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Outubro
Resposta do Sr. Allan Kardec à Gazette de LyonSob o título Uma sessão dos espíritas, a “Gazette de Lyon” publicou, em seu número de 2 de agosto de 1860, o artigo seguinte, ao qual, durante sua visita a Lyon, o Sr. Allan Kardec deu a resposta que vai adiante, mas que aquele jornal ainda não se dignou reproduzir.
“São chamados espíritas certos alucinados que tendo rompido com todas as crenças religiosas de seu tempo e de seu país, não obstante pretendem estar em relação com os Espíritos.
Nascido das mesas girantes, o Espiritismo não passa de uma das mil formas desse estado patológico em que pode cair o cérebro humano, quando se deixa levar por essas mil e uma aberrações de que a Antiguidade, a Idade Média e os tempos atuais não deixaram de dar muitos exemplos.
Condenadas prudentemente pela Igreja Católica, todas essas pesquisas misteriosas, que saem do domínio dos fatos positivos, não têm outro resultado senão produzir a loucura nos que delas se ocupam, supondo que este estado de loucura já não tenha passado ao estado crônico no cérebro dos adeptos, o que está longe de ser demonstrado.
Os espíritas têm um jornal em Paris e basta ler alguns dos seus trechos para certificar-se de que não exageramos. À inépcia das perguntas dirigidas aos Espíritos evocados só tem igual na inépcia de suas respostas e, com razão, é permitido dizer lhes que não vale a pena voltar do outro mundo para dizer tantas tolices.
Enfim, essa nova loucura, renovada dos Antigos, vem de abater-se sobre a nossa cidade. Lyon possui espíritas e é em casa de simples tecelões que os Espíritos se dignam manifestar-se.
O antro de Trophonius está situado numa oficina; o sumo sacerdote do lugar é um tecelão de seda e a sibila é sua esposa; os adeptos são, geralmente, operários, pois ali não recebem facilmente os que, pelo seu exterior, denunciam muita inteligência. Os Espíritos só se dignam manifestar-se aos simples. Provavelmente é por isso que fomos ali admitido.
Convidado a assistir a uma das sessões semanais dos espíritas lioneses, entramos na oficina onde se achavam quatro teares, um dos quais parado. Ali, entre as quatro forcas26, a sibila sentou-se à frente de uma mesa quadrada, sobre a qual havia um caderno e, ao lado, uma pena de ganso. Notai que dissemos uma pena de ganso, e não uma pena metálica, pois os Espíritos tem horror aos metais.
Vinte a vinte e cinco pessoas de ambos os sexos, inclusive este vosso servo, formavam um círculo em torno da mesa. Depois de um pequeno discurso do sumo sacerdote sobre a natureza dos
Espíritos, tudo num estilo que deveria encantar os Espíritos, devido à sua... simplicidade, começaram as perguntas. Aproxima-se um jovem e pergunta à sibila por que, oito dias antes dos combates, fossem na Crimeia ou na Itália, era ele sempre chamado a outro lugar?
A inspirada (é o nome que lhe dão), tomando a pena de ganso, a movimenta um instante sobre o papel, onde traça sinais cabalísticos, depois pronuncia esta fórmula:
“Meu Deus, concede-me a graça de nos esclarecer neste assunto.” A seguir acrescenta: “Leio a seguinte resposta: É que estais destinado a viver para instruir e esclarecer os vossos irmãos.”
Evidentemente é um adepto influente que querem conquistar para a causa. Além disso, foi soldado, talvez seja um ex-zuavo.
Não vamos criar caso.
Prossigamos.
Prossigamos.
Um outro jovem se aproxima por sua vez e pergunta se o Espírito de seu pai o acompanhou e protegeu nos combates.
Resposta: Sim.
Resposta: Sim.
Tomamos o jovem à parte e lhe perguntamos desde quando seu pai estava morto.
─ Meu pai não está morto, respondeu ele.
A seguir apresenta-se um velho e pergunta ─ notai bem a sutileza da pergunta, imitada de Tarquínio, o Antigo, ─ se o que ele pensa foi o motivo pelo qual seu pai lhe deu o nome de João? Resposta: Sim. Um velho soldado do primeiro Império pergunta se os Espíritos dos soldados do velho Império não acompanharam os nossos jovens soldados à Crimeia e à Itália?
Resposta: Sim.
Resposta: Sim.
Segue-se uma pergunta supersticiosa, feita por uma senhora moça:
─ Por que sexta-feira é um dia aziago?
A resposta não se fez esperar e, certamente, merece se tome cuidado, por causa de várias obscuridades históricas que ela elimina.
A resposta não se fez esperar e, certamente, merece se tome cuidado, por causa de várias obscuridades históricas que ela elimina.
─ É, respondeu a inspirada, porque Moisés, Salomão e Jesus Cristo morreram nesse dia.
Um jovem operário lionês, a julgar por seu sotaque, quer ser esclarecido sobre um fato maravilhoso.
Um jovem operário lionês, a julgar por seu sotaque, quer ser esclarecido sobre um fato maravilhoso.
─ Uma noite, disse ele, minha mãe sentiu um rosto que tocava o seu. Ela acorda-nos a meu pai e a mim. Procuramos por toda parte e nada encontramos. De repente, um dos nossos teares se põe a bater. Aproximamo-nos e ele para. Um outro se põe a bater na extremidade da oficina. Estávamos aterrados, e piorou quando vimos todos trabalhando ao mesmo tempo, sem que víssemos viva alma.”
─ É o vosso avô, respondeu a sibila, que vem pedir preces.
O jovem respondeu com um ar que lhe devia dar fácil entrada no santuário: É isso mesmo. Pobre velho! Tinham-lhe prometido missas que lhe não foram rezadas. Outro operário pergunta por que, diversas vezes, o fiel de sua balança se move sozinho?
─ É um Espírito batedor, responde a inspirada, que produz o fenômeno. 26 As máquinas de tecer tinham a armação formada por quatro palanques em forma de forca. Daí a alusão irônica.
(N. da Eq. Revisora).
(N. da Eq. Revisora).
─ Muito bem, responde o operário. Mas eu parei o prodígio, pondo um pedaço de chumbo no prato mais leve.
─ É muito simples, continuou a adivinha, os Espíritos têm horror ao chumbo, devido à miragem.
Todos querem uma explicação da palavra miragem.
Aí para o poder da sibila:
─ Deus não quer explicar isto, diz ela, nem mesmo a mim.
Era uma razão maior, ante a qual todos se inclinaram.
Então o sumo sacerdote, prevendo sérias objeções interiores, tomou a palavra e disse:
─ Sobre esta questão, senhores, devemos abster-nos, pois seríamos arrastados a outras perguntas científicas que não podemos resolver.
─ Sobre esta questão, senhores, devemos abster-nos, pois seríamos arrastados a outras perguntas científicas que não podemos resolver.
Nesse momento as perguntas se multiplicavam e se cruzavam. Se os sinais que nos aparecem no céu desde algum tempo (os cometas!) são os de que fala o Apocalipse.
─ Resposta: Sim, e em cento e quarenta anos este mundo não mais existirá.
─ Por que Jesus Cristo disse que sempre haveria pobres?
─ Resposta: Jesus Cristo quis falar dos pobres de Espírito. Para esses, Deus acaba de preparar um globo especial.
─ Resposta: Sim, e em cento e quarenta anos este mundo não mais existirá.
─ Por que Jesus Cristo disse que sempre haveria pobres?
─ Resposta: Jesus Cristo quis falar dos pobres de Espírito. Para esses, Deus acaba de preparar um globo especial.
Não destacaremos toda a importância de semelhante resposta. Quem não compreende quão felizes serão os nossos descendentes quando não mais tiverem que temer o contato com os pobres de espírito? Quanto aos outros, a resposta da sibila felizmente deixa supor que seu reino terminou. Boa notícia para os economistas a quem o problema do pauperismo tira o sono.
Para terminar, aproxima-se uma mulher entre quarenta e cinquenta anos, e pergunta se seu Espírito já foi encarnado e quantas vezes?
Para terminar, aproxima-se uma mulher entre quarenta e cinquenta anos, e pergunta se seu Espírito já foi encarnado e quantas vezes?
Ficaríeis muito embaraçados, como eu, para responder. Mas os Espíritos respondem a tudo:
─ Sim, responde a pena de ganso, foi três vezes: a primeira, como filha natural de respeitável princesa russa (esse respeitável, próximo do vocábulo anterior, me intriga); a segunda, como filha legítima de um trapeiro da Boêmia; e a terceira, ela sabe...
Esperamos que tal amostra de uma sessão de espíritas lioneses deva bastar para demonstrar que os Espíritos de Lyon valem bem os de Paris.
Esperamos que tal amostra de uma sessão de espíritas lioneses deva bastar para demonstrar que os Espíritos de Lyon valem bem os de Paris.
Mas perguntamos: não seria bom impedir que pobres loucos ficassem ainda mais loucos?
Outrora a Igreja era bastante poderosa para impor silêncio a semelhantes divagações. Talvez ela maltratasse bastante, é verdade, mas sustava o mal. Hoje, desde que a autoridade religiosa é impotente, desde que o bom-senso não tem bastante poder para fazer justiça a tais alucinações, não deveria a outra autoridade intervir neste caso, pondo fim a práticas das quais o menor inconveniente é tornar ridículos os que delas se ocupam?
C.M.”
Resposta do Sr. Allan Kardec ao Sr. Redator da "gazette de Lyon"
Senhor,
Enviaram-me um artigo, assinado por C. M., que publicastes na “Gazette de Lyon” de 2 de agosto de 1860, sob o título Uma sessão dos espíritas. Nesse artigo, se não sou atacado senão indiretamente, eu o sou na pessoa de todos os que partilham de minhas convicções. Isto, porém, nada seria, se vossas palavras não tendessem a falsear a opinião pública sobre o princípio e as consequências das crenças espíritas, cobrindo de ridículo e de censura os que as professam e que apontais à vindita legal. Peço-vos permissão para algumas retificações a respeito, esperando de vossa imparcialidade que, uma vez que julgastes dever publicar o ataque, devereis publicar minha resposta.
Não julgueis, senhor, que tenha o objetivo de vos convencer, nem o de retribuir injúria por injúria. Sejam quais forem as razões que vos impeçam de partilhar de nossa maneira de ver, não penso em procurá-las, e as respeito, se forem sinceras. Só peço a reciprocidade praticada entre gente que sabe conviver. Quanto aos epítetos descorteses, não faz parte de meus hábitos utilizá-los.
Se tivésseis discutido seriamente os princípios do Espiritismo; se a eles tivésseis oposto quaisquer argumentos, bons ou maus, eu teria podido vos responder.
Mas toda a vossa argumentação se limita a nos qualificar de ignaros; e não me cabe discutir convosco se tendes razão ou não; limito-me, pois, a destacar aquilo que as vossas asserções têm de inexato, fora de todo personalismo.
Não basta dizer aos que não pensam como nós que são uns imbecis: isto está ao alcance de qualquer um. É necessário lhes demonstrar que estão errados. Mas, como fazê-lo? Como entrar no cerne da questão, se não se conhece a sua primeira palavra?
Ora, creio que é o caso em que vos encontrais, pois do contrário teríeis usado melhores armas que a acusação banal de estupidez. Quando tiverdes dado ao estudo do Espiritismo o tempo moral necessário ─ e vos advirto de que é preciso bastante; quando tiverdes lido tudo quanto pode fundamentar a vossa opinião; aprofundando todas as questões; assistido, como observador consciencioso e imparcial, a alguns milhares de experiências, vossa crítica terá algum valor. Até lá, não passa de uma opinião individual, que não se apoia sobre coisa alguma e a respeito da qual podeis, a cada momento, ser pilhado em flagrante delito de ignorância. O começo do vosso artigo é uma prova disso.
Dizeis: “São chamados ESPÍRITAS certos alucinados que, tendo rompido com TODAS as crenças religiosas de seu tempo e de seu país...” Sabeis, senhor, que esta acusação é muito grave, e tanto mais grave quanto, ao mesmo tempo, falsa e caluniosa? O Espiritismo é inteiramente baseado no dogma da existência da alma, na sua sobrevivência ao corpo, na sua individualidade após a morte, na sua imortalidade, nas penas e as recompensas futuras. Ele não só sanciona essas verdades pela teoria. Seu objetivo é prová-las de maneira patente. Eis por que tanta gente que em nada acreditava foi reconduzida às ideias religiosas. Toda a sua moral é apenas o desenvolvimento das máximas do Cristo: praticar a caridade, pagar o mal com o bem, ser indulgente para com o próximo, perdoar aos inimigos; numa palavra, agir para com os outros como quereríamos que eles agissem para conosco.
Então achais estas ideias tão estúpidas? Romperam elas com toda crença religiosa, elas que se apoiam na base mesma da religião? Não, direis vós, mas basta ser católico para ter tais ideias. Tê-las, vá; mas praticá-las é outra coisa, ao que parece. É muito evangélico para vós, católico, insultar gente corajosa, que nunca vos fez mal, que não conheceis e que teve bastante confiança em vós para vos receber em seu meio?
Admitamos que estejam errados. Será cobrindo-as de injúrias e as irritando que as reconduzireis?
Vosso artigo contém um outro erro de fato que prova uma vez mais a vossa ignorância em matéria de Espiritismo. Dizeis que “os adeptos são geralmente operários.” Sabei então, senhor, para vosso governo, que dos cinco ou seis milhões de espíritas que existem atualmente, a quase totalidade pertence às classes mais esclarecidas da Sociedade; conta entre os seus aderentes grande número de médicos em todos os países, advogados, magistrados, homens de letras, altos funcionários, oficiais de todas as patentes, artistas, cientistas, negociantes, etc., pessoas que levianamente colocais entre os ineptos. Mas passemos sobre tudo isto. Os vocábulos insulto e injúria vos parecem muito fortes? Vejamos.
Pesastes bem o alcance de vossas palavras quando, depois de ter dito que os adeptos são geralmente operários, acrescentais, a propósito das reuniões lionesas: “pois ali não recebem facilmente os que, pelo seu exterior, denunciam MUITA INTELIGÊNCIA. Os Espíritos só se dignam manifestar-se aos SIMPLES. Provavelmente é por isso que fomos ali admitido.”
E mais adiante, esta outra frase:
“Depois de um PEQUENO DISCURSO sobre a natureza dos Espíritos, tudo num estilo que deveria encantar os Espíritos, devido à sua SIMPLICIDADE, começaram as perguntas.” Não lembro as facécias relativas à pena de ganso de que, segundo vós, servia-se o médium, e outras coisas, também bastante espirituosas. Falo mais seriamente. Farei uma única observação: é que vossos olhos e ouvidos vos serviram muito mal, porque o médium de quem falais não se serve de pena de ganso e tanto a forma quanto o fundo da maioria das perguntas e das respostas referidas no artigo são pura invenção. São, pois, pequenas calúnias, através das quais quisestes fazer brilhar o vosso talento.
Assim, em vossa opinião, para ser admitido nessas reuniões operárias é preciso ser operário, isto é, desprovido de bom-senso, e ali fostes introduzido, dizeis, porque certamente vos tomaram por um tolo. Com certeza se vos tivessem julgado com bastante espírito para inventar coisas que não existem, é bem certo que vos teriam fechado a porta.
Já pensastes, senhor, que não atacais apenas os espíritas, mas toda a classe operária e, em particular, a de Lyon? Esqueceis que são esses mesmos operários, esses tecelões, como dizeis com afetação, que fazem a prosperidade de vossa cidade pela indústria? Não foram essas criaturas sem valor moral, esses operários, que produziram Jacquard? De onde saíram em bom número os vossos fabricantes, que adquiriram fortuna com o suor de sua fronte e à força de ordem e de economia? Não é insultar o trabalho comparar os seus teares a ignóbeis forcas? Ridicularizais a sua linguagem; esqueceis que o seu ofício não é para fazer discursos acadêmicos? É necessário um estilo rebuscado para dizer o que se pensa? Senhor, vossas palavras não são apenas levianas ─ emprego o vocábulo por consideração ─ elas são imprudentes. Se jamais Deus vos reservou dias nefastos, orai para que os ofendidos não se lembrem disto. Os que são espíritas se esquecerão, porque a caridade assim lhes ordena. Fazei votos, pois, para que todos o sejam, desde que bebem no Espiritismo os princípios de ordem social, o respeito à propriedade e os sentimentos religiosos.
Sabeis o que fazem os operários espíritas lioneses, que tratais com tanto desdém? Ao invés de irem atordoar-se nos cabarés ou alimentar-se de doutrinas subversivas e quiméricas, nessa oficina que por irrisão comparais ao antro de Trophonius, em meio a esses teares de quatro forcas, eles pensam em Deus. Eu os vi durante minha estada aqui. Conversei com eles e me convenci do seguinte: Entre eles, muitos maldiziam seu trabalho penoso; hoje o aceitam com a resignação do cristão, como uma prova. Muitos viam com ciúme e inveja a sorte dos ricos; hoje sabem que a riqueza é uma prova ainda mais escorregadia que a da miséria, e que o infeliz que sofre e não cede à tentação é o verdadeiro eleito de Deus. Sabem que a verdadeira felicidade não está no supérfluo e que aqueles que são chamados os felizes deste mundo também sofrem cruéis angústias, que o ouro não acalma. Muitos se riam da prece; hoje oram e reencontraram o caminho da igreja que tinham esquecido, porque outrora não criam em nada e hoje creem. Diversos teriam sucumbido no desespero; hoje, que conhecem a sorte dos que voluntariamente abreviam a vida, resignam-se à vontade de Deus, pois sabem que têm uma alma, do que antes não estavam certos. Enfim, porque sabem estar apenas de passagem na Terra, e que a justiça de Deus não falha para ninguém.
Eis, senhor, o que sabem e o que fazem esses ineptos, como os chamais. Talvez se exprimam numa linguagem ridícula, trivial aos olhos de um homem de espírito como vós, mas aos olhos de Deus o mérito está no coração e não na elegância das frases.
Noutro ponto dizeis: “Outrora a igreja era bastante poderosa para impor silêncio a semelhantes divagações. Talvez ela maltratasse bastante, é verdade, mas sustava o mal. Hoje, desde que a autoridade religiosa é impotente, desde que o bom-senso não tem bastante poder para fazer justiça a tais alucinações, não deveria a outra autoridade intervir neste caso, etc.” Com efeito, ela queimava. É realmente uma lástima que não tenhamos mais fogueiras. Oh! deploráveis efeitos do progresso das luzes!
Noutro ponto dizeis: “Outrora a igreja era bastante poderosa para impor silêncio a semelhantes divagações. Talvez ela maltratasse bastante, é verdade, mas sustava o mal. Hoje, desde que a autoridade religiosa é impotente, desde que o bom-senso não tem bastante poder para fazer justiça a tais alucinações, não deveria a outra autoridade intervir neste caso, etc.” Com efeito, ela queimava. É realmente uma lástima que não tenhamos mais fogueiras. Oh! deploráveis efeitos do progresso das luzes!
Não tenho por hábito responder às diatribes. Se só se tratasse de mim, eu nada teria dito. Mas, a propósito de uma crença de que me orgulho de professar porque é uma crença eminentemente cristã, vós procurais ridicularizar criaturas honestas e laboriosas, porque são iletradas, esquecendo que Jesus era operário. Vós as excitais com palavras irritantes; chamais contra elas os rigores das autoridades civis e religiosas, quando são pacíficas e compreendem o vazio das utopias com que são embalados e que vos meteram medo. Tive que lhes tomar a defesa, lembrando os deveres impostos pela caridade, dizendo-lhes que se outros não cumprem os seus deveres, isso não é razão para se afastarem de lá. Eis, senhor, os conselhos que lhes dou; são também os que lhes dão os Espíritos que cometem a tolice de se dirigirem a pessoas simples e ignorantes e não a vós. É que provavelmente sabem que serão melhor escutados. A propósito, poderíeis dizer-me por que Jesus escolheu seus apóstolos entre o povo, e não entre os homens de letras? Sem dúvida é porque na época não havia jornalistas para lhe dizerem o que ele devia fazer.
Certamente direis que vossa crítica só atinge a crença nos Espíritos e em suas manifestações e não os princípios sagrados da religião. Estou certo disto. Mas, então, por que dizer que os espíritas romperam com todos os princípios religiosos? É que não sabeis em que eles se apoiam. Contudo, lá vistes um médium orar com fervor, e vós, católico, ristes de uma pessoa que orava!
Provavelmente vós não sabeis também o que são os Espíritos. Os Espíritos são apenas as almas dos que viveram. Almas e Espíritos são uma única e mesma coisa.
Provavelmente vós não sabeis também o que são os Espíritos. Os Espíritos são apenas as almas dos que viveram. Almas e Espíritos são uma única e mesma coisa.
Assim, negar a existência dos Espíritos é negar a alma. Admitir a alma, sua sobrevivência e sua individualidade, é admitir os Espíritos. Toda a questão, pois, se reduz a saber se, após a morte, a alma pode manifestar-se aos vivos. Os livros sagrados e os Padres da Igreja o reconheciam. Se os espíritas estão errados, essas autoridades também se enganaram. Para prová-lo é preciso demonstrar, não por uma simples negativa, mas por peremptórias razões:
1.º ─ Que o ser que pensa em nós durante a vida não deve mais pensar após a morte;
2.º ─ Que, se pensa, não deve mais pensar naqueles que amou;
3.º ─ Que, se pensa nos que amou, não deve mais querer com eles comunicarse;
4.º ─ Que, se pode estar em toda parte, não pode estar ao nosso lado;
5.º ─ Que, se está ao nosso lado, não pode comunicar-se conosco;
Se conhecêsseis o estado dos Espíritos, sua natureza e, se assim me posso exprimir, sua constituição fisiológica, tal como eles no-la descrevem e tal qual a observação nos confirma, saberíeis que o Espírito e a alma, sendo uma única e mesma coisa, só há de menos no Espírito o corpo de que se despoja ao morrer, restando-lhe porém um envoltório etéreo, que para ele constitui um corpo fluídico, com o auxílio do qual pode, em certas circunstâncias, tornar-se visível. É o que ocorre nos casos de aparições, que a própria igreja admite perfeitamente, desde que de algumas faz artigo de fé. Dada esta base, às proposições precedentes acrescentarei as seguintes, pedindo-vos que as prove:
6.º ─ Que por seu envoltório fluídico, o Espírito não pode agir sobre a matéria inerte;
7.º ─ Que se pode agir sobre a matéria inerte, não pode agir sobre um ser animado;
8º ─ Que se pode agir sobre um ser animado, não lhe pode dirigir a mão para escrever;
9.º ─ Que podendo fazê-lo escrever, não pode responder às suas perguntas e lhe transmitir seu pensamento.
Quando tiverdes demonstrado que tudo isto é impossível, por meio de raciocínios tão patentes quanto aqueles pelos quais
Galileu demonstrou que não é o Sol que gira, então vossa opinião poderá ser levada em consideração.
Certamente objetareis que nas suas comunicações, por vezes os Espíritos dizem coisas absurdas. É bem certo; e fazem mais: por vezes dizem grosserias e impertinências. É que, deixando o corpo, o Espírito não se despoja imediatamente de todas as suas imperfeições. É então provável que aqueles que dizem coisas ridículas como Espíritos, as disseram ainda mais ridículas quando estavam entre nós. Eis por que não aceitamos mais cegamente tudo o que vem da parte deles do que o que vem da parte dos homens.
Mas eu paro aqui, pois não pretendo dar um curso. Bastou-me provar que falastes do Espiritismo sem conhecê-lo. Recebei, senhor, minhas respeitosas saudações.
ALLAN KARDEC
Banquete - Oferecido pelos espíritas lioneses ao Sr. Allan Kardec, a 19 de setembro de 1860
Resposta do Sr. Allan KardecSenhoras, senhores, e vós todos, meus caros e bons irmãos no Espiritismo.
A acolhida tão amiga e benevolente que recebo entre vós, desde a minha chegada, seria bastante para me encher de orgulho, se eu não compreendesse que tais testemunhos se dirigem menos à pessoa do que à Doutrina, da qual não passo de um dos mais humildes obreiros. É a consagração de um princípio e me sinto duplamente feliz, porque esse princípio deve um dia assegurar a felicidade do homem e o repouso da Sociedade, quando for bem compreendido, e ainda melhor quando for praticado. Seus adversários só o combatem porque não o compreendem.
Cabe a nós; cabe aos verdadeiros espíritas, àqueles que veem no Espiritismo algo mais do que experiências mais ou menos curiosas, fazê-lo compreendido e propagálo, tanto pregando pelo exemplo quanto pela palavra. O Livro dos Espíritos teve como resultado demonstrar o seu alcance filosófico. Se esse livro tem qualquer mérito, seria presunção minha orgulhar-me disso, porque a doutrina que ele encerra não é criação minha. Toda honra pelo bem que ele fez cabe aos sábios Espíritos que o ditaram e que quiseram servir-se de mim. Posso, pois, ouvir o elogio sem que seja ferida a minha modéstia, e sem que o meu amor-próprio por isso fique exaltado. Se eu desejasse prevalecer-me disto, certamente teria reivindicado a sua concepção, em vez de atribuí-la aos Espíritos; e se se pudesse duvidar da superioridade daqueles que cooperaram, bastaria considerar a influência que ele exerceu em tão pouco tempo, só pelo poder da lógica, e sem qualquer dos meios materiais próprios para superexcitar a curiosidade. Seja como for, senhores, a cordialidade do vosso acolhimento será para mim um poderoso encorajamento na tarefa laboriosa que empreendi e da qual fiz a razão de minha vida, porque me dá a certeza consoladora de que os homens de coração já não são tão raros neste século materialista, como gostam de proclamá-lo. Os sentimentos que fazem nascer em mim esses testemunhos benevolentes são melhor compreendidos do que expressados; e o que lhes dá, aos meus olhos, um valor inestimável, é que não têm por móvel qualquer consideração pessoal. Eu vo-lo agradeço do fundo do coração, em nome do Espiritismo, sobretudo em nome da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que sentir-se-á feliz pelas mostras de simpatia que tendes a bondade de lhe dar, e orgulhosa de contar em Lyon tão grande número de bons e leais confrades. Permiti-me retraçar, nalgumas palavras, as impressões que levo de minha breve passagem entre vós.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi o número de adeptos. Eu bem sabia que Lyon os contava em grande número, mas estava longe de suspeitar fosse tão considerável, pois são contados às centenas e em breve, espero, serão incontáveis. Mas se Lyon se distingue pelo número, não o faz menos pela qualidade, o que é ainda melhor. Por toda parte só encontrei espíritas sinceros, que compreendem a Doutrina sob seu verdadeiro ponto de vista.
Há, senhores, três categorias de adeptos: Os primeiros se limitam a acreditar na realidade das manifestações e, antes de mais nada, buscam os fenômenos. Para esses o Espiritismo é simplesmente uma série de fatos mais ou menos interessantes. Os segundos veem mais do que os fatos. Compreendem o seu alcance filosófico; admiram a moral dele decorrente, mas não a praticam. Para eles, a caridade cristã é uma bela máxima, e eis tudo.
Os terceiros, enfim, não se contentam em admirar a moral: praticam-na e aceitam todas as suas consequências. Bem convencidos de que a existência terrena é uma prova passageira, buscam tirar proveito desses curtos instantes para marchar na via do progresso que lhes traçam os Espíritos, esforçando-se por fazer o bem e reprimir suas inclinações más. Suas relações são sempre seguras, porque suas convicções afastam-nos de todo pensamento do mal. Em tudo a caridade lhes é regra de conduta. Estes são os verdadeiros espíritas, ou melhor, os espíritas cristãos.
Ora, Senhores! Eu vos digo com satisfação que aqui não encontrei nenhum adepto da primeira categoria. Em parte alguma vi se ocuparem do Espiritismo por mera curiosidade. Em parte alguma vi se servirem das comunicações para assuntos fúteis. Em toda parte o objetivo é sério e as intenções honestas. A crer no que vejo e no que me dizem, há muitos da terceira categoria. Honra, pois, aos espíritas lioneses, por haverem tão largamente penetrado essa via progressiva, sem a qual o Espiritismo não teria objetivo. Tal exemplo não será perdido, e terá suas consequências. Não foi sem razão, bem o vejo, que outro dia os Espíritos me responderam, por um dos vossos mais dedicados médiuns, posto que um dos mais obscuros, quando eu lhes manifestava minha surpresa: “Por que admirar-te? Lyon foi a cidade dos mártires. A fé aqui é viva. Ela fornecerá apóstolos ao Espiritismo. Se Paris é o cérebro, Lyon será o coração.” A coincidência desta resposta com a que vos foi dada precedentemente, e que o Sr. Guillaume acaba de recordar em sua alocução, tem algo de muito significativo.
A rapidez com que a Doutrina se propagou nos últimos tempos, malgrado a oposição que ainda encontra, ou talvez por causa dessa oposição, pode ensejar-nos prever o futuro. Evitemos, pois, por prudência, tudo quanto possa produzir uma impressão degradável. Evitemos, não digo de perder uma causa já assegurada, mas retardar-lhe o desenvolvimento. Sigamos nisto os conselhos dos sábios Espíritos e não esqueçamos que, no mundo, muitos resultados foram comprometidos por excesso de precipitação. Não esqueçamos, tampouco, que nossos inimigos do outro mundo, assim como os deste, podem procurar arrastar-nos por uma via perigosa.
Pedistes-me alguns conselhos e para mim é um prazer vos dar aqueles que a experiência puder sugerir-me. Não passarão, sempre, de uma opinião pessoal, que vos convido a ponderar com a vossa sabedoria e da qual fareis o uso que vos parecer mais adequado, pois não tenho a pretensão de me impor como árbitro absoluto.
Tínheis a intenção de formar uma grande sociedade. A respeito, já vos dei o meu modo de pensar e me limitarei a resumi-lo aqui.
Sabe-se que as melhores comunicações são obtidas em reuniões pouco numerosas, nas quais reina a harmonia e uma comunhão de sentimentos. Ora, quanto maior for o número, tanto mais difícil será a obtenção dessa homogeneidade. Como é impossível que no começo de uma ciência, ainda tão nova, não surgissem algumas divergências na maneira de apreciar certas coisas, dessa divergência infalivelmente nasceria um mal-estar, que poderia conduzir à desunião. Ao contrário, os pequenos grupos serão sempre mais homogêneos. Nos pequenos grupos, todos se conhecem melhor, estão mais em família, e podem ser com melhor critério admitidos aqueles que desejamos. Como, em definitivo, todos tendem para um mesmo fim, podem entender-se perfeitamente e entender-se-ão tanto melhor por não haver aquela suscetibilidade incessante, que é incompatível com o recolhimento e a concentração de espírito. Os maus Espíritos que buscam incessantemente semear a discórdia, irritando suscetibilidades, terão sempre menos domínio num pequeno grupo do que num meio numeroso e heterogêneo. Numa palavra, a unidade de vistas e de sentimento será aí mais fácil de se estabelecer.
A multiplicidade de grupos tem outra vantagem: a de obter uma variedade muito maior de comunicações, pela diversidade de aptidões dos médiuns. Que essas reuniões parciais compartilhem com os outros pequenos grupos o que elas obtêm, cada uma por seu lado, e todas aproveitarão assim os seus mútuos trabalhos. Aliás, chegará o momento em que o número de aderentes não mais permitirá uma reunião única, e o grupo deverá fracionar-se pela força das coisas. Por isso seria melhor fazer imediatamente aquilo que serão obrigados a fazer mais tarde.
Do ponto de vista da propaganda, sem dúvida não é nas grandes reuniões que os neófitos podem colher elementos de convicção, mas na intimidade. Há, pois, um duplo motivo para preferir os pequenos grupos, que se podem multiplicar ao infinito.
Ora, vinte grupos de dez pessoas, por exemplo, inquestionavelmente obterão mais, e farão mais prosélitos do que uma reunião única de duzentas pessoas.
Falei, há pouco, das divergências que podem surgir, e disse que elas não devem criar obstáculos ao perfeito entendimento entre os centros. Com efeito, essas divergências só podem dar-se nos detalhes e não no fundo. O objetivo é o mesmo: o melhoramento moral; o meio é o mesmo: o ensinamento dado pelos Espíritos. Se tal ensino fosse contraditório; se, evidentemente, um devesse ser falso e o outro verdadeiro, notai bem que isto não poderia alterar o objetivo, que é o de conduzir o homem ao bem, para sua maior felicidade presente e futura. Ora, o bem não poderia ter dois pesos e duas medidas. Contudo, do ponto de vista científico ou dogmático, é útil, ou pelo menos interessante, saber quem está certo e quem está errado. Então!
Tendes um critério infalível para apreciá-lo, quer se trate de simples detalhe ou de sistemas radicalmente divergentes. Isto não se aplica somente aos sistemas espíritas, mas a todos os sistemas filosóficos.
Examinai antes o que é mais lógico, o que melhor corresponde às vossas aspirações, que pode melhor atingir o objetivo. O mais verdadeiro será, evidentemente, aquele que explica melhor, que melhor dá a razão de tudo. Se se puder opor a um sistema um único fato em contradição com a sua teoria, é que a teoria é falsa ou incompleta. Examinai a seguir os resultados práticos de cada sistema. A verdade deve estar do lado daquele que produz maior soma de bem; que exerce uma influência mais salutar; que produz mais homens bons e virtuosos; que estimula ao bem pelos motivos mais puros e mais racionais. O objetivo constante a que o homem aspira é a felicidade. A verdade estará do lado do sistema que proporciona maior soma de satisfações morais; numa palavra, que torna as criaturas mais felizes.
Considerando-se que o ensino vem dos Espíritos, os diversos grupos, assim como os homens, se acham sob a influência de certos Espíritos que presidem aos seus trabalhos, ou os dirigem moralmente. Se esses Espíritos não estiverem de acordo, a questão será saber qual deles merece mais confiança. Evidentemente será aquele cuja teoria não pode levantar qualquer objeção séria; numa palavra, aquele que, em todos os pontos, dá mais provas de sua superioridade. Se tudo for bom e racional nesse ensino, pouco importa o nome que tome o Espírito. Neste sentido, a questão de identidade é absolutamente secundária. Se, sob um nome respeitável, o ensino peca em suas qualidades essenciais, podeis seguramente concluir que é um nome apócrifo e que se trata um Espírito impostor ou que se diverte. Regra geral: jamais o nome é uma garantia. A única, a verdadeira garantia de superioridade é o pensamento e a maneira por que este é expresso. Os Espíritos enganadores podem tudo imitar, tudo, menos a verdadeira sabedoria e o verdadeiro sentimento.
Senhores, não é intenção minha dar-vos aqui um curso de Espiritismo, e talvez eu abuse de vossa paciência com todos estes detalhes. Contudo, não posso furtar-me de acrescentar mais algumas palavras.
Acontece muitas vezes que para fazer com que sejam adotadas certas utopias, os Espíritos afetam um falso saber e tentam impô-las retirando do arsenal de palavras técnicas tudo quanto possa fascinar aquele que acredita muito facilmente.
Têm ainda um meio mais eficiente, que é o de aparentar virtudes. Apoiados nas grandes palavras caridade, fraternidade, humildade, esperam obter livre passagem para os mais grosseiros absurdos; e é o que acontece muitas vezes, quando não se está prevenido. É preciso, pois, não se deixar levar pelas aparências, tanto da parte dos Espíritos quanto dos homens. Ora, confesso que esta é uma das maiores dificuldades. No entanto, nunca se disse que o Espiritismo é uma ciência fácil. Ele tem os seus escolhos, que só pela experiência podem ser evitados. Para não cair na cilada, é necessário, de princípio, guardar-se contra o entusiasmo que cega e contra o orgulho que leva certos médiuns a se julgarem os únicos intérpretes da verdade. É preciso tudo examinar friamente, tudo pesar maduramente, tudo controlar e, se se desconfia do próprio julgamento, o que por vezes é mais prudente, é preciso relatar a outros, seguindo o provérbio de que quatro olhos veem mais do que dois. Um falso amor-próprio ou uma obsessão podem, isoladamente, fazer persistir uma ideia notoriamente falsa e que é repelida pelo bom-senso de cada um. Senhores, não ignoro que tenho aqui muitos inimigos. Isto vos espanta, no entanto, nada é mais verdadeiro. Sim, aqui há quem me ouça com ira; não digo entre vós, graças a Deus!, onde espero jamais ter senão amigos. Refiro-me aos Espíritos enganadores, que não querem que vos dê os meios de desmascará-los, desde que descubro as suas astúcias, pondo-vos em guarda, e lhes tiro o domínio que poderiam ter sobre vós. A tal respeito, senhores, dir-vos-ei que seria erro supor que eles exerçam esse domínio apenas sobre os médiuns. Tende a mais absoluta certeza de que, estando em toda parte, os Espíritos agem incessantemente sobre nós, sem o sabermos, quer sejamos ou não sejamos espíritas ou médiuns. A mediunidade não os atrai; ao contrário, ela dá os meios de conhecer seu inimigo, que se trai sempre.
Sempre, ouvi bem, e que só abusa dos que se deixam abusar.
Isto, senhores, leva-me a completar meu pensamento sobre o que acabo de dizer a propósito das dissidências que poderiam surgir entre os diferentes grupos, por força da diversidade de ensino. Eu vos disse que, malgrado algumas divergências, eles poderiam entender-se e devem entender-se, desde que sejam verdadeiros espíritas. Eu vos dei o meio de controlar o valor das comunicações, que é o meio de apreciar a natureza das influências exercidas sobre cada um. Dado que toda influência boa emana de um bom Espírito; que tudo quanto é mau vem de uma fonte má; que os maus Espíritos são os inimigos da união e da concórdia, o grupo que for assistido pelo Espírito do mal será o que jogará pedras no outro e não lhe estenderá a mão. Quanto a mim, senhores, eu vos olho a todos como irmãos, quer estejais com a verdade, quer em erro. Mas vos declaro, alto e bom som, que estarei de corpo e alma com os que mostrarem mais caridade e mais abnegação. Se houvesse alguns, o que Deus não permita, que entretivessem sentimentos de ódio, de inveja ou de ciúme, eu os lamentaria, porque estariam sob má influência e eu preferiria supor que esses maus pensamentos lhes viessem de um Espírito estranho do que de seu próprio coração. Mas isto só me tornaria suspeita a veracidade das comunicações que pudessem receber, em virtude do princípio de que um Espírito realmente bom somente sugerirá bons sentimentos.
Terminarei, senhores, esta alocução, certamente já bem longa, com algumas considerações sobre as causas que devem assegurar o futuro do Espiritismo. Compreendeis todos, pelo que tendes sob os olhos e pelo que sentis em vós mesmos, que num dia futuro o Espiritismo deve exercer uma imensa influência sobre a estrutura social. Mas o dia em que essa influência será generalizada ainda está longe, sem dúvida. São necessárias gerações para que o homem se despoje do homem velho. Contudo, desde agora, se o bem não pode ser geral, já é individual, e porque esse bem é efetivo, a doutrina que o proporciona é aceita com tanta facilidade. Direi mesmo que com muito entusiasmo, por muitos. Com efeito, abstração feita de sua racionalidade, que filosofia é mais capaz de libertar o pensamento do homem dos laços terrenos e de elevar sua alma para o infinito? Qual a que lhe dá uma ideia mais justa, mais lógica, mais apoiada em provas patentes, de sua natureza e de seu destino? Que seus adversários a substituam por algo de melhor; por uma doutrina mais consoladora que se acomode melhor à razão; que substitua a alegria inefável de saber que os seres que nos foram caros na Terra estão junto a nós, nos veem, nos ouvem, nos falam e nos aconselham; que dê um motivo mais legítimo à resignação; que faça temer menos a morte; que proporcione mais calma nas provas da vida; que substitua, enfim, essa suave quietude experimentada quando se pode dizer: sinto-me melhor. Ante uma doutrina que faça tudo isto melhor, o Espiritismo ensarilhará as armas.
O Espiritismo torna, pois, soberanamente feliz. Com ele, não mais isolamento nem desespero. Ele já poupou muitas faltas, impediu vários crimes, levou a paz a inúmeras famílias, corrigiu muitos desvios. Como será, então, quando os homens forem alimentados por tais ideias! Porque então, vindo o raciocínio, eles se fortalecerão e não mais renegarão sua alma. Sim, o Espiritismo torna feliz e é isto que lhe dá um poder irresistível e assegura o seu futuro triunfo. Os homens querem a felicidade; o Espiritismo a proporciona; eles se atirarão nos braços do Espiritismo. Querem aniquilá-lo? Então deem ao homem uma fonte maior de felicidade e de esperança. Isto quanto aos indivíduos.
Duas outras forças parecem ter receado o seu aparecimento: a autoridade civil e a autoridade religiosa. Por que isso? Porque não o conhecem. Hoje a Igreja começa a ver que nele encontrará poderosa arma para combater a incredulidade; a solução lógica de vários dogmas embaraçosos e, finalmente, que ele já traz de volta aos seus deveres de cristãos bom número de ovelhas desgarradas. Por seu lado, o poder civil começa a ver provas de sua benéfica influência sobre a moralidade das classes laboriosas, às quais essa doutrina inculca, pela convicção, ideias de ordem, de respeito à propriedade, e faz compreender o nada das utopias. Testemunha de metamorfoses morais quase miraculosas, em breve entreverá, na difusão dessas ideias, um alimento mais útil ao pensamento do que as alegrias dos cabarés ou o tumulto da praça pública e, consequentemente, uma salvaguarda para a Sociedade.
Assim, povo, Igreja e poder, um dia vendo nele um dique contra a brutalidade das paixões, uma garantia da ordem e da tranquilidade, uma volta às ideias religiosas que se extinguem, ninguém terá interesse em entravá-lo. Ao contrário, cada um buscará nele um apoio. Aliás, quem poderá deter o curso desse rio de ideias que já rola suas águas benfazejas nos cinco continentes?
Tais são, meus caros confrades, as considerações que desejava submeter-vos. Termino agradecendo novamente vossa benévola acolhida, cuja lembrança estará sempre presente em minha memória. Agradeço igualmente aos bons Espíritos por toda a satisfação que me proporcionaram durante minha viagem, porque, por toda parte onde me detive, encontrei bons e sinceros espíritas e pude constatar, por meus próprios olhos, o imenso desenvolvimento dessas ideias e com que facilidade elas se enraízam. Por toda parte encontrei gente feliz, aflitos consolados, pesares acalmados, ódios apaziguados; por toda parte a confiança e a esperança sucedendo às angústias da dúvida e da incerteza. Ainda uma vez, o Espiritismo é a chave da verdadeira felicidade e aí está o segredo de seu poder irresistível. Então é utopia uma doutrina que faz tais prodígios? Que Deus, na sua bondade, meus caros amigos, se digne vos enviar bons Espíritos para vos assistir nas vossas comunicações, a fim de que vos esclareçam sobre as verdades que estais encarregados de espalhar. Um dia colhereis centuplicados os frutos do bom grão que houverdes semeado.
Que este repasto de amigos, meus mui amados confrades, como nos ágapes antigos, seja o penhor da união entre todos os verdadeiros espíritas!
Levanto um brinde aos espíritas lioneses, tanto em meu nome quanto no da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
ALLAN KARDEC
A acolhida tão amiga e benevolente que recebo entre vós, desde a minha chegada, seria bastante para me encher de orgulho, se eu não compreendesse que tais testemunhos se dirigem menos à pessoa do que à Doutrina, da qual não passo de um dos mais humildes obreiros. É a consagração de um princípio e me sinto duplamente feliz, porque esse princípio deve um dia assegurar a felicidade do homem e o repouso da Sociedade, quando for bem compreendido, e ainda melhor quando for praticado. Seus adversários só o combatem porque não o compreendem.
Cabe a nós; cabe aos verdadeiros espíritas, àqueles que veem no Espiritismo algo mais do que experiências mais ou menos curiosas, fazê-lo compreendido e propagálo, tanto pregando pelo exemplo quanto pela palavra. O Livro dos Espíritos teve como resultado demonstrar o seu alcance filosófico. Se esse livro tem qualquer mérito, seria presunção minha orgulhar-me disso, porque a doutrina que ele encerra não é criação minha. Toda honra pelo bem que ele fez cabe aos sábios Espíritos que o ditaram e que quiseram servir-se de mim. Posso, pois, ouvir o elogio sem que seja ferida a minha modéstia, e sem que o meu amor-próprio por isso fique exaltado. Se eu desejasse prevalecer-me disto, certamente teria reivindicado a sua concepção, em vez de atribuí-la aos Espíritos; e se se pudesse duvidar da superioridade daqueles que cooperaram, bastaria considerar a influência que ele exerceu em tão pouco tempo, só pelo poder da lógica, e sem qualquer dos meios materiais próprios para superexcitar a curiosidade. Seja como for, senhores, a cordialidade do vosso acolhimento será para mim um poderoso encorajamento na tarefa laboriosa que empreendi e da qual fiz a razão de minha vida, porque me dá a certeza consoladora de que os homens de coração já não são tão raros neste século materialista, como gostam de proclamá-lo. Os sentimentos que fazem nascer em mim esses testemunhos benevolentes são melhor compreendidos do que expressados; e o que lhes dá, aos meus olhos, um valor inestimável, é que não têm por móvel qualquer consideração pessoal. Eu vo-lo agradeço do fundo do coração, em nome do Espiritismo, sobretudo em nome da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que sentir-se-á feliz pelas mostras de simpatia que tendes a bondade de lhe dar, e orgulhosa de contar em Lyon tão grande número de bons e leais confrades. Permiti-me retraçar, nalgumas palavras, as impressões que levo de minha breve passagem entre vós.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi o número de adeptos. Eu bem sabia que Lyon os contava em grande número, mas estava longe de suspeitar fosse tão considerável, pois são contados às centenas e em breve, espero, serão incontáveis. Mas se Lyon se distingue pelo número, não o faz menos pela qualidade, o que é ainda melhor. Por toda parte só encontrei espíritas sinceros, que compreendem a Doutrina sob seu verdadeiro ponto de vista.
Há, senhores, três categorias de adeptos: Os primeiros se limitam a acreditar na realidade das manifestações e, antes de mais nada, buscam os fenômenos. Para esses o Espiritismo é simplesmente uma série de fatos mais ou menos interessantes. Os segundos veem mais do que os fatos. Compreendem o seu alcance filosófico; admiram a moral dele decorrente, mas não a praticam. Para eles, a caridade cristã é uma bela máxima, e eis tudo.
Os terceiros, enfim, não se contentam em admirar a moral: praticam-na e aceitam todas as suas consequências. Bem convencidos de que a existência terrena é uma prova passageira, buscam tirar proveito desses curtos instantes para marchar na via do progresso que lhes traçam os Espíritos, esforçando-se por fazer o bem e reprimir suas inclinações más. Suas relações são sempre seguras, porque suas convicções afastam-nos de todo pensamento do mal. Em tudo a caridade lhes é regra de conduta. Estes são os verdadeiros espíritas, ou melhor, os espíritas cristãos.
Ora, Senhores! Eu vos digo com satisfação que aqui não encontrei nenhum adepto da primeira categoria. Em parte alguma vi se ocuparem do Espiritismo por mera curiosidade. Em parte alguma vi se servirem das comunicações para assuntos fúteis. Em toda parte o objetivo é sério e as intenções honestas. A crer no que vejo e no que me dizem, há muitos da terceira categoria. Honra, pois, aos espíritas lioneses, por haverem tão largamente penetrado essa via progressiva, sem a qual o Espiritismo não teria objetivo. Tal exemplo não será perdido, e terá suas consequências. Não foi sem razão, bem o vejo, que outro dia os Espíritos me responderam, por um dos vossos mais dedicados médiuns, posto que um dos mais obscuros, quando eu lhes manifestava minha surpresa: “Por que admirar-te? Lyon foi a cidade dos mártires. A fé aqui é viva. Ela fornecerá apóstolos ao Espiritismo. Se Paris é o cérebro, Lyon será o coração.” A coincidência desta resposta com a que vos foi dada precedentemente, e que o Sr. Guillaume acaba de recordar em sua alocução, tem algo de muito significativo.
A rapidez com que a Doutrina se propagou nos últimos tempos, malgrado a oposição que ainda encontra, ou talvez por causa dessa oposição, pode ensejar-nos prever o futuro. Evitemos, pois, por prudência, tudo quanto possa produzir uma impressão degradável. Evitemos, não digo de perder uma causa já assegurada, mas retardar-lhe o desenvolvimento. Sigamos nisto os conselhos dos sábios Espíritos e não esqueçamos que, no mundo, muitos resultados foram comprometidos por excesso de precipitação. Não esqueçamos, tampouco, que nossos inimigos do outro mundo, assim como os deste, podem procurar arrastar-nos por uma via perigosa.
Pedistes-me alguns conselhos e para mim é um prazer vos dar aqueles que a experiência puder sugerir-me. Não passarão, sempre, de uma opinião pessoal, que vos convido a ponderar com a vossa sabedoria e da qual fareis o uso que vos parecer mais adequado, pois não tenho a pretensão de me impor como árbitro absoluto.
Tínheis a intenção de formar uma grande sociedade. A respeito, já vos dei o meu modo de pensar e me limitarei a resumi-lo aqui.
Sabe-se que as melhores comunicações são obtidas em reuniões pouco numerosas, nas quais reina a harmonia e uma comunhão de sentimentos. Ora, quanto maior for o número, tanto mais difícil será a obtenção dessa homogeneidade. Como é impossível que no começo de uma ciência, ainda tão nova, não surgissem algumas divergências na maneira de apreciar certas coisas, dessa divergência infalivelmente nasceria um mal-estar, que poderia conduzir à desunião. Ao contrário, os pequenos grupos serão sempre mais homogêneos. Nos pequenos grupos, todos se conhecem melhor, estão mais em família, e podem ser com melhor critério admitidos aqueles que desejamos. Como, em definitivo, todos tendem para um mesmo fim, podem entender-se perfeitamente e entender-se-ão tanto melhor por não haver aquela suscetibilidade incessante, que é incompatível com o recolhimento e a concentração de espírito. Os maus Espíritos que buscam incessantemente semear a discórdia, irritando suscetibilidades, terão sempre menos domínio num pequeno grupo do que num meio numeroso e heterogêneo. Numa palavra, a unidade de vistas e de sentimento será aí mais fácil de se estabelecer.
A multiplicidade de grupos tem outra vantagem: a de obter uma variedade muito maior de comunicações, pela diversidade de aptidões dos médiuns. Que essas reuniões parciais compartilhem com os outros pequenos grupos o que elas obtêm, cada uma por seu lado, e todas aproveitarão assim os seus mútuos trabalhos. Aliás, chegará o momento em que o número de aderentes não mais permitirá uma reunião única, e o grupo deverá fracionar-se pela força das coisas. Por isso seria melhor fazer imediatamente aquilo que serão obrigados a fazer mais tarde.
Do ponto de vista da propaganda, sem dúvida não é nas grandes reuniões que os neófitos podem colher elementos de convicção, mas na intimidade. Há, pois, um duplo motivo para preferir os pequenos grupos, que se podem multiplicar ao infinito.
Ora, vinte grupos de dez pessoas, por exemplo, inquestionavelmente obterão mais, e farão mais prosélitos do que uma reunião única de duzentas pessoas.
Falei, há pouco, das divergências que podem surgir, e disse que elas não devem criar obstáculos ao perfeito entendimento entre os centros. Com efeito, essas divergências só podem dar-se nos detalhes e não no fundo. O objetivo é o mesmo: o melhoramento moral; o meio é o mesmo: o ensinamento dado pelos Espíritos. Se tal ensino fosse contraditório; se, evidentemente, um devesse ser falso e o outro verdadeiro, notai bem que isto não poderia alterar o objetivo, que é o de conduzir o homem ao bem, para sua maior felicidade presente e futura. Ora, o bem não poderia ter dois pesos e duas medidas. Contudo, do ponto de vista científico ou dogmático, é útil, ou pelo menos interessante, saber quem está certo e quem está errado. Então!
Tendes um critério infalível para apreciá-lo, quer se trate de simples detalhe ou de sistemas radicalmente divergentes. Isto não se aplica somente aos sistemas espíritas, mas a todos os sistemas filosóficos.
Examinai antes o que é mais lógico, o que melhor corresponde às vossas aspirações, que pode melhor atingir o objetivo. O mais verdadeiro será, evidentemente, aquele que explica melhor, que melhor dá a razão de tudo. Se se puder opor a um sistema um único fato em contradição com a sua teoria, é que a teoria é falsa ou incompleta. Examinai a seguir os resultados práticos de cada sistema. A verdade deve estar do lado daquele que produz maior soma de bem; que exerce uma influência mais salutar; que produz mais homens bons e virtuosos; que estimula ao bem pelos motivos mais puros e mais racionais. O objetivo constante a que o homem aspira é a felicidade. A verdade estará do lado do sistema que proporciona maior soma de satisfações morais; numa palavra, que torna as criaturas mais felizes.
Considerando-se que o ensino vem dos Espíritos, os diversos grupos, assim como os homens, se acham sob a influência de certos Espíritos que presidem aos seus trabalhos, ou os dirigem moralmente. Se esses Espíritos não estiverem de acordo, a questão será saber qual deles merece mais confiança. Evidentemente será aquele cuja teoria não pode levantar qualquer objeção séria; numa palavra, aquele que, em todos os pontos, dá mais provas de sua superioridade. Se tudo for bom e racional nesse ensino, pouco importa o nome que tome o Espírito. Neste sentido, a questão de identidade é absolutamente secundária. Se, sob um nome respeitável, o ensino peca em suas qualidades essenciais, podeis seguramente concluir que é um nome apócrifo e que se trata um Espírito impostor ou que se diverte. Regra geral: jamais o nome é uma garantia. A única, a verdadeira garantia de superioridade é o pensamento e a maneira por que este é expresso. Os Espíritos enganadores podem tudo imitar, tudo, menos a verdadeira sabedoria e o verdadeiro sentimento.
Senhores, não é intenção minha dar-vos aqui um curso de Espiritismo, e talvez eu abuse de vossa paciência com todos estes detalhes. Contudo, não posso furtar-me de acrescentar mais algumas palavras.
Acontece muitas vezes que para fazer com que sejam adotadas certas utopias, os Espíritos afetam um falso saber e tentam impô-las retirando do arsenal de palavras técnicas tudo quanto possa fascinar aquele que acredita muito facilmente.
Têm ainda um meio mais eficiente, que é o de aparentar virtudes. Apoiados nas grandes palavras caridade, fraternidade, humildade, esperam obter livre passagem para os mais grosseiros absurdos; e é o que acontece muitas vezes, quando não se está prevenido. É preciso, pois, não se deixar levar pelas aparências, tanto da parte dos Espíritos quanto dos homens. Ora, confesso que esta é uma das maiores dificuldades. No entanto, nunca se disse que o Espiritismo é uma ciência fácil. Ele tem os seus escolhos, que só pela experiência podem ser evitados. Para não cair na cilada, é necessário, de princípio, guardar-se contra o entusiasmo que cega e contra o orgulho que leva certos médiuns a se julgarem os únicos intérpretes da verdade. É preciso tudo examinar friamente, tudo pesar maduramente, tudo controlar e, se se desconfia do próprio julgamento, o que por vezes é mais prudente, é preciso relatar a outros, seguindo o provérbio de que quatro olhos veem mais do que dois. Um falso amor-próprio ou uma obsessão podem, isoladamente, fazer persistir uma ideia notoriamente falsa e que é repelida pelo bom-senso de cada um. Senhores, não ignoro que tenho aqui muitos inimigos. Isto vos espanta, no entanto, nada é mais verdadeiro. Sim, aqui há quem me ouça com ira; não digo entre vós, graças a Deus!, onde espero jamais ter senão amigos. Refiro-me aos Espíritos enganadores, que não querem que vos dê os meios de desmascará-los, desde que descubro as suas astúcias, pondo-vos em guarda, e lhes tiro o domínio que poderiam ter sobre vós. A tal respeito, senhores, dir-vos-ei que seria erro supor que eles exerçam esse domínio apenas sobre os médiuns. Tende a mais absoluta certeza de que, estando em toda parte, os Espíritos agem incessantemente sobre nós, sem o sabermos, quer sejamos ou não sejamos espíritas ou médiuns. A mediunidade não os atrai; ao contrário, ela dá os meios de conhecer seu inimigo, que se trai sempre.
Sempre, ouvi bem, e que só abusa dos que se deixam abusar.
Isto, senhores, leva-me a completar meu pensamento sobre o que acabo de dizer a propósito das dissidências que poderiam surgir entre os diferentes grupos, por força da diversidade de ensino. Eu vos disse que, malgrado algumas divergências, eles poderiam entender-se e devem entender-se, desde que sejam verdadeiros espíritas. Eu vos dei o meio de controlar o valor das comunicações, que é o meio de apreciar a natureza das influências exercidas sobre cada um. Dado que toda influência boa emana de um bom Espírito; que tudo quanto é mau vem de uma fonte má; que os maus Espíritos são os inimigos da união e da concórdia, o grupo que for assistido pelo Espírito do mal será o que jogará pedras no outro e não lhe estenderá a mão. Quanto a mim, senhores, eu vos olho a todos como irmãos, quer estejais com a verdade, quer em erro. Mas vos declaro, alto e bom som, que estarei de corpo e alma com os que mostrarem mais caridade e mais abnegação. Se houvesse alguns, o que Deus não permita, que entretivessem sentimentos de ódio, de inveja ou de ciúme, eu os lamentaria, porque estariam sob má influência e eu preferiria supor que esses maus pensamentos lhes viessem de um Espírito estranho do que de seu próprio coração. Mas isto só me tornaria suspeita a veracidade das comunicações que pudessem receber, em virtude do princípio de que um Espírito realmente bom somente sugerirá bons sentimentos.
Terminarei, senhores, esta alocução, certamente já bem longa, com algumas considerações sobre as causas que devem assegurar o futuro do Espiritismo. Compreendeis todos, pelo que tendes sob os olhos e pelo que sentis em vós mesmos, que num dia futuro o Espiritismo deve exercer uma imensa influência sobre a estrutura social. Mas o dia em que essa influência será generalizada ainda está longe, sem dúvida. São necessárias gerações para que o homem se despoje do homem velho. Contudo, desde agora, se o bem não pode ser geral, já é individual, e porque esse bem é efetivo, a doutrina que o proporciona é aceita com tanta facilidade. Direi mesmo que com muito entusiasmo, por muitos. Com efeito, abstração feita de sua racionalidade, que filosofia é mais capaz de libertar o pensamento do homem dos laços terrenos e de elevar sua alma para o infinito? Qual a que lhe dá uma ideia mais justa, mais lógica, mais apoiada em provas patentes, de sua natureza e de seu destino? Que seus adversários a substituam por algo de melhor; por uma doutrina mais consoladora que se acomode melhor à razão; que substitua a alegria inefável de saber que os seres que nos foram caros na Terra estão junto a nós, nos veem, nos ouvem, nos falam e nos aconselham; que dê um motivo mais legítimo à resignação; que faça temer menos a morte; que proporcione mais calma nas provas da vida; que substitua, enfim, essa suave quietude experimentada quando se pode dizer: sinto-me melhor. Ante uma doutrina que faça tudo isto melhor, o Espiritismo ensarilhará as armas.
O Espiritismo torna, pois, soberanamente feliz. Com ele, não mais isolamento nem desespero. Ele já poupou muitas faltas, impediu vários crimes, levou a paz a inúmeras famílias, corrigiu muitos desvios. Como será, então, quando os homens forem alimentados por tais ideias! Porque então, vindo o raciocínio, eles se fortalecerão e não mais renegarão sua alma. Sim, o Espiritismo torna feliz e é isto que lhe dá um poder irresistível e assegura o seu futuro triunfo. Os homens querem a felicidade; o Espiritismo a proporciona; eles se atirarão nos braços do Espiritismo. Querem aniquilá-lo? Então deem ao homem uma fonte maior de felicidade e de esperança. Isto quanto aos indivíduos.
Duas outras forças parecem ter receado o seu aparecimento: a autoridade civil e a autoridade religiosa. Por que isso? Porque não o conhecem. Hoje a Igreja começa a ver que nele encontrará poderosa arma para combater a incredulidade; a solução lógica de vários dogmas embaraçosos e, finalmente, que ele já traz de volta aos seus deveres de cristãos bom número de ovelhas desgarradas. Por seu lado, o poder civil começa a ver provas de sua benéfica influência sobre a moralidade das classes laboriosas, às quais essa doutrina inculca, pela convicção, ideias de ordem, de respeito à propriedade, e faz compreender o nada das utopias. Testemunha de metamorfoses morais quase miraculosas, em breve entreverá, na difusão dessas ideias, um alimento mais útil ao pensamento do que as alegrias dos cabarés ou o tumulto da praça pública e, consequentemente, uma salvaguarda para a Sociedade.
Assim, povo, Igreja e poder, um dia vendo nele um dique contra a brutalidade das paixões, uma garantia da ordem e da tranquilidade, uma volta às ideias religiosas que se extinguem, ninguém terá interesse em entravá-lo. Ao contrário, cada um buscará nele um apoio. Aliás, quem poderá deter o curso desse rio de ideias que já rola suas águas benfazejas nos cinco continentes?
Tais são, meus caros confrades, as considerações que desejava submeter-vos. Termino agradecendo novamente vossa benévola acolhida, cuja lembrança estará sempre presente em minha memória. Agradeço igualmente aos bons Espíritos por toda a satisfação que me proporcionaram durante minha viagem, porque, por toda parte onde me detive, encontrei bons e sinceros espíritas e pude constatar, por meus próprios olhos, o imenso desenvolvimento dessas ideias e com que facilidade elas se enraízam. Por toda parte encontrei gente feliz, aflitos consolados, pesares acalmados, ódios apaziguados; por toda parte a confiança e a esperança sucedendo às angústias da dúvida e da incerteza. Ainda uma vez, o Espiritismo é a chave da verdadeira felicidade e aí está o segredo de seu poder irresistível. Então é utopia uma doutrina que faz tais prodígios? Que Deus, na sua bondade, meus caros amigos, se digne vos enviar bons Espíritos para vos assistir nas vossas comunicações, a fim de que vos esclareçam sobre as verdades que estais encarregados de espalhar. Um dia colhereis centuplicados os frutos do bom grão que houverdes semeado.
Que este repasto de amigos, meus mui amados confrades, como nos ágapes antigos, seja o penhor da união entre todos os verdadeiros espíritas!
Levanto um brinde aos espíritas lioneses, tanto em meu nome quanto no da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
ALLAN KARDEC
Sobre o valor das comunicações espíritas (Pelo Sr. Jobard)
A ortodoxia religiosa confere um papel de demasiada importância a satã e aos seus supostos satélites, que apenas deveriam ser chamados Espíritos malignos, ignorantes, vaidosos, e quase todos manchados pelo pecado do orgulho que os perdeu. Nisto eles não diferem em nada dos homens, dos quais fizeram parte durante um período muito curto, em relação à eternidade de sua existência pneumática, que pode ser comparada à de um corpo que passou ao estado volátil. O erro é crer que por serem Espíritos devem ser perfeitos, como se o vapor ou os gases fossem mais perfeitos do que a água ou o líquido de onde saíram; como se um valentão só pudesse ser um homem pacífico depois de ser libertado da prisão; como se um louco pudesse ser reputado sábio depois de ter transposto os muros do Charenton27; como se um cego, saído do Quinze-Vingts28, pudesse passar-se por alguém dotado de boa visão.
Senhores médiuns, imaginai que vos tivésseis de haver com toda essa gente, e que haja tanta diferença entre os Espíritos quanto entre os homens. Ora, não ignorais que há tantos homens quantos sentimentos; tantos corpos quantas propriedades diversas, tanto antes quanto depois da sua mudança de estado. Podeis julgar, pelos seus erros, a má qualidade dos Espíritos, como se julga a má qualidade de um corpo pelo odor que exala. Se algumas vezes estão de acordo sobre certos pontos, entre si e convosco, é que se copiam e vos copiam, pois eles sabem melhor que vós o que foi escrito antigamente e recentemente, sobre tal ou qual doutrina que vos repetem, muitas vezes como papagaios, mas outras vezes com convicção, se forem Espíritos estudiosos e conscienciosos, como certos filósofos ou sábios que vos dessem a honra de vir conversar e discutir convosco. Mas ficai persuadidos de que não vos respondem senão o que sentem estardes em condições de compreender. Sem isto só vos dizem vulgaridades e nada que ultrapasse o alcance de vossa inteligência e dos vossos conhecimentos adquiridos. Eles sabem, tanto quanto vós, que não se lançam pérolas aos porcos. Citam os Evangelhos, se sois cristãos, o Alcorão, se sois turcos, e facilmente se põem em uníssono convosco, porque no estado pneumático têm a inteligência que os corpos materiais volatilizados não possuem. Só nisto a comparação precedente não é exata. Se gostais de rir ou de fazer jogo de palavras, e tratais com um Espírito sério, ele vos enviará farsistas mais fortes que vós nas piadas e nos trocadilhos. Se tiverdes o cérebro fraco, ele vos abandonará aos mistificadores, que vos levarão mais longe do que gostaríeis.
Em geral os Espíritos gostam de conversar com os homens. É uma distração e por vezes um estudo para eles. Todos o dizem. Não temais fatigá-los, visto que sempre ficareis fatigados antes deles; mas não vos ensinarão nada além do que poderiam ter dito em vida. Por isso tanta gente pergunta qual a vantagem de perder tempo em consultá-los, desde que não se podem esperar revelações extraordinárias, invenções inesperadas, panaceias, pedras filosofais, transmutações de metais, moto contínuo, pois eles não sabem mais do que vós sobre os resultados ainda não obtidos pela ciência humana. Se vos animam a fazer experiências, é que eles próprios estariam curiosos para lhes ver os efeitos. Por outro lado, só vos dão explicações confusas, como os pseudo-sábios e os advogados que fazem questão de vencer nos debates. Se se trata de um tesouro, eles vos dizem: cavai; de uma liga, dizem: soprai.
Pode ser que buscando encontreis. Ficarão tão admirados quanto vós e gabar-se-ão de vos haverem dado bons conselhos. A vaidade humana não os abandona. Os bons Espíritos não vos afirmam que encontrareis a solução, como os maus, que não têm escrúpulos em vos arruinar. É nisto que jamais deveis fazer abstração do vosso julgamento, do vosso livre-arbítrio, de vossa razão. Que dizeis quando um homem vos induz a um mau negócio? Que é um Espírito infernal, diabólico. Então! O Espírito que vos aconselha mal não é mais diabólico, mais infernal; é um ignorante, um mistificador a mais, mas nem tem missão especial, nem poder sobre-humano, nem grande interesse em vos enganar: ele usa igualmente o livre-arbítrio que Deus lhe deu, como a vós, e como vós pode fazer dele bom ou mau uso: eis tudo. É tolice acreditar que ele se ligue a vós durante anos e anos, para tentar alistar a vossa pobre alma no exército de Satã. De que adianta a Satã um recruta a mais ou a menos, quando eles chegam, espontaneamente, aos milhares de milhões, sem que ele se dê ao trabalho de recrutá-los? Os eleitos são raros, mas inumeráveis os voluntários do mal. Se Deus e o diabo têm, cada um, o seu exército, só Deus necessita de recrutadores. O diabo pode poupar-se ao trabalho de preencher os seus quadros.
Como a vitória está sempre do lado dos grandes batalhões, julgai de sua grandeza, de seu poder e da facilidade de seus triunfos em todos os pontos do Universo e, sem ir muito longe, olhai em torno de vós.
Mas tudo isto não tem sentido. Desde que hoje se sabe facilmente conversar com a gente do outro mundo, é preciso aceitá-los como são e pelo que são. Há poetas que podem ditar bons versos; filósofos e moralistas que podem ditar boas máximas; historiadores que podem dar esclarecimentos sobre sua época; naturalistas que podem ensinar o que sabem, ou retificar os erros que cometeram; astrônomos que podem revelar certos fenômenos que ignorais; músicos; autores que podem escrever suas obras póstumas, e que até têm a vaidade de pedir sejam publicadas em seu nome. Um deles, que havia feito uma invenção, indignou-se ao saber que a patente não lhe seria entregue pessoalmente; outros não fazem mais caso das coisas terrenas do que certos sábios. Alguns assistem com prazer infantil a inauguração de sua estátua, e outros não se dão ao trabalho de ir vê-la e desprezam profundamente os imbecis que lhes prestam essa honra depois de os haverem desconhecido e perseguido em vida. A propósito de sua estátua, Humboldt disse apenas uma palavra: ironia! Um outro deu a inscrição da estátua que lhe preparam e que sabe não havê-la merecido: Ao grande ladrão, os roubados agradecidos.
Em resumo, devemos considerar como certo que cada um leva consigo o seu caráter e as suas aquisições morais e científicas; os tolos daqui são os tolos de lá. Lá se acham os larápios, que não mais encontram bolsos a esvaziar; os gulosos, que nada mais encontram para fritar; os banqueiros, que nada mais podem descontar, e que sofrem tais privações. É por isso que o Espírito Santo, o Espírito de Verdade, nos recomenda o desprezo das coisas terrenas, que não podemos carregar, nem assimilar; que só pensemos nos bens espirituais e morais que nos acompanham e nos servirão pela eternidade, não só de distração, mas como degraus para nos elevarmos incessantemente na grande escada de Jacob, na incomensurável hierarquia dos Espíritos.
Assim, vede quão pouco caso os bons Espíritos fazem dos bens e dos prazeres grosseiros que perderam ao morrer, isto é, ao entrarem em sua pátria verdadeira, como eles dizem. Semelhantes a um sábio pioneiro arrancado subitamente de seu calabouço, não são suas roupas, seus móveis, seu dinheiro que ele lamenta, mas os seus livros e os seus manuscritos. A borboleta que sacode o pó de suas asas antes de retomar o voo, se preocupa muito pouco com os restos do casulo que lhe serviu de habitáculo. Assim, um Espírito superior, como o de Buffon, não lamenta o seu castelo de Montbard mais do que Lamartine lamentará seu castelo de Saint-Point, que tanto preza em vida. É por isso que a morte do sábio é tão calma e a do humanimal tão horrível, porque este último sente que perdendo os bens terrenos, tudo perde, e por isso a eles se agarra como o avarento ao seu cofre forte. Seu Espírito nem mesmo pode afastar-se deles: prende-se à matéria e continua a assombrar os lugares que lhe foram caros e, em vez de fazer incessantes esforços por quebrar os laços que o retêm à Terra, a ela se prende como um desesperado. Sofre verdadeiramente como um danado por não mais poder usufruí-los. Eis o inferno, eis o fogo que esses réprobos se esforçam para tornar eterno. Tais são os maus Espíritos, que repelem os conselhos dos bons e que necessitam do auxílio da razão e da própria sabedoria humana para fazê-los decidir-se a largar a presa. Os bons médiuns devem dar-se ao trabalho de fazê-los pensar, de doutriná-los e de orar por eles, pois eles reconhecem que a prece os alivia e por isso testemunham o seu reconhecimento, em termos às vezes muito tocantes. Isto prova a existência de uma solidariedade comum entre todos os Espíritos, livres ou encarnados, porque, evidentemente, a encarnação não passa de uma punição, e a Terra não passa de um lugar de expiação, onde somos postos, como o diz o salmista, não para nosso divertimento, mas para nos aperfeiçoarmos e aprendermos a adorar a Deus, estudando as suas obras. Daí se segue que o mais infeliz é o mais ignorante; o mais selvagem torna-se o mais vicioso; o mais criminoso e o mais miserável dos seres, aos quais Deus concedeu uma centelha de sua alma divina e talentos para serem bem aplicados e não para serem enterrados até a chegada do mestre, ou melhor, até o comparecimento do culpado de preguiça e negligência perante Deus.
Eis como se apresenta, verossímil para uns e verdadeiro para outros, o mundo espírita, que a uns infunde tanto medo e a outros tanto encanta, e que não merece nem tanto excesso de homenagens, nem tantos ultrajes.
Quando, à força de estudo e de experiência, nos tivermos familiarizado com o fenômeno das manifestações, tão natural como qualquer outro, reconheceremos a veracidade das explicações que acabamos de dar. O poder do mal que é atribuído a alguns Espíritos tem por antítese o poder do bem que se pode esperar de outros. Essas duas forças são adequadas, como todas as da Natureza, sem o que o equilíbrio se romperia e o livre-arbítrio seria substituído pela fatalidade, pelo cego fatum, pelo fato bruto, ininteligente, pela morte de todos, pela catalepsia do Universo, pelo caos.
Proibir de interrogar os Espíritos é reconhecer que eles existem. Assinalá-los como prepostos do diabo é insinuar que devem existir os que são agentes e missionários de Deus. Que os maus sejam mais numerosos, nós concordamos, mas há muitas coisas assim sobre na Terra. Pelo fato de haver mais grãos de areia do que pepitas de ouro, deve-se condenar os garimpeiros?
Quando os Espíritos vos dizem que lhes é interdito responder a certas perguntas de importância puramente pessoal, é uma maneira cômoda de justificar sua ignorância das coisas do futuro. Tudo quanto depende de nossos próprios esforços, de nossas pesquisas intelectuais, não nos pode ser revelado sem infração da lei divina, que obriga o homem ao trabalho. Seria muito cômodo para o primeiro médium que surgisse, tomado por um Espírito familiar complacente, adquirir sem esforço todos os tesouros e todo o poder imaginável, desembaraçando-se de todos os obstáculos que os outros vencem com tanta dificuldade. Não, os Espíritos não têm tal poder e fazem questão de afirmar que lhes é interdito tudo o que lhes pedis de ilícito. Contudo, exercem grande influência sobre os encarnados, para o bem ou para o mal. Felizes aqueles a quem os bons Espíritos aconselham e protegem. Tudo lhes sai bem se obedecem às boas inspirações, que aliás não recebem se não as houverem
merecido e se pagarem o preço equivalente ao sucesso que lhes é dado por acréscimo.
merecido e se pagarem o preço equivalente ao sucesso que lhes é dado por acréscimo.
Quem quer que espere a fortuna deitado na cama não terá muita chance de atraí-la. Tudo aqui depende do trabalho inteligente e honesto, que nos dá um grande contentamento interior e nos livra do mal físico, concedendo-nos o dom de aliviar o mal alheio, pois não há médium bem intencionado que não seja magnetizador e curador por natureza. Entretanto, eles ignoram possuir tal tesouro e não sabem utilizá-lo. É nisto que deveriam ser melhor aconselhados e mais poderosamente ajudados por seus bons Espíritos. Têm-se visto milagres análogos ao que acaba de ser alvo o Duque de Celeuza, Príncipe Vasto, no café Nocera, em Nápoles, a 13 de junho último, o qual acaba de publicar que foi curado instantaneamente de uma doença considerada incurável, da qual sofria há dez anos, pela simples palavra de um velho cavaleiro francês, ao qual contava seus sofrimentos. Há outros que fazem tais coisas em diversos países, na Holanda, na Inglaterra, na França, na Suíça. Mas eles se multiplicarão com o tempo.
Os germes estão semeados.
Os médiuns devidamente advertidos pelos Espíritos terrenos quanto à natureza, aos usos e aos costumes, nada mais têm a fazer do que conduzir-se de acordo.
Quanto aos Espíritos celestes ou de uma ordem transcendente, é tão raro se comunicarem com indivíduos, que ainda não é tempo de falar deles. Eles presidem o destino das nações e as grandes catástrofes, as grandes evoluções dos globos e das Humanidades. No momento estão operando. Esperemos com recolhimento as grandes coisas que vão acontecer: Renovabunt faciem terrae.
JOBARD
Observações
O Sr. Jobard havia dado como título de seu artigo: Conselhos aos médiuns.
Julgamos dever dar-lhe um título menos exclusivo, visto que suas observações se aplicam, em geral, à maneira de apreciar as comunicações espíritas. Sendo os médiuns apenas instrumentos das manifestações, estas podem ser dadas a todo o mundo, quer diretamente, quer por intermediário. Todos os evocadores podem, pois, aproveitá-las, tanto quanto os médiuns.
Aprovamos esta maneira de julgar as comunicações porque é rigorosamente certa e não pode senão contribuir para prevenir contra a ilusão a que se expõem os que aceitam muito facilmente, como expressão da verdade, tudo quanto vem do mundo dos Espíritos. Contudo, pensamos que o Sr. Jobard talvez seja um tanto absoluto sobre certos pontos. Em nossa opinião, ele não leva muito em conta o progresso realizado pelo Espírito no estado errante. Sem dúvida este leva para o além-túmulo as imperfeições da vida terrena, fato constatado pela experiência.
Todavia, como se acha num meio completamente diverso; como não mais recebe as suas sensações através dos órgãos materiais; como não tem mais sobre os olhos esse véu espesso que obscurece as ideias, suas sensações, suas percepções e suas ideias devem experimentar uma sensível modificação. Eis por que vemos, todos os dias, homens que pensam, após a morte, de modo muito diferente do que em vida, pois o horizonte moral para eles se alargou. Autores criticam as próprias obras; homens mundanos censuram sua conduta; sábios reconhecem os seus erros. Se o Espírito não progredisse na vida espírita, retornaria à vida corpórea como dela tinha saído, nem mais adiantado, nem mais atrasado, o que, positivamente, é contraditado pela experiência. Certos Espíritos, pois, podem ver mais claro e mais justo do que quando estavam na Terra; assim, alguns são vistos dando excelentes conselhos, com ótimos resultados. Mas entre os Espíritos, como entre os homens, é preciso saber a quem nos dirigimos e não crer que o primeiro que chega possua a ciência infusa, nem que um sábio esteja despojado de seus preconceitos terrenos, só porque são Espíritos. A este respeito, o Sr. Jobard tem inteira razão ao dizer que só com extrema reserva se devem aceitar suas teorias e sistemas. É preciso fazer com eles o que se faz com os homens, isto é, não lhes dar crédito senão quando tiverem dado provas irrecusáveis de sua superioridade, não pelo nome que falsamente por vezes tomam, mas pela constante sabedoria de seus pensamentos, pela irrefutável lógica de seus raciocínios e pela inalterável bondade de seu caráter.
As judiciosas observações do Sr. Jobard, deixando de lado o que podem conter de exagero, sem dúvida desencantarão os que pensam encontrar nos Espíritos um meio certo de tudo saber, de fazer descobertas lucrativas, etc. Com efeito, aos olhos de certas pessoas, para que servem os Espíritos se nem nos ajudam a fazer fortuna?
Pensamos que basta ter estudado um pouco a Doutrina Espírita para compreender que nos ensinam uma porção de coisas mais úteis do que saber se ganharemos na bolsa ou na loteria. Mas, mesmo admitindo a hipótese mais rigorosa, segundo a qual seria completamente indiferente dirigir-se aos Espíritos ou aos homens para as coisas deste mundo, não representa nada o fato de nos darem a prova da existência de além-túmulo? De nos iniciarem no estado feliz ou infeliz dos que nos precederam? De nos provar que aqueles a quem amamos não estão perdidos para nós e que os reencontraremos nesse mundo que nos espera a todos, ricos ou pobres, poderosos ou escravos? Porque, em definitivo, há uma coisa certa: é que mais dia, menos dia, temos que dar aquele passo. Que é o que existe além dessa barreira?
Atrás da cortina que vela o futuro? Alguma coisa ou o nada? Ora! Os Espíritos nos ensinam que existe algo; que quando morremos, nem tudo está acabado; longe disto, que é então que começa a verdadeira vida, a vida normal. Ainda que só isto nos ensinassem, suas conversas conosco não seriam inúteis. Eles fazem mais: ensinam nos o que se deve fazer aqui para estar o melhor possível no outro mundo. E como lá teremos que ficar muito tempo, é bom nos assegurarmos o melhor lugar possível.
Como diz o Sr. Jobard, os Espíritos, em geral, pouco ligam às coisas terrenas, por uma razão simples: é que têm melhor do que isto. Seu objetivo é ensinar-nos o que devemos fazer para ali sermos felizes. Eles sabem que nos prendemos às alegrias da Terra, como crianças aos brinquedos. Eles querem fazer com que avance o nosso raciocínio. Tal a sua missão. Se somos enganados por alguns, é porque queremos tirá-los da esfera de suas atribuições; é porque perguntamos o que eles não sabem, não podem ou não devem dizer. É então que se é mistificado pela turba de Espíritos zombadores, que se divertem com a nossa credulidade. O erro de certos médiuns é crer na infalibilidade dos Espíritos que com eles se comunicam e os seduzem por belas frases, apoiados num nome emprestado, que geralmente é falso. Reconhecer a fraude é um resultado do estudo e da experiência. O artigo do Sr. Jobard, nesse sentido, só lhes pode ajudar a abrir os olhos.
Dissertações espíritas - Recebidas ou lidas por vários médiuns na sociedade
Formação dos Espíritos (Médium, Sra. Costel)Deus criou a semente humana, que espalhou nos mundos, como o lavrador lança nos sulcos o grão que deve germinar e amadurecer. As sementes divinas são moléculas de fogo que Deus faz saltar do grande foco, centro de vida, onde ele se irradia em seu poder. Essas moléculas são para a Humanidade aquilo que são os germes das plantas para a terra; elas se desenvolvem lentamente, e só amadurecem após longos períodos de estadia nos planetas-mães, onde se forma o começo das coisas. Falo apenas do princípio. O ser chegado à sua condição de homem se reproduz, e a obra de Deus está consumada.
Por que, sendo comum o ponto de partida, são tão diversos os destinos humanos? Por que uns nascem num meio civilizado e outros no estado selvagem?
Qual é, então, a origem dos demônios? Retomemos a história do Espírito em sua primeira eclosão. Apenas formadas, hesitantes e balbuciando, as almas são, entretanto, livres de inclinar-se para o bem ou para o mal. Desde que viveram, os bons separam-se dos maus. A história de Abel é ingenuamente verdadeira. As almas ingratas apenas saídas das mãos do Criador, persistem na revolta do crime; então, na sucessão dos séculos, elas erram, prejudicando aos outros e, sobretudo, a si mesmas, até que o arrependimento as toque, o que acontece infalivelmente. Então, os primeiros demônios são os primeiros homens culpados. Na sua imensa justiça, Deus só impõe os sofrimentos que resultam dos atos maus. A Terra deveria ser inteiramente povoada, mas não o poderia ser igualmente e, segundo o grau de adiantamento obtido nas migrações terrestres, uns nascem nos grandes centros de civilização, e outros, Espíritos incertos, que ainda necessitam de iniciação, nascem nas florestas recuadas. O estado selvagem é preparatório. Tudo é harmonioso, e a alma culpada e cega de um demônio da Terra não pode reviver num centro esclarecido. Contudo, algumas se aventuram nesse meio que não é o seu. Se aí não podem marchar em uníssono, dão o espetáculo da barbárie em meio à civilização. Esses são os seres desterrados.
O estado embrionário é o de um ser que ainda não sofreu migração. Não se pode estudá-lo à parte, porque é a origem do homem.
GEORGE
Os espíritos errantes (Médium, Sra. Costel)
Os Espíritos se dividem em várias categorias. A princípio os embriões, que não têm nenhuma faculdade distinta; que nadam no ar como insetos que se veem rodopiar num raio de sol; que voejam sem objetivo e se encarnam sem terem feito escolha.
Tornam-se seres humanos ignorantes e grosseiros.
Acima deles estão os Espíritos levianos, que não têm maus instintos, mas que são apenas brincalhões; divertem-se com os homens e lhes causam aborrecimentos frívolos. São crianças. Eles têm os caprichos e a maldade pueril.
Os Espíritos maus não estão todos no mesmo grau. Há alguns que não fazem outro mal além de ligeiros engodos; que não se agarram a um ser e se limitam a fazê-lo cometer falhas pouco graves.
Os Espíritos malfeitores impelem ao mal e gozam com isto, mas ainda têm um vislumbre de piedade.
Os Espíritos perversos não a têm. Todas as suas faculdades tendem para o mal.
Fazem-no por cálculo e com persistência e se comprazem nas torturas morais que causam. Correspondem, no mundo dos Espíritos, aos criminosos do vosso. Chegam a essa perversidade porque não respeitam as leis de Deus. Nas suas vidas carnais, vão de queda em queda e passam-se séculos antes que lhes venha um pensamento de renovação. O mal é o seu elemento; nele mergulham com delícia, mas, obrigados a reencarnar-se, passam por tais sofrimentos e esses sofrimentos de tal modo crescem em suas vidas espíritas, que a paixão do mal neles se gasta. Acabam por compreender que devem ceder à voz de Deus, que não cessa de chamá-los. Vimos Espíritos rebeldes pedirem com ardor as mais terríveis expiações e suportá-las com a alegria do mártir. É uma imensa felicidade para os Espíritos puros esse retorno ao bem. A palavra do Cristo, para as ovelhas desgarradas, tem o brilho da verdade.
Os Espíritos errantes da segunda ordem são os intermediários entre os Espíritos superiores e os mortais, pois é raro que os Espíritos superiores se comuniquem diretamente. É preciso que a tanto sejam impelidos por uma solicitude particular.
Esses intermediários são os Espíritos dos mortais que não têm nenhum mal grave a lamentar e cujas intenções não foram más. Recebem missões e, quando as realizam com zelo e amor, são recompensados por um progresso mais rápido. Eles têm que passar por menos migrações. Assim, os Espíritos desejam ardentemente essas missões, só concedidas como recompensa e quando são julgados capazes de cumprilas.
São os Espíritos superiores que os dirigem e que lhes escolhem as funções.
Os Espíritos superiores não estão todos no mesmo grau. Se eles são dispensados das migrações nos vossos mundos, não o são das condições de adiantamento nas esferas mais elevadas. Enfim, não há qualquer lacuna no mundo visível e no invisível. Uma ordem admirável proveu a tudo. Nenhum ser é ocioso ou inútil. Todos concorrem, na medida de suas faculdades, para a perfeição da obra de Deus, que não tem termo nem limite.
GEORGES
O castigo (Médium, Sra. Costel)
Os Espíritos maus, egoístas e duros, logo após a morte, são entregues a uma dúvida cruel sobre o seu destino presente e futuro. Olham em torno de si e, a princípio, não veem nenhum assunto sobre o qual possam exercer a sua influência má e o desespero se apodera deles, porque o isolamento e a inação são intoleráveis para os maus Espíritos. Não levantam o olhar para os lugares habitados pelos puros Espíritos. Consideram o que os cerca, e em breve, tocados pelo abatimento dos Espíritos fracos e punidos, lançam-se a eles como a uma presa, armando-se com a lembrança de suas faltas passadas, frequentemente reveladas por seus gestos irrisórios. Não lhes bastando esta zombaria, caem sobre a Terra como abutres esfaimados e procuram entre os homens a alma que dará mais fácil acesso às suas tentações. Dela se apoderam, exaltam-lhe a cobiça, procuram extinguir a fé em Deus e quando, enfim, donos de sua consciência, veem a presa dominada, estendem sobre tudo o que se aproxima de sua vítima o contágio fatal.
O Espírito mau que dá vazão à sua raiva é quase feliz. Ele sofre apenas nos momentos em que não age ou quando o bem triunfa sobre o mal. Entretanto, escoam-se os séculos, e o mau Espírito sente-se de súbito invadido pelas trevas. Aperta-se o seu círculo de ação, e sua consciência, até então muda, lhe faz sentir as pontas aceradas do arrependimento. Inativo, arrastado no turbilhão, vaga, sentindo, como diz a Escritura, o pelo de sua carne se eriçar de pavor. Em breve, um grande vazio se faz nele e ao seu redor. Chegado o momento, deve expiar. Lá está, ameaçadora, a reencarnação. Ele vê, como numa miragem, as provas terríveis que o esperam. Quereria recuar, mas avança e, precipitado no abismo escancarado da vida, rola apavorado até que o véu do desconhecimento lhe cai sobre os olhos. Ele vive; ele age; ele é ainda culpado. Sente em si não sei que lembrança inquieta, que pressentimentos que o fazem tremer, mas não o fazem recuar no caminho do mal. Esgotado de forças e de crimes, ele vai morrer. Estendido sobre o catre ou sobre o leito, que importa! o homem culpado, sob sua aparente imobilidade, sente mover-se e viver um mundo de sensações esquecidas! Sob as pálpebras fechadas ele vê surgir um clarão; ouve sons estranhos; sua alma, que vai deixar o corpo, agita-se impaciente, enquanto as mãos crispadas procuram agarrar-se aos lençóis. Ele quer falar, quer gritar aos que o cercam: Segurem-me! Vejo o castigo! Mas não pode. A morte se fixa sobre os lábios descorados, e os assistentes dizem: Ei-lo em paz!
Entretanto, ele ouve tudo; flutua ao redor do corpo que não quer abandonar; uma força secreta o atrai; ele vê e reconhece o que já viu. Transtornado, lança-se no espaço, onde quer esconder-se. Não há mais retiro! Não há mais repouso! Outros Espíritos lhe devolvem o mal que ele fez e, castigado, ridicularizado, confuso por sua vez, ele erra e errará até que o divino clarão deslize sobre seu endurecimento e o esclareça, para lhe mostrar o Deus vingador, o Deus triunfante de todo o mal, que ele só poderá apaziguar à força de gemidos e de expiações.
GEORGES
OBSERVAÇÃO: Nunca foi esboçado um quadro mais eloquente, mais terrível e mais verdadeiro da sorte do mau. É então necessário recorrer à fantasmagoria das chamas e das torturas físicas?
Marte (Médium, Sra. Costel)
Marte é um planeta inferior à Terra, da qual é grosseiro esboço. Não é necessário habitá-lo. Marte é a primeira encarnação dos mais grosseiros demônios.
Os seres que o habitam são rudimentares; têm a forma humana, mas sem nenhuma beleza; têm todos os instintos do homem, sem a nobreza da bondade.
Entregues às necessidades materiais, comem, bebem, batem-se, acasalam-se.
Mas como Deus não abandona nenhuma de suas criaturas, no fundo das trevas de sua inteligência jaz, latente, o vago conhecimento de si mesmos, mais ou menos desenvolvido. Esse instinto basta para torná-los superiores uns aos outros e preparar a eclosão para uma vida mais completa. A deles é curta, como a dos insetos efêmeros. Os homens, que são apenas matéria, desaparecem após curta evolução.
Deus tem horror ao mal e só o tolera como servindo de princípio ao bem. Ele abrevia o seu reino, sobre o qual triunfa a ressurreição.
Nesse planeta o solo é árido; pouca verdura; uma folhagem sombria, não renovada pela primavera; um dia igual e cinzento; o sol, apenas aparente, jamais prodigaliza suas festas; o tempo se escoa monótono, sem as alternativas e as esperanças das estações novas; não há inverno nem verão. O dia, mais curto, não se mede do mesmo modo, e a noite reina, mais longa. Sem indústria, sem invenções, os habitantes de Marte consomem a vida à procura de alimento. Suas moradas grosseiras, baixas como covis, são repugnantes pela incúria e pela desordem que nelas reinam. As mulheres se destacam sobre os homens: mais abandonadas, mais famélicas, não passam de suas fêmeas. Têm, quando muito, o sentimento maternal; dão à luz com facilidade, sem nenhuma angústia; alimentam e guardam os filhos a seu lado, até o completo desenvolvimento de suas forças e os expulsam sem pesar e sem saudade.
Não são canibais. Suas contínuas batalhas só têm como objetivo a posse de um terreno mais ou menos abundante em caça. Caçam nas planícies intermináveis. Inquietos e móveis como os seres desprovidos de inteligência, deslocam-se incessantemente. A equidade da estação, a mesma em toda parte, por isso mesmo comporta as mesmas necessidades e as mesmas ocupações. Há pouca diferença entre os habitantes de um e de outro hemisfério.
A morte não lhes oferece pavor nem mistério; olham-na apenas como a putrefação do corpo, que queimam imediatamente. Quando um desses homens vai morrer, é logo abandonado, e só, deitado, ele pensa pela primeira vez. Um vago instinto o assalta. Como a andorinha advertida da próxima migração, sente que nem tudo está acabado, que vai recomeçar alguma coisa desconhecida. Não é bastante inteligente para supor, temer ou esperar, mas calcula, às pressas, suas vitórias e derrotas; pensa no número de peças de caça que abateu, e se alegra ou se aflige conforme os resultados obtidos. Sua mulher ─ que só têm uma por vez, mas que podem trocar sempre que lhes convém ─ agachada à entrada, atira seixos no ar.
Quando eles formam um montículo, ela julga que chegou a hora e se aventura a olhar para dentro. Se as previsões se tiverem realizado; se o homem estiver morto, ela entra, sem um grito, sem uma lágrima, despoja-o das peles de animal que o envolvem e vai friamente avisar seus vizinhos, os quais transportam o corpo e o queimam, logo que se esfria.
Os animais, que por toda parte sofrem os reflexos humanos, são mais selvagens e mais cruéis do que em qualquer outro lugar.
O cão e o lobo são uma mesma espécie, e incessantemente em luta com o homem, lhe dão encarniçados combates.
Aliás, menos numerosos e menos variados do que na Terra, os animais são a miniatura deles mesmos.
Os elementos têm a cólera cega do caos. O mar furioso separa os continentes, sem navegação possível. O vento ruge e curva as árvores até o solo. As águas inundam as terras ingratas, que não fecundam. O terreno não oferece as mesmas condições geológicas da Terra. O fogo não o aquece; os vulcões são desconhecidos; as montanhas, pouco elevadas, nenhuma beleza oferecem; fatigam o olhar e desencorajam a exploração; enfim, por toda parte, monotonia e violência; por toda parte a flor sem cor e sem perfume; por toda parte o homem sem previdência, matando para viver.
GEORGES
OBSERVAÇÃO: Para servir de transição entre o quadro de Marte e o de Júpiter, seria necessário o de um mundo intermediário, como a Terra, por exemplo, mas que conhecemos suficientemente. Observando, fácil é reconhecer que mais se aproxima de Marte que de Júpiter, pois que, mesmo no seio da civilização, ainda se encontram seres tão abjetos e tão desprovidos de sentimento e de humanidade, que vivem no mais absoluto embrutecimento e só pensam em suas necessidades materiais, sem jamais haverem volvido o olhar para o céu, e que parecem virdiretamente de Marte.
Júpiter (Médium, Sra. Costel)
O planeta Júpiter, infinitamente maior que a Terra, não apresenta o mesmo aspecto. É inundado por uma luz pura e brilhante, que ilumina sem ofuscar. As árvores, as flores, os insetos, os animais, dos quais os vossos são ponto de partida, ali são maiores e aperfeiçoados; a Natureza é mais grandiosa e mais variada; a temperatura é igual e deliciosa; a harmonia das esferas encanta os olhos e os ouvidos. A forma dos seres que o habitam é a mesma que a vossa, mas embelezada, aperfeiçoada e, sobretudo, purificada. Não somos submetidos às condições materiais de vossa natureza, nem temos as necessidades, nem as doenças que lhes são consequências. Somos almas revestidas de envoltório diáfano, que conserva os traços de nossas passadas migrações.
Aparecemos aos amigos como nos conheceram, mas iluminados por uma luz divina, transfigurados por nossas impressões interiores, que são sempre elevadas.
Como a Terra, Júpiter é dividido num grande número de regiões de aspectos variados, mas não de clima. As diferenças de condições são determinadas apenas pela superioridade moral e de inteligência; não há senhores nem escravos; os mais elevados graus são marcados somente pelas comunicações mais diretas e mais frequentes com os Espíritos puros e pelas mais importantes funções que nos são confiadas. Vossas habitações não vos dão a menor ideia das nossas, pois não temos as mesmas necessidades. Cultivamos as artes, que atingiram um grau de perfeição desconhecido entre vós. Gozamos de espetáculos sublimes, entre os quais mais admiramos, à medida que melhor compreendemos, o da inesgotável variedade da Criação, variedade harmoniosa, que tem o mesmo ponto de partida e se aperfeiçoa no mesmo sentido. Todos os sentimentos ternos e elevados da natureza humana, nós os encontramos engrandecidos e purificados, e o desejo incessante que temos, de atingir o plano dos Espíritos puros, não é um tormento, mas uma nobre ambição que nos impele ao aperfeiçoamento. Estudamos incessantemente, com amor, para nos elevarmos até eles, o que também fazem os seres inferiores para nos igualarem.
Vossos pequenos ódios, vossos ciúmes mesquinhos nos são desconhecidos. Um elo de amor e de fraternidade nos une. Os mais fortes ajudam os mais fracos. Em vosso mundo tendes necessidade da sombra do mal para sentirdes o bem, da noite para admirardes a luz, da doença para apreciardes a saúde. Aqui, esses contrastes são desnecessários, pois a eterna luz, a eterna bondade, a eterna calma nos cumulam de uma eterna alegria. Eis o que é mais difícil de compreender para o Espírito humano: ele foi engenhoso para pintar os tormentos do Inferno; jamais pôde representar as alegrias do Céu. E por que? Porque, sendo inferior, só tendo suportado sofrimentos e misérias, não pôde entrever as claridades celestes. Não poderá falar senão do que conhece, como um viajante descreve os países que percorreu. Mas, à medida que se eleva e se depura, o horizonte se esclarece e ele compreende o bem que está à sua frente, como compreendeu o mal que ficou para trás.
Já outros Espíritos tentaram vos dar a compreender, tanto quanto o permite a vossa natureza, o estado dos mundos felizes, a fim de vos estimular a seguir o único caminho que para eles conduz. Mas há entre vós os que estão de tal modo ligados à matéria, que ainda preferem as alegrias materiais da Terra às alegrias puras reservadas ao homem que sabe desprender-se delas. Que gozem, pois, enquanto aqui estão, porque um triste revés os espera, talvez ainda nesta vida. Os que escolhemos para nossos intérpretes são os primeiros a receberem a luz. Infelizes serão eles, sobretudo se não aproveitarem o favor que Deus lhes concedeu, porque sua justiça pesará sobre eles.
GEORGES
Os espíritos puros (Médium, Sra. Costel)
Os Espíritos puros são aqueles que, chegados ao mais alto grau da perfeição, são julgados dignos de ser admitidos aos pés de Deus. O esplendor infinito que os envolve não os dispensa de serem úteis nas obras da Criação. As funções que devem preencher correspondem à extensão de suas faculdades. Esses Espíritos são os ministros de Deus. Sob suas ordens, regem os mundos inumeráveis; dirigem do alto os Espíritos e os humanos; estão ligados entre si por um amor sem limites, e esse ardor se estende sobre todos os seres que procuram atrair para se tornarem dignos da suprema felicidade. Deus se irradia sobre eles e lhes transmite suas ordens. Eles o veem, sem ser cegados por sua luz.
Sua forma é etérea e eles nada mais têm de palpável. Falam aos Espíritos superiores e lhes comunicam sua ciência. Tornaram-se infalíveis. Em suas fileiras é que são escolhidos os anjos de guarda, que bondosamente baixam o olhar sobre os mortais, e os recomendam aos Espíritos superiores, que os amaram. Estes escolhem, entre Espíritos da segunda ordem, os agentes de sua direção. Os Espíritos puros são iguais, e nem poderia ser de outro modo, pois só são chamados a essa faixa depois de terem atingido o mais alto grau de perfeição. Há igualdade, mas não uniformidade, porque Deus não quis que nenhuma de suas obras fosse idêntica. Os Espíritos puros conservam sua personalidade, que apenas adquiriu a perfeição mais completa em relação ao seu ponto de partida.
Não é permitido dar mais detalhes sobre esse mundo supremo.
GEORGES
Morada dos bem-aventurados (Médium, Sra. Costel)
Falemos das últimas espirais da glória, habitadas pelos puros Espíritos.
Ninguém as atinge antes de atravessar os ciclos dos Espíritos errantes. Júpiter está no mais alto grau da escala. Quando um Espírito, longamente purificado por sua morada nesse planeta, é julgado digno da suprema felicidade, é disso advertido por um redobramento de ardor. Um fogo sutil anima todas as partes delicadas de sua inteligência, que parece brilhar e tornar-se visível. Deslumbrante, transfigurado, ele ilumina o dia que parecia tão radioso aos olhos dos habitantes de Júpiter. Seus irmãos reconhecem o eleito do Senhor e trêmulos ajoelham-se ante a sua vontade.
Entretanto, o Espírito escolhido eleva-se, e os céus, na sua suprema harmonia, lhe revelam belezas indescritíveis.
À medida que sobe, compreende, não mais como na erraticidade, não mais vendo o conjunto das coisas criadas, como em Júpiter, mas abarcando o infinito. Sua inteligência transfigurada eleva-se como uma flecha até Deus, sem tremor e sem terror, como num foco imenso alimentado por mil objetos diversos. O amor, nesses diversos Espíritos, reveste a cor de sua personalidade refinada; eles se reconhecem e são felizes por estarem juntos. Refletidas, suas virtudes repercutem, por assim dizer, as delícias da visão de Deus, e aumentam incessantemente com a felicidade de cada eleito. Mar de amor que cada afluente aumenta, suas forças puras são postas em atividade, como as forças das outras esferas. Investidos também do dom da ubiquidade, abarcam ao mesmo tempo os detalhes infinitos da vida humana, desde a sua eclosão até as últimas etapas. Irresistível como a luz, sua vista penetra por toda parte ao mesmo tempo e, ativos como a força que os move, espalham a vontade do
Senhor. Da mesma maneira que de uma urna cheia se escapa a onda benfazeja, sua bondade universal aquece os mundos e confunde o mal.
Esses diversos intérpretes têm como ministros de seu poder os Espíritos já depurados. Assim, tudo se eleva, tudo se aperfeiçoa e a caridade irradia sobre os mundos que ela nutre em seu seio poderoso.
Os puros Espíritos têm como atributo a posse de tudo quanto é bom e verdadeiro, porque possuem Deus, que é o princípio em si mesmo. O pobre pensamento humano limita tudo o que abrange e não admite o infinito que a felicidade não limita. Depois de Deus, que pode haver? Deus ainda, sempre Deus. O viajante vê horizontes sucederem-se a horizontes e um é apenas o começo de outro.
Assim o infinito se desdobra incessantemente. A maior alegria dos Espíritos puros é precisamente essa extensão tão profunda quanto a própria eternidade.
Não se pode descrever uma graça, uma chama, um raio de luz. Não posso descrever os puros Espíritos. Mais vivos, mais belos e mais deslumbrantes que as mais etéreas imagens, uma palavra resume seu ser, seu poder e suas delícias: Amor! Enchei com esta palavra o espaço que separa a Terra do céu, e ainda não tereis senão a ideia de uma gota d’água no oceano. Somente o amor terreno, por mais grosseiro que seja, vos pode dar ideia de sua divina realidade.
GEORGES
A reencarnação (Pelo Sr. de Grand-Boulogne, médium)
Há na doutrina da reencarnação uma organização moral que não foge à tua compreensão.
Sendo somente a corporeidade compatível com os atos de virtude, e sendo esses atos necessários ao melhoramento do Espírito, raramente encontrará este, numa única existência, as circunstâncias necessárias ao seu progresso acima da Humanidade.
Considerando-se que a justiça de Deus é incompatível com as penas eternas, deve a razão concluir pela necessidade: 1.º ─ de um período de tempo, durante o qual o Espírito examina o seu passado e toma suas resoluções para o futuro; 2.º ─ de uma existência nova, em harmonia com a situação atual desse Espírito. Não falo dos suplícios, por vezes terríveis, a que são condenados certos Espíritos, durante o período da erraticidade; eles correspondem, por um lado, à enormidade da falta e, pelo outro, à justiça de Deus. Isto diz bastante, para prescindir de detalhes que encontrarás, aliás, no estudo das evocações. Voltemos às reencarnações e compreenderás a sua necessidade por uma comparação vulgar, mas plena de verdade.
Após um ano de estudos, o que acontece ao jovem colegial? Se progrediu, passa para a classe superior; se ficou estacionado em sua ignorância, repete o ano.
Vai mais longe. Supõe faltas graves: ele é expulso. Pode vagar de colégio em colégio; pode ser expulso da Universidade, ou ir da casa de educação à casa de correção. Eis a imagem fiel da sorte dos Espíritos, e nada satisfaz mais completamente à razão. Quer-se cavar a doutrina mais profundamente? Ver-se-á, nessas ideias, quanto a justiça de Deus parece mais perfeita e mais conforme às grandes verdades que dominam a nossa inteligência.
No conjunto, como nos detalhes, há nisso algo de tão empolgante que o Espírito que começa a iniciar-se fica como que iluminado. E as censuras feitas à Providência; e as maldições contra a dor; e o escândalo do vício feliz em face da virtude que sofre; e a morte prematura da criança; e, numa mesma família, deslumbrantes qualidades de mãos dadas, por assim dizer, com uma perversidade precoce; e as enfermidades que datam do berço; e a infinita diversidade de destinos, tanto dos indivíduos quanto dos povos, problemas até hoje insolúveis, enigmas que fizeram duvidar da bondade, e quase da existência de Deus, tudo isto se explica ao mesmo tempo. Um puro raio de luz se estende no horizonte da filosofia nova, e no seu regaço imenso agrupam-se harmoniosamente todas as condições da existência humana. As dificuldades se aplainam, os problemas se resolvem, e mistérios até hoje impenetráveis se resumem e se explicam nesta única palavra: reencarnação.
Leio em teu pensamento, caro cristão. Tu dizes: “Eis aí uma verdadeira heresia.
É demais!” Meu filho, não mais que a negação das penas eternas. Nenhum dogma prático é contrário a esta verdade. Que é a vida humana? O tempo durante o qual o Espírito fica unido a um corpo. Os filósofos cristãos, no dia marcado por Deus, não terão nenhuma dificuldade em dizer que a vida é múltipla. Isto não acrescenta nem muda nada nos vossos deveres. A moral cristã fica de pé e a lembrança da Missão de Jesus paira sempre sobre a Humanidade. A religião nada tem a temer de tal ensino, e não está longe o dia em que os seus ministros abrirão os olhos à luz. Reconhecerão por fim, na revelação nova, os socorros que, do fundo de suas basílicas, imploravam aos céus. Eles creem que a Sociedade vai perecer, mas ela será salva.
ZENON
O despertar do Espírito (Médium, Sra. Costel)
Quando o homem abandona os despojos mortais, experimenta um espanto e um deslumbramento que o deixam por algum tempo indeciso quanto ao seu real estado; não sabe se está vivo ou morto, e suas sensações, muito confusas, demoram bastante a esclarecer-se. Pouco a pouco, os olhos do Espírito ficam deslumbrados por diversas claridades que o cercam, e ele acompanha toda uma ordem de coisas, grandes e desconhecidas, que ele de início tem dificuldade de compreender, mas em breve reconhece que não passa de um ser impalpável e imaterial; procura seus despojos e se espanta por não encontrá-los; passa-se algum tempo antes que lhe venha a memória do passado e o convença de sua identidade. Olhando a Terra, que acaba de deixar, vê os parentes e amigos que o choram, como vê seu corpo inerte.
Por fim os olhos se destacam da Terra e se elevam para o céu. Se a vontade de Deus não o retém no solo, ele sobe lentamente e se sente flutuar no espaço, o que é uma sensação deliciosa. Então a lembrança da vida que deixa lhe aparece com uma clareza as mais das vezes desoladora, mas outras vezes consoladora. Falo-te aqui do que experimentei, eu que não sou um mau Espírito, mas que não tenho a felicidade de ocupar um grau elevado. A gente se despoja de todos os preconceitos terrenos. A verdade aparece em toda a sua luz. Nada atenua as faltas. Nada oculta as virtudes. A gente vê a própria alma tão claramente quanto num espelho. A gente procura entre os Espíritos os que foram conhecidos, porque o Espírito se apavora no seu isolamento, mas eles passam sem se deterem. Não há comunicações amistosas entre os Espíritos errantes; até mesmo aqueles que se amaram não trocam sinais de reconhecimento; essas formas diáfanas deslizam e não se fixam. As comunicações afetuosas são reservadas aos Espíritos superiores, que trocam ideias. Quanto a nós, nosso estado transitório só serve para o nosso adiantamento, de que nada nos deve distrair. As únicas comunicações que nos são permitidas são com os humanos, porque têm um fim útil e mútuo, que Deus prescreve.
Os maus Espíritos também contribuem para a melhoria humana: eles servem nas provas; quem a elas resiste, conquista méritos. Os Espíritos que dirigem os homens são recompensados por um grande abrandamento de suas penas. Os Espíritos errantes não sofrem por causa da ausência de comunicações entre si, pois sabem que se reencontrarão. Por causa disso, têm seu ardor ampliado, a fim de que chegue o momento em que, cumpridas as provas, lhes sejam entregues os objetos de sua afeição, que não pode ser expressa, mas que neles fica latente. Nenhum dos laços que contraímos na Terra é quebrado; nossas simpatias serão restabelecidas na ordem em que tiverem existido, mais ou menos vivas, conforme o grau de calor ou de intimidade que tiveram.
GEORGES
Progresso dos Espíritos (Médium, Sra. Costel)
Os Espíritos podem avançar intelectualmente, se o quiserem sincera e firmemente. Como os homens, eles têm o livre-arbítrio, e o estado errante não lhes impede o exercício de suas faculdades; até auxilia, dando-lhes meios de observação, de que podem aproveitar-se.
Os maus Espíritos não estão fatalmente condenados a permanecer no mal. Eles podem progredir, mas raramente o querem, pois lhes falta discernimento e encontram uma espécie de prazer malsão no mal que praticam. Para que voltem ao bem é necessário sejam violentamente chocados e punidos, porque seus cérebros tenebrosos só se esclarecem pelo castigo.
Os Espíritos fracos, que não fazem o mal por prazer, mas que não se adiantam, são detidos por sua própria fraqueza e por uma espécie de entorpecimento que lhes paralisa as faculdades; vão sem saber aonde; o tempo se passa sem que o avaliem; pouco se interessam pelo que veem e disso não tiram proveito, ou se revoltam. É preciso haver chegado a um certo grau de progresso moral para poderem progredir na erraticidade. Esses pobres Espíritos por vezes escolhem muito mal as suas provas; sobretudo procuram ser o melhor possível na vida material, sem se inquietarem muito com o que serão depois. Esses Espíritos fracos aspiram ardentemente à reencarnação, não para se depurarem, mas para viverem ainda. Os seres que fizeram muitas migrações são mais experimentados que os outros: cada uma de suas existências depositou neles certa soma de conhecimentos mais consideráveis; viram e retiveram; são menos ingênuos do que aqueles que se acham mais próximos do ponto de partida.
Os Espíritos vindos da Terra nela reencarnam mais frequentemente do que em qualquer outro lugar, porque a experiência adquirida é aí mais aplicável.
Quase não visitam outros mundos, senão antes ou após o seu aperfeiçoamento. Em cada planeta são diversas as condições de existência, pois Deus é inesgotável na variedade de suas obras. Entretanto, os seres que os habitam obedecem às mesmas leis de expiação e tendem todos para o mesmo objetivo, de completa perfeição.
GEORGES
A caridade material e a caridade moral (Médium, Mad. de B…)
“Amemo-nos uns aos outros e façamos a outrem o que quereríamos que nos fosse feito.” Toda a religião, toda a moral estão encerradas nestes dois preceitos. Se fossem seguidos aqui na Terra, seríamos todos perfeitos: não mais ódios, nem ressentimentos; direi mais ainda: não mais pobreza, porque do supérfluo da mesa de cada rico, muitos pobres seriam alimentados e não veríeis, nos bairros sombrios, onde morei em minha última encarnação, pobres mulheres arrastando miseráveis crianças a quem tudo faltava.
Ricos! Pensai um pouco nisto. Ajudai aos infelizes o melhor que puderdes. Dai, para que um dia Deus vos devolva o bem que tiverdes feito; para que um dia encontreis, ao sairdes do vosso envoltório terrestre, um cortejo de Espíritos reconhecidos, que vos receberão no sólio de um mundo mais feliz. Se pudésseis saber da alegria que experimentei ao encontrar no alto aqueles a quem tinha podido obsequiar em minha última vida! Dai e amai ao vosso próximo; amai-o como a vós mesmos, porque o sabeis, vós também, agora que Deus permitiu começásseis a vos instruir na ciência espírita, que esse infeliz repelido talvez seja um irmão, um pai, um filho, um amigo que afastais de vós; e então, qual não será o vosso desespero, um dia, ao reconhecê-lo no mundo espírita!
Desejo compreendais bem o que pode ser a caridade moral, que cada um pode praticar; que nada custa de material e que é, contudo, a mais difícil de pôr emprática!
A caridade moral consiste em nos suportarmos uns aos outros, e é o que menos fazeis, neste mundo inferior onde estais encarnados no momento. Sede, pois, caridosos, porque avançareis mais no bom caminho. Sede humanos e suportai-vos uns aos outros. Há um grande mérito em saber calar para deixar falar o mais tolo, e essa é uma forma de caridade; saber ficar surdo quando uma zombaria escapa de uma boca afeita à troça; não ver o sorriso desdenhoso que acolhe a vossa entrada em casa de pessoas que, quase sempre por erro, se julgam acima de vós, enquanto que, na vida espírita, a única real, por vezes estão muito distanciados, eis um mérito, não de humildade, mas de caridade, porque não notar os erros alheios é caridade moral.
Passando junto a um pobre enfermo, olhá-lo com compaixão tem muito mais mérito do que atirar-lhe um óbolo com desprezo.
Contudo, não se deve tomar a imagem ao pé da letra, porque essa caridade não deve impedir a outra. Pensai sobretudo em não desprezar o vosso semelhante.
Recordai o que já vos disse: É preciso lembrar sempre que no pobre repelido talvez estejais repelindo um Espírito que vos foi caro e que se acha momentaneamente em posição inferior à vossa. Revi um pobre de vossa Terra que por felicidade eu tinha favorecido algumas vezes, e a quem, por minha vez, agora preciso implorar. Sede pois caridosos; não sejais desdenhosos; sabei deixar passar uma palavra que vos fere e não julgueis que ser caridosos é apenas fazer dádiva material, mas também praticar a caridade moral. Eu vo-lo repito: praticai uma e outra. Lembraivos de que Jesus disse que somos irmãos e pensai sempre nisto, antes de repelir o leproso ou o mendigo. Virei ainda dar-vos uma comunicação mais longa, pois agora sou chamada. Adeus. Pensai nos que sofrem, e orai.
Irmã Rosália
A eletricidade do pensamento (Médium, Sra. Costel)
Falarei do estranho fenômeno que se passa nas reuniões, seja qual for o seu caráter. Quero falar da eletricidade do pensamento, que se espalha como que por encanto nos cérebros menos preparados para recebê-la. Tal fato, por si só, poderia confirmar o magnetismo aos olhos dos mais incrédulos. Surpreende-me sobretudo a coexistência dos fenômenos e a maneira por que se confirmam reciprocamente. Sem dúvida direis: O Espiritismo os explica todos, porque dá a razão dos fatos até então relegados ao domínio da superstição. É preciso crer no que ele vos ensina, porque transforma a pedra em diamante, isto é, eleva incessantemente as almas que se aplicam a compreendê-lo e lhes dá, nesta Terra, a paciência para suportar seus males, e lhes proporciona, no Céu, a elevação gloriosa que aproxima do Criador. Volto ao ponto de partida, do qual me afastei um pouco. A eletricidade que une o Espírito dos homens em reunião e que faz com que compreendam todos a mesma ideia ao mesmo tempo, essa mesma eletricidade será um dia empregada tão eficazmente entre os homens, tanto quanto o é nas comunicações a distância. Eu vos revelo essa ideia, que um dia desenvolverei, porque ela é muito fecunda. Conservai a calma em vossos trabalhos e contai com a benevolência dos bons Espíritos para vos assistirem.
* * *
Vou completar meu pensamento, que ficou inacabado na última comunicação. Eu falava da eletricidade do pensamento e dizia que um dia ela seria empregada como o é a sua irmã, a eletricidade física. Com efeito, reunidos, os homens desprendem um fluido que lhes transmite, com a rapidez do relâmpago, as menores impressões. Por que jamais se pensou nesse meio, por exemplo, para descobrir um criminoso, ou para fazer que as massas compreendam as verdades da religião ou do Espiritismo? Nos grandes processos criminais ou políticos, os assistentes dos dramas judiciários puderam todos constatar a corrente magnética que pouco a pouco forçava as pessoas mais interessadas a ocultarem o pensamento, a descobri-lo e até mesmo a se acusar, pois não mais podiam suportar a pressão elétrica que, malgrado seu, fazia brotar a verdade, não de sua consciência, mas do seu coração. Fora dessas grandes emoções, o mesmo fenômeno ocorre nas ideias intelectuais, que se transmitem de cérebro a cérebro. O meio já foi, pois, encontrado. Trata-se de aplicá-lo: reunir num mesmo centro homens convictos, ou homens instruídos, e colocar-lhes em contraste a ignorância ou o vício. Essas experiências devem ser feitas conscientemente, e são mais importantes que os debates a respeito de palavras.
Delphine de GIRARDIN
A hipocrisia (Médium, Sr. Didier Filho)
Deveria haver na Terra dois campos bem distintos: o dos homens que fazem o bem abertamente e o dos que fazem o mal abertamente. Mas, não! O homem não é franco nem mesmo no tocante ao mal, pois afeta virtude. Hipocrisia! Hipocrisia!
Deusa poderosa! Quantos tiranos criaste! Quantos ídolos fizeste adorar! O coração do homem é realmente muito estranho, pois pode bater quando ele está morto, pois pode, em aparência, amar a honra, a virtude, a verdade, a caridade! Diariamente o homem se prostra ante estas virtudes e diariamente falta à sua palavra, desprezando o pobre e o Cristo. Diariamente é um tartufo e mente. Quantos homens parecem honestos porque a aparência muitas vezes engana! O Cristo os chamava sepulcros caiados, isto é, a podridão interna, o mármore por fora, brilhando ao sol. Homem!
Na verdade pareces essa morada da morte, e enquanto teu coração estiver morto, Jesus não te inspirará, Jesus, esta luz divina que não clareia o exterior, mas que ilumina interiormente.
A hipocrisia, entendei bem, é o vício da vossa época. E quereis fazer-vos grandes pela hipocrisia! Em nome da liberdade, vos engrandeceis; em nome da moral, vos embruteceis; em nome da verdade, mentis.
LAMENNAIS