Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

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Dezembro

Aos assinantes da revista espírita

Três anos de existência foram suficientes para dar a conhecer aos leitores desta Revista o pensamento que preside à sua redação. A melhor prova de que tal pensamento tem o seu assentimento está no constante aumento de assinaturas, ainda notavelmente acrescidas neste último período. Mas o que para nós é infinitamente mais precioso são os testemunhos de simpatia e satisfação que diariamente recebemos. Seu sufrágio é para nós um encorajamento a continuarmos nossa tarefa, trazendo ao nosso trabalho todos os melhoramentos cuja utilidade a experiência nos mostrar. Como no passado, continuaremos o estudo raciocinado dos princípios da ciência do ponto de vista moral e filosófico, sem desprezar os fatos; mas, quando citamos os fatos, não nos limitamos a uma simples narração, talvez divertida, mas certamente estéril, se a eles não juntarmos a pesquisa das causas e a dedução das consequências. Por isso nos dirigimos à gente séria, que não se contenta em ver, mas que, antes de tudo, quer compreender e se dar conta do que vê. Aliás, a série dos fatos logo se esgota, se não quisermos cair nas repetições fastidiosas, pois todos giram mais ou menos no mesmo círculo e nada de novo ensinaríamos aos leitores quando lhes disséssemos que em tal ou qual casa fizeram as mesas girarem mais ou menos bem. Para nós, os fatos têm outro caráter: não são histórias, mas assuntos de estudo, e os de aparência mais simples podem por vezes dar lugar às mais interessantes observações. Aqui as coisas acontecem como na ciência comum, em que um pedacinho de erva encerra, para o observador, tantos mistérios quanto uma árvore gigante. Eis por que, nos fatos, consideramos muito mais o lado instrutivo do que o divertido e nos prendemos aos que nos podem ensinar alguma coisa, independentemente de sua maior ou menor estranheza.

Malgrado o número considerável de assuntos de que já temos tratado, estamos longe de haver esgotado a série de todos quantos se ligam ao Espiritismo, porque quanto mais se avança nesta ciência, mais se alarga o horizonte. Aqueles que temos por examinar fornecerão material por muito tempo ainda, sem contar os novos. Há muito que os adiamos de propósito, a fim de abordá-los à medida que o estado dos conhecimentos permita compreender melhor o seu alcance. Assim, por exemplo, hoje damos maior espaço às dissertações espíritas espontâneas, porque as instruções que encerram, na maioria, podem ser muito melhor apreciadas do que numa época em que apenas se conheciam os primeiros elementos da ciência. Outrora, teriam sido julgadas apenas do ponto de vista literário, e uma porção de pensamentos úteis e profundos teriam passado despercebidos, porque tratavam de pontos ainda desconhecidos ou mal compreendidos. A diversidade de assuntos não exclui o método, e a desordem é apenas aparente, pois cada coisa tem seu lugar determinado. A variedade acalma o espírito, mas a ordem lógica facilita o entendimento. O que nos esforçamos por evitar é fazer de nossa Revista uma coletânea indigesta. Por certo não temos a pretensão de fazer uma obra perfeita, mas esperamos que pelo menos seja levada em conta a nossa intenção.

NOTA: Aos senhores sócios que não queiram receber a Revista com atraso no ano de 1861, pedimos que renovem sua assinatura antes de 1.º de janeiro próximo.


Boletim

SEXTA-FEIRA, 26 DE OUTUBRO DE 1860 (SESSÃO GERAL)
Comunicações diversas:

1.º ─ Leitura de uma comunicação recebida pela Sra. M... sobre a seguinte pergunta: Se Deus criou todas as almas semelhantes, como é que de repente há tanta distância entre elas?

2.º ─ Leitura de várias comunicações recebidas pelo Sr. P..., médium de Sens. Uma, assinada por Homero, apresenta um fato notável, que pode ser considerado como uma prova de identidade: a revelação espontânea do nome de Melesigênio, sob o qual Homero era primitivamente designado. O nome era desconhecido pelo médium.

3.º ─ Exame de uma carta do Sr. L..., de Troyes, na qual relata fatos notáveis de manifestações físicas espontâneas ocorridas em 1866 com uma pessoa dessa cidade, e que lembram os de Bergzabern.

4.º ─ Carta do Sr. Dr. Morhéry, relatando diversos fatos singulares de manifestações espontâneas ocorridas em sua presença, com a Srta. Désirée Godu, e que coincidem com a chegada de uma carta do Sr. Allan Kardec.

Estudos:

1.º ─ Perguntas diversas a São Luís.

2.º ─ Evocação do filho do Sr. Morhéry, que diz ter participado das manifestações ocorridas em casa de seu pai.

3.º ─ Ditado espontâneo ao Sr. Alfred Didier, sobre o desespero, assinado por Lamennais.

4.º ─ Perguntas diversas a Lamennais, sobre vários casos particulares de suicídio; sobre as relações dos Espíritos e sobre a identidade de Homero na comunicação de Sens.


SEXTA-FEIRA, 2 DE NOVEMBRO DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR) Comunicações diversas:

1.º ─ Leitura de uma segunda comunicação de Homero, obtida pelo Sr. P..., de Sens, e de diversas perguntas e respostas a propósito desse mesmo assunto.

2.º ─ Desenhos obtidos por um médium de Lyon, notáveis pela originalidade, se não pela execução. Interrogado a respeito, São Luís diz que os desenhos têm o seu valor, porque são mesmo do Espírito, mas não têm significação muito precisa, pois o médium e o Espírito ainda não estão bem identificados um com o outro.

Acrescenta que o médium poderá, com o tempo, tornar-se excelente.

Estudos:

1.º ─ Perguntas a São Luís: 1º ─ sobre a fórmula de confirmação da identidade dos Espíritos; 2.º ─ sobre o papel do homem na moralização dos Espíritos imperfeitos; 3.º ─ sobre a aparição de Espíritos com a forma de chama; 4.º ─ sobre o valor dos desenhos enviados de Lyon; 5.º ─ sobre o transporte de objetos pelos Espíritos, seu erguimento do solo e sua invisibilidade;

2.º ─ Exame da questão de saber se os Espíritos podem operar o transporte de objetos a um recinto fechado e através de obstáculos materiais.

O Sr. L... faz observar que tais questões se ligam aos fenômenos de manifestações físicas, com as quais a Sociedade não deve ocupar-se.

O presidente responde que a pesquisa das causas é um ponto importante, que se liga diretamente ao estudo da ciência e entra no quadro dos trabalhos da Sociedade. Todas as partes da ciência devem ser elucidadas. Uma coisa é ocupar-se dessas pesquisas teóricas, e outra é fazer da produção dos fenômenos objeto exclusivo. Aliás, acrescenta, podemos recorrer a São Luís, rogando-lhe nos diga se considera a discussão que acaba de ocorrer como tempo perdido. São Luís responde: “Estou longe de considerar vossa conversa como inútil.”

3.º ─ Evocação de Charles Nodier. Solicitado a continuar o trabalho começado, ele responde que continuará na próxima vez e lembra a solenidade do dia num belo ditado espontâneo. Atendendo a um pedido, dita uma breve prece alusiva à circunstância.

4.º ─ É feito um apelo geral, sem designação especial, aos Espíritos sofredores que possam estar presentes, convidando-os a se identificarem. O Espírito de um homem altamente colocado, em vida, e falecido há dois anos, apresenta-se espontaneamente e testemunha, por sua linguagem ao mesmo tempo simples e digna, os bons sentimentos de que está agora animado e o pouco caso que faz das grandezas humanas. Responde com complacência e benevolência às perguntas que lhe são feitas.

SEXTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 1860 (SESSÃO GERAL) O Sr. Allan Kardec faz algumas observações sobre o que foi dito na última sessão, relativamente às manifestações físicas. A respeito, lembra a instrução dada por São Luís em novembro de 1858, quanto ao objetivo dos trabalhos da Sociedade. A instrução está assim formulada:

“Zombaram das mesas girantes, porém jamais zombarão da filosofia, da sabedoria e da caridade que brilham nas comunicações sérias. Elas foram o vestíbulo da ciência. É aí que ao entrar devem ser deixados os preconceitos, como se deixa um manto. Não é demais insistir para que façais de vossas reuniões um centro sério. Que alhures façam demonstrações físicas; que alhures vejam; que alhures ouçam, mas que entre vós se compreenda e se ame. Que pensais ser aos olhos dos Espíritos superiores, quando fazeis girar ou erguer-se uma mesa? Escolares. Passará o sábio o seu tempo a recordar o á-bê-cê da Ciência? Ao contrário, vendo que buscais as comunicações sérias, vos consideram como homens sérios em busca da verdade.”[1]

São Luís

Acrescenta o Sr. Allan Kardec: Não está aqui, senhores, um admirável programa, traçado com essa precisão e essa simplicidade de expressão que caracterizam os Espíritos realmente superiores? Que entre vós se compreenda, isto é, que todos devemos aprofundar tudo, para nos darmos conta de tudo; que entre vós se ame, isto é, que a caridade e uma benevolência mútua devem ser o objetivo dos nossos esforços, o laço a nos unir, a fim de mostrar pelo nosso exemplo o verdadeiro objetivo do Espiritismo. Estranhamente nos enganaríamos quanto aos sentimentos da Sociedade, se julgássemos que ela despreza o que se faz alhures. Nada é inútil, e as experiências físicas também têm sua vantagem, que nenhum de nós contesta. Se não nos ocupamos com elas, não é porque tenhamos outra bandeira. Temos nossa especialidade de estudos, como outros têm a sua, mas tudo isto se confunde num objetivo comum: o progresso e a propagação da ciência.

Comunicações diversas:

1.º ─ Leitura de ditados espontâneos recebidos fora da Sociedade.

2.º ─ Carta do Sr. L..., de Troyes, relatando fatos ocorridos em sua presença, produzidos pelo Espírito obsessor de que se tratou na última sessão. Esses fatos, que haviam cessado desde 1856, acabam de reproduzir-se em circunstâncias realmente notáveis, que serão objeto de estudo por parte da Sociedade.

Estudos:

1.º ─ Perguntas diversas sobre a obsessão; sobre a possibilidade de reproduzir pelo daguerreótipo a imagem das aparições visíveis e tangíveis; sobre as manifestações físicas do Sr. Squire.

2.º ─ Perguntas sobre o Espírito que se manifesta em Troyes e, notadamente, sobre os efeitos magnéticos produzidos nessa circunstância.

3.º ─ Cinco ditados espontâneos recebidos por quatro médiuns diferentes.

4.º ─ Evocação do Espírito perturbador de Troyes. Esse Espírito revela uma das mais baixas naturezas.



Arte pagã, arte cristã, arte espírita

Na sessão da Sociedade, de 23 de novembro, tendo-se manifestado espontaneamente o Espírito de Alfred de Musset (ver detalhe adiante, na sessão “Dissertações espíritas recebidas ou lidas na Sociedade por vários médiuns”), foi-lhe dirigida a seguinte pergunta:

─ A pintura, a escultura, a arquitetura e a poesia inspiraram-se sucessivamente nas ideias pagãs e nas cristãs. Podeis dizer-nos se depois da arte pagã e da arte cristã haverá algum dia uma arte espírita?

O Espírito respondeu:

─ Fazeis uma pergunta respondida por si mesma. O verme é verme; torna-se bicho da seda, depois borboleta. Que há de mais aéreo, de mais gracioso do que uma borboleta? Então! A arte pagã é o verme; a arte cristã é o casulo; a arte espírita será a borboleta.

Quanto mais se aprofunda o sentido desta graciosa comparação, mais se lhe admira a exatidão. À primeira vista poder-se-ia supor que o Espírito tivesse a intenção de rebaixar a arte cristã, colocando a arte espírita no coroamento do edifício, mas não há nada disto, e basta meditar nesta imagem poética para lhe captar a precisão. Com efeito, o Espiritismo apoia-se essencialmente no Cristianismo. Não vem substituí-lo. Completa-o e veste-o com roupagem brilhante. Nas fraldas do Cristianismo encontram-se os germes do Espiritismo. Se eles se repelissem mutuamente, um renegaria o seu filho, o outro, o seu pai. Comparando o primeiro ao casulo e o segundo à borboleta, o Espírito indica perfeitamente o laço de parentesco que os une. Há mais: a própria imagem pinta o caráter da arte que um inspirou e que o outro inspirará. A arte cristã teve que inspirar-se principalmente nas terríveis provações dos mártires e revestir a severidade de sua origem materna. A arte espírita, representada pela borboleta, inspirar-se-á nos vaporosos e esplêndidos quadros da existência futura desvelada. Ela plenificará de alegria a alma que a arte cristã havia penetrado de admiração e de temor. Será o canto de alegria após a batalha.

O Espiritismo encontra-se inteiramente na teogonia pagã, e a mitologia não passa de um quadro da vida espírita poetizada pela alegoria. Quem não reconheceria o mundo de Júpiter nos Campos Elíseos, com seus habitantes de corpos etéreos; os mundos inferiores no Tártaro; as almas errantes nos manes; os Espíritos protetores da família, nos lares e nos penates; no Lates, o esquecimento do passado, no momento da reencarnação; nas pitonisas, os nossos médiuns videntes e falantes; nos oráculos, as comunicações com o além-túmulo? A Arte necessariamente teve de inspirar-se nessa fonte tão fecunda para a imaginação, mas para elevar-se até o sublime do sentimento, faltava-lhe o sentimento por excelência: a caridade cristã.

Os homens só conheciam a vida material. A Arte procurou, antes de mais nada, a perfeição da forma.

A beleza corporal era, então, a primeira de todas as qualidades. A Arte apegouse a reproduzi-la, a idealizá-la, mas só ao Cristianismo estava destinado ressaltar a beleza da alma sobre a beleza da forma. Assim, a arte cristã, tomando a forma na arte pagã, adicionou-lhe a expressão de um sentimento novo, desconhecido dos Antigos.

Mas, como dissemos, a arte cristã teve que se ressentir da austeridade de sua origem e inspirar-se no sofrimento dos primeiros adeptos; as perseguições impeliram o homem ao isolamento e à reclusão, e a ideia do Inferno à vida ascética. Eis por que a pintura e a escultura são inspiradas, em três quartos dos casos, pelo quadro das torturas físicas e morais; a arquitetura se reveste de um caráter grandioso e sublime, mas sombrio; a música é grave e monótona como uma sentença de morte; a eloquência é mais dogmática do que tocante; a própria beatitude tem um cunho de tédio, de desocupação e de satisfação toda pessoal. Aliás, ela está tão longe de nós, colocada tão alto, que nos parece quase inacessível, e por isso nos toca tão pouco, quando a vemos reproduzida na tela ou no mármore.

O Espiritismo nos mostra o futuro sob uma luz mais ao nosso alcance; a felicidade está mais perto de nós, ao nosso lado, nos próprios seres que nos cercam e com os quais podemos entrar em comunicação; a morada dos eleitos não é mais isolada: há solidariedade incessante entre o Céu e a Terra; a beatitude já não é uma contemplação perpétua, que não passaria de eterna e inútil ociosidade: está numa constante atividade para o bem, sob o próprio olhar de Deus; não está na quietude de um contentamento pessoal, mas no amor recíproco de todas as criaturas chegadas à perfeição. O mau já não é degredado nas fornalhas ardentes, pois o Inferno se acha no próprio coração do culpado, que em si mesmo encontra o seu próprio castigo, mas Deus, em sua bondade infinita, deixando-lhe o caminho do arrependimento, deixa-lhe, ao mesmo tempo, a esperança, essa sublime consolação do infeliz.

Que fecundas fontes de inspiração para a Arte! Que obras primas essas ideias novas podem criar pela reprodução de cenas tão variadas e ao mesmo tempo tão suaves ou pungentes da vida espírita! Quantos assuntos ao mesmo tempo poéticos e palpitantes de interesse no incessante relacionamento dos mortais com os seres de além-túmulo; na presença, junto a nós, dos seres que nos são caros! Não será mais a representação de despojos frios e inanimados. Será a mãe tendo ao seu lado a filha querida, em sua forma etérea e radiosa de felicidade; um filho ouvindo atentamente os conselhos do pai que vela por ele; o ser pelo qual se ora, que vem testemunhar o seu reconhecimento. E, numa outra ordem de ideias, o Espírito do mal insuflando o veneno das paixões; o malvado fugindo do olhar de sua vítima que o perdoa; o isolamento do perverso em meio à multidão que o repele; a perturbação do Espírito, no momento de despertar, e sua surpresa à vista de seu corpo, do qual se admira de estar separado; o Espírito do defunto em meio aos seus ávidos herdeiros e amigos hipócritas; e tantos outros assuntos, tanto mais capazes de impressionar quanto mais de perto tocarem a vida real.

Quer o artista elevar-se acima da esfera terrestre? Encontrará temas não menos atraentes nesses mundos felizes que os Espíritos gostam de descrever, verdadeiros Édens de onde o mal foi banido, e nesses mundos ínfimos, verdadeiros infernos, onde todas as paixões reinam soberanamente.

Sim, repetimos, o Espiritismo abre para a Arte um campo novo, imenso e ainda não explorado, e quando o artista espírita trabalhar com convicção, como trabalharam os artistas cristãos, colherá nessa fonte as mais sublimes inspirações.

Quando dizemos que a arte espírita será um dia uma arte nova, queremos dizer que as ideias e as crenças espíritas darão às produções do gênio um cunho particular, como ocorreu com as ideias e crenças cristãs, e não que os assuntos cristãos caiam em descrédito; longe disto; mas, quando um campo está respigado, o ceifador vai colher alhures, e colherá abundantemente no campo do Espiritismo. Ele já o fez, sem dúvida, mas não de maneira tão especial quanto o fará mais tarde, quando for encorajado e excitado pelo assentimento geral; quando estas ideias estiverem popularizadas, o que não pode tardar, pois os cegos da geração atual diariamente desaparecem da cena, por força das coisas, e a geração nova terá menos preconceitos. A pintura mais de uma vez inspirou-se em ideias deste gênero. A poesia, sobretudo, está cheia delas, mas estão isoladas, perdidas na multidão. Tempo virá em que elas farão surgir obras magistrais, e a arte espírita terá seus Rafael e seus Michelângelo, como a arte pagã teve os seus Apeles e os seus Fídias.


História do maravilhoso (Pelo Sr. Louis Figuier)

Falando do Sr. Louis Figuier, em nosso primeiro artigo, procuramos verificar, antes de tudo, qual era o seu ponto de partida, e demonstramos, citando textualmente suas palavras, que ele se apoia na negação de qualquer força de natureza extracorpórea. Suas premissas devem fazer pressentir sua conclusão. Seu quarto volume, em que deveria tratar especialmente da questão das mesas girantes e dos médiuns, ainda não tinha aparecido, e nós o esperávamos para ver se daria desses fenômenos uma explicação mais satisfatória que a do Sr. Jobert (de Lamballe). Lemo-lo com cuidado e o que se evidenciou com mais clareza para nós foi que o autor tratou de um assunto que absolutamente não conhece. Não precisamos de outra prova disto, além das duas primeiras linhas, nestes termos: “Antes te abordar a história das mesas girantes e dos médiuns, cujas manifestações são inteiramente modernas, etc.” Como ignora o Sr. Figuier que Tertuliano fala em termos explícitos das mesas girantes e falantes? Que os chineses conheciam esse fenômeno desde tempos imemoriais? Que é praticado pelos tártaros e siberianos? Que há médiuns entre os tibetanos? Que os havia entre os assírios, entre os gregos e entre os egípcios? Que todos os princípios fundamentais do Espiritismo se acham nas filosofias sânscritas? Assim, é falso dizer que essas manifestações são inteiramente modernas. Os modernos nada inventaram a esse respeito e os espíritas se apoiam na antiguidade e na universalidade de sua doutrina, o que o Sr. Figuier deveria saber, antes de ter a pretensão de sobre ele fazer uma tratado ex-professo. Nem por isso sua obra deixou de receber as honras da imprensa, que se apressou em homenagear esse campeão das ideias materialistas.

Aqui se impõe uma reflexão, cujo alcance a ninguém escapará. Diz-se que nada é tão brutal quanto um fato. Ora, eis um que tem muito valor: é o progresso incrível das ideias espíritas, às quais com certeza nenhuma imprensa, nem pequena nem grande, prestou o seu concurso. Quando ela se dignou falar destes pobres imbecis que julgam ter uma alma, e que essa alma, após a morte, ainda se ocupa dos vivos, não foi senão para gritar anátema! contra eles, e mandá-los aos manicômios, perspectiva pouco encorajadora para o público ignorante do assunto.

O Espiritismo não tocou a trombeta da publicidade; não encheu os jornais de anúncios luxuosos. Como é então que sem ruído, sem brilho, sem o apoio dos que se fazem árbitros da opinião, se infiltra nas massas e, segundo a graciosa expressão de um crítico cujo nome não lembramos, depois de ter infestado as classes esclarecidas, agora penetra nas classes laboriosas? Que nos digam como, sem o emprego dos meios ordinários de propaganda, a segunda edição do Livro dos Espíritos esgotou-se em quatro meses. Diz-se que o povo se entusiasma com as coisas mais ridículas. Seja, mas a gente se entusiasma com o que diverte, uma história, um romance. Ora, o Livro dos Espíritos absolutamente não tem a pretensão de ser divertido. Não será porque a opinião pública encontra nessas crenças algo que desafia a crítica?

O Sr. Figuier achou a solução do problema: é, diz ele, o amor do maravilhoso. E tem razão. Tomemos o vocábulo maravilhoso na acepção que ele lhe empresta, e estaremos de acordo. Em sua opinião, sendo a Natureza apenas material, todo fenômeno extra-material é maravilhoso. Fora da matéria não há salvação. Consequentemente, a alma e tudo quanto lhe atribuem, seu estado após a morte, tudo isto é maravilhoso. Como ele, chamemo-lo maravilhoso. A questão é saber se esse maravilhoso existe ou não. O Sr. Figuier, que não gosta do maravilhoso e só o admite nos contos de Barba-Azul, diz que não. Mas se o Sr. Figuier não faz questão de sobreviver ao seu corpo; se despreza sua alma e a vida futura, nem todos participam de seus gostos e não é preciso que por isto desgoste os outros. Há muita gente para quem a perspectiva do nada tem muito poucos encantos e que espera encontrar lá em cima, ou acolá, pai, mãe, filhos ou amigos. O Sr. Figuier não se prende a isto. Gostos não se discutem.

Instintivamente o homem tem horror à morte, e havemos de convir que o desejo de não morrer para sempre é muito natural. Pode mesmo dizer-se que tal fraqueza é geral. Ora, como sobreviver ao corpo, se não possuirmos esse maravilhoso que se chama alma? Se temos uma alma, ela tem algumas propriedades, pois sem propriedades não seria alguma coisa. Para certas pessoas, infelizmente, não são propriedades químicas, e não se pode metê-la num frasco para ser conservada nos museus de Anatomia, como se conserva um crânio. Nisto, o Grande Obreiro realmente errou, por não havê-la feito mais palpável. Provavelmente ele não pensou no Sr. Figuier.

Seja como for, de duas uma: essa alma, se alma existir, vive ou não vive após a morte do corpo; é algo ou não é nada; não há meio termo. Vive ela para sempre ou por algum tempo? Se deve desaparecer em dado momento, seria o mesmo que se desaparecesse imediatamente; um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde, nem por isso o homem teria avançado mais. Se vive, faz algo ou nada faz. Mas como admitir um ser inteligente que nada faz, e isto por toda a Eternidade? Sem ocupação, a existência futura seria muito monótona. Não admitindo que uma coisa acessível aos sentidos possa produzir quaisquer efeitos, o Sr. Figuier é conduzido, em razão de seu ponto de partida, a essa conclusão de que todo efeito deve ter uma causa material. Eis porque ele coloca no domínio do maravilhoso, isto é, da imaginação, todos os efeitos atribuídos à alma e, em consequência, a própria alma, suas propriedades, seus feitos e seus gestos de além-túmulo. Os simples, que fazem a tolice de querer viver após a morte, naturalmente gostam de tudo quanto satisfaça aos seus desejos e confirme as suas esperanças. Eis por que amam o maravilhoso. Até agora se contentavam em dizer-lhes: “Nem tudo morre com o corpo; ficai tranquilos; nós vos damos a palavra de honra.” Sem dúvida era muito confortador, mas uma pequena prova não estragaria o negócio. Ora, eis que o Espiritismo, com seus fenômenos, vem lhes dar esta prova, e eles a aceitam com alegria. Eis todo o segredo de sua rápida propagação. Na realidade, ele dá foros de realidade a uma esperança: a de viver e, melhor que isto, de viver mais feliz. Ao passo que vós, Sr. Figuier, vos esforçais para lhes provar que tudo isto não passa de quimera e ilusão, ele levanta a coragem que vós abateis. Credes que entre os dois a escolha seja duvidosa?

O desejo de reviver após a morte é, pois, no homem, a fonte de seu amor pelo maravilhoso, isto é, por tudo quanto o liga à vida de além-túmulo. Se alguns homens, seduzidos por sofismas, puderam duvidar do futuro, não creiais que tenha sido de caso pensado. Não, porque essa ideia lhes inspira pavor, e é com terror que sondam as profundezas do nada. O Espiritismo acalma as suas inquietudes e dissipa as suas dúvidas. O que era vago, indeciso, incerto, toma uma forma e se torna uma realidade consoladora. Eis porque, nalguns anos, ele fez a volta ao mundo, pois todo o mundo quer viver e todo homem preferirá sempre as doutrinas que o confortam às que o espantam.

Voltemos à obra do Sr. Figuier e digamos logo que seu quarto volume, consagrado às mesas girantes e aos médiuns, em três quartas partes está cheio de histórias que não têm relação com o assunto, de maneira que o principal ali se torna o acessório. Cagliostro e o negócio do colar, que ali figuram não se sabe por quê; a moça elétrica; os caracóis simpáticos, ocupam treze dos dezoito capítulos. É verdade que essas histórias são tratadas com verdadeiro requinte de detalhes e de erudição, que as fará lidas com interesse, deixando-se de lado qualquer opinião espírita. Sendo seu objetivo provar o amor do homem pelo maravilhoso, busca ele todos os contos aos quais em todos os tempos o bom-senso já deu o justo valor, e esforça-se por provar que são absurdos, o que ninguém contesta. Então ele exclama: “Eis o Espiritismo fulminado!” Ouvindo-o, poder-se-á crer que as proezas de Cagliostro e os contos de Hoffmann são artigos de fé para os espíritas, e que os caracóis simpáticos têm toda a sua simpatia.

O Sr. Figuier não rejeita todos os fatos, longe disso. Contrariamente a outros críticos, que tudo negam sistematicamente, o que é mais cômodo, pois isso dispensa qualquer explicação, admite perfeitamente as mesas girantes e os médiuns, mas com larga margem para a trapaça. As senhorinhas Fox, por exemplo, são insignes prestidigitadoras, porque foram escarnecidas por jornalistas americanos pouco galantes. Ele admite até mesmo o magnetismo, como agente material, bem entendido; o poder fascinante da vontade e do olhar; o sonambulismo; a catalepsia; o hipnotismo; todos os fenômenos de Biologia. Que se guarde! Ele vai passar por um iluminado aos olhos de seus confrades. Mas, consequente consigo mesmo, quer tudo reduzir às leis da Física e da Fisiologia. É verdade que cita algumas testemunhas autênticas e das mais honradas em apoio dos fenômenos espíritas, mas se estende com satisfação sobre todas as opiniões contrárias, sobretudo as dos sábios que, como o Sr. Chevreul e outros, buscaram provas na matéria. Tem ele em grande estima a teoria do músculo que range, dos senhores Jobert e comparsas. Sua teoria, como a lanterna mágica da fábula, peca num ponto capital: perde-se num dédalo de explicações que necessitariam, elas próprias, de outras explicações para serem compreendidas. Outro defeito é que a cada passo ela é contraditada por fatos que ele não pode explicar e sobre os quais passa em silêncio, por uma razão muito simples: é que não os conhece. Ele nada viu ou pouco viu por si mesmo. Numa palavra, nada aprofundou de visu, com a sagacidade, a paciência e a independência de ideias do observador consciencioso. Contentou-se com relatos mais ou menos fantásticos encontrados em certas obras que não brilham pela imparcialidade. Não leva em conta os progressos que a ciência fez nos últimos anos, pois a toma em seu começo, no período em que ela avançava tateante; em que cada um trazia uma opinião incerta e prematura, e em que ela estava longe ainda de conhecer todos os fatos, absolutamente como se ele quisesse julgar a Química de hoje pelo que era ao tempo de Nicolas Flamel. Em nossa opinião, ao Sr. Figuier, por mais sábio que seja, falta a primeira qualidade de um crítico ─ a de conhecer a fundo aquilo de que fala, condição ainda mais necessária quando se quer explicá-lo.

Não o acompanharemos em todos os seus raciocínios. Preferimos indicar a sua obra, que todo espírita pode ler sem o menor perigo para as suas convicções. Só citaremos a passagem na qual ele explica sua teoria das mesas girantes, que resume mais ou menos a de todos os outros fenômenos:

“Vem a seguir a teoria que explica os movimentos das mesas girantes pelos Espíritos. Se a mesa girar após um quarto de hora de recolhimento e atenção por parte dos experimentadores, é, dizem, que os Espíritos, bons ou maus, anjos ou demônios, entraram na mesa e a puseram em oscilação. O leitor espera que discutamos tal hipótese? Não pensamos fazê-lo. Se decidíssemos provar, com grandes reforços de argumentos lógicos, que o diabo não entra nos móveis para fazêlos dançar, teríamos também de demonstrar que não são os Espíritos que, introduzidos em nosso corpo, nos fazem agir, falar, sentir, etc.[1] Todos esses fatos são da mesma ordem, e aquele que admite a intervenção do demônio para girar uma mesa, deve recorrer à mesma influência sobrenatural para explicar os atos que ocorrem em virtude de nossa vontade e com auxílio de nossos órgãos. Ninguém jamais quis seriamente atribuir os efeitos da vontade sobre os nossos órgãos, por mais misteriosa que seja a essência desse fenômeno, à ação de um anjo ou de um demônio. É, entretanto, a essa consequência que são levados os que querem ligar a rotação das mesas a uma causa sobre-humana.

“Digamos, para terminar esta curta discussão, que a razão proíbe recorrer a uma causa sobrenatural, sempre que uma causa natural pode bastar. Uma causa natural, normal, fisiológica, pode ser invocada para a explicação do movimento das mesas? Eis toda a questão.

“Ei-nos, pois, levados a expor o que nos parece dar conta do fenômeno estudado nesta última parte de nossa obra.

“A explicação do fato das mesas girantes, considerado na sua maior simplicidade, nos parece ser fornecida por esses fenômenos cujo nome até aqui variou muito, mas cuja natureza, no fundo, é idêntica, tanto que sucessivamente foi chamada hipnotismo com o Dr. Braid; biologismo com o Sr. Philips e sugestão com o Sr. Carpenter. Lembremos que, em consequência da forte tensão cerebral resultante da contemplação mantida por muito tempo, de um objeto imóvel, o cérebro cai num estado particular, que recebeu sucessivamente os nomes de estado magnético, de sono nervoso e de estado biológico, nomes diferentes que designam certas variantes particulares de um estado geralmente idêntico.

“Uma vez chegado a esse estado, quer pelos passes de um magnetizador, como se faz desde Mesmer; quer pela contemplação de um corpo brilhante, como operava Braid, depois imitado pelo Sr. Philips, e como operam ainda os feiticeiros árabes e egípcios; quer simplesmente, enfim, por uma forte contenção moral, de que citamos mais de um exemplo, o indivíduo cai nessa passividade automática que constitui o sono nervoso. Ele perdeu a força de dirigir e controlar a própria vontade e está sob o domínio de uma vontade estranha. Apresentam-lhe um copo d’água, afirmando que é deliciosa bebida, e ele bebe julgando tomar vinho, licor ou leite, conforme a vontade do que se apoderou fortemente de seu ser. Assim, privado do auxílio de seu próprio juízo, o indivíduo fica quase alheio às ações que executa e, voltando ao seu estado natural, perdeu a lembrança dos atos que realizou durante essa estranha e passageira abdicação de seu eu. Ele está sob a influência de sugestões, e isto significa que aceitando, sem poder repeli-la, uma ideia fixa que lhe é imposta por uma vontade externa, age e é forçado a agir sem ideia e sem vontade próprias, por conseguinte, sem consciência. Este sistema levanta uma grande questão de Psicologia, porque o homem assim influenciado perdeu o livre-arbítrio e não tem mais responsabilidade pelas ações que executa. Age determinado por imagens intrusas que lhe obsidiam o cérebro, análogas a essas visões que Cuvier supõe fixas no sensorium da abelha, e que lhe representam as formas e as proporções da célula que o instinto a leva a construir. O princípio das sugestões explica perfeitamente os fenômenos, tão variados e por vezes tão terríveis, das alucinações, e, ao mesmo tempo, mostra o pequeno intervalo que separa o alucinado do monomaníaco. Não será de admirar se num grande número de giradores de mesas, a alucinação sobreviveu à experiência e se transformou em loucura definitiva.

“Este princípio das sugestões, sob a influência do sono nervoso, nos parece fornecer a explicação do fenômeno da rotação das mesas tomado na sua maior simplicidade. Consideremos o que se passa na corrente de pessoas que se entregam a uma experiência do gênero. Tais pessoas estão atentas, preocupadas, fortemente emocionadas com a espera do fenômeno que se deve produzir. Uma grande atenção, um recolhimento completo de espírito lhes é recomendado. À medida que se prolonga a espera e que a contenção moral é por muito tempo entretida pelos experimentadores, seu cérebro se fatiga cada vez mais e as ideias sofrem uma ligeira perturbação. Quando, no inverno de 1860, assistimos em Paris às experiências do Sr. Philips; quando vimos as dez ou doze pessoas às quais ele confiava um disco metálico, com a determinação de olhar fixamente e unicamente esse disco, colocado na palma da mão durante meia hora, não pudemos deixar de ver nessas condições as que são reconhecidas como indispensáveis para a manifestação do estado hipnótico, a imagem fiel do estado em que se encontram as pessoas que silenciosamente formam a cadeia a fim de obter a rotação da mesa. Num, como no outro caso, há uma forte contenção do espírito, uma ideia perseguida com exclusividade durante um tempo considerável. O cérebro humano não pode resistir por muito tempo a essa tensão excessiva, a essa acumulação anormal do influxo nervoso. Das dez ou doze pessoas entregues à experiência, a maioria a abandona, forçadas a renunciar pela fadiga nervosa que experimentam. Somente algumas, uma ou duas, que perseveram, são presas do estado hipnótico ou biológico e então dão lugar aos fenômenos diversos que examinamos no curso desta obra, ao falar do hipnotismo e do estado biológico.

“Nessa reunião de pessoas fixamente ligadas durante vinte minutos ou meia hora, a formar a corrente, com as mãos estendidas sobre a mesa, sem liberdade de, por um instante, distrair a atenção da operação em que tomam parte, o maior número não experimenta qualquer efeito particular. Mas é muito difícil que ao menos uma delas não caia, por um momento, presa do estado hipnótico ou biológico. Esse estado não precisa durar mais que um segundo para que se realize o fenômeno esperado. O elemento da corrente caído nesse meio-sono nervoso, não tendo mais consciência de seus atos e sem outro pensamento senão a ideia fixa da rotação da mesa, imprime inconscientemente o movimento ao móvel. Ele pode, nesse momento, desenvolver uma força muscular relativamente considerável e a mesa se move. Dado esse impulso, realizado esse ato inconsciente, nada mais é preciso. Assim, passageiramente biologizado, o indivíduo pode a seguir voltar ao seu estado ordinário, porque, apenas manifestado esse movimento mecânico na mesa, logo todos os componentes da corrente se levantam e seguem seus movimentos ou, por outras palavras, fazem a mesa marchar, pensando que apenas a acompanham. Quanto ao indivíduo, causa involuntária e inconsciente do fenômeno, como não conserva nenhuma lembrança dos atos executados nesse estado de sono nervoso, ignora o que fez e fica indignado quando o acusam de haver empurrado a mesa. Até suspeita que outros membros da mesa tenham feito uma pilhéria de mau gosto, de que o acusam. Daí as frequentes discussões e mesmo essas disputas sérias a que tantas vezes deu lugar o divertimento das mesas girantes.

“Esta é a explicação que julgamos poder dar, no que concerne ao fato da rotação das mesas, tomado na sua maior simplicidade. Quanto aos movimentos da mesa respondendo a perguntas, os pés que se levantam às ordens e que, pelo número de batidas, respondem às perguntas feitas, o mesmo sistema o explica se admitirmos que, entre os membros da corrente, haja algum no qual o estado de sono nervoso conserve certa duração. Tal indivíduo, hipnotizado malgrado seu, responde às perguntas e às ordens que lhe são dadas, inclinando a mesa ou fazendo-a dar pancadas, conforme o pedido. Voltando depois ao estado natural, esqueceu todos os atos assim realizados, como qualquer indivíduo magnetizado ou hipnotizado perde a lembrança dos atos executados nesse estado. O indivíduo que representa o papel malgrado seu é, pois, uma espécie de dorminhoco acordado; não é absolutamente sui compos; está num estado mental que participa do sonambulismo e da fascinação. Não dorme; está encantado ou fascinado em virtude da forte concentração moral imposta: é um médium. Como este último exercício é de ordem superior ao primeiro, não pode ser obtido em todos os grupos. Para que a mesa responda às perguntas feitas, levantando um de seus pés e dando pancadas, é necessário que os indivíduos que operam tenham praticado seguidamente o fenômeno da mesa girante, e que entre eles se encontre um particularmente apto a cair naquele estado, que nele caia mais depressa pelo hábito e assim permaneça por mais tempo: numa palavra, é preciso um médium experimentado.

“Dir-se-á, porém, que vinte minutos ou meia hora nem sempre são necessários para obter o fenômeno de rotação de um guéridon[2] ou de uma mesa. Muitas vezes, ao cabo de quatro ou cinco minutos, a mesa se põe em movimento. A tal observação responderemos que um magnetizador, quando trabalha com seu sensitivo habitual ou com um sonâmbulo profissional, faz este cair em sonambulismo em um ou dois minutos, sem passes, sem aparelho e pela simples imposição fixa do olhar. É então o hábito que torna o fenômeno mais fácil e rápido. Também os médiuns exercitados podem em pouco tempo chegar a esse estado de meio-sono nervoso, que deve tornar inevitável o fato da rotação da mesa ou o movimento dado por ele ao móvel, conforme o pedido feito.”

Não sabemos como o Sr. Figuier aplicaria a sua teoria aos movimentos que se dão, aos ruídos que se ouvem, ao deslocamento de objetos, sem o contato do médium, sem a participação de sua vontade, contra a sua vontade. Mas há muitas outras coisas que ele não explica. Aliás, aceitando-se mesmo a sua teoria, teríamos um fenômeno fisiológico dos mais extraordinários e bem digno da atenção dos sábios. Por que, então, o desdenharam?

O Sr. Figuier termina o seu Tratado do Maravilhoso por uma curta notícia sobre o Livro dos Espíritos. Julga-o do seu ponto de vista, naturalmente: “A filosofia, diz ele, é obsoleta e a moral adormecedora.” Sem dúvida teria preferido uma moral galhofeira e viva. Mas que fazer? É uma moral para uso da alma; aliás, ela teria sempre uma vantagem: a de fazer dormir. É para ele uma receita em caso de insônia.



[1] Não são Espíritos que nos fazem agir e pensar, mas um Espírito que é a nossa alma. Negar esse espírito é negar e alma; negar a alma é proclamar o materialismo puro. Parece que o Sr. Figuier pensa que, como ele, ninguém crê ter uma alma imortal, ou que ele crê ser todo o mundo.


[2] Espécie de mesa de três pés. (N. R.)




Palestras familiares de além-túmulo

Baltazar, o Espírito gastrônomo - 2ª Palestra

Um dos nossos assinantes, ao ler na Revista Espírita de novembro a evocação do Espírito que se deu a conhecer pelo nome de Baltazar, julgou reconhecer nele um homem que tinha conhecido pessoalmente, e cuja vida e caráter coincidiam perfeitamente com todos os detalhes referidos. Não duvidava que fosse o mesmo que se havia manifestado sob um nome de fantasia e nos pediu que nos certificássemos em nova evocação. Segundo ele, Baltazar não era outro senão o Sr. G... de la R..., conhecido por suas excentricidades, sua fortuna e seus gostos gastronômicos.

1. Evocação. ─ Ah! Eis-me aqui. Mas nunca tendes algo a me oferecer. Decididamente sois pouco amáveis.

2. ─ Quereis dizer o que vos poderíamos oferecer para vos ser agradáveis? ─ Oh! Pouca coisa: um chazinho; um jantarzinho muito fino, eu gostaria mais disso, e estas senhoras, sem contar os senhores aqui presentes, não o rejeitariam, haveis de concordar.

3. ─ Conhecestes um certo Sr. G... de la R...? ─ Creio que sois curiosos.

4. ─ Não; não é curiosidade; dizei, por favor, se o conhecestes. ─ Então quereis descobrir o meu incógnito.

5. ─ Assim, sois o Sr. G... de la R...? ─ Ora! Sim, sem almoço.

6. ─ Não fomos nós que descobrimos o incógnito. Foi um dos vossos amigos aqui presente. ─ É um palrador; deveria ter ficado calado.

7. ─ Em que isto vos pode aborrecer? ─ Em nada, mas eu preferia não ter sido reconhecido imediatamente. Dá no mesmo. Não esconderei meus gostos por isto. Se soubesses que jantares eu dava, concordarias que eram bons e tinham um valor que não mais se aprecia.

8. ─ Não, eu não sei. Mas falemos mais seriamente, por favor, e ponhamos de lado os jantares e ceias, que nada nos ensinam. Nosso objetivo é de nos instruirmos, e por isso vos pedimos dizer qual o sentimento que vos levou, no dia de vossa festa de formatura como advogado, a fazer vossos colegas jantarem numa sala decorada como uma câmara mortuária? ─ Não destacais, no meio de todas as minhas excentricidades de caráter, um fundo de tristeza causado pelos erros da Sociedade, sobretudo pelo orgulho daquela que eu frequentava e da qual fazia parte pelo nascimento e pela fortuna? Eu buscava atordoar meu coração por todas as loucuras imagináveis, e me chamavam louco, extravagante. Pouco me importava. Saindo dessas ceias tão gabadas por sua originalidade, eu corria a praticar uma boa ação que ignoravam, mas para mim dava na mesma: meu coração ficava satisfeito e os homens também. Eles riam de mim ao passo que eu me divertia às custas deles. Que direis dessa ceia em que cada convidado tinha seu esquife às costas! Seus rostos transtornados me divertiam muito. Assim, como vedes, era a loucura aparente unida à tristeza do coração.

9. ─ Qual a vossa opinião atual sobre a Divindade? ─ Eu não esperei deixar o corpo para crer em Deus. Acontece apenas que o corpo que tanto amei materializou meu Espírito a tal ponto que lhe será preciso muito tempo para quebrar todos os laços terrenos, todas os laços das paixões que o prendiam à Terra.

OBSERVAÇÃO: Vê-se que de um assunto aparentemente frívolo se podem tirar ensinamentos úteis. Não existe algo de eminentemente instrutivo nesse Espírito que, conservando no além instintos corporais, reconhece que o abuso das paixões de certo modo materializou o seu Espírito?

A educação de um espírito

Um dos nossos assinantes, cuja esposa é ótima médium escrevente, não pode, apesar disso, comunicar-se com parentes e amigos, porque um mau Espírito se interpõe e intercepta, por assim dizer, todas as comunicações, o que lhe causa viva contrariedade. Notemos que há simples obsessão, e não subjugação, porque a médium absolutamente não é enganada por esse Espírito que, aliás, é francamente mau e não procura esconder o seu jogo. Tendo pedido nosso conselho a respeito, dissemos-lhe que não se livraria dele nem pela cólera, nem pelas ameaças, mas pela paciência; que ela precisava dominá-lo pelo ascendente moral e buscar torná-lo melhor pelos bons conselhos; que é um encargo de alma que lhe é confiado, e cuja dificuldade lhe será meritória.

Segundo nosso conselho, marido e esposa empreenderam a educação desse Espírito, e devemos dizer que se conduzem admiravelmente e que, se não o conseguirem, nada terão de que se censurar. Extraímos algumas passagens dessas instruções, que damos como modelo no gênero, porque a natureza desse Espírito nelas se desenha de maneira característica.

1. ─ Para que sejas mau assim, é preciso que sofras? ─ Sim, eu sofro, e é isto que me faz ser mau.

2. ─ Jamais sentes remorso do mal que fazes ou procuras fazer? ─ Não; jamais tenho remorso, e sinto prazer com o mal que faço, porque não posso ver os outros felizes sem sofrer.

3. ─ Não admites, então, que se possa ser feliz com a felicidade alheia, em vez de encontrar felicidade em sua desgraça? Jamais fizeste tais reflexões? ─ Jamais as fiz, e acho que tens razão, mas não posso me... não posso fazer o bem; eu sou...

OBSERVAÇÃO: Essas reticências substituem as garatujas feitas pelo Espírito, quando não quer ou não pode escrever uma palavra.

4. ─ Mas, enfim, não queres escutar-me e experimentar os conselhos que poderia dar-te? ─ Não sei, porque tudo quanto me dizes me faz sofrer ainda mais, e não tenho coragem de fazer o bem.

5. ─ Ora! Prometes-me ao menos tentar? ─ Oh não! Não posso, porque não cumpriria a promessa e por isso seria punido. Ainda é preciso pedires a Deus que me mude o coração.

6. ─ Então, oremos juntos. Pede comigo que Deus te melhore. ─ Digo-te que não posso; sou muito mau e agrada-me fazer o mal.

7. ─ Mas, realmente, querias fazê-lo a mim? Eu não considero como mal real as tuas mistificações que, por certo, até aqui nos têm sido mais úteis que prejudiciais, pois serviram para nossa instrução. Assim, como vês, perdes o tempo. ─ Sim, eu fiz tanto quanto posso, e se não faço mais é porque não posso.

8. ─ Que é o que te impede? ─ O teu bom anjo da guarda e tua Maria, sem o que verias do que sou capaz.

OBSERVAÇÃO: Maria é o nome de uma jovem que eles evocam em vão, e que não se pode manifestar por causa desse Espírito. Vê-se, porém, pela resposta mesma do Espírito, que se ela não pode manifestar-se materialmente, não deixa de lá estar, assim como o anjo da guarda, velando por eles. Este fato levanta um sério problema, o de saber como um mau Espírito pode impedir as comunicações de um bom. Ele impede as comunicações materiais, mas não pode opor-se às espirituais. Não é o mau Espírito mais poderoso que o bom; é o médium que não é bastante forte para vencer a obstinação do mau, e que deve esforçar-se por vencê-lo pelo ascendente do bem, melhorando-se mais e mais. Deus permite essas provas em nosso benefício.

9. ─ Então que me farias? ─ Eu te faria mil coisas, umas mais desagradáveis que outras; eu te faria...

10. ─ Vejamos, pobre Espírito; jamais tens um gesto generoso? Jamais tens um só desejo de fazer algum bem, ainda que fosse um vago desejo? ─ Sim, um desejo vago de fazer o mal. Não posso ter outro. É preciso que ores a Deus, para que eu seja tocado, pois do contrário continuarei mau, com certeza.

11. ─ Então crês em Deus? ─ Não posso deixar de crer, já que me faz sofrer.

12. ─ Então! Já que acreditas em Deus, deves ter confiança em sua perfeição e em sua bondade. Deves compreender que ele não fez suas criaturas para votá-las à desgraça; que se são infelizes, é por sua própria culpa e não pela dele, mas que elas sempre têm meios de melhorar e, consequentemente, de chegar à felicidade; que Deus não fez suas criaturas inteligentes sem objetivo e que esse objetivo é fazer que todas concorram para a harmonia universal: a caridade e o amor ao próximo; que a criatura que se afasta de tal objetivo perturba a harmonia e ela própria é a primeira vítima a sofrer os efeitos da perturbação a que deu causa. Olha em torno de ti e acima de ti. Não vês Espíritos felizes? Não tens o desejo de ser como eles, já que dizes que sofres? Deus não os criou mais perfeitos do que tu; como tu, talvez tenham sofrido, mas se arrependeram e Deus lhes perdoou. Tu podes fazer como eles. ─ Começo a ver e a compreender que Deus é justo. Eu ainda não tinha visto. És tu que me vens abrir os olhos.

13. ─ Então! Já não sentes o desejo de melhorar? ─ Ainda não.

14. ─ Espera, que isto virá. Eu o espero. Disseste à minha mulher que ela te torturava, enquanto te invocava. Crês que procuramos torturar-te? ─ Não. Bem vejo que não, mas não é menos verdade que sofro mais que nunca e vós sois a causa disto.

OBSERVAÇÃO: Interrogado quanto à causa de tal sofrimento, um Espírito superior respondeu: ─ A causa está no combate que ele trava consigo mesmo; malgrado seu, sente algo que o arrasta para um melhor caminho, mas resiste; é essa luta que o faz sofrer. ─ Quem vencerá nele: o bem ou o mal? ─ O bem, mas a luta será longa e difícil. É preciso ter muita perseverança e devotamento.

15. ─ O que poderíamos fazer para que não sofras mais? ─ É preciso que ores a Deus para que me perd... (ele risca as duas últimas letras) que ele tenha piedade de mim.

16. ─ Então! Ora conosco. ─ Não posso.

17. ─ Disseste que tens de crer em Deus, pois que ele te faz sofrer. Mas como sabes que é Deus que te faz sofrer? ─ Ele me faz sofrer porque sou mau.

18. ─ Se é verdade que julgas ser Deus que te faz sofrer, deves reconhecer nisso o motivo e não podes imaginar que Deus seja injusto. ─ Sim, creio na justiça de Deus.

19. ─ Disseste que nós te abrimos os olhos. Verdade ou não, o certo é que não podes dissimular a verdade do que te dizemos. Ora, quer tenhas tomado conhecimento de tais verdades antes de nos conheceres ou por nosso intermédio, o essencial é que as conheças. Hoje, o grande negócio para ti é tirar partido delas. Dize, pois, francamente, se a satisfação que experimentas em fazer o mal não te deixa nada a desejar. ─ Desejo que meus sofrimentos acabem; eis tudo. E eles não acabarão nunca.

20. ─ Compreendes que depende de ti que eles acabem? ─ Compreendo.

21. ─ Em tua última existência corpórea te entregaste sem reservas às más inclinações, como parece que fazes agora? ─ Convém saberes que sou mais imundo que uma fera. Sou um miserável que fez tudo até...

22. ─ Eu ou minha mulher te fizemos algum mal? Tens alguma coisa a lamentar de nós numa outra existência? ─ Não; eu não...

23. ─ Então, dize por que encontras mais prazer em te encarniçares contra gente inofensiva como nós, que te queremos bem, em vez de contra gente má, que talvez sejam, ou tenham sido teus inimigos? ─ Eles não me causam inveja.

OBSERVAÇÃO: Esta resposta é característica: pinta o ódio do mau contra os homens que sabe serem melhores que ele. É a inveja que o cega e que por vezes o impele a atos totalmente contrários aos seus interesses. Acontece o mesmo aqui na Terra, onde frequentemente o maior dano de um homem, aos olhos de certas pessoas, é o seu mérito. Aristides é um exemplo disso.

24. ─ Eras mais feliz na Terra, do que agora? ─ Oh! Sim. Eu era rico e de nada me privava. Cometi baixezas de toda sorte e fiz todo o mal que se pode, quando se tem dinheiro e miseráveis à disposição.

25. ─ Por que me pedias outro dia que te deixasse tranquilo? ─ Porque não queria responder às perguntas que me dirigias. Mas estou à vontade por me evocares e queria sempre escrever, porque o tédio me mata. Oh! Não sabes o que é estar continuamente em presença das próprias faltas e dos próprios crimes, como eu estou!

26. ─ Que impressão experimentas à vista de uma ação generosa? ─ Experimento despeito. Gostaria de aniquilá-la.

27. ─ Durante tua última existência corpórea jamais fizeste uma boa ação, fosse qual fosse o móvel? ─ Fiz por ambição e orgulho; jamais por bondade. Por isso, não me foi levada em conta.

OBSERVAÇÃO: Essas conversas se prolongaram por várias sessões, e se prolongam ainda neste momento, infelizmente sem resultado muito sensível. O mal domina sempre nesse Espírito, que só em raros intervalos revela alguns clarões de bons sentimentos, sendo assim uma tarefa penosa para os seus instrutores. Contudo, esperamos que com perseverança conseguirão domar essa natureza rebelde, ou ao menos que Deus leve em conta os seus esforços.




Dissertações espíritas - Recebidas ou lidas por vários médiuns na sociedade

Entrada de um culpado no mundo dos Espíritos (Médium, Sra. Costel)

Vou contar-te o que sofri quando morri. Retido no corpo pelos laços materiais, meu Espírito teve grande trabalho para se desprender, o que foi uma primeira e rude angústia. A vida que havia deixado aos vinte e quatro anos era ainda tão forte em mim, que não cria na sua perda. Procurava meu corpo e ficava admirado e apavorado por me ver perdido nessa multidão de sombras. Por fim, a consciência de meu estado e a revelação das faltas que havia cometido em todas as minhas encarnações, me feriram de repente. Uma luz implacável iluminou os mais secretos refolhos de minh’alma, que se sentiu nua e tomada de acabrunhadora vergonha. Eu buscava escapar, interessando-me por objetos novos, entretanto conhecidos, que me cercavam. Os Espíritos radiosos, flutuando no éter, me davam a ideia de uma felicidade à qual eu não podia aspirar. Formas sombrias e desoladas, umas mergulhadas em morno desespero, outras irônicas ou furiosas, deslizavam ao meu redor e sobre a região à qual eu estava pregado. Via os humanos se movimentando e lhes invejava a ignorância. Toda uma ordem de sensações desconhecidas ou reencontradas invadia-me ao mesmo tempo. Como que arrastado por uma força irresistível, buscando fugir dessa dor lancinante, eu transpunha as distâncias, os elementos, os obstáculos materiais, sem que as belezas da Natureza nem os esplendores celestes pudessem acalmar por um instante o dilaceramento de minha consciência, nem o pavor que me causava a revelação da eternidade. Um mortal pode pressentir as torturas materiais pelos arrepios da carne, mas as vossas frágeis dores, suavizadas pela esperança, temperadas pelas distrações, aniquiladas pelo esquecimento, jamais vos poderão dar a compreender as angústias de uma alma que sofre sem tréguas, sem esperança, sem arrependimento. Passei um tempo cuja duração não posso apreciar, invejando os eleitos, cujo esplendor entrevia; detestando os maus Espíritos que me perseguiam com suas troças; desprezando os humanos, cujas torpezas eu via, passando de um profundo abatimento a uma revolta insana.

Por fim, me acalmaste. Escutei os ensinos que te dão os teus guias. A verdade me penetrou, eu orei e Deus me ouviu. Revelou-se a mim por sua clemência, como se havia revelado pela sua justiça.

Novel


O castigo do egoísta (Médium, Sra. Costel)

NOTA: O Espírito que ditou as três comunicações seguintes é o de uma mulher que a médium conheceu em vida, e cuja conduta e caráter justificam bem os tormentos que ela sofre. Era sobretudo dominada por um exagerado sentimento de egoísmo e de personalismo que se reflete na última comunicação, por sua pretensão em querer que a médium se ocupe somente com ela, e que por ela renuncie aos seus estudos ordinários.

I

Eis-me aqui, eu, a infeliz Clara. Que queres que te ensine? Tua resignação e tua esperança são meras palavras para quem sabe que, inumeráveis como os seixos da praia, seus sofrimentos durarão na sequência interminável dos séculos. Dizes que podes suavizá-los. Que palavras sem sentido! Onde achar a coragem, a esperança para tanto? Então, ó cérebro limitado, procura compreender o que é um dia que jamais acaba. É um dia, um ano, um século? Que sei eu? As horas não passam; as estações não variam; eterno e lento como a água que brota do rochedo, esse dia execrado, esse dia maldito pesa sobre mim como uma urna de chumbo... Sofro!... Nada vejo em volta de mim, senão sombras silenciosas e indiferentes... Sofro!

Contudo, sei que acima desta miséria reina Deus, o Pai, o Senhor, aquele para o qual tudo se encaminha. Quero pensar nisto. Quero implorar-lhe ajuda.

Debato-me e arrasto-me como um estropiado que trilha um longo caminho. Não sei que poder me arrasta para ti. Talvez tu sejas a salvação. Eu me afasto de ti um pouco acalmada, um pouco reaquecida, como um velho tiritante animado por um raio de sol. Minh’alma gelada sorve uma vida nova ao aproximar-se de ti.

Clara

II Minha desgraça cresce dia a dia; cresce à medida que o conhecimento da eternidade se desenvolve em mim. Ó miséria! Quanto vos maldigo, horas culpadas, horas de egoísmo e de esquecimento em que, desconhecendo toda caridade, todo devotamento, eu só pensava no meu bem-estar! Sede malditas, convenções humanas! Vãs preocupações dos interesses materiais! Sede malditos, vós que me haveis enceguecido e perdido! Sou roída pelo incessante pesar do tempo escoado. Que direi a ti, que me escutas? Vigia incessantemente sobre ti; ama aos outros mais do que a ti mesma; não te demores nos caminhos do bem-estar; não engordes o teu corpo à custa de tua alma; vigia, como dizia o Salvador a seus discípulos. Não me agradeças por estes conselhos que meu espírito concebe, mas que meu coração jamais ouviu. Como um cão açoitado, o medo me faz rastejar, mas não conheço ainda o puro amor! Sua divina aurora custa muito a romper. Ora por minh’alma, ressequida e tão miserável.

CLARA

III NOTA: Os dois primeiros ditados foram recebidos em casa da médium. Este foi dado espontaneamente na Sociedade, o que explica o sentido da primeira frase.

Venho procurar-te aqui, já que me esqueces. Crês, então, que preces isoladas e o meu nome pronunciado bastarão para acalmar o meu sofrimento? Não, cem vezes não. Tenho rugido de dor; erro sem repouso, sem asilo, sem esperança, sentindo o eterno aguilhão do castigo penetrar minh’alma revoltada. Rio quando escuto os vossos lamentos, quando vos vejo abatidos. Que são as vossas miseráveis penas?! Que são as vossas lágrimas?! Que são os vossos tormentos, que o sono interrompe?! Será que eu durmo? Eu quero, entendes, eu quero que, deixando tuas dissertações filosóficas, te ocupes de mim; que faças com que os outros também de mim se ocupem. Não encontro expressão para pintar a angústia desse tempo que se escoa sem que as horas lhe marquem os períodos. Apenas vejo um fraco raio de esperança, e essa esperança foste tu que me deste. Assim, não me abandones.

Clara


IV

NOTA: A comunicação seguinte não é do mesmo Espírito, é de um Espírito superior, nosso guia espiritual, em resposta ao pedido que lhe fizemos, para dar sua opinião sobre as comunicações precedentes.

Esse quadro é muito verdadeiro e não está absolutamente carregado. Talvez me perguntem o que fez essa mulher para estar nessa tão miserável situação! Cometeu algum crime horrível? Roubou? Assassinou? Não. Ela nada fez que tivesse merecido a justiça dos homens. Ao contrário, divertia-se com aquilo a que chamais a felicidade terrena: beleza, fortuna, prazeres, adulação. Tudo lhe sorria, nada lhe faltava, e ao vê-la diziam: Que mulher feliz! Invejavam sua sorte. Que fez ela? Foi egoísta; tinha tudo, menos um bom coração. Se não violou a lei dos homens, violou a lei de Deus, porque desconheceu a caridade, a primeira das virtudes. Só amou a si mesma. Agora ninguém a ama. Não deu nada; nada lhe dão. Está isolada, cansada, abandonada, perdida no espaço, onde ninguém pensa nela, ninguém se ocupa com ela. Isto é o seu suplício. Como só buscou os prazeres mundanos e hoje tais prazeres não mais existem, fez-se o vazio em seu redor. Só vê o nada e o nada lhe parece a eternidade. Não sofre torturas físicas; os diabos não vêm atormentá-la, mas isto não é necessário. Ela própria se atormenta, e sofre ainda mais, porque esses diabos seriam ainda seres que pensariam nela. O egoísmo constituiu sua alegria na Terra; ela o perseguiu. Agora é o verme que lhe rói o coração, é o seu verdadeiro demônio.

Ah! Se os homens soubessem quanto pagarão por terem sido egoístas! Entretanto, Deus vo-lo ensina todos os dias, pois se ele envia tantos Espíritos egoístas à Terra, é para que, desde esta vida, eles se castiguem uns aos outros e melhor compreendam, pelo contraste, que a caridade é o único contra-veneno dessa lepra da Humanidade.


Afred de Musset (Médium, Srta. Eugênie)

Na sessão da Sociedade, de 23 de novembro, um Espírito comunicou-se espontaneamente, escrevendo o seguinte:

Como desejo, antes de tudo, vos ser agradável, pergunto de que assunto quereis que eu trate. Se tiverdes um assunto, perguntai. Enfim, senhores, sou sempre o vosso dedicado

ALFRED DE MUSSET ─ Sendo vossa visita imprevista, não temos um assunto preparado. Pedimos, pois, a bondade de tratar de um à vossa escolha. Seja qual for, ficaremos muito reconhecidos.

─ Tendes razão. Sim, porque eu, como Espírito, em particular, bem como todos os Espíritos, em geral, conhecemos melhor as vossas necessidades e podemos escolher as comunicações melhor do que vós mesmos faríeis.

“De que vou tratar? Sinto-me embaraçado em meio a tantos assuntos interessantes. Comecemos por falar dos que desejam ardentemente ser espíritas, mas que parecem recuar ante o que julgam uma apostasia. Falemos, pois, daqueles que recuariam ante a ideia de se acharem em contradição com o Catolicismo. Escutai bem: digo Catolicismo e não Cristianismo.

Temeis renegar a crença dos vossos pais? Erro! Vossos pais, os primeiros, os que fundaram essa religião sublime em sua origem, eram mais espíritas do que vós. Eles pregavam a mesma doutrina que hoje vos ensinam. Assim como faz vossa religião, quem diz Espiritismo diz: caridade, bondade, esquecimento e perdão das injúrias. Como o Catolicismo, ele vos ensina a abnegação de si mesmo. Podeis, pois, consciências timoratas, reuni-los e vir, sem escrúpulos, sentar-vos a esta mesa e conversar com os seres que chorais. Como vossos pais, sede caridosos, bons, compassivos, e no fim da estrada tereis todos o mesmo lugar; no fim do caminho, a balança que pesará as vossas ações terá os mesmos pesos e a obra o mesmo valor. Vinde sem medo, eu vos peço. Vinde, mulheres graciosas, com o coração cheio de ilusões; vinde aqui, e elas serão substituídas por realidades mais belas e mais radiosas. Vinde, esposas de coração duro, que sofreis a vossa aridez, pois aqui está a água que amolece a rocha e estanca a sede. Vinde, mulheres amantes, que em toda a vossa vida aspirais à felicidade; que medis a profundidade do vosso coração e vos desesperais por preenchê-la. Vinde, mulheres de inteligência ávida, vinde. Aqui a Ciência flui pura e clara.Vinde beber nesta fonte que rejuvenesce. E vós, velhos que vos curvais, vinde e rireis diante de toda essa juventude que vos desdenha, porque para vós se abrem as portas do santuário; para vós o nascimento vai recomeçar e trazer a felicidade de vossos primeiros anos. Vinde, e nós vos faremos ver os irmãos que vos estendem os braços e vos esperam. Vinde, pois, todos, porque para todos há consolações.

Vedes que me presto de boa vontade. Disponde de mim, e dar-me-eis prazer.”

Aproveitando a boa vontade do Espírito de Alfred de Musset, foram-lhe dirigidas as seguintes perguntas:

1. ─ Qual será a influência da poesia no Espiritismo?

─ A poesia é o bálsamo que se aplica sobre as chagas. A poesia foi dada aos homens como o maná celeste. Todos os poetas são médiuns que Deus enviou à Terra para regenerar um pouco o seu povo e não o deixar embrutecer-se inteiramente. O que há de mais belo? O que mais fala à alma do que a poesia?

2.º ─ A pintura, a escultura, a arquitetura, a poesia foram, uma por uma, influenciadas pelas ideias pagãs e cristãs. Podeis dizer-nos se depois das artes pagã e cristã haverá um dia a arte espírita?

─ Fazeis uma pergunta que se responde por si mesma: O verme é o verme; torna-se bicho da seda, depois borboleta. Que há de mais aéreo, de mais gracioso que uma borboleta? Então! A arte pagã é o verme; a arte cristã o casulo; a arte espírita será a borboleta.

(A respeito, vide artigo anterior, sobre “A arte pagã, a arte cristã e a arte espírita”).

3.º ─ Qual a influência da mulher no século dezenove?

NOTA: Esta pergunta foi feita por um jovem estranho à Sociedade.

─ Ah! É de progresso. E é um jovem que faz a pergunta. Isto é bonito, e eu mesmo seria muito amador se não me dignasse a responder. Estou certo de que todos aqui também querem ouvir.

A influência da mulher no século dezenove! Acreditais que ela tenha esperado esta época para vos trazer à trela, pobres e fracos homens que sois? Se tentastes rebaixá-la, foi porque a temíeis; se tentastes abafar a sua inteligência, foi porque temestes a sua influência. Só ao seu coração não pudestes opor barreiras. E como o coração é o presente que Deus lhe deu em particular, ele continuou senhor e soberano. Mas eis que a mulher se faz também borboleta; ela quer sair de seu casulo; quer reconquistar seus direitos, que são divinos; como aquela, lança-se na atmosfera e dir-se-ia que respira o ar de seu justo valor. Não penseis que eu as queira transformar em eruditas, letradas, poetisas. Não. Mas eu quero, aqui se quer, no mundo em que habito, que aquela que deve elevar a Humanidade seja digna de seu papel; queremos que aquela que deve formar os homens comece a se conhecer a si própria e, para lhe dar desde tenra idade o amor do belo, do grande, do justo, é necessário que ela possua esse amor num grau superior. É preciso que o compreenda. Se o agente educador por excelência é reduzido ao estado de nulidade, a Sociedade vacila. É o que deveis compreender no século dezenove.


Intuição da vida futura (Médium, Srta. Eugénie)

NOTA: A médium escreve num caderno antigo, que servira e outro médium, e no qual se achava uma comunicação escrita há tempos e assinada por Delphine de Girardin. A circunstância explica o começo da comunicação.

“Encontro justamente o meu nome; e ele servirá de assinatura antes de haver começado.

“Quero falar-vos a todos, neste momento, e vos provar que sois espiritualistas; por isso, é suficiente dirigir-me ao vosso raciocínio. Que ireis fazer num cemitério a primeiro de novembro, se ele só conserva os despojos dos seres que perdestes? Por que ides perder tempo em levar-lhes, este umas flores, aquele um pensamento de amizade e uma suave lembrança? Por que ides evocar a sua memória, se eles não vivem mais? Por que derramar lágrimas e lhes pedir que as enxuguem ou que vos levem com eles? Respondei, vós todos que dizeis ─ porque os que não dizem em voz alta, pensam baixinho ─ que dizeis: a matéria é a única coisa que existe em nós. Depois de nós, nada. Dizei: não estais em desacordo convosco mesmos? Mas alegrai-vos, pois tendes mais fé do que imaginais. Deus, que vos criou imperfeitos, quis dar-vos confiança, malgrado vosso, e sem quererdes compreender, sem disso terdes consciência, falais a esses seres queridos; pedis que cheirem as flores que lhes ofertais; suplicais amizade e proteção. Mãe! Chamas a tua filha de anjo e lhe pedes preces. Filha, pedes a proteção de tua mãe e os seus conselhos.

Muitos dentre vós dizem: Sinto em meu coração a verdade do que dizeis, mas está em desacordo com o que meus pais me ensinaram, e, espíritos timoratos que sois! vos fechais na vossa ignorância. Agi, pois, sem temor, porque a fé espírita está de acordo com todas as religiões, desde que diz o que todas repetem: Amor, caridade, humildade. Vede que se isto só decorre de vossa hesitação, deveis crer.”

DELPHINE DE GIRARDIN

OBSERVAÇÃO: A contradição de que fala o Espírito, no começo, é vista a cada instante, mesmo naqueles que mais fortemente negam a vida futura. Se tudo se acaba com a vida corpórea, para que serve, então, a comemoração dos mortos, se eles não nos ouvem mais? Falaram-nos de um senhor imbuído ao último ponto de ideias materialistas absolutas. Há pouco tempo perdeu o filho único e o pesar que sentiu foi tal que queria suicidar-se para ir juntar-se a ele. Ora, para ir juntar-se a que? Aos ossos, que não são mais ele, porque os ossos não pensam.


A reencarnação (Médium, Srta. Eugénie)

NOTA: Na sessão da Sociedade em que foi recebido o ditado precedente, o Espírito da Sra. Girardin, solicitado a dar outro sobre a reencarnação, respondeu: “Oh! Bem que o quero; esta médium está acostumada a me ver fazer o que nem sempre lhe agrada, e vós tendes razão”. Esta última frase é uma alusão a certas ideias particulares da médium, relativamente à reencarnação.

“A reencarnação é uma coisa lógica; toca os nossos sentidos. Assim, pois, tratase apenas de refletir, de querer examinar bem ao nosso redor. Basta olhar para dentro de si mesmo para achar as provas da reencarnação. Vede a esta mesa um bom pai de família; tem várias crianças lindas, umas de inteligência notável, outras num estado quase abjeto. De onde essa diferença? O mesmo pai, a mesma mãe, a mesma educação e, contudo, tantos contrastes!

Atentai para as vossas memórias; não encontrais nelas a intuição de fatos dos quais não tendes o menor conhecimento e que, entretanto, se retratam para vós absolutamente como se tivessem existido? Vendo uma pessoa pela primeira vez, não ficais chocados porque vos parece já havê-lo conhecido? Sim, não é? Então! Isto vos prova uma vida anterior, da qual participastes; isso prova que o menino inteligente deve ter percorrido várias existências, e por isso se depurou, e que o outro talvez esteja na primeira; que a pessoa que encontrais talvez vos tenha sido íntima, e que o fato de que vos lembrais vos aconteceu pessoalmente em outra vida. Além disso, para entrar no reino de Deus é preciso que sejais perfeitos. Vejamos! Julgais que vos reste tão pouco a fazer para crer que depois de vossa morte uns três ou quatro meses nas esferas vos bastarão[1]? Não. Não acredito em tanta pretensão. Para adquirir é necessário trabalhar, e a fortuna moral não se lega com a fortuna material. Para vos depurardes, é preciso passar por vários corpos que levam com eles, em cada despojamento, uma parte das vossas impurezas.

“Se refletirdes, não podereis deixar de vos render à evidência.

DELPHINE DE GIRARDIN



[1] Alusão à opinião de algumas pessoas relativamente à vida futura.



O dia dos mortos (Médium, Srta. Huet)

NOTA: Na sessão da Sociedade, de 2 de novembro, Charles Nodier, solicitado a continuar o trabalho que começou, responde:

“Permiti, meus caros amigos, que nesta noite vos fale de um outro assunto. Continuarei o trabalho começado, na próxima vez.

“Hoje é uma data que nos é tão pessoalmente consagrada, que não podemos deixar de vos chamar a atenção sobre a morte e sobre as preces reclamadas pela maioria dos que vos precederam. Esta semana é um período de confraternização entre o Céu e a Terra, entre os vivos e os mortos. Deveis ocupar-vos de nós mais particularmente, e de vós também, porque meditando sobre este pensamento, de que brevemente, como para nós, os vivos oração por vossa alma, deveis tornar-vos melhores. Conforme a maneira por que tiverdes vivido aqui embaixo, sereis recebidos perante Deus. Que é a vida, afinal de contas? Uma curtíssima emigração do Espírito na Terra, tempo, entretanto, em que pode amontoar um tesouro de graças ou preparar-se para cruéis tormentos. Pensai nisto. Pensai no Céu e então a vida, seja qual for a vossa, vos parecerá bem leve.
CHARLES NODIER

A propósito de sua comunicação, foram feitas ao Espírito as seguintes perguntas:

1.º ─ Hoje os Espíritos são mais numerosos que de hábito nos cemitérios?

─ Nesta época voltamos mais espontaneamente junto aos nossos despojos terrenos, porque os vossos pensamentos, as vossas preces, ali estão conosco.

2.º ─ Os Espíritos que, nesses dias, vêm aos seus túmulos, junto aos quais ninguém ora, sofrem por se verem abandonados, enquanto outros têm parentes e amigos que lhes trazem uma prova de lembrança?

─ Não há pessoas piedosas que oram por todos os mortos em geral? Então! Essas preces se revertem ao Espírito esquecido. Elas são para ele o maná celeste, que tanto caía para o preguiçoso como para o homem ativo. A prece é para o conhecido e para o desconhecido. Deus a reparte igualmente, e os bons Espíritos que delas não mais necessitam as entregam àqueles a quem podem ser necessárias.

3.º ─ Sabemos que a fórmula das preces é indiferente; não obstante, muitas pessoas necessitam de uma fórmula para fixar as ideias. Por isso vos agradeceríamos se nos ditásseis uma a propósito. Todos nos associaremos pelo pensamento, para destiná-la aos Espíritos que dela possam necessitar.

─ Também o quero.

“Deus, criador do Universo, dignai-vos ter piedade de vossas criaturas; considerai as suas fraquezas; abreviai as suas provações terrenas, se estas estiverem acima de suas forças; apiedai-vos dos sofrimentos daqueles que deixaram a Terra e inspirai-lhes o desejo de progredir para o bem.”

4.º ─ Sem dúvida há aqui vários Espíritos aos quais podemos ser úteis. Vamos pedir que se deem a conhecer.

─ Que pedido fazeis! Sereis assaltados.

5.º ─ Não ficamos absolutamente apavorados. Se não pudermos ouvir a todos, o que dissermos a um servirá para os outros.

─ Pois bem! Fazei o que vos ditar o coração.

Tendo sido feito um apelo, sem designação individual, a um dos Espíritos presentes que quisesse comunicar-se para pedir nossa assistência, o de um personagem muito conhecido, falecido há dois anos, manifesta-se e mostra sentimentos muito diversos dos que tinha em vida, e que se estava longe de suspeitar.

Alegoria de Lázaro (Médium, Sr. Alfred Didier)

O Cristo gostava de um homem chamado Lázaro. Quando soube de sua morte, sua dor foi grande e ele se fez levar até o seu túmulo. A irmã de Lázaro suplicava ao Senhor, dizendo: “É possível fazerdes voltar a vida ao meu irmão? Ó vós, que o amáveis tanto, devolvei-lhe a vida!”

Mundo do século dezenove, também estás morto. A fé, que é a vida dos povos, extingue-se dia a dia. Em vão alguns crentes quiseram acordar-te de tua agonia. É muito tarde. Lázaro está morto. Só Deus pode salvá-lo.

Então, o Cristo se fez conduzir ao túmulo. Levantaram a pedra do sepulcro; envolto em faixas, o cadáver denotava todo o horror da morte. O Cristo lançou um olhar para o céu, tomou a mão da irmã, e levantando a outra mão para o alto, exclamou: “Lázaro, levanta-te!” Apesar das faixas e a despeito do lençol, Lázaro despertou e levantou-se.

Ó mundo! Tu pareces Lázaro. Nada te pode devolver a vida. Teu materialismo, tuas torpezas, teu ceticismo são outras tantas faixas que envolvem o teu cadáver, e cheiras mal, pois há muito que estás morto. Quem te gritará como a Lázaro: Em nome de Deus, levanta-te? É o Cristo, que obedece ao apelo do Espírito Santo. Século, a voz de Deus se fez ouvir! Estarás mais podre do que Lázaro?

Lamennais

O diabrete familiar (Médium, Sra. Costel)

Jamais me comuniquei convosco e me sinto muito feliz por aumentar a vossa plêiade literária. Bem sabeis, vós que me lestes com tanto gosto, que opinião eu tinha sobre isso a que chamam o mundo fantástico. Muitas vezes só, nas longas noites de inverno, recolhido a um canto de meu lar solitário, eu escutava o gemido das notas lamentosas do vento. Enquanto o olhar distraído seguia vagamente os desenhos inflamados do fogo, certamente o diabrete familiar então me entretinha, e eu não inventava Trilby: eu repetia o que ele me havia murmurado ao ouvido atento. Que coisa encantadora, sentir que vivem em volta de nós esses hóspedes invisíveis! Com eles, nada de mistérios. Eles vos amam mesmo, malgrado vosso, e vos conhecem melhor do que vós próprios vos conheceis. Na minha vida literária, na minha vida de homem, devo a esses amigos invisíveis os meus melhores sucessos e as minhas mais caras consolações. É a minha vez, agora, de murmurar a ouvidos amigos as coisas que o coração adivinha e não repete. Quero dizer-vos, caro médium, que muitas vezes terei o suave privilégio de conversar convosco.

CHARLES NODIER



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