dele, porque o culpo por meu erro.
14. ─ Como o consideráveis quando viva? ─ Como um enviado de Deus, e é por isto que lhe censuro o mal que fez em nome de Deus.
15. ─ Mas não é ele inocente pelas tolices praticadas em seu nome após a sua morte? ─ Não, porque ele próprio não acreditava no que ensinava. Não o compreendi, quando viva, como o compreendo agora.
16. ─ É certo que o Espírito dele tenha ficado indiferente, como ele disse, às manifestações ocorridas em sua sepultura? ─ Ele vos enganou.
17. ─ Assim, ele excitava o zelo fanático? ─ Sim, e ainda o faz.
18. ─ Quais as vossas ocupações como Espírito? ─ Procuro instruir-me, e é por isso que disse que desejava vir entre vós.
19. ─ Em que lugar estais, aqui? ─ Perto do médium, com a mão sobre o seu braço ou sobre o seu ombro.
20. ─ Se pudéssemos ver-vos, sob que forma seríeis vista? ─ Minha filha veria sua mãe, como era quando viva. Quanto a vós, me veríeis em Espírito; a palavra não vo-la posso dizer.
21. ─ Tende a bondade de vos explicar. O que quereis dar a entender quando dizeis que eu vos veria em Espírito? ─ Uma forma humana transparente, conforme a depuração do Espírito.
22. ─ Dissestes haver tido outras existências. Tendes lembrança delas? ─ Sim, eu vo-lo disse, e por minhas respostas, deveis ver que tive muitas.
23. ─ Poderíeis dizer qual a que precedeu a última, que conhecemos? ─ Não esta noite e não por este médium. Pelo senhor, se quiserdes.
NOTA: Ela designa um dos assistentes, que começava a escrever como médium e explica sua simpatia por ele, porque, diz ela, o conheceu em sua precedente existência.
24. ─ Ficaríeis contrariada se eu publicasse esta conversa na Revista? ─ Não. É necessário que o mal seja divulgado; mas não me chameis... (seu nome de guerra). Detesto esse nome. Designai-me, se quiserdes, como grande mestra.
OBSERVAÇÃO: É para condescender com o seu desejo que não citamos o nome sob o qual era conhecida, e que lhe traz penosas recordações.
25. ─ Nós vos agradecemos por terdes vindo e pelas explicações que nos destes. ─ Sou eu que vos agradeço por terdes proporcionado a minha filha a ocasião de encontrar sua mãe, e a mim, a de poder fazer um pouco de bem.
Tendo as circunstâncias permitido contato com a filha de uma das principais convulsionárias de Saint-Médard, foi possível recolher sobre essa espécie de seita algumas informações particulares. Assim, nada há de exagerado no que se relata sobre as torturas a que voluntariamente se submetiam os fanáticos. Sabe-se que uma das provas, denominadas grandes socorros, consistia em sofrer a crucificação e todos os sofrimentos da Paixão do Cristo. A pessoa de quem falamos, e que só faleceu em 1830, ainda tinha nas mãos os furos feitos pelos pregos que haviam servido para suspendê-la à cruz, e no lado as marcas dos golpes de lança que havia recebido. Ela escondia cuidadosamente esses estigmas do fanatismo, e sempre tinha evitado explicá-los aos filhos. É conhecida na história das convulsionárias sob um pseudônimo que calaremos, pelos motivos que revelaremos oportunamente. A conversa que segue ocorreu em presença de sua filha, que a desejou. Dela suprimiremos particularidades íntimas, que não interessariam aos estranhos e que foram, sobretudo para a filha, uma incontestável prova de identidade.
1. Evocação. ─ Há muito tempo desejo conversar convosco.
2. ─ Qual o motivo que vos levava a desejar conversar comigo? ─ Sei apreciar vossos trabalhos, a despeito do que possais pensar de minhas crenças.
3. ─ Vedes aqui a senhora sua filha? Foi sobretudo ela que quis conversar convosco, e ficaremos encantados de aproveitar o ensejo para nossa instrução. ─ Sim, uma mãe sempre vê seus filhos.
4. ─ Sois feliz como Espírito? ─ Sim e não, porque poderia ter feito melhor. Mas Deus leva em conta a minha ignorância.
5. ─ Lembrai-vos perfeitamente da última existência? ─ Eu teria muita coisa a vos dizer, mas orai por mim, a fim de que isto me seja permitido.
6. ─ As torturas a que vos submetestes vos elevaram e tornaram mais feliz como Espírito? ─ Não me fizeram mal, mas não me ajudaram a avançar como inteligência.
7. ─ Peço-vos a fineza de ser precisa. Pergunto se aquilo vos foi levado à conta de mérito? ─ Direi que tendes um item no Livro dos Espíritos que dá a resposta geral. Quanto a mim, eu era uma pobre fanática.
NOTA: Alusão ao item 726 do Livro dos Espíritos, sobre os sofrimentos voluntários.
8. ─ Esse item diz que o mérito dos sofrimentos voluntários está na razão da utilidade resultante para o próximo. Ora, os das convulsionárias não tinham, segundo creio, senão um fim puramente pessoal. ─ Era geralmente pessoal, e se jamais falei disso a meus filhos, foi porque compreendia vagamente que não era aquele o verdadeiro caminho.
OBSERVAÇÃO: Aqui o Espírito da mãe responde por antecipação ao pensamento da filha, que desejava perguntar por que, em vida, tinha evitado falar disso aos filhos.
9. ─ Qual a causa do estado de crise das convulsionárias? ─ Disposição natural e superexcitação fanática. Jamais teria querido que meus filhos fossem arrastados para essa rampa fatal, que hoje ainda melhor reconheço como tal. Respondendo espontaneamente a uma reflexão de sua filha que, entretanto, não havia formulado a pergunta, acrescenta: ─ Eu não tinha educação, mas intuição de muitas existências anteriores.
10. ─ Dentre os fenômenos produzidos entre as convulsionárias, alguns têm analogia com certos efeitos sonambúlicos, como, por exemplo, a penetração do pensamento, a visão à distância, a intuição das línguas? O magnetismo representava nisso um algum papel? ─ Muito, e vários sacerdotes magnetizavam, sem o consentimento das pessoas.
11. ─ De onde provinham as cicatrizes que tínheis nas mãos e noutras partes do corpo? ─ Pobres troféus de nossas vitórias, que a ninguém serviram, e que por vezes excitaram paixões. Deveis compreender-me.
OBSERVAÇÃO: Parece que nas práticas das convulsionárias passavam-se coisas de grande imoralidade que haviam revoltado o coração honesto dessa senhora, e mais tarde, quando acalmada a febre fanática, fizeram-na tomar aversão por tudo quanto lhe trouxesse recordações do passado. É sem dúvida uma das razões que a levavam a não falar do assunto a seus filhos.
12. ─ Realmente eram operadas curas sobre o túmulo do diácono Pâris? ─ Oh! Que pergunta! Bem sabeis que não, ou pouca coisa, sobretudo para vós.
13. ─ Depois de vossa morte, vistes Pâris? ─ Desde que ingressei no mundo dos Espíritos, não me ocupei dele, porque o culpo por meu erro.
14. ─ Como o consideráveis quando viva? ─ Como um enviado de Deus, e é por isto que lhe censuro o mal que fez em nome de Deus.
15. ─ Mas não é ele inocente pelas tolices praticadas em seu nome após a sua morte? ─ Não, porque ele próprio não acreditava no que ensinava. Não o compreendi, quando viva, como o compreendo agora.
16. ─ É certo que o Espírito dele tenha ficado indiferente, como ele disse, às manifestações ocorridas em sua sepultura? ─ Ele vos enganou.
17. ─ Assim, ele excitava o zelo fanático? ─ Sim, e ainda o faz.
18. ─ Quais as vossas ocupações como Espírito? ─ Procuro instruir-me, e é por isso que disse que desejava vir entre vós.
19. ─ Em que lugar estais, aqui? ─ Perto do médium, com a mão sobre o seu braço ou sobre o seu ombro.
20. ─ Se pudéssemos ver-vos, sob que forma seríeis vista? ─ Minha filha veria sua mãe, como era quando viva. Quanto a vós, me veríeis em Espírito; a palavra não vo-la posso dizer.
21. ─ Tende a bondade de vos explicar. O que quereis dar a entender quando dizeis que eu vos veria em Espírito? ─ Uma forma humana transparente, conforme a depuração do Espírito.
22. ─ Dissestes haver tido outras existências. Tendes lembrança delas? ─ Sim, eu vo-lo disse, e por minhas respostas, deveis ver que tive muitas.
23. ─ Poderíeis dizer qual a que precedeu a última, que conhecemos? ─ Não esta noite e não por este médium. Pelo senhor, se quiserdes.
NOTA: Ela designa um dos assistentes, que começava a escrever como médium e explica sua simpatia por ele, porque, diz ela, o conheceu em sua precedente existência.
24. ─ Ficaríeis contrariada se eu publicasse esta conversa na Revista? ─ Não. É necessário que o mal seja divulgado; mas não me chameis... (seu nome de guerra). Detesto esse nome. Designai-me, se quiserdes, como grande mestra.
OBSERVAÇÃO: É para condescender com o seu desejo que não citamos o nome sob o qual era conhecida, e que lhe traz penosas recordações.
25. ─ Nós vos agradecemos por terdes vindo e pelas explicações que nos destes. ─ Sou eu que vos agradeço por terdes proporcionado a minha filha a ocasião de encontrar sua mãe, e a mim, a de poder fazer um pouco de bem.
Variedades
A bibliotecária de Nova YorkLê-se no Courrier des États-Unis:
“Um jornal de Nova York publica um fato bastante curioso, do qual certo número de pessoas já tinham conhecimento, e sobre o qual, há dias, eram feitos comentários muito interessantes. Os espiritualistas veem nele um exemplo a mais das manifestações do outro mundo. As pessoas sensatas não vão buscar a explicação tão longe, e reconhecem claros sintomas característicos de uma alucinação. Essa é também a opinião do próprio Dr. Cogswell, o herói da aventura.
O Dr. Cogswell é o bibliotecário chefe da Astor Library. O devotamento com que trabalha o acabamento de um catálogo completo da biblioteca, muitas vezes o leva a consagrar a esse trabalho as horas que deviam ser consagradas ao sono. É assim que tem ocasião, à noite, de visitar sozinho as salas onde tantos volumes se acham nas estantes.
Há cerca de quinze dias ele passava, com o castiçal na mão, pelas onze horas da noite, diante de um dos recantos cheios de livros, quando, para sua grande surpresa, percebeu um homem bem posto, que parecia examinar com cuidado os títulos dos volumes. Imaginando a princípio tratar-se de um ladrão, recuou e examinou atentamente o desconhecido. Sua surpresa tornou-se ainda mais viva quando reconheceu no visitante noturno o doutor..., o qual tinha vivido perto de LafayettePlace, mas que morrera e fora sepultado havia seis meses.
O Dr. Cogswell não acredita muito em aparições e as teme ainda menos. Não obstante, julgou que deveria tratar o fantasma com consideração e, levantando a voz, lhe disse:
─ Doutor, como é que vós, que quando vivo talvez nunca tenhais vindo a esta biblioteca, a visitais depois de morto?
Perturbado na sua contemplação, o fantasma olhou para o bibliotecário com suavidade e desapareceu sem responder.
─ Singular alucinação, disse o Dr. Cogswell para si mesmo. Talvez eu tivesse comido algo de indigesto ao jantar.
Voltou ao seu trabalho, depois foi deitar-se e dormiu tranquilamente. No dia seguinte, à mesma hora, teve vontade de visitar novamente a biblioteca. No mesmo lugar da véspera encontrou o mesmo fantasma. Dirigiu-lhe as mesmas palavras e obteve o mesmo resultado.
─ Isto é curioso, pensou ele. É preciso que eu volte amanhã.
Mas antes de voltar, o Dr. Cogswell examinou as estantes que pareciam interessar vivamente ao fantasma e, por singular coincidência, reconheceu que estavam cheias de obras antigas e modernas de necromancia. Assim, no dia seguinte, pela terceira vez, encontrou o doutor morto e, variando a pergunta, lhe disse:
─ É a terceira vez que vos encontro, doutor. Dizei-me se algum desses livros perturba o vosso repouso, para que eu o mande retirar da coleção.
O fantasma não respondeu, tanto quanto não respondera nas outras vezes, mas desapareceu definitivamente e o perseverante bibliotecário pôde voltar à mesma hora e ao mesmo lugar, noites seguidas, sem encontrá-lo.
Contudo, aconselhado por amigos aos quais havia contado a história, bem como por médicos a quem consultou, decidiu repousar um pouco e fazer uma viagem de algumas semanas até Charlestown, antes de retomar à tarefa longa e paciente que se havia imposto, e cuja fadiga, sem dúvida, havia causado a alucinação que acabamos de descrever
OBSERVAÇÃO: Sobre o artigo, faremos uma primeira observação: é a displicência com que os negadores dos Espíritos se atribuem o monopólio do bomsenso. “Os espiritualistas, diz o autor, aí veem um exemplo a mais das manifestações do outro mundo. As pessoas sensatas não vão buscar a explicação tão longe e reconhecem claramente os sintomas de uma alucinação”. Assim, conforme esse autor, só são sensatas as pessoas que pensam como ele; as demais não têm senso comum, mesmo que fossem doutores, e o Espiritismo os conta aos milhares. Estranha modéstia, na verdade, a que tem como máxima: Ninguém tem razão, salvo nós e nossos amigos!
Ainda estamos aguardando uma definição clara e precisa, uma explicação fisiológica da alucinação. Mas, na falta de explicação, há um sentido ligado ao vocábulo. No pensamento dos que o empregam, significa ilusão. Ora, ilusão quer dizer ausência de realidade. Segundo eles, é uma imagem puramente fantástica, produzida pela imaginação, sob o império de uma superexcitação cerebral. Não negamos que, em certos casos, assim possa ser. A questão é saber se todos os fatos do mesmo gênero estão em condições idênticas. Examinando o que foi relatado acima, parece que o Dr. Cogswell estava perfeitamente calmo, como ele mesmo o declara, e que nenhuma causa fisiológica ou moral teria vindo perturbar-lhe o cérebro. Por outro lado, mesmo admitindo nele uma ilusão momentânea, restava explicar como essa ilusão se produziu por vários dias seguidos, à mesma hora e nas mesmas circunstâncias, pois este não é o caráter da alucinação propriamente dita. Se uma causa material desconhecida impressionou seu cérebro no primeiro dia, é evidente que a causa cessou ao cabo de alguns instantes, quando a aparição desapareceu. Como, então, ela se reproduziu identicamente três dias seguidos, com 24 horas de intervalo? É lamentável que o autor tenha negligenciado dar explicações, porque, sem dúvida, deve ele ter excelentes razões, desde que faz parte do grupo de gente sensata.
Contudo, concordamos que, no fato mencionado, não há qualquer prova positiva da realidade e que, a rigor, poder-se-ia admitir que a mesma aberração dos sentidos tenha podido repetir-se. No entanto, ocorre o mesmo quando as aparições são acompanhadas de circunstâncias de certo modo materiais? Por exemplo, quando pessoas, não em sonho, mas perfeitamente despertas, veem parentes ou amigos ausentes, nos quais absolutamente não pensavam, aparecer-lhes no momento da morte, que vêm anunciar, pode-se dizer que seja um efeito da imaginação? Se a ocorrência da morte não fosse real, incontestavelmente haveria ilusão; mas quando o acontecimento vem confirmar a previsão, e o caso é muito frequente, como não admitir outra coisa senão simples fantasmagoria? Se, além disso, o fato fosse único, ou mesmo raro, poder-se-ia crer num jogo do acaso. No entanto, como temos dito, os exemplos são inumeráveis e perfeitamente confirmados. Que os alucinacionistas nos tragam uma explicação categórica e, então, veremos se suas razões são mais probantes que as nossas. Gostaríamos sobretudo que eles nos provassem a impossibilidade material que a alma ─ sobretudo se eles, que se julgam sensatos por excelência, admitem que temos uma alma sobrevivente ao corpo, ─ que nos provassem, dizíamos, que essa alma, que deve estar em algum lugar, não pode estar em torno de nós, ver-nos, ouvir-nos e assim. comunicar-se conosco.
“Um jornal de Nova York publica um fato bastante curioso, do qual certo número de pessoas já tinham conhecimento, e sobre o qual, há dias, eram feitos comentários muito interessantes. Os espiritualistas veem nele um exemplo a mais das manifestações do outro mundo. As pessoas sensatas não vão buscar a explicação tão longe, e reconhecem claros sintomas característicos de uma alucinação. Essa é também a opinião do próprio Dr. Cogswell, o herói da aventura.
O Dr. Cogswell é o bibliotecário chefe da Astor Library. O devotamento com que trabalha o acabamento de um catálogo completo da biblioteca, muitas vezes o leva a consagrar a esse trabalho as horas que deviam ser consagradas ao sono. É assim que tem ocasião, à noite, de visitar sozinho as salas onde tantos volumes se acham nas estantes.
Há cerca de quinze dias ele passava, com o castiçal na mão, pelas onze horas da noite, diante de um dos recantos cheios de livros, quando, para sua grande surpresa, percebeu um homem bem posto, que parecia examinar com cuidado os títulos dos volumes. Imaginando a princípio tratar-se de um ladrão, recuou e examinou atentamente o desconhecido. Sua surpresa tornou-se ainda mais viva quando reconheceu no visitante noturno o doutor..., o qual tinha vivido perto de LafayettePlace, mas que morrera e fora sepultado havia seis meses.
O Dr. Cogswell não acredita muito em aparições e as teme ainda menos. Não obstante, julgou que deveria tratar o fantasma com consideração e, levantando a voz, lhe disse:
─ Doutor, como é que vós, que quando vivo talvez nunca tenhais vindo a esta biblioteca, a visitais depois de morto?
Perturbado na sua contemplação, o fantasma olhou para o bibliotecário com suavidade e desapareceu sem responder.
─ Singular alucinação, disse o Dr. Cogswell para si mesmo. Talvez eu tivesse comido algo de indigesto ao jantar.
Voltou ao seu trabalho, depois foi deitar-se e dormiu tranquilamente. No dia seguinte, à mesma hora, teve vontade de visitar novamente a biblioteca. No mesmo lugar da véspera encontrou o mesmo fantasma. Dirigiu-lhe as mesmas palavras e obteve o mesmo resultado.
─ Isto é curioso, pensou ele. É preciso que eu volte amanhã.
Mas antes de voltar, o Dr. Cogswell examinou as estantes que pareciam interessar vivamente ao fantasma e, por singular coincidência, reconheceu que estavam cheias de obras antigas e modernas de necromancia. Assim, no dia seguinte, pela terceira vez, encontrou o doutor morto e, variando a pergunta, lhe disse:
─ É a terceira vez que vos encontro, doutor. Dizei-me se algum desses livros perturba o vosso repouso, para que eu o mande retirar da coleção.
O fantasma não respondeu, tanto quanto não respondera nas outras vezes, mas desapareceu definitivamente e o perseverante bibliotecário pôde voltar à mesma hora e ao mesmo lugar, noites seguidas, sem encontrá-lo.
Contudo, aconselhado por amigos aos quais havia contado a história, bem como por médicos a quem consultou, decidiu repousar um pouco e fazer uma viagem de algumas semanas até Charlestown, antes de retomar à tarefa longa e paciente que se havia imposto, e cuja fadiga, sem dúvida, havia causado a alucinação que acabamos de descrever
OBSERVAÇÃO: Sobre o artigo, faremos uma primeira observação: é a displicência com que os negadores dos Espíritos se atribuem o monopólio do bomsenso. “Os espiritualistas, diz o autor, aí veem um exemplo a mais das manifestações do outro mundo. As pessoas sensatas não vão buscar a explicação tão longe e reconhecem claramente os sintomas de uma alucinação”. Assim, conforme esse autor, só são sensatas as pessoas que pensam como ele; as demais não têm senso comum, mesmo que fossem doutores, e o Espiritismo os conta aos milhares. Estranha modéstia, na verdade, a que tem como máxima: Ninguém tem razão, salvo nós e nossos amigos!
Ainda estamos aguardando uma definição clara e precisa, uma explicação fisiológica da alucinação. Mas, na falta de explicação, há um sentido ligado ao vocábulo. No pensamento dos que o empregam, significa ilusão. Ora, ilusão quer dizer ausência de realidade. Segundo eles, é uma imagem puramente fantástica, produzida pela imaginação, sob o império de uma superexcitação cerebral. Não negamos que, em certos casos, assim possa ser. A questão é saber se todos os fatos do mesmo gênero estão em condições idênticas. Examinando o que foi relatado acima, parece que o Dr. Cogswell estava perfeitamente calmo, como ele mesmo o declara, e que nenhuma causa fisiológica ou moral teria vindo perturbar-lhe o cérebro. Por outro lado, mesmo admitindo nele uma ilusão momentânea, restava explicar como essa ilusão se produziu por vários dias seguidos, à mesma hora e nas mesmas circunstâncias, pois este não é o caráter da alucinação propriamente dita. Se uma causa material desconhecida impressionou seu cérebro no primeiro dia, é evidente que a causa cessou ao cabo de alguns instantes, quando a aparição desapareceu. Como, então, ela se reproduziu identicamente três dias seguidos, com 24 horas de intervalo? É lamentável que o autor tenha negligenciado dar explicações, porque, sem dúvida, deve ele ter excelentes razões, desde que faz parte do grupo de gente sensata.
Contudo, concordamos que, no fato mencionado, não há qualquer prova positiva da realidade e que, a rigor, poder-se-ia admitir que a mesma aberração dos sentidos tenha podido repetir-se. No entanto, ocorre o mesmo quando as aparições são acompanhadas de circunstâncias de certo modo materiais? Por exemplo, quando pessoas, não em sonho, mas perfeitamente despertas, veem parentes ou amigos ausentes, nos quais absolutamente não pensavam, aparecer-lhes no momento da morte, que vêm anunciar, pode-se dizer que seja um efeito da imaginação? Se a ocorrência da morte não fosse real, incontestavelmente haveria ilusão; mas quando o acontecimento vem confirmar a previsão, e o caso é muito frequente, como não admitir outra coisa senão simples fantasmagoria? Se, além disso, o fato fosse único, ou mesmo raro, poder-se-ia crer num jogo do acaso. No entanto, como temos dito, os exemplos são inumeráveis e perfeitamente confirmados. Que os alucinacionistas nos tragam uma explicação categórica e, então, veremos se suas razões são mais probantes que as nossas. Gostaríamos sobretudo que eles nos provassem a impossibilidade material que a alma ─ sobretudo se eles, que se julgam sensatos por excelência, admitem que temos uma alma sobrevivente ao corpo, ─ que nos provassem, dizíamos, que essa alma, que deve estar em algum lugar, não pode estar em torno de nós, ver-nos, ouvir-nos e assim. comunicar-se conosco.
A noiva traída
O fato seguinte foi contado pela Gazetta dei Teatri, de Milão, de 14 de março de 1860.
Um rapaz amava perdidamente uma jovem, que lhe correspondia, e com a qual ia casar-se, quando, cedendo a um culposo arrastamento, abandonou a noiva por uma mulher indigna de um verdadeiro amor. A infeliz abandonada roga, chora, mas tudo é inútil. Seu volúvel namorado fica surdo aos seus lamentos. Então, desesperada, entra na casa dele, onde, em sua presença, morre em consequência do veneno que havia tomado. À vista do cadáver daquela cuja morte acabara de causar, terrível reação dele se opera e quer pôr termo à vida. Contudo, sobrevive. Mas a consciência sempre lhe reprochava o crime. Desde o momento fatal, diariamente, à hora do jantar, ele via abrir-se a porta e a noiva aparecer-lhe na forma de um esqueleto ameaçador. Por mais que procurasse distrair-se, mudar de hábitos, viajar, frequentar meios alegres, parar o relógio, nada conseguia. Onde quer que estivesse, à hora certa o espectro sempre se apresentava. Em pouco tempo emagreceu e sua saúde alterou-se, a ponto de os médicos desistiram de salvá-lo.
Um médico seu amigo, estudando-o a sério, depois de inutilmente haver experimentado vários remédios, teve a ideia seguinte: Com a esperança de lhe demonstrar que era vítima de uma ilusão, procurou um verdadeiro esqueleto, que depositou no quarto anexo; depois, tendo convidado o amigo para jantar, ao soarem as quatro horas, que era a hora da visão, fez vir o esqueleto por meio de polias adrede dispostas. O médico julgava-se vitorioso, mas seu amigo, preso de súbito terror, exclamou:
─ Oh! Já não basta um! São dois agora. E caiu morto, como que fulminado.
OBSERVAÇÃO: Lendo o relato, que transcrevemos dando crédito ao jornal italiano, de onde o tiramos, os alucinacionistas terão matéria, pois que poderão dizer, com razão, que havia uma causa evidente de superexcitação cerebral, que pode produzir uma ilusão no espírito chocado. Com efeito, nada prova a realidade da aparição, que se poderia atribuir a um cérebro enfraquecido por um violento abalo. Para nós, que conhecemos tantos fatos análogos comprovados, dizemos que ela é possível e, em todo caso, o conhecimento aprofundado do Espiritismo teria dado ao médico um meio mais eficaz de curar seu amigo. O meio teria sido evocar a jovem em outras horas e conversar com ela, quer diretamente, quer através de um médium; perguntar-lhe o que deveria fazer para lhe ser agradável e obter o seu perdão; pedir ao anjo da guarda que intercedesse junto a ela para convencê-la; e como, em definitivo, ela o amava, certamente esqueceria os seus erros, se nele tivesse reconhecido um arrependimento e um pesar sinceros, em vez do simples terror, que nele talvez fosse o sentimento dominante. Ela teria cessado de mostrar-se sob uma forma horrível, para tomar a forma graciosa que tinha em vida, ou teria deixado de aparecer. Ela certamente ter-lhe-ia dito coisas boas que lhe teriam restabelecido a calma de espírito. A certeza de que jamais estariam separados; de que ela velava ao seu lado e de que um dia estariam unidos, lhe teria dado coragem e resignação. É um resultado que muitas vezes temos constatado. Os Espíritos que aparecem espontaneamente sempre têm um objetivo. No caso, o melhor é perguntar o que desejam. Se forem sofredores, é preciso orar por eles e fazer o que lhes pode ser agradável. Se a aparição tiver um caráter permanente e de obsessão, quase sempre cessa quando o Espírito é satisfeito. Se o Espírito que se manifesta com obstinação, quer à visão, quer por meios perturbadores que não poderiam ser tomados por uma ilusão; se é mau e age por maldade, geralmente é mais tenaz, o que não impede de se ter mais razão com a perseverança, e sobretudo pela prece sincera feita em sua intenção. Mas é preciso estar realmente persuadido de que para tanto não há palavras sacramentais, nem fórmulas cabalísticas, nem exorcismos que tenham a menor influência. Quanto piores, mais se riem do pavor que inspiram e da importância ligada à sua presença. Divertem-se ao serem chamados diabos ou demônios e por isso tomam gravemente os nomes de Asmodeu, Astaroth, Lúcifer e outras qualificações infernais, redobrando a malícia, ao passo que se retiram quando veem que perdem seu tempo com pessoas que não se deixam enganar, e que se limitam a pedir para eles a misericórdia divina.
Um rapaz amava perdidamente uma jovem, que lhe correspondia, e com a qual ia casar-se, quando, cedendo a um culposo arrastamento, abandonou a noiva por uma mulher indigna de um verdadeiro amor. A infeliz abandonada roga, chora, mas tudo é inútil. Seu volúvel namorado fica surdo aos seus lamentos. Então, desesperada, entra na casa dele, onde, em sua presença, morre em consequência do veneno que havia tomado. À vista do cadáver daquela cuja morte acabara de causar, terrível reação dele se opera e quer pôr termo à vida. Contudo, sobrevive. Mas a consciência sempre lhe reprochava o crime. Desde o momento fatal, diariamente, à hora do jantar, ele via abrir-se a porta e a noiva aparecer-lhe na forma de um esqueleto ameaçador. Por mais que procurasse distrair-se, mudar de hábitos, viajar, frequentar meios alegres, parar o relógio, nada conseguia. Onde quer que estivesse, à hora certa o espectro sempre se apresentava. Em pouco tempo emagreceu e sua saúde alterou-se, a ponto de os médicos desistiram de salvá-lo.
Um médico seu amigo, estudando-o a sério, depois de inutilmente haver experimentado vários remédios, teve a ideia seguinte: Com a esperança de lhe demonstrar que era vítima de uma ilusão, procurou um verdadeiro esqueleto, que depositou no quarto anexo; depois, tendo convidado o amigo para jantar, ao soarem as quatro horas, que era a hora da visão, fez vir o esqueleto por meio de polias adrede dispostas. O médico julgava-se vitorioso, mas seu amigo, preso de súbito terror, exclamou:
─ Oh! Já não basta um! São dois agora. E caiu morto, como que fulminado.
OBSERVAÇÃO: Lendo o relato, que transcrevemos dando crédito ao jornal italiano, de onde o tiramos, os alucinacionistas terão matéria, pois que poderão dizer, com razão, que havia uma causa evidente de superexcitação cerebral, que pode produzir uma ilusão no espírito chocado. Com efeito, nada prova a realidade da aparição, que se poderia atribuir a um cérebro enfraquecido por um violento abalo. Para nós, que conhecemos tantos fatos análogos comprovados, dizemos que ela é possível e, em todo caso, o conhecimento aprofundado do Espiritismo teria dado ao médico um meio mais eficaz de curar seu amigo. O meio teria sido evocar a jovem em outras horas e conversar com ela, quer diretamente, quer através de um médium; perguntar-lhe o que deveria fazer para lhe ser agradável e obter o seu perdão; pedir ao anjo da guarda que intercedesse junto a ela para convencê-la; e como, em definitivo, ela o amava, certamente esqueceria os seus erros, se nele tivesse reconhecido um arrependimento e um pesar sinceros, em vez do simples terror, que nele talvez fosse o sentimento dominante. Ela teria cessado de mostrar-se sob uma forma horrível, para tomar a forma graciosa que tinha em vida, ou teria deixado de aparecer. Ela certamente ter-lhe-ia dito coisas boas que lhe teriam restabelecido a calma de espírito. A certeza de que jamais estariam separados; de que ela velava ao seu lado e de que um dia estariam unidos, lhe teria dado coragem e resignação. É um resultado que muitas vezes temos constatado. Os Espíritos que aparecem espontaneamente sempre têm um objetivo. No caso, o melhor é perguntar o que desejam. Se forem sofredores, é preciso orar por eles e fazer o que lhes pode ser agradável. Se a aparição tiver um caráter permanente e de obsessão, quase sempre cessa quando o Espírito é satisfeito. Se o Espírito que se manifesta com obstinação, quer à visão, quer por meios perturbadores que não poderiam ser tomados por uma ilusão; se é mau e age por maldade, geralmente é mais tenaz, o que não impede de se ter mais razão com a perseverança, e sobretudo pela prece sincera feita em sua intenção. Mas é preciso estar realmente persuadido de que para tanto não há palavras sacramentais, nem fórmulas cabalísticas, nem exorcismos que tenham a menor influência. Quanto piores, mais se riem do pavor que inspiram e da importância ligada à sua presença. Divertem-se ao serem chamados diabos ou demônios e por isso tomam gravemente os nomes de Asmodeu, Astaroth, Lúcifer e outras qualificações infernais, redobrando a malícia, ao passo que se retiram quando veem que perdem seu tempo com pessoas que não se deixam enganar, e que se limitam a pedir para eles a misericórdia divina.
Superstição
Lemos no Siècle de 6 de abril de 1860:
O senhor Félix N..., jardineiro das proximidades de Orléans, tinha fama de possuir a habilidade de isentar os conscritos do sorteio, isto é, de fazê-los conseguir um bom número. Prometeu a um tal de Frédéric Vincent P..., jovem vinhateiro de St-Jean-de-Braye fazê-lo tirar o número que quisesse, mediante o pagamento de 60 francos, dos quais 30 adiantados e 30 após o sorteio. O segredo consistia em rezar três Pater e três Ave durante nove dias. Além disso, o feiticeiro afirmava que graças ao que ele faria, de sua parte, a coisa influenciaria muito o conscrito e o impediria de dormir durante a última noite, mas que ele seria dispensado. Infelizmente o encanto não funcionou. O conscrito dormiu como de costume e tirou o número 31, que o fez soldado. Repetidos tais fatos mais duas vezes, o segredo não foi mantido e o feiticeiro Félix foi levado à justiça.”
Os adversários do Espiritismo o acusam de despertar ideias supersticiosas. Mas, o que há de comum entre a doutrina que ensina a existência do mundo invisível comunicando-se com o visível, e fatos da natureza do que relatamos, que são os verdadeiros tipos de superstição? Onde jamais se viu o Espiritismo ensinar semelhantes absurdos? Se os que o atacam a tal respeito se tivessem dado ao trabalho de estudá-lo, antes de julgá-lo tão levianamente, saberiam que ele não só condena todas as práticas divinatórias, como lhes demonstra a nulidade. Portanto, como temos dito muitas vezes, o estudo sério do Espiritismo tende a destruir as crenças realmente supersticiosas. Na maioria das crenças populares há, quase sempre, um fundo de verdade, mas desnaturado, amplificado. São os acessórios, as falsas aplicações que, a bem dizer, constituem a superstição. Assim é que os contos de fadas e de gênios repousam sobre a ideia da existência de Espíritos bons ou maus, protetores ou malévolos; que todas as histórias de aparições têm sua fonte no fenômeno muito real das manifestações espíritas visíveis e mesmo tangíveis. Tal fenômeno, hoje perfeitamente verificado e explicado, entra na categoria dos fenômenos naturais, que são uma consequência das leis eternas da criação. Mas o homem raramente se contenta com a verdade que lhe parece muito simples. Ele a reveste com todas as quimeras criadas pela imaginação e é então que cai no absurdo. Vêm depois os que têm interesse em explorar essas mesmas crenças, às quais juntam um prestígio fantástico, próprio a servir aos seus objetivos. Daí essa turba de adivinhos, de feiticeiros, de ledores da sorte, contra os quais a lei se ergue com justiça. O Espiritismo verdadeiro, racional, não é, pois, mais responsável pelo abuso que dele possam fazer, do que o é a Medicina pelas fórmulas ridículas e práticas empregadas por charlatães ou ignorantes. Ainda uma vez, antes de julgá-lo, dai-vos ao trabalho de estudá-lo.
Concebe-se o fundo de verdade de certas crenças, mas talvez se pergunte sobre o que pode repousar a que deu lugar ao fato acima, crença muito espalhada no nosso interior, como se sabe. Parece-nos, à primeira vista, que tem sua origem no sentimento intuitivo dos seres invisíveis, aos quais se é levado a atribuir um poder que muitas vezes eles não têm. A existência de Espíritos enganadores que pululam à nossa volta por força da inferioridade do nosso globo, como insetos daninhos num pântano, e que se divertem à custa dos crédulos, predizendo-lhes um futuro quimérico sempre próprio a adular seus gostos e desejos, é um fato do qual temos provas diárias pelos médiuns atuais. O que se passa aos nossos olhos aconteceu em todas as épocas, pelos meios de comunicação em uso, conforme o tempo e o lugar, eis a realidade. Com o auxílio do charlatanismo e da cupidez, a realidade passou para o estado de crença supersticiosa.
O senhor Félix N..., jardineiro das proximidades de Orléans, tinha fama de possuir a habilidade de isentar os conscritos do sorteio, isto é, de fazê-los conseguir um bom número. Prometeu a um tal de Frédéric Vincent P..., jovem vinhateiro de St-Jean-de-Braye fazê-lo tirar o número que quisesse, mediante o pagamento de 60 francos, dos quais 30 adiantados e 30 após o sorteio. O segredo consistia em rezar três Pater e três Ave durante nove dias. Além disso, o feiticeiro afirmava que graças ao que ele faria, de sua parte, a coisa influenciaria muito o conscrito e o impediria de dormir durante a última noite, mas que ele seria dispensado. Infelizmente o encanto não funcionou. O conscrito dormiu como de costume e tirou o número 31, que o fez soldado. Repetidos tais fatos mais duas vezes, o segredo não foi mantido e o feiticeiro Félix foi levado à justiça.”
Os adversários do Espiritismo o acusam de despertar ideias supersticiosas. Mas, o que há de comum entre a doutrina que ensina a existência do mundo invisível comunicando-se com o visível, e fatos da natureza do que relatamos, que são os verdadeiros tipos de superstição? Onde jamais se viu o Espiritismo ensinar semelhantes absurdos? Se os que o atacam a tal respeito se tivessem dado ao trabalho de estudá-lo, antes de julgá-lo tão levianamente, saberiam que ele não só condena todas as práticas divinatórias, como lhes demonstra a nulidade. Portanto, como temos dito muitas vezes, o estudo sério do Espiritismo tende a destruir as crenças realmente supersticiosas. Na maioria das crenças populares há, quase sempre, um fundo de verdade, mas desnaturado, amplificado. São os acessórios, as falsas aplicações que, a bem dizer, constituem a superstição. Assim é que os contos de fadas e de gênios repousam sobre a ideia da existência de Espíritos bons ou maus, protetores ou malévolos; que todas as histórias de aparições têm sua fonte no fenômeno muito real das manifestações espíritas visíveis e mesmo tangíveis. Tal fenômeno, hoje perfeitamente verificado e explicado, entra na categoria dos fenômenos naturais, que são uma consequência das leis eternas da criação. Mas o homem raramente se contenta com a verdade que lhe parece muito simples. Ele a reveste com todas as quimeras criadas pela imaginação e é então que cai no absurdo. Vêm depois os que têm interesse em explorar essas mesmas crenças, às quais juntam um prestígio fantástico, próprio a servir aos seus objetivos. Daí essa turba de adivinhos, de feiticeiros, de ledores da sorte, contra os quais a lei se ergue com justiça. O Espiritismo verdadeiro, racional, não é, pois, mais responsável pelo abuso que dele possam fazer, do que o é a Medicina pelas fórmulas ridículas e práticas empregadas por charlatães ou ignorantes. Ainda uma vez, antes de julgá-lo, dai-vos ao trabalho de estudá-lo.
Concebe-se o fundo de verdade de certas crenças, mas talvez se pergunte sobre o que pode repousar a que deu lugar ao fato acima, crença muito espalhada no nosso interior, como se sabe. Parece-nos, à primeira vista, que tem sua origem no sentimento intuitivo dos seres invisíveis, aos quais se é levado a atribuir um poder que muitas vezes eles não têm. A existência de Espíritos enganadores que pululam à nossa volta por força da inferioridade do nosso globo, como insetos daninhos num pântano, e que se divertem à custa dos crédulos, predizendo-lhes um futuro quimérico sempre próprio a adular seus gostos e desejos, é um fato do qual temos provas diárias pelos médiuns atuais. O que se passa aos nossos olhos aconteceu em todas as épocas, pelos meios de comunicação em uso, conforme o tempo e o lugar, eis a realidade. Com o auxílio do charlatanismo e da cupidez, a realidade passou para o estado de crença supersticiosa.
Pneumatografia ou escrita direta
O Sr. X..., um dos nossos mais ilustres literatos, a 11 de fevereiro último estava em casa da Srta. Huet, com seis outras pessoas, há tempo iniciadas nas manifestações espíritas. O Sr. X... e a senhorita assentaram-se face a face, numa mesinha escolhida pelo Sr. X... Este tirou um papel do bolso, absolutamente limpo, dobrado em quatro e por ele marcado com um sinal quase imperceptível, mas suficiente para ser identificado. Colocou-o sobre a mesa e o cobriu com seu lenço branco. A senhorita Huet pôs as mãos sobre a ponta do lenço. De seu lado, o Sr. X... fez o mesmo, pedindo aos Espíritos uma manifestação direta, com uma finalidade instrutiva. O Sr. X... fez o pedido de preferência a Channing, que para isso foi evocado. Ao cabo de dez minutos, ele próprio levantou o lenço e retirou o papel, que tinha escrito de um lado o esboço de uma frase, traçada com dificuldade e quase ilegível, mas na qual se podia descobrir os rudimentos destas palavras: Deus vos ama. Na outra face estava escrito: Deus, no ângulo exterior, e Cristo, no fim do papel. Esta última palavra estava escrita de maneira a deixar um vinco na folha dupla.
Uma segunda prova foi feita nas mesmas condições e, ao cabo de um quarto de hora, o papel continha, na face inferior, e em caracteres fortemente traçados em preto, estas palavras inglesas: God loves you e, abaixo, Channing. No fim do papel estava escrito em francês: Fé em Deus. Enfim, no verso da mesma página, havia uma cruz com um sinal semelhante a um caniço, ambos traçados com uma substância vermelha.
Terminada a prova, o Sr. X... exprimiu à Srta. Huet o desejo de, por seu intermédio, como médium escrevente, obter algumas explicações mais desenvolvidas de Channing. Entre ele e o Espírito estabeleceu-se este diálogo:
─ Channing, estais presente?
─ Eis-me aqui. Estais contente comigo?
─ A quem se dirige o que escrevestes, a todos ou a mim particularmente?
─ Escrevi esta frase, cujo sentido se dirige a todos os homens. A experiência da escrita em inglês, no entanto, é para vós, em particular. Quanto à cruz, é o sinal da fé.
─ Por que a fizestes em vermelho?
─ Para vos pedir que tenhais fé. Eu não podia escrever porque era muito longo, então vos dei um sinal simbólico.
─ O vermelho é, pois, a cor simbólica da fé?
─ Certamente. É a representação do batismo de sangue.
OBSERVAÇÃO: A Srta. Huet não sabe inglês e o Espírito quis dar, assim, uma prova a mais de que seu pensamento era estranho à manifestação. Ele o fez espontaneamente e plenamente de acordo com a sua vontade, mas é mais do que provável que se lhe houvessem pedido como prova ele não teria atendido. Sabe-se que os Espíritos não gostam de servir de instrumento visando experiências. As provas mais patentes, por vezes, surgem quando menos se espera, e quando os Espíritos agem livremente, às vezes dão mais do que se lhes teria pedido, seja porque desejam mostrar sua independência, seja porque, para a produção de certos fenômenos, seria necessário o concurso de circunstâncias que nem sempre nossa vontade é suficiente para proporcionar. Nunca seria demasiado repetir que os Espíritos têm seu livre-arbítrio e querem provar-nos que não estão submetidos aos nossos caprichos. Por isso, raramente acedem ao desejo da curiosidade.
Os fenômenos, seja qual for a sua natureza, jamais estão à nossa disposição de uma maneira certa, e ninguém poderia garantir a sua obtenção à vontade e num dado momento. Quem quiser observá-los deve resignar-se à espera, e muitas vezes é, de parte dos Espíritos, uma prova para a perseverança do observador e do fim a que se propõe. Os Espíritos pouco se preocupam em divertir os curiosos, e não se ligam de boa vontade senão a gente séria, que dá provas de sua vontade de instruir-se, para tanto fazendo o que é preciso, sem mercadejar seu esforço e seu tempo.
A produção simultânea de sinais em caracteres de cores diferentes é um fato extremamente curioso, mas não é mais sobrenatural do que todos os outros. Podemos dar-nos conta disso lendo o artigo Pneumatografia ou escrita direta na Revista Espírita de agosto de 1859. Com a explicação, desaparece o maravilhoso, dando lugar a um simples fenômeno que tem sua razão de ser nas leis gerais da Natureza e no que poderia chamar-se a fisiologia dos Espíritos.
Uma segunda prova foi feita nas mesmas condições e, ao cabo de um quarto de hora, o papel continha, na face inferior, e em caracteres fortemente traçados em preto, estas palavras inglesas: God loves you e, abaixo, Channing. No fim do papel estava escrito em francês: Fé em Deus. Enfim, no verso da mesma página, havia uma cruz com um sinal semelhante a um caniço, ambos traçados com uma substância vermelha.
Terminada a prova, o Sr. X... exprimiu à Srta. Huet o desejo de, por seu intermédio, como médium escrevente, obter algumas explicações mais desenvolvidas de Channing. Entre ele e o Espírito estabeleceu-se este diálogo:
─ Channing, estais presente?
─ Eis-me aqui. Estais contente comigo?
─ A quem se dirige o que escrevestes, a todos ou a mim particularmente?
─ Escrevi esta frase, cujo sentido se dirige a todos os homens. A experiência da escrita em inglês, no entanto, é para vós, em particular. Quanto à cruz, é o sinal da fé.
─ Por que a fizestes em vermelho?
─ Para vos pedir que tenhais fé. Eu não podia escrever porque era muito longo, então vos dei um sinal simbólico.
─ O vermelho é, pois, a cor simbólica da fé?
─ Certamente. É a representação do batismo de sangue.
OBSERVAÇÃO: A Srta. Huet não sabe inglês e o Espírito quis dar, assim, uma prova a mais de que seu pensamento era estranho à manifestação. Ele o fez espontaneamente e plenamente de acordo com a sua vontade, mas é mais do que provável que se lhe houvessem pedido como prova ele não teria atendido. Sabe-se que os Espíritos não gostam de servir de instrumento visando experiências. As provas mais patentes, por vezes, surgem quando menos se espera, e quando os Espíritos agem livremente, às vezes dão mais do que se lhes teria pedido, seja porque desejam mostrar sua independência, seja porque, para a produção de certos fenômenos, seria necessário o concurso de circunstâncias que nem sempre nossa vontade é suficiente para proporcionar. Nunca seria demasiado repetir que os Espíritos têm seu livre-arbítrio e querem provar-nos que não estão submetidos aos nossos caprichos. Por isso, raramente acedem ao desejo da curiosidade.
Os fenômenos, seja qual for a sua natureza, jamais estão à nossa disposição de uma maneira certa, e ninguém poderia garantir a sua obtenção à vontade e num dado momento. Quem quiser observá-los deve resignar-se à espera, e muitas vezes é, de parte dos Espíritos, uma prova para a perseverança do observador e do fim a que se propõe. Os Espíritos pouco se preocupam em divertir os curiosos, e não se ligam de boa vontade senão a gente séria, que dá provas de sua vontade de instruir-se, para tanto fazendo o que é preciso, sem mercadejar seu esforço e seu tempo.
A produção simultânea de sinais em caracteres de cores diferentes é um fato extremamente curioso, mas não é mais sobrenatural do que todos os outros. Podemos dar-nos conta disso lendo o artigo Pneumatografia ou escrita direta na Revista Espírita de agosto de 1859. Com a explicação, desaparece o maravilhoso, dando lugar a um simples fenômeno que tem sua razão de ser nas leis gerais da Natureza e no que poderia chamar-se a fisiologia dos Espíritos.
Espiritismo e Espiritualismo
Num discurso feito há pouco tempo no Senado, por S. Emª. o Cardeal Donnet, nota-se a seguinte frase: “Mas hoje, como outrora, é certo dizer, com um eloquente publicista, que, no gênero humano, o Espiritualismo é representado pelo Cristianismo.”
Seria certamente estranho erro se pensássemos que o ilustre prelado, em tal circunstância, tenha entendido o Espiritualismo no sentido da manifestação dos Espíritos. O vocábulo é ali empregado na sua verdadeira acepção, e o orador não podia exprimir-se de outra maneira, a menos que se servisse de uma perífrase, porque não existe outro termo para exprimir o mesmo pensamento. Se não tivéssemos indicado a fonte de nossa citação, certamente poderiam pensar que tivesse saído textualmente da boca de um espiritualista americano, a propósito da Doutrina dos Espíritos, igualmente representada pelo Cristianismo, que é a sua mais sublime expressão. Conforme isto, seria possível que um futuro erudito, interpretando à vontade as palavras de Monsenhor Donnet, tentasse demonstrar aos nossos sobrinhos-netos que, no ano de 1860, um cardeal tinha professado publicamente, perante o Senado da França, a manifestação dos Espíritos?
Não vemos no fato uma nova prova da necessidade de ter um vocábulo para cada coisa, a fim de nos entendermos? Quantas intermináveis discussões filosóficas não tivemos por causa do sentido múltiplo das palavras! O inconveniente é mais grave ainda nas traduções, de que os textos bíblicos nos oferecem mais de um exemplo. Se, na língua hebraica, o mesmo vocábulo não tivesse significado dia e período, não nos teríamos enganado sobre o sentido do Gênesis, a propósito da duração da formação da Terra, e o anátema não teria sido lançado, por falta de entendimento, contra a Ciência, quando esta demonstrou que a formação não se poderia ter realizado em seis vezes 24 horas.
Seria certamente estranho erro se pensássemos que o ilustre prelado, em tal circunstância, tenha entendido o Espiritualismo no sentido da manifestação dos Espíritos. O vocábulo é ali empregado na sua verdadeira acepção, e o orador não podia exprimir-se de outra maneira, a menos que se servisse de uma perífrase, porque não existe outro termo para exprimir o mesmo pensamento. Se não tivéssemos indicado a fonte de nossa citação, certamente poderiam pensar que tivesse saído textualmente da boca de um espiritualista americano, a propósito da Doutrina dos Espíritos, igualmente representada pelo Cristianismo, que é a sua mais sublime expressão. Conforme isto, seria possível que um futuro erudito, interpretando à vontade as palavras de Monsenhor Donnet, tentasse demonstrar aos nossos sobrinhos-netos que, no ano de 1860, um cardeal tinha professado publicamente, perante o Senado da França, a manifestação dos Espíritos?
Não vemos no fato uma nova prova da necessidade de ter um vocábulo para cada coisa, a fim de nos entendermos? Quantas intermináveis discussões filosóficas não tivemos por causa do sentido múltiplo das palavras! O inconveniente é mais grave ainda nas traduções, de que os textos bíblicos nos oferecem mais de um exemplo. Se, na língua hebraica, o mesmo vocábulo não tivesse significado dia e período, não nos teríamos enganado sobre o sentido do Gênesis, a propósito da duração da formação da Terra, e o anátema não teria sido lançado, por falta de entendimento, contra a Ciência, quando esta demonstrou que a formação não se poderia ter realizado em seis vezes 24 horas.
Ditados espontâneos e dissertações espíritas
As diferentes ordens de EspíritosOuve-me, cara amiga, se queres que te diga boas e grandes coisas. Não vês a direção dada a certos acontecimentos, e a vantagem que daí se pode tirar para o progresso da obra santa? Escuta os Espíritos elevados, sobretudo guardando-te de não confundi-los com os que procuram impor-se com uma linguagem mais pretensiosa do que profunda. Não mistures os teus pensamentos com os deles. Seria admissível que os habitantes da Terra pudessem encarar as coisas do mesmo ponto de vista que os Espíritos desprendidos da matéria e obedientes às leis do Senhor? Não confundas num mesmo conjunto todos os Espíritos, pois eles são de ordens bem diferentes. O estudo do Espiritismo vo-lo ensina, mas, deste lado, quanto tendes ainda de aprender! Há sobre a Terra uma multidão de indivíduos cuja inteligência não se assemelha. Alguns dentre eles parecem aproximar-se mais dos animais que do homem, ao passo que há outros de tal modo superiores que se é tentado a dizer que se aproximam de Deus, espécie de blasfêmia que se deve traduzir pela ideia de que eles têm em si uma centelha dessas claridades celestes lançadas em seu coração pelo divino Mestre. Então! Seja qual for a diversidade das inteligências na raça humana, convence-te de que tal diversidade é infinitamente maior ainda entre os Espíritos. Existem Espíritos em tal grau de inferioridade, que não têm semelhantes entre os homens, ao passo que os há suficientemente purificados para se aproximarem de Deus e contemplá-lo em toda a sua glória. Submissos às menores ordens de Deus, só aspiram obedecer-lhe e agradá-lo. Chamados a circular em meio dos mundos, ou a fixar-se segundo o que convém à execução dos grandes desígnios do Senhor, a uns ele diz: Ide, revelai meu poder a esses seres grosseiros cuja inteligência já é tempo de se revelar. A outros: Percorrei esses mundos, a fim de que, guiados por vossos ensinamentos, os seres superiores que os habitam juntem novas grandezas a todas as que já lhes foram reveladas. Que todos sejam instruídos, pois dia virá em que as claridades do alto não serão mais obscurecidas, mas brilharão eternamente.
TEU AMIGO
Os dois ditados seguintes foram obtidos num pequeno círculo íntimo do bairro Luxemburgo, e nos são enviados por nosso colega Sr. Solichon, que os assistiu. Lamentamos que nossas ocupações ainda não tenham permitido ir a essas reuniões, para as quais tiveram a gentileza de nos convidar. Sentir-nos-emos felizes quando pudermos assisti-las, pois sabemos que um sentimento de verdadeira caridade cristã e de recíproca benevolência as preside.
TEU AMIGO
Os dois ditados seguintes foram obtidos num pequeno círculo íntimo do bairro Luxemburgo, e nos são enviados por nosso colega Sr. Solichon, que os assistiu. Lamentamos que nossas ocupações ainda não tenham permitido ir a essas reuniões, para as quais tiveram a gentileza de nos convidar. Sentir-nos-emos felizes quando pudermos assisti-las, pois sabemos que um sentimento de verdadeira caridade cristã e de recíproca benevolência as preside.
Remorso e arrependimento
Sinto-me feliz ao ver-vos todos reunidos pela mesma fé e pelo amor a Deus Todo-Poderoso, nosso divino Senhor. Possa ele sempre guiar-vos no bom caminho e cumular-vos com seus benefícios, o que fará se vos tornardes dignos.
Amai-vos sempre uns aos outros, como irmãos; prestai-vos mútuo auxílio, e que o amor ao próximo não vos seja uma palavra vazia de sentido.
Lembrai-vos de que a caridade é a mais bela das virtudes, e que, de todas, é a mais agradável a Deus, não só dessa caridade que dá um óbolo ao infeliz, mas dessa que se compadece das misérias de nossos irmãos; que vos faz partilhar de suas dores morais, aliviar o fardo que os oprime, a fim de lhes tornar a dor menos viva e a vida mais fácil.
Lembrai-vos de que o arrependimento sincero obtém o perdão de todas as faltas, tão grande é a bondade de Deus. O remorso nada tem em comum com o arrependimento. O remorso, meus irmãos, já é o prelúdio do castigo. O arrependimento, a caridade e a fé vos conduzirão às felicidades reservadas aos bons Espíritos.
Ides ouvir a palavra de um Espírito superior, bem-amado de Deus. Recolheivos e abri o vosso coração às lições que ele vos dará.
UM ANJO GUARDIÃO
Amai-vos sempre uns aos outros, como irmãos; prestai-vos mútuo auxílio, e que o amor ao próximo não vos seja uma palavra vazia de sentido.
Lembrai-vos de que a caridade é a mais bela das virtudes, e que, de todas, é a mais agradável a Deus, não só dessa caridade que dá um óbolo ao infeliz, mas dessa que se compadece das misérias de nossos irmãos; que vos faz partilhar de suas dores morais, aliviar o fardo que os oprime, a fim de lhes tornar a dor menos viva e a vida mais fácil.
Lembrai-vos de que o arrependimento sincero obtém o perdão de todas as faltas, tão grande é a bondade de Deus. O remorso nada tem em comum com o arrependimento. O remorso, meus irmãos, já é o prelúdio do castigo. O arrependimento, a caridade e a fé vos conduzirão às felicidades reservadas aos bons Espíritos.
Ides ouvir a palavra de um Espírito superior, bem-amado de Deus. Recolheivos e abri o vosso coração às lições que ele vos dará.
UM ANJO GUARDIÃO
Os médiuns
Estou satisfeita por ver-vos pontuais no encontro que marquei convosco. A bondade de Deus estender-se-á sobre vós, e nossos anjos da guarda sempre vos ajudarão com seus conselhos e vos preservarão contra a influência dos maus Espíritos, se souberdes escutar sua voz e fechar o coração ao orgulho, à vaidade e à inveja.
Deus encarregou-me da missão de cumprir junto aos crentes que ele favorece com o mediunato. Quanto mais graças receberem do Altíssimo, mais perigos correm. Esses perigos são tanto maiores, quanto nascem dos próprios favores que Deus lhes concede.
As faculdades de que desfrutam os médiuns lhes atraem elogios dos homens: felicitações, adulação, eis o escolho. Esses mesmos médiuns, que deveriam ter sempre na memória a sua incapacidade primitiva, a esquecem; fazem mais: o que só devem a Deus, atribuem ao seu próprio mérito. Que acontece então? Os bons Espíritos os abandonam; não mais tendo bússola para orientá-los, tornam-se joguetes dos Espíritos enganadores. Quanto mais capazes, mais são levados a considerar sua faculdade um mérito, até que, enfim, para os punir, Deus lhes retira o dom que apenas lhes pode ser fatal.
Nunca seria demais lembrar-vos que vos recomendeis ao vosso anjo guardião, para que vos ajude a vos manter em guarda contra vosso mais cruel inimigo, que é o orgulho. Lembrai-vos de que, sem o apoio do vosso divino Mestre, vós, que tendes a felicidade de servir de intermediários entre os Espíritos e os homens, sereis punidos, tanto mais severamente quanto mais favorecidos, se não tiverdes aproveitado a luz.
Apraz-me crer que esta comunicação, da qual dareis conhecimento à Sociedade, dará frutos, e que todos os médiuns que lá se acham reunidos manter-seão em guarda contra o escolho onde viriam quebrar-se. Esse escolho, já disse a todos, é o orgulho.
JOANA D’ARC Aviso: Temos a satisfação de anunciar aos nossos leitores a reimpressão da Histoire de Jeanne d’Arc, ditada por ela própria. Essa obra aparecerá dentro em pouco, na livraria do Sr. Ledoyen. Voltaremos a falar dela.
Deus encarregou-me da missão de cumprir junto aos crentes que ele favorece com o mediunato. Quanto mais graças receberem do Altíssimo, mais perigos correm. Esses perigos são tanto maiores, quanto nascem dos próprios favores que Deus lhes concede.
As faculdades de que desfrutam os médiuns lhes atraem elogios dos homens: felicitações, adulação, eis o escolho. Esses mesmos médiuns, que deveriam ter sempre na memória a sua incapacidade primitiva, a esquecem; fazem mais: o que só devem a Deus, atribuem ao seu próprio mérito. Que acontece então? Os bons Espíritos os abandonam; não mais tendo bússola para orientá-los, tornam-se joguetes dos Espíritos enganadores. Quanto mais capazes, mais são levados a considerar sua faculdade um mérito, até que, enfim, para os punir, Deus lhes retira o dom que apenas lhes pode ser fatal.
Nunca seria demais lembrar-vos que vos recomendeis ao vosso anjo guardião, para que vos ajude a vos manter em guarda contra vosso mais cruel inimigo, que é o orgulho. Lembrai-vos de que, sem o apoio do vosso divino Mestre, vós, que tendes a felicidade de servir de intermediários entre os Espíritos e os homens, sereis punidos, tanto mais severamente quanto mais favorecidos, se não tiverdes aproveitado a luz.
Apraz-me crer que esta comunicação, da qual dareis conhecimento à Sociedade, dará frutos, e que todos os médiuns que lá se acham reunidos manter-seão em guarda contra o escolho onde viriam quebrar-se. Esse escolho, já disse a todos, é o orgulho.
JOANA D’ARC Aviso: Temos a satisfação de anunciar aos nossos leitores a reimpressão da Histoire de Jeanne d’Arc, ditada por ela própria. Essa obra aparecerá dentro em pouco, na livraria do Sr. Ledoyen. Voltaremos a falar dela.