Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

Você está em: Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860 > Setembro


Setembro

Boletim

SEXTA-FEIRA, 27 DE JULHO DE 1860 (SESSÃO GERAL)
Reunião da comissão.

Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 20 de julho.

Comunicações diversas:

1.º ─ Relatório da Srta. P... sobre o poema que o Sr. de Pory, de Marselha, enviou à Sociedade, intitulado Linda, lenda gaulesa. A Srta. P... analisa o assunto da obra e reconhece pensamentos de grande elevação muito bem expressos; mas, salvo as ideias cristãs, em geral nela nada vê, ou vê pouca coisa que tenha relação direta com o Espiritismo. O autor lhe parece mais espiritualista que espírita. Nem por isso sua obra é menos notável, diz ela, e será lida com interesse por todos os amantes da boa poesia.

2.º ─ Carta do Sr. X..., com uma análise sucinta da doutrina do Sr. Rigolot, de Saint-Étienne. Conforme tal doutrina, o mundo espírita não existe; após a morte do corpo, os Espíritos são imediatamente reunidos a Deus. Apenas três Espíritos podem comunicar-se com os homens por via mediúnica: Jesus, mentor e protetor do nosso globo; Maria, sua mãe, e Sócrates. Todas as comunicações, sejam de que natureza forem, emanam deles. São os únicos, diz, que a ele se manifestam, e quando lhe ditam coisas grosseiras, pensa que é para prová-lo.

A respeito disso travou-se uma discussão, que assim se resume:

A Sociedade é unânime em declarar que a razão se recusa a admitir que o Espírito do bem por excelência, o modelo das mais sublimes virtudes, possa ditar coisas más e que há uma espécie de profanação em supor que comunicações de torpezas revoltantes, e até de obscenidades, como por vezes são vistas, possam emanar de fonte tão pura. Por outro lado, admitir que após a morte todas as almas se reúnam a Deus, é negar o castigo do culpado, pois não se poderia pensar que o seio de Deus, que nos ensinam a olhar como a suprema recompensa, seja ao mesmo tempo um foco de dor para o que viveu mal. Se nessa fusão divina o Espírito perde a individualidade, temos uma variedade de panteísmo. Num caso como no outro, conforme essa doutrina, o culpado não tem qualquer motivo para se deter na via do mal, pois supérfluos são os esforços para praticar o bem. É, pelo menos, o que ressalta dos princípios gerais que parecem constituir sua base.

A Sociedade não conhece bem o sistema do Sr. Rigolot para apreciá-lo em detalhes. Ela ignora como ele explica uma porção de fatos patentes: os de aparições, por exemplo, em que o Espírito evocado de um parente prova materialmente a sua identidade. Então seria Jesus que simularia tais personagens; seria ele ainda que, no caso dos Espíritos batedores, viria tocar o tambor ou as árias ritmadas? Depois de ter representado o papel odioso de tentador, viria ele servir de divertimento? Há incompatibilidade moral entre o grosseiro e o sublime, entre o bem absoluto e o mal absoluto.

O Sr. Rigolot sempre se manteve isolado dos outros espíritas, o que é um erro.

Para bem conhecer uma coisa é preciso tudo ver, tudo aprofundar, comparar todas as opiniões, ouvir os prós e os contras, escutar todas as objeções e finalmente só aceitar aquilo que a mais severa lógica pode admitir. É o que incessantemente nos recomendam os Espíritos que nos dirigem; e é por isto que a Sociedade tomou o nome de Sociedade de Estudos, nome que implica a ideia de exame e de pesquisa. É lícito pensar que se o Sr. Rigolot tivesse seguido este caminho, teria reconhecido em sua teoria pontos em manifesta contradição com os fatos. Seu afastamento dos outros Espíritos só lhe permite ter comunicações de uma mesma natureza, e naturalmente o impede de ver aquilo que poderia esclarecê-lo sobre a insuficiência desses Espíritos para resolver todas as questões. É o que se observa na maioria dos médiuns que se isolam: estão na condição daqueles que só ouvindo um sino, só ouvem um som.

Tal é a impressão que a Sociedade experimenta a respeito dessa doutrina, que lhe parece incapaz de explicar a razão de todos os fatos.

3.º ─ Referência a uma carta do Dr. Morhéry, com novos detalhes sobre a Srta. Godu e com a continuação de suas observações sobre as curas obtidas. Menção a outra carta, esta do Dr. de Grand-Boulogne, sobre o papel dos Espíritos batedores. Dada a sua extensão, a leitura foi adiada para a próxima sessão.

4.º ─ O Sr. Allan Kardec relata interessante fato ocorrido em sessão particular, em sua casa. Nessa sessão estava presente o Sr. Rabache, ótimo médium, através do qual se havia espontaneamente comunicado Adam Smith, num café de Londres.

Tendo sido evocado através de outro médium, a Sra. Costel, Adam Smith respondeu simultaneamente em francês, por essa senhora, e em inglês pelo Sr. Rabache. Várias respostas eram de uma identidade perfeita e até mesmo a tradução literal uma da outra.

5.º ─ Relato de várias manifestações físicas ocorridas com o Sr. B..., presente à sessão. Entre outros fatos, o transporte de uma rolha atirada num quarto e de um frasco de água fluidificada que tinha um cheiro de almíscar tão forte que impregnou todo o apartamento.

Estudos:

1.º ─ Evocação do muçulmano Seih-ben-Moloka, falecido em Tunis com 110 anos de idade e cuja vida toda foi marcada por atos de beneficência e generosidade. Suas respostas revelam um espírito elevado, mas que, durante sua vida, não estava isento dos preconceitos de seita.

Recebidos dois ditados espontâneos, o primeiro pelo Sr. Didier, sobre a consciência, assinado por Lamennais; o segundo pela Sra. Lub... com conselhos diversos, assinado por Paulo.

SEXTA-FEIRA, 3 DE AGOSTO DE 1860
(SESSÃO PARTICULAR)

Reunião da comissão.

Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 27 de julho.

Leitura de uma carta do Sr. Darcol, na qual propõe à Sociedade fazer uma subscrição para os cristãos da Síria. Baseia a proposta nos princípios de humanidade, caridade e tolerância, que são a essência mesma do Espiritismo e devem guiar a
Sociedade.

Tendo examinado a proposta e fazendo justiça às boas intenções do Sr. D..., a comissão pensa que a Sociedade deve abster-se de qualquer manifestação estranha ao objetivo de seus estudos e que deve deixar cada sócio livre para agir individualmente.

A Sociedade não vê na ideia nada que possa ser considerado prejudicial, muito pelo contrário. No entanto, dada a ausência da maior parte dos sócios, em razão do período de férias, adia o exame do assunto para após o fim da temporada.

Por sugestão da comissão a Sociedade resolve tirar férias no mês de setembro.

Comunicações diversas:

1.º ─ Carta do Dr. Morhéry.

2.º ─ Carta do Sr. Indermuhle, membro da Sociedade, falando da boa aceitação das ideias espíritas, que se verifica entre gente da classe rural. Ele cita o caso de um livrinho alemão, intitulado Die Ewigkeit kein geheimniss mehr (Não mais segredos sobre a eternidade) e que se propõe mandar à Sociedade.

3.º ─ Carta do Dr. de Grand-Boulogne sobre as manifestações físicas como meio de convicção. Ele pensa que não seria certo considerar todos os Espíritos batedores como de uma ordem inferior, visto que ele próprio, através de batidas, obteve comunicações de ordem muito elevada.

O Sr. Allan Kardec responde que a tiptologia é um meio de comunicação como qualquer outro e do qual podem servir-se os mais elevados Espíritos, quando não disponham de outro mais rápido. Nem todos os Espíritos que se comunicam por batidas são Espíritos batedores e a maior parte deles repudia tal classificação, que só convém àqueles que poderiam ser chamados batedores profissionais. Ao bom-senso repugna crer que Espíritos superiores venham passar o tempo divertindo uma reunião com exibição de habilidades. Quanto às manifestações físicas propriamente ditas, ele jamais contestou sua utilidade, mas persiste na opinião de que, por si sós, são impotentes para levar à convicção. Além do mais, diz ele, quanto mais extraordinários os fatos, mais excitam a incredulidade. O que é necessário, antes de tudo, é compreender o princípio dos fenômenos. Para aquele que o conhece, estes nada têm de sobrenatural e vêm em apoio à teoria.

O Sr. de Grand-Boulogne diz que a carta que acabam de ler já é um pouco antiga e que depois dessa época suas ideias se modificaram sensivelmente. Concorda inteiramente com a opinião do Sr. Allan Kardec, pois a experiência lhe demonstrou quanto é útil compreender o princípio antes de ver. Assim, só admite em sua casa pessoas que já tomaram conhecimento da teoria, assim evitando uma porção de perguntas ociosas e objeções. Reconhece ter feito mais prosélitos por tal sistema do que pela exibição de fatos que não são compreendidos.

Estudos:

l.º ─ Evocação de James Coyle, alienado, falecido com 106 anos de idade no hospital de Saint-Patrick, de Dublin, onde se achava desde 1802. A evocação oferece interessante assunto para estudo sobre o estado do Espírito na alienação
mental.

2.º ─ Apelo, sem evocação especial, aos Espíritos que pediram assistência.
Dois se manifestam espontaneamente: a Grande Françoise e o Espírito de Castelnaudary, que agradecem aos que oraram por eles.

3.º ─ Um ditado espontâneo é obtido pelo Sr. D..., assinado pela Irmã Jeanne, uma das vítimas dos massacres da Síria.

SEXTA-FEIRA, 10 DE AGOSTO DE 1860 (SESSÃO GERAL)
Reunião da comissão.

Leitura da ata e dos trabalhos da última sessão.

O Sr. Allan Kardec anuncia que uma senhora, membro da Sociedade, lhe mandou 10 francos para sua subscrição em benefício dos cristãos da Síria, ou de qualquer outra obra de caridade à qual julgue dever aplicá-los.
Comunicações diversas:

1.º ─ Carta do Sr. Jobard, de Bruxelas, sobre Thilorier, do qual foi amigo, e que foi evocado a 15 de junho de 1860. Dá interessantes detalhes sobre sua descoberta, vida e hábitos e retifica várias asserções contidas na notícia a seu respeito publicada no jornal la Patrie. Entre outras particularidades conta como a audição lhe foi restabelecida pelo magnetismo. Publicada adiante.

2.º ─ O Sr. B..., ouvinte estrangeiro, conta diversos casos de manifestações físicas espontâneas ocorridas com um de seus amigos. Como essa pessoa não pôde vir à sessão, posteriormente ela mesma os relatará com mais detalhes.

Estudos:

1.º ─ Diversas perguntas e problemas morais dirigidos a São Luís, a respeito da morte de Jean Luizerolle, que substituiu seu filho, condenado à morte em 1793 e se dedicou a salvar-lhe a vida.

2.º ─ Evocação de Alfred de Marignac, que transmitiu ao Sr. Darcol uma mensagem sobre a penúria, sob o nome de Bossuet.

3.º ─ Evocação de Bossuet a esse respeito e sobre várias outras perguntas. Ele termina por uma dissertação espontânea sobre o perigo das querelas religiosas.

4.º ─ Evocação da Irmã Jeanne, vítima dos massacres da Síria, que comparecera espontaneamente na última sessão e tinha pedido para ser chamada novamente.

5.º ─ Apelo a um dos Espíritos sofredores que pediam assistência. Um Espírito novo se apresenta sob o nome de Fortuné Privat, e dá detalhes sobre sua situação e sobre as penas que sofre. Essa comunicação dá lugar a várias explicações interessantes sobre o estado dos Espíritos infelizes.

6.º ─ Ditado espontâneo sobre o nada da vida, assinado por Sophie Swetchine, recebido pela Srta. Huet.

SEXTA-FEIRA, 17 DE AGOSTO DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR)
Reunião da comissão.

Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 10 de agosto. Por sugestão da comissão, e após relatório verbal, a Sociedade recebe como sócio livre o Sr. Jules R..., de Bruxelas, domiciliado em Paris.

Comunicações diversas:

1.º ─ Numa carta escrita pela Condessa D..., de Milão, ao Sr. Allan Kardec, encontra-se esta passagem: “Ultimamente, folheando velhas revistas de Paris, encontrei uma historieta de um delicioso escritor, Charles Nodier, que tem por título: Lídia ou a ressurreição. Encontrei-me em plena Revista Espírita; é uma intuição do Livro dos Espíritos, posto que escrita em 1839. Nodier era um crente? Àquela época falava-se do Espiritismo? Se pudesse, gostaria de evocá-lo. Era um coração puro e uma alma apaixonada. Peço-vos que o evoqueis, vós que podeis tanto! Se enquanto estava encarnado sua moral era tão suave, tão atraente, que não será agora, que seu Espírito está desvencilhado de toda a matéria!”

Há muito tempo a Sociedade deseja chamar Charles Nodier. Fá-lo-á na presente sessão.

2.º ─ Leitura de duas dissertações obtidas pelo Dr. de Grand-Boulogne, assinadas por Zenon, a primeira sobre a dúvida suscitada quanto à identidade de Bossuet, na sessão anterior, e a segunda sobre a reencarnação, cuja necessidade o Espírito demonstra, do ponto de vista moral, e sua concordância com as ideias religiosas.

3.º ─ Leitura de duas comunicações obtidas pela Sra. Costel e assinadas por Georges, a primeira sobre o progresso dos Espíritos; a segunda sobre o despertar do Espírito.

4.º ─ Leitura da evocação de Luís XIV, feita pela Srta. Huet, e de um ditado espontâneo recebido pela mesma, sobre o proveito a tirar dos conselhos dados pelos Espíritos, assinado por Marie, Espírito familiar.

Estudos:

1.º ─ O Sr. Ledoyen lembra que há tempos São Luís tinha começado uma série de dissertações sobre os pecados capitais. Pergunta se ele quereria continuar essetrabalho.
São Luís responde que o fará de boa vontade e que da próxima vez falará sobre a Inveja, pois a hora está muito avançada para fazê-lo esta noite.

2.º ─ Perguntam a São Luís se na próxima sessão poderá ser chamada novamente a rainha de Ouda, já evocada em janeiro de 1858, a fim de julgar do progresso que poderia ela ter feito. Ele responde: “Seria uma caridade se a evocásseis, falando-lhe amigavelmente e ao mesmo tempo instruindo-a um pouco, pois ainda está muito atrasada.”

3.º ─ Evocação de Charles Nodier. Depois de responder com extrema benevolência as perguntas feitas, promete começar um trabalho contínuo na próxima sessão.

4.º ─ Ditado espontâneo obtido pelo Sr. Didier, sobre a hipocrisia, assinado por Lamennais. Em seguida, o Espírito responde a várias perguntas sobre a sua situação e sobre o caráter que se reflete em suas comunicações.

SEXTA-FEIRA, 24 DE AGOSTO DE 1860 (SESSÃO GERAL)
Reunião da comissão.

Leitura da ata e dos trabalhos da última sessão.

O presidente lê a seguinte instrução, concernente às pessoas estranhas à Sociedade, a fim de premuni-las contra as falsas ideias que poderiam formar quanto ao objetivo de seus trabalhos.

“Julgamos dever lembrar às pessoas estranhas à Sociedade e que não estejam ao corrente dos nossos trabalhos, que não fazemos nenhuma experiência e que elas se enganariam se pensassem aqui encontrar assunto para distrações. Ocupamo-nos seriamente de coisas muito sérias, mas pouco interessantes e pouco inteligíveis para quem quer que ignore a ciência espírita. Como a presença de tais pessoas seria inútil para elas próprias e poderia ser para nós causa de perturbação, recusamo-nos a admitir as que não possuam, ao menos, os seus primeiros elementos e sobretudo as que a ela não sejam simpáticas. Antes de tudo somos uma Sociedade científica de estudos, e não uma sociedade de ensino; jamais convocamos o público porque sabemos, por experiência, que a convicção só se forma por uma longa série de observações e não por se haver assistido a algumas sessões que não apresentam nenhuma continuidade metódica. Eis por que não fazemos demonstrações, que seriam retomadas a cada vez e impediriam a continuidade de nossos trabalhos. Se, malgrado isto, aqui se encontrarem pessoas atraídas somente pela curiosidade, ou que não partilhem de nossa maneira de ver, nós lhes pediríamos se lembrem de que não as convidamos e de que esperamos de seu decoro o respeito às nossas convicções, como respeitamos as suas. Só lhes pedimos silêncio e recolhimento.

Sendo o recolhimento uma das mais expressas recomendações da parte dos Espíritos que de boa vontade se comunicam conosco, convidamos insistentemente as pessoas presentes a que se abstenham de qualquer conversação particular.”

Decidiu a comissão que, embora haja uma 5.ª sexta-feira no dia 31 deste mês, a de hoje será a última sessão antes das férias, e que a próxima será na primeira sextafeira de outubro.

A comissão tomou conhecimento de uma carta com pedido de admissão como sócio livre, do Sr. B..., de Paris. Mas, visto que a presente sessão é geral, o exame fica adiado para depois das férias.

Comunicações diversas:

1.º ─ Leitura da evocação particular feita pelo Sr. Jules Rob..., do Père Leroy, falecido há pouco tempo em Beirute. A evocação é notável pela elevação do pensamento do Espírito, que em nada desmente o belo caráter de que deu provas em vida, e que é o de um verdadeiro cristão. Ele manifesta o desejo de ser evocado na Sociedade.

2.º ─ Leitura de um ditado espontâneo recebido pelo Sr. Dacol, sobre os médiuns, assinado por Salles. Entregue na última sessão, esse ditado não tinha sido lido porque não havia sido analisado previamente, formalidade que o regulamento prescreve imperiosamente.

3.º ─ Outro ditado espontâneo, recebido pela Sra. B... sobre a Caridade moral, assinado pela Irmã Rosalie.

4.º ─ Dois outros ditados espontâneos, recebidos pela Sra. Costel, um sobre as várias categorias de Espíritos errantes e outro sobre os castigos, assinados porGeorges. Ambas as comunicações podem ser postas entre as mais notáveis, pela sublimidade dos pensamentos, pela verdade dos quadros e pela eloquência do estilo. (Serão publicadas, assim como as outras mais importantes comunicações).

O presidente faz observar que a Sociedade é necessariamente limitada pelo tempo, mas que tudo quanto os membros recebem em particular, desde que o queiram trazer, deve ser considerado como um complemento de seus trabalhos. Ela não deve encarar como fazendo parte de seu acervo apenas o que é recebido em suas sessões, mas também tudo quanto lhe vem de fora e pode servir para a sua instrução.

Ela é o centro para onde convergem os estudos particulares para o bem de todos.

Examina-os, comenta-os e os aproveita, se for o caso. Para os médiuns é um meio de controle que, esclarecendo-os quanto à natureza das comunicações que recebem, pode protegê-los contra enganos. Ademais, os Espíritos muitas vezes preferem comunicar-se na intimidade, onde necessariamente há mais recolhimento que nas reuniões numerosas, pelos instrumentos de sua escolha, nos momentos que lhes convêm e nas circunstâncias que nem sempre podemos apreciar. Concentrando essas comunicações, cada um aproveita todas as vantagens que elas podem oferecer.

Estudos:

1.º ─ Pergunta a São Luís sobre o Espírito Georges. Em vida era pintor e professor de desenho da pessoa que lhe serve de médium. Sua vida não oferece nenhuma particularidade destacada, a não ser que sempre foi bom e benevolente.

Como Espírito, suas comunicações têm sempre tal cunho de superioridade, que se desejou saber a posição que ele ocupa no mundo dos Espíritos. São Luís responde:

“Na Terra foi um Espírito justo; toda a sua grandeza consiste na bondade, na caridade e na fé em Deus, que professava; assim, hoje se encontra entre os Espíritos superiores.”

2.º ─ Evocação de Charles Nodier, pela Srta. Huet. Ele começa o trabalho prometido na última sessão.

3.º ─ Evocação do Père Leroy. Como ele tinha deixado livre a escolha do médium, preferiu-se não usar aquele de que se serviu na primeira vez, a fim de afastar qualquer influência e poder melhor julgar-lhe a identidade por suas respostas.

Em todos os pontos elas estão em conformidade com os sentimentos antes expressos, e são dignas de um Espírito elevado. Ele termina por conselhos da mais alta sabedoria, nos quais se revelam, ao mesmo tempo, a humildade cristã, a tolerância da caridade evangélica e a superioridade da inteligência.

4.º ─ Evocação da rainha de Ouda, já evocada em janeiro de 1858. (Ver a Revista de março de 1858). Médium, Sr. Jules Rob... Nota-se nela uma leve disposição para progredir, mas o fundo do caráter sofreu pouca mudança.

OBSERVAÇÃO: Entre os assistentes achava-se uma senhora que durante muito tempo residiu na Índia e que a conheceu pessoalmente. Diz que todas as suas respostas são perfeitamente conformes com o seu caráter e que é impossível não reconhecer nelas uma prova de identidade.

5.º ─ Três ditados espontâneos são obtidos: o primeiro pela Srta. Huet, sobre a Inveja, assinado por São Luís; o segundo pelo Sr. Didier, sobre o pecado original, com a assinatura de Ronsard; o terceiro pela Srta. Stéphanie, assinado por Gustave Lenormand.

Durante estas últimas comunicações, a Srta. L. J..., médium desenhista, obteve dois grupos, assinados por Jules Romain.

Depois de alguns belos pensamentos escritos por um Espírito que não os assina, outro Espírito, que já se manifestou através da Srta. L. J..., interfere fazendo quebrar os lápis e riscar traços que denotam cólera. Ao mesmo tempo comunica-se pelo Sr. Jules Rob... e responde laconicamente e com altivez às perguntas que lhe são dirigidas.

É o Espírito de um soberano estrangeiro, conhecido pelo caráter violento. Convidado a assinar o nome, ele o faz de duas maneiras. Um dos assistentes, ligado ao governo de seu país, e cujas funções lhe permitiam ver frequentemente a sua assinatura, numa reconhece a de documentos oficiais e na outra a das cartas particulares.

Encerrada a sessão geral, os senhores membros foram convidados a ficar um pouco mais para uma comunicação.

Numa alocução muito calorosa, o Sr. Sanson expõe o reconhecimento que deve ao Espírito de São Luís, por sua intervenção na cura instantânea de um mal na perna, que tinha resistido a todos os tratamentos e deveria levar à amputação. É, diz ele, ao conhecimento do Espiritismo que deve sua cura verdadeiramente miraculosa, pela confiança que teve na bondade e no poder de Deus, com o que antes pouco se ocupava. Como é à Sociedade que ele deve a iniciação nas verdades que ela ensina, ele a inclui nos seus agradecimentos. Desde então, todos os anos, oferece ao Espírito de São Luís, no dia que lhe é consagrado, um ramo de flores, em memória do favor recebido. E é essa homenagem que renova hoje, 24 de agosto, véspera de São Luís.

A Sociedade associa-se ao testemunho de gratidão do Sr. Sanson. Ela agradece a São Luís a benevolência de que é objeto de sua parte, e lhe pede continue a sua proteção. São Luís responde:

“Sinto-me feliz, três vezes feliz, meus amados irmãos, pelo que vejo e ouço esta noite. Vossa emoção e reconhecimento ainda são a melhor homenagem que me poderíeis dirigir. Que o Deus de bondade vos conserve nestes bons e piedosos sentimentos! Continuarei a velar por uma Sociedade unida pelos sentimentos de caridade e de uma verdadeira fraternidade.”
Luís.

O maravilhoso e o sobrenatural

Se a crença nos Espíritos e nas suas manifestações fosse uma concepção isolada, produto de um sistema, poderia ela, com certa aparência de razão, ser considerada uma ilusão. Digam-nos, porém, por que é ela encontrada tão vivaz em todos os povos antigos e modernos e nos livros santos de todas as religiões conhecidas? É, dizem alguns críticos, porque em todos os tempos o homem amou o maravilhoso.

─ O que é então o maravilhoso em vossa opinião?

─ O que é sobrenatural.

─ O que entendeis por sobrenatural?

─ O que é contrário às leis da Natureza.

─ Então conheceis tão bem essas leis, que vos é possível traçar limites ao poder de Deus? Ora! Então provai que a existência dos Espíritos e suas manifestações são contrárias às leis da Natureza; que isto não é nem pode ser uma dessas leis.

Acompanhai a Doutrina Espírita e vede se esse encadeamento não tem todos os caracteres de uma lei admirável. O pensamento é um dos atributos do Espírito; a possibilidade de agir sobre a matéria, de impressionar os sentidos e, em consequência, de transmitir o seu pensamento resulta, se assim nos podemos exprimir, da sua constituição fisiológica. Portanto, neste fato nada há de sobrenatural, nada de maravilhoso.

— Contudo — dirão — admitis que um Espírito pode erguer uma mesa e mantê-la no espaço, sem ponto de apoio. Isto não é uma derrogação da lei da gravidade?
─ Sim; da lei conhecida. Mas já disse a Natureza sua última palavra? Antes que se tivesse experimentado a força ascensional de certos gases, quem teria dito que uma máquina pesada, levando vários homens, poderia vencer a força de atração?

Aos olhos do vulgo não deveria isto parecer maravilhoso, diabólico? Aquele que, há um século, se tivesse proposto a mandar um telegrama a 500 léguas de distância e a receber a resposta em alguns minutos, teria passado por louco; se o tivesse feito, teriam acreditado estar o diabo às suas ordens, porque, naquela época, só o diabo era capaz de andar tão depressa? Por que, então, um fluido desconhecido não teria a propriedade, em determinadas circunstâncias, de contrabalançar o efeito da gravidade, como o hidrogênio contrabalança o peso do balão? Isto, diga-se de passagem, é uma comparação, mas não uma assimilação, e unicamente para mostrar, por analogia, que o fato não é fisicamente impossível. Ora, foi precisamente quando os cientistas, na observação dessas espécies de fenômenos, quiseram proceder por via de assimilação, que eles se enganaram. Em suma, o fato aí está. Nenhuma negação poderá destruí-lo, pois negar não é provar. Para nós nada há de sobrenatural, eis tudo quanto, a respeito, podemos dizer no momento.

Se o fato for comprovado ─ dirão ─ nós o aceitaremos. Aceitaremos até mesmo a causa que acabais de indicar, de um fluido desconhecido. Mas, que é o que prova a intervenção dos Espíritos? Aí está o maravilhoso, o sobrenatural.

Seria aqui necessária toda uma demonstração fora de contexto e representando aliás uma repetição, porque ela ressalta de todas as outras partes do ensino. Contudo, para resumi-la em poucas palavras, diremos que teoricamente ela se baseia neste princípio: todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Na prática, observando-se que os fenômenos ditos espíritas deram provas de inteligência, deveriam ter sua causa fora da matéria; que essa inteligência não sendo dos assistentes ─ o que é um resultado da experiência ─ deveria estar fora deles; e desdeque o agente não era visto, seria um ser invisível. Foi então que, de observação em observação, chegou-se a reconhecer que esse ser invisível, ao qual se deu o nome de Espírito, não é senão a alma dos que tiveram vida corpórea e que a morte despojou de seu grosseiro envoltório visível, deixando-lhe apenas o envoltório etéreo, invisível em seu estado normal. Eis, pois, o sobrenatural e o maravilhoso reduzidos à sua expressão mais simples. Uma vez constatada a existência dos seres invisíveis, sua ação sobre a matéria resulta da natureza do envoltório fluídico. Esta ação é inteligente, porque morrendo eles perderam apenas o corpo, mas conservaram a inteligência, que é a sua essência. Eis aí a chave de todos os fenômenos erroneamente reputados sobrenaturais. A existência dos Espíritos não é, pois, um sistema preconcebido, uma hipótese imaginada para explicar os fatos. É resultado de observações e consequência natural da existência da alma. Negar esta causa é negar a alma e os seus atributos.

Que essas pessoas que pensam ter condições de dar a esses efeitos inteligentes uma solução mais racional, e sobretudo de explicar todos os fatos, se dignem a fazê-lo, e então se poderá discutir o mérito de cada uma.

Aos olhos dos que consideram a matéria como a única força da Natureza, tudo quanto não pode ser explicado pelas leis da matéria é maravilhoso ou sobrenatural.

Ora, para eles, maravilhoso é sinônimo de superstição. Sob este ponto de vista, a religião, fundada na existência de um princípio imaterial, seria um tecido de superstições. Eles não ousam dizê-lo alto e bom som, mas dizem aos cochichos, e julgam salvar as aparências admitindo que uma religião é necessária para o povo e para que as crianças sejam bem comportadas.

De duas, uma: ou o princípio religioso é verdadeiro ou é falso. Se é verdadeiro, ele o é para todos; se falso, não é melhor para os ignorantes do que para os esclarecidos.

Os que atacam o Espiritismo em nome do maravilhoso se apoiam, em geral, no princípio materialista, pois negando todo efeito fora da matéria, negam, por isso mesmo, a existência da alma. Sondai o fundo de seu pensamento; penetrai bem o sentido de suas palavras e vereis, quase sempre, esse princípio, se não formulado categoricamente, despontar sob as aparências de uma pretensa filosofia racional. Se abordardes a questão de frente, perguntando-lhes se acreditam ter uma alma, talvez não ousem responder que não, mas responderão que nada sabem ou que disso não têm certeza. Levando à conta do maravilhoso tudo quanto decorre da existência da alma, são, pois, consequentes consigo mesmos; não admitindo a causa, não podem admitir os efeitos. Daí decorre, por parte deles, uma opinião preconcebida que os impossibilita de julgar corretamente o Espiritismo, porque eles partem do princípio da negação de tudo quanto não seja material. Quanto a nós, pelo fato de admitirmos os efeitos que são a consequência da existência da alma, decorre que aceitamos todos os fatos qualificados como maravilhosos; que somos campeões de todos os sonhadores; os adeptos de todas as utopias e de todas as excentricidades sistemáticas? Fora preciso conhecer muito pouco o Espiritismo para assim pensar. Mas os nossos adversários não o olham tão de perto. A necessidade de conhecer, de que falam, é a menor das suas preocupações. Segundo eles, o maravilhoso é absurdo; ora, o Espiritismo se apoia em fatos maravilhosos, portanto é absurdo. Isto é para eles um julgamento sem apelo. Eles julgam opor um argumento sem réplica quando, após terem feito eruditas pesquisas sobre os convulsionários de Saint- Médard, os Camisards das Cévennes ou as religiosas de Loudun, chegaram a descobrir fatos patentes de fraude, que ninguém contesta. Mas tais histórias são o evangelho do Espiritismo? Seus partidários negaram que o charlatanismo tenha explorado certos fatos em proveito próprio; que a imaginação os tenha criado; que o fanatismo os tenha exagerado? Ele não é mais solidário com as extravagâncias que podem ser cometidas em seu nome, do que a verdadeira Ciência com os abusos da ignorância, nem a verdadeira religião com os excessos do fanatismo. Muitos críticos só julgam o Espiritismo pelos contos de fadas e pelas lendas populares, que são as suas ficções. Seria o mesmo que julgar a História pelos romances históricos ou pelas tragédias.

Em lógica elementar, para discutir uma coisa é preciso conhecê-la, porque a opinião de um crítico só tem valor quando ele fala com perfeito conhecimento de causa. Só assim sua opinião, ainda que errada, pode ser levada em consideração.

Mas que valor terá ela num assunto que ele ignora? O verdadeiro crítico deve não só dar provas de erudição, mas de conhecimento profundo sobre o objeto de que trata, de uma razão sã e de uma imparcialidade a toda prova, pois do contrário o primeiro trovador que aparecesse poderia arrogar-se o direito de julgar Rossini e um borratintas o de criticar Rafael.

O Espiritismo não aceita, pois, todos os fatos reputados maravilhosos ou sobrenaturais. Longe disto, demonstra a impossibilidade de um grande número e o ridículo de certas crenças que, para ele, constituem propriamente a superstição. É verdade que, no que ele admite, há coisas que para os incrédulos são puro maravilhoso, isto é, superstição. Seja. Mas, pelo menos, discuti apenas estes pontos, porque sobre os outros nada há a dizer e pregaríeis a conversos. Mas, perguntarão até onde vai a crença do Espiritismo? Lede, observai e sabereis. Toda ciência só é adquirida com tempo e estudo. Ora, o Espiritismo, que toca nas mais sérias questões de Filosofia e em todos os ramos da ordem social; que abarca, ao mesmo tempo, o homem físico e o homem moral, é, ele próprio, toda uma ciência, toda uma filosofia, que não pode ser apreendida nalgumas horas, assim como qualquer outra ciência, porque seria tão pueril ver todo o Espiritismo nas mesas girantes, quanto toda a Física em certos brinquedos de criança. Para quem não queira ficar só na superfície, não são horas, mas meses e anos necessários para lhe sondar todos os arcanos. Que se julgue, por aí, o grau de saber e o valor da opinião dos que se arrogam o direito de julgar porque viram uma ou duas experiências, as mais das vezes como distração e passatempo! Sem dúvida dirão que não têm folga para dar todo o tempo necessário a tal estudo. Seja. Ninguém os obriga. Mas, então, quando não se tem tempo de aprender uma coisa, não se deve falar dela e, menos ainda, julgar, desde que se não queira ser acusado de leviandade. Ora, quanto mais elevada é a posição que se ocupa na ciência, menos desculpável tratar-se levianamente de um assunto que se desconhece. Nós nos cingimos às seguintes proposições:

1. ─ Todos os fenômenos espíritas têm por princípio a existência da alma, sua sobrevivência ao corpo e suas manifestações.

2. ─ Sendo tais fenômenos baseados numa lei da Natureza, nada têm de maravilhoso nem de sobrenatural, no sentido vulgar desses vocábulos.

3. ─ Muitos fatos só são considerados sobrenaturais porque se lhes desconhecem as causas. Atribuindo-lhes uma causa, o Espiritismo os recoloca no domínio dos fenômenos naturais.

4. ─ Entre os fatos qualificados como sobrenaturais, há muitos cuja impossibilidade é demonstrada pelo Espiritismo, que os coloca entre as crenças supersticiosas.

5. ─ Embora o Espiritismo reconheça em muitas crenças populares um fundo de verdade, de modo algum aceita a solidariedade de todas as histórias fantásticas criadas pela imaginação.

6. ─ Julgar o Espiritismo pelos fatos que ele não admite é dar prova de ignorância e neutralizar o valor da própria opinião.

7. ─ A explicação dos fatos admitidos pelo Espiritismo, suas causas e consequências morais, constituem uma verdadeira ciência que requer estudo sério, perseverante e aprofundado.

8. ─ O Espiritismo não pode olhar como crítico sério senão aquele que tudo tivesse visto e tudo estudado com a paciência e a perseverança de um observador consciencioso; que estivesse tão seguro desse assunto quanto o mais esclarecido adepto; consequentemente, que tivesse obtido seus conhecimentos fora dos romances da Ciência; ao qual não fosse possível opor nenhum fato de que não tivesse conhecimento e nenhum argumento que ele não tivesse meditado; que refutasse, não por negações, mas por outros argumentos mais peremptórios; que, enfim, pudesse apresentar uma causa mais lógica aos fatos constatados. Tal crítico ainda está por ser encontrado.

Desnecessário dizer que os que desprezam o maravilhoso, com mais forte razão relegam os milagres para o plano das quimeras da imaginação. Posto que tiradas de um artigo precedente, algumas palavras a respeito têm aqui seu lugar natural, e não será inútil lembrá-las.

Na sua acepção primitiva e por sua etimologia, o vocábulo milagre significa coisa extraordinária, coisa admirável de ver. Mas, como tantos outros, este vocábulo perdeu o sentido original e hoje significa, segundo a Academia, um ato do poder divino, contrário às leis comuns da Natureza. Tal é, com efeito, sua acepção usual, e só por comparação e por metáfora é aplicado às coisas vulgares que nos surpreendem, e cuja causa é desconhecida. Não entra absolutamente em nosso propósito examinar se Deus poderia julgar útil, em certas circunstâncias, derrogar leis por Ele estabelecidas. Nosso objetivo é apenas demonstrar que os fenômenos espíritas, por mais extraordinários que sejam, absolutamente não derrogam essas leis e não têm qualquer caráter miraculoso, como não são maravilhosos ou sobrenaturais.

O milagre não se explica; os fenômenos espíritas, ao contrário, se explicam da maneira mais racional. Não são, pois, milagres, mas simples efeitos que têm sua razão de ser nas leis gerais. O milagre tem, ainda, outro caráter: o de ser insólito e isolado. Ora, a partir do momento que um fato se repete, por assim dizer, à vontade, e por intermédio de diversas pessoas, não pode ser um milagre.

Diariamente a Ciência faz milagres aos olhos dos ignorantes. Por isso, outrora, os que sabiam mais que o vulgo passavam por feiticeiros. Como se acreditava que toda ciência sobre-humana vinha do diabo, queimavam-nos. Hoje, que estamos muito mais civilizados, contentamo-nos em mandá-los para os hospícios.

Se um homem realmente morto voltar à vida por uma intervenção divina, aí teremos um verdadeiro milagre, porque isto é contrário às leis da Natureza. Mas se esse homem tiver apenas as aparências da morte; se ainda lhe resta vitalidade latente e se a Ciência ou uma ação magnética chegar a reanimá-lo, para as pessoas esclarecidas será um fenômeno natural, mas aos olhos da gente ignorante, o fato passará por miraculoso. Se em certas regiões do campo um físico lançar um papagaio elétrico e fizer cair um raio sobre uma árvore, o novo Prometeu certamente será olhado como dotado de um poder diabólico. Mas Josué, parando o movimento do Sol, ou melhor, da Terra, eis o verdadeiro milagre, pois não conhecemos nenhum magnetizador dotado de tão grande poder para operar tal prodígio. De todos os fenômenos espíritas, um dos mais extraordinários é, sem dúvida, o da escrita direta, e um dos que demonstram da mais patente maneira a ação das inteligências ocultas.

No entanto, pelo fato de ser o fenômeno produzido por seres ocultos, não é mais miraculoso que todos os outros fenômenos devidos a agentes invisíveis, porque esses seres ocultos que povoam o espaço são uma força da Natureza, força cuja ação é incessante sobre o mundo material, tanto quanto sobre o mundo moral.

Esclarecendo-nos quanto a essa força, o Espiritismo nos dá a chave de uma porção de coisas inexplicadas e inexplicáveis por qualquer outro meio e que em tempos remotos puderam passar por prodígios. Assim como o magnetismo, ele revela uma lei, senão desconhecida, ao menos mal compreendida ou, melhor dizendo, da qual se conheciam os efeitos, pois eles sempre se produziram, em todas as épocas, mas não se conhecia a lei, e foi essa ignorância da lei que engendrou a superstição. Conhecida essa lei, o maravilhoso desaparece e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais. Eis por que os espíritas não operam milagres fazendo girar uma mesa ou fazendo um morto escrever, mais do que o médico fazendo reviver um moribundo ou o físico fazendo cair o raio. Aquele que, auxiliado por esta ciência, pretendesse fazer milagres, ou seria um ignorante do assunto, ou um charlatão.

Os fenômenos espíritas, bem como os magnéticos, antes que suas causas fossem conhecidas, tiveram que passar por prodígios. Ora, como os céticos, os espíritos fortes, isto é, os que têm o privilégio exclusivo da razão e do bom-senso, não creem que uma coisa seja possível desde que não a compreendem. É por isso que todos os fatos tidos como prodigiosos são objeto de suas zombarias. Como a religião contém grande número de fatos desse gênero, não creem na religião. Daí à incredulidade absoluta há apenas um passo. Explicando a maioria desses fatos, o Espiritismo lhes dá uma razão de ser. Ele, pois, vem em auxílio à religião, demonstrando a possibilidade de certos fatos que, por não mais terem caráter miraculoso, não são menos extraordinários; e Deus nem é menos grande, nem menos poderoso por não haver derrogado as suas leis. De quantos gracejos não foram objeto as levitações de São Cupertino? Ora, a suspensão no ar dos corpos pesados é um fato explicado pelo Espiritismo. Nós, pessoalmente, fomos testemunha ocular, e o Sr. Home, como outras pessoas de nosso conhecimento, repetiram várias vezes o fenômeno passado com São Cupertino. Assim, o fenômeno entra na ordem das coisas naturais.

Entre os fatos deste gênero devem colocar-se, em primeira linha, as aparições, por serem os mais frequentes. A de Salete, que divide o próprio clero, para nós nada tem de insólito. Na verdade não podemos afirmar que a coisa tenha ocorrido, pois não temos a prova material. Para nós, entretanto, é possível, desde que milhares de fatos análogos recentes são do nosso conhecimento. Cremos neles, não só porque sua realidade foi por nós constatada, mas sobretudo porque nos damos perfeita conta da maneira pela qual se produzem. Queiram reportar-se à teoria que demos, das aparições, e verão que tal fenômeno se torna tão simples e plausível quanto uma porção de fenômenos físicos tidos como prodigiosos apenas por falta de sua chave.

Quanto à personagem que se apresentou em Salete, é outra questão. Sua identidade absolutamente não foi demonstrada. Apenas se constata que pode ter havido uma aparição. O resto não é de nossa competência. Cada um pode guardar as suas convicções a respeito disso, com as quais nada tem a ver o Espiritismo. Apenas dizemos que os fatos produzidos pelo Espiritismo nos revelam leis novas e nos dão a chave de uma porção de coisas que pareciam sobrenaturais. Se alguns desses fatos que passavam por miraculosas encontram agora uma explicação lógica, isto é um motivo para não apressar-se em negar aquilo que não se compreende.

Os fatos do Espiritismo são contestados por certas pessoas, precisamente porque parecem fugir à lei comum, e elas não se dão conta disso. Dai-lhes uma base racional e a dúvida cessará. Neste século onde não se poupam palavras, a explicação é poderoso elemento de convicção. Assim, diariamente vemos criaturas que jamais testemunharam qualquer fato, que nem viram uma mesa girar, nem um médium escrever, e que são tão convictas quanto nós, unicamente porque compreenderam. Se só devêssemos acreditar no que viram os nossos olhos, nossas convicções reduzir-se-iam a bem pouca coisa.

História do maravilhoso e do sobrenatural - Por Louis Figuier

Acontece com o vocábulo maravilhoso o mesmo que com o vocábulo alma; há em ambos um sentido elástico, que se presta a interpretações diversas. Eis por que julgamos útil estabelecer alguns princípios gerais no artigo precedente, antes de abordar o exame da história dada pelo Sr. Figuier. Quando essa obra apareceu, os adversários do Espiritismo bateram palmas, dizendo que sem dúvida iríamos ter pela frente uma forte resistência. Em seu caridoso pensamento já nos viam mortos ser retorno. Tristes efeitos da cegueira apaixonada e irrefletida, porque se eles se dessem ao trabalho de observar o que querem demolir, veriam que o Espiritismo será um dia, e mais cedo do que pensam, a salvaguarda da Sociedade, e talvez eles próprios lhe devam a salvação, não dizemos no outro mundo, com o qual pouco se preocupam, mas neste mesmo! Não é levianamente que dizemos estas palavras.

Ainda não chegou o momento de desenvolvê-las. Muitos, porém, já nos compreendem.

Voltando ao Sr. Figuier, nós mesmos tínhamos pensado encontrar nele um adversário realmente sério, com argumentos peremptórios que valessem a pena de uma refutação séria. Sua obra compreende quatro volumes. Os dois primeiros contêm uma exposição de princípios num prefácio e numa introdução, depois uma relação de fatos perfeitamente conhecidos, mas que, não obstante, ler-se-á com interesse, dadas as pesquisas eruditas a que deram lugar da parte do autor.

Acreditamos ser o relato mais completo já publicado sobre o assunto. Assim, o primeiro volume é quase que inteiramente consagrado à história de Urbain Grandier e das religiosas de Loudun. Vêm a seguir as convulsionárias de Saint-Médard, a história dos profetas protestantes, a varinha mágica, o magnetismo animal. O quarto volume, agora publicado, trata especialmente das mesas girantes e dos Espíritos batedores. Mais tarde voltaremos a este último volume, limitando-nos, por hora, a uma apreciação sumária do conjunto.

A parte crítica das histórias que constituem os dois primeiros volumes consiste em provar, por testemunhos autênticos, que a intriga, as paixões humanas e o charlatanismo tiveram grande papel no assunto, e que certos fatos têm um evidente cunho de prestidigitação, mas é isto o que ninguém contesta. Ninguém jamais garantiu a integridade de todos esses fatos, menos que quaisquer outros os espíritas, os quais devem ser gratos ao Sr. Figuier por ter coletado provas que evitarão numerosas compilações. Eles têm interesse em que a fraude seja desmascarada, e todos os que as descobrirem nos fatos falsamente qualificados de fenômenos espíritas lhes prestarão serviço. Ora, para prestar semelhante serviço, ninguém melhor que os inimigos. Vê-se, pois, que estes servem para alguma coisa. Acontece apenas que o desejo da crítica às vezes arrasta para muito longe e, no ardor de descobrir o mal, muitas vezes o veem onde não está, por não terem examinado com bastante atenção e imparcialidade, o que é ainda mais raro. O verdadeiro crítico deve afastar-se das ideias preconcebidas, despojar-se de qualquer preconceito, pois do contrário julgará de seu ponto de vista, que talvez nem sempre seja justo. Tomemos um exemplo: suponhamos a história política de acontecimentos contemporâneos escrita com a maior imparcialidade, isto é, com inteira verdade, e suponhamos essa história comentada por dois críticos de opiniões contrárias. Considerando-se que todos os fatos são exatos, melindrarão forçosamente a opinião de um deles. Daí, dois julgamentos contraditórios: um que levará a obra às nuvens; o outro, que a julga boa apenas para ser jogada no fogo. Contudo, a obra não contém nada mais que a verdade. Se assim é com os fatos patentes, como os da História, com mais forte razão será quando se tratar da apreciação de doutrinas filosóficas. Ora, o Espiritismo é uma doutrina filosófica, e os que apenas o veem nas mesas girantes, ou que o julgam pelas histórias absurdas e pelos abusos que dele fazem e que o confundem com os meios de adivinhação, provam que não o conhecem. Está o Sr. Figuier nas condições exigidas para julgá-lo com imparcialidade? É o que deve ser examinado.

Assim começa o Sr. Figuier o seu prefácio:

“Em 1854, quando as mesas girantes e falantes, importadas da América, apareceram na França, aqui produziram uma impressão que ninguém esqueceu. Muitos espíritos sábios e prudentes ficaram alarmados com esse desbordamento imprevisto da paixão pelo maravilhoso. Não podiam compreender um tal desatino em pleno século dezenove, com uma filosofia adiantada e em meio a esse magnífico movimento científico que hoje dirige tudo para o positivo e para o útil.”

Seu julgamento foi pronunciado: a crença nas mesas girantes é um desvario.

Como o Sr. Figuier é um homem positivo, deve pensar-se que antes de publicar seu livro, viu tudo, estudou tudo, aprofundou tudo; numa palavra, que fala com conhecimento de causa. Se assim não fosse, cairia no erro dos Srs. Schiff e Jobert (de Lamballe) com a sua teoria do músculo que range. (Ver a Revista de junho de 1859). Contudo, sabemos que há um mês apenas ele assistiu a uma sessão, onde provou ignorar os mais elementares princípios do Espiritismo. Dir-se-á suficientemente esclarecido porque assistiu a uma sessão? Certo que não pomos em dúvida a sua perspicácia; mas, por maior que esta seja, não podemos admitir possa ele conhecer e sobretudo compreender o Espiritismo numa sessão, assim como não aprendeu a Física numa única aula. Se o Sr. Figuier pudesse fazê-lo, tomaríamos o fato como um dos mais maravilhosos. Quando ele tiver estudado o Espiritismo com o mesmo cuidado que se tem no estudo de uma ciência; quando lhe tiver consagrado um tempo moral necessário; quando tiver assistido a milhares de experiências; quando se tiver dado conta de todos os fatos, sem exceção; quando tiver comparado todas as teorias, só então poderá fazer uma crítica judiciosa. Até lá o seu julgamento é uma opinião pessoal, sem nenhum peso pró ou contra.

Tomemos a coisa sob outro ponto de vista. Dissemos que o Espiritismo repousa inteiramente na existência, em nós, de um princípio imaterial ou, por outras palavras, na existência da alma. Quem não admite um Espírito em si não pode admiti-lo fora de si. Consequentemente, não admitindo a causa, não pode admitir o efeito. Gostaríamos de saber se o Sr. Figuier colocaria no princípio de seu livro a seguinte profissão de fé:

1. ─ Creio num Deus, autor de todas as coisas, todo-poderoso, soberanamente justo e bom e infinito em suas perfeições;

2. ─ Creio na providência de Deus;

3. ─ Creio na existência da alma, que sobrevive ao corpo, e em sua individualidade após a morte. Creio nisto, não como uma probabilidade, mas como uma coisa necessária e consequente dos atributos da Divindade;

4. ─ Admitindo a alma e a sobrevivência, creio que nem seria conforme a justiça, nem segundo a bondade de Deus, que o bem e o mal fossem tratados em pé de igualdade após a morte, de vez que, durante a vida, muito raramente recebem o prêmio ou o castigo que merecem;

5. ─ Se a alma do mau e a do bom não são tratadas do mesmo modo, umas são felizes, outras infelizes, isto é, são punidas ou recompensadas segundo as suas obras.

Se o Sr. Figuier fizesse tal profissão de fé, nós lhe diríamos: Esta confissão é a de todos os espíritas, porque sem isto o Espiritismo não teria razão de ser, apenas com a diferença de que aquilo em que credes teoricamente, o Espiritismo o demonstra pelos fatos, porque todos os fatos espíritas são consequência destes princípios. Os Espíritos que povoam o espaço, não sendo mais do que as almas dos que viveram na Terra ou em outros mundos, a partir do momento em que e se admita a alma, sua sobrevivência e sua individualidade, por isso mesmo se admitem os Espíritos. Reconhecida a base, toda a questão é de saber se esses Espíritos ou essas almas podem comunicar-se com os vivos; se têm ação sobre a matéria; se influem no mundo físico e no mundo moral; ou então se são votados a uma perpétua inutilidade, ou a não se ocuparem senão de si mesmos, o que é pouco provável, desde que se admita a providência de Deus e se considere a admirável harmonia que reina no Universo, onde os menores seres desempenham o seu papel.

Se a resposta do Sr. Figuier fosse negativa ou apenas polidamente dubitativa, a fim de, para nos servirmos da expressão de certas pessoas, não chocar muito bruscamente respeitáveis preconceitos, nós lhe diríamos: Não sois juiz mais competente em matéria de Espiritismo do que um muçulmano em matéria de religião católica; vosso julgamento não poderia ser imparcial e em vão buscaríeis evitar ideias preconcebidas, desde que tais ideias estão na vossa opinião mesma, no que toca o princípio fundamental que repelis a priori e antes de conhecer o assunto.

Se um dia um corpo de cientistas nomeasse um relator para examinar a questão do Espiritismo e esse relator não fosse francamente espiritualista, seria o mesmo que um concílio escolher Voltaire para tratar de uma questão de dogma. Diga-se de passagem que a gente se admira de que as corporações científicas não tenham dado sua opinião, mas a gente esquece que a sua missão é o estudo das leis da matéria e não dos atributos da alma e, menos ainda, o de decidir se a alma existe. Sobre tais assuntos podem eles ter opiniões individuais, como as podem ter sobre a religião; mas, como corporação científica, jamais terão que se pronunciar.

Não sabemos o que o Sr. Figuier responderia às perguntas formuladas na profissão de fé acima, mas o seu livro permite pressenti-lo. Com efeito, o segundo parágrafo está assim vazado:

“Um conhecimento exato da História do passado teria prevenido ou pelo menos diminuído muito tal espanto. Com efeito, grande erro seria imaginar-se que as ideias que em nossos dias geraram a crença nas mesas falantes e nos Espíritos batedores, são de origem moderna. Esse amor do maravilhoso não é particular à nossa época: está em todos os tempos e países, porque ligado à própria natureza do espírito humano. Por uma instintiva e injustificada desconfiança em suas próprias forças, o homem é levado a colocar acima de si forças invisíveis, que se exercem numa esfera inacessível. Esta disposição congênita existiu em todos os períodos da História da Humanidade e, conforme o tempo, os lugares e os costumes, revestindo aspectos diferentes, deu origem a manifestações variáveis na forma, porém tendo, no fundo, um princípio idêntico.”

Dizer que é por uma instintiva e injustificada desconfiança em suas próprias forças que o homem é levado a colocar acima de si forças invisíveis, que se exercem numa esfera inacessível, é reconhecer que o homem é tudo, pode tudo, e que acima dele nada há. Se não nos enganamos, isso não é apenas materialismo, mas ateísmo.

Aliás, essas ideias ressaltam de uma porção de outras passagens de seu prefácio e da introdução, para as quais chamamos toda a atenção de nossos leitores e estamos persuadidos de que estes as julgarão como nós. Dir-se-á que tais palavras não se aplicam à Divindade, mas aos Espíritos? Responderemos que, então, ele ignora a primeira palavra do Espiritismo, pois que negar os Espíritos é negar a alma.

Espíritos e almas são uma única e mesma coisa, e os Espíritos não exercem sua força numa esfera inacessível, pois estão ao nosso lado, tocam-nos, agem sobre a matéria inerte à maneira de todos os fluidos imponderáveis e invisíveis que, não obstante, são os mais poderosos motores e os mais ativos agentes da Natureza. Só Deus exerce o seu poder numa esfera inacessível aos homens. Negar esse poder é, pois, negar Deus. Dirá ele, enfim, que esses efeitos que nós atribuímos aos Espíritos, certamente são devidos a alguns desses fluidos? Seria possível. Mas então lhe perguntaremos como fluidos ininteligentes podem produzir efeitos inteligentes?

O Sr. Figuier constata um fato capital ao dizer que esse amor do maravilhoso está em todos os tempos e países, porque ligado à própria natureza do espírito humano. Aquilo a que chama amor do maravilhoso é, muito simplesmente, a crença instintiva, inata, como o diz, na existência da alma e na sua sobrevivência ao corpo, crença que revestiu formas diversas, conforme o tempo e os lugares, mas tendo no fundo um princípio idêntico. Esse sentimento inato, universal no homem, Deus lho teria inspirado para dele zombar? Para lhe dar aspirações impossíveis de realizar?

Crer que assim possa ser é negar a bondade de Deus. É mais, é negar o próprio Deus.

Querem outras provas do que adiantamos? Eis ainda algumas passagens do seu prefácio:

“Na Idade Média, quando uma religião nova transformou a Europa, o maravilhoso se instala nessa mesma religião. Acredita-se nas possessões diabólicas, nos feiticeiros e nos magos. Durante vários séculos tal crença é sancionada por uma guerra sem quartel e sem misericórdia, feita aos infelizes acusados de comércio secreto com os demônios, ou com os magos, seus prepostos.

“Pelo fim do século dezessete, na aurora de uma filosofia tolerante eesclarecida, o diabo envelheceu e a acusação de magia começa a ser um argumento gasto, mas nem por isto o maravilhoso perde os seus direitos. Os milagres floresceram à vontade nas igrejas das diversas comunhões cristãs; ao mesmo tempo, acredita-se na varinha mágica e se reporta aos movimentos de uma forquilha a fim de localizar objetos do mundo físico e de esclarecer-se sobre as coisas do mundo moral. Em diversas ciências continua-se a admitir a intervenção de influências sobrenaturais, precedentemente introduzidas por Paracelso.

“No século dezoito, apesar de estar em voga a filosofia cartesiana a respeito das matérias filosóficas, ao mesmo tempo que todos os olhos se abrem às luzes do bomsenso e da razão, nesse século de Voltaire e da Enciclopédia, só o maravilhoso resiste à queda de tantas crenças até então veneradas e abundam ainda os milagres.”

Se a filosofia de Voltaire, que abriu os olhos à luz do bom-senso e da razão e abalou os alicerces de tantas superstições, não pôde erradicar a idéia inata de um poder oculto, não seria porque tal ideia é inatacável? A filosofia do século dezoito flagelou os abusos, mas estacou ante a base. Se essa ideia triunfou sobre os golpes desferidos pelo apóstolo da incredulidade, o Sr. Figuier espera ser mais feliz?

Permitimo-nos duvidar.

O Sr. Figuier faz uma confusão singular das crenças religiosas, dos milagres e da varinha mágica. Para ele, tudo isto sai da mesma fonte: a superstição, a crença no maravilhoso. Não tentaremos aqui defender essa pequena forquilha que teria a propriedade singular de servir à pesquisa do mundo físico, porque não nos aprofundamos no assunto e porque temos por princípio só louvar ou criticar aquilo que conhecemos. Mas, se quiséssemos argumentar por analogia, perguntaríamos ao Sr. Figuier se a pequena agulha de aço com a qual o navegante acha a sua rota, não tem uma virtude tão maravilhosa quanto à da pequena forquilha. Não, direis vós, porque conhecemos a causa que a move e essa causa é inteiramente física. De acordo. Mas quem diz que a causa que age sobre a forquilha não é inteiramente física? Antes que se conhecesse a teoria da bússola, que teríeis pensado, se tivésseis vivido naquela época, quando os marinheiros só tinham como guia as estrelas, que por vezes lhes faltavam; que teríeis pensado, dizemos nós, de um homem que tivesse vindo dizer: Tenho aqui numa caixinha do tamanho de uma caixa de bombons e uma agulha pequenina, com a qual os maiores navios podem guiar-se com segurança; que indica a rota com qualquer tempo, com a precisão de um relógio? Ainda uma vez, não defendemos a varinha mágica, e menos ainda o charlatanismo que dela se apoderou. Apenas perguntamos o que haveria de mais sobrenatural se um pedaço de madeira, em dadas circunstâncias, fosse agitado por um eflúvio terrestre invisível, como a agulha imantada o é pela corrente magnética que também não se vê? Será que essa agulha também não serve para a procura das coisas do mundo físico? Não será ela influenciada pela presença de uma mina de ferro subterrânea? O maravilhoso é a ideia fixa do Sr. Figuier; é o seu pesadelo; ele o vê por toda parte onde haja algo que não compreende. Mas poderá ele, só ele, sábio, dizer como germina e se reproduz o menor grão? Qual é a força que faz a flor voltar-se para aluz? Quem, em baixo da terra, atrai as raízes para um terreno propício, mesmo através dos mais duros obstáculos? Estranha aberração do espírito humano, que pensa tudo saber e nada sabe; que calca aos pés maravilhas sem número, e nega um poder sobre-humano!

Sendo baseada na existência de Deus, esse poder sobre-humano que é exercido numa esfera inacessível; sobre a existência da alma que sobrevive ao corpo conservando a sua individualidade e consequentemente a sua ação, a religião tem por princípio aquilo que o Sr. Figuier chama de maravilhoso. Se ele se tivesse limitado a dizer que entre os fatos qualificados de maravilhosos há uns ridículos e absurdos, ao que a razão faz justiça, nós o aplaudiríamos com todas as forças, mas não poderíamos concordar com a sua opinião quando confunde na mesma reprovação o princípio e o abuso do princípio; quando nega a existência de qualquer poder acima da Humanidade. Aliás, essa conclusão é formulada de maneira inequívoca na passagem seguinte:

“Dessas discussões, cremos que resultará para o leitor a perfeita convicção da não-existência de agentes sobrenaturais e a certeza de que todos os prodígios que, em muitas épocas, provocaram a surpresa ou a admiração do homem, se explicam apenas pelo conhecimento de nossa organização fisiológica. A negação do maravilhoso, eis a conclusão a tirar deste livro, que poderia chamar-se o maravilhoso explicado. Se atingirmos o objetivo a que nos propusemos, teremos a convicção de ter prestado um verdadeiro serviço para o bem de todos.”

Dar a conhecer os abusos e desmascarar a fraude e a hipocrisia por toda parte onde se encontrem é, sem contradita, prestar um serviço muito grande. Mas cremos que é fazer um serviço muito prejudicial à Sociedade, assim como aos indivíduos, atacar o princípio pelo fato de terem dele abusado. É querer cortar uma boa árvore porque deu um fruto bichado.

O Espiritismo bem compreendido, dando a conhecer a causa de certos fenômenos, mostra o que é possível e o que não é. Por isto mesmo, tende a destruir as ideias realmente supersticiosas; mas, ao mesmo tempo, demonstrando o princípio, dá um objetivo ao bem; fortifica as crenças fundamentais que a incredulidade tenta fender sob o pretexto do abuso; combate a chaga do materialismo, que é a negação do dever, da moral e de toda esperança, e é por isto que dizemos que um dia ele será a salvaguarda da Sociedade.

Aliás, estamos longe de nos lamentarmos pela obra do Sr. Figuier. Sobre os adeptos ela não poderá ter nenhuma influência, pois que eles reconhecerão imediatamente todos os pontos vulneráveis. Sobre os outros, terá o efeito de todas as críticas: o de provocar a curiosidade. Depois da aparição, ou melhor, da reaparição do Espiritismo, muito se escreveu contra ele. Não lhe pouparam sarcasmos nem injúrias. Apenas de uma coisa ele não teve a honra, a da fogueira, graças aos costumes do tempo. Isto o impediu de progredir? De modo algum, pois hoje conta seus adeptos aos milhões em todas as partes do mundo e estes aumentam diariamente. Para isto, e sem o querer, muito contribuiu a crítica, porque, como dissemos, seu efeito é o de provocar o exame. As pessoas querem ver os prós e os contras e ficam admirados por encontrarem uma doutrina racional, lógica,consoladora, que acalma as angústias da dúvida, resolvendo o que nenhuma filosofia pode resolver, quando pensavam apenas encontrar uma crença ridícula. Quanto mais conhecido o nome do contraditor, mais repercussão tem a sua crítica e mais bem pode ela fazer, chamando a atenção dos indiferentes. A esse respeito, a obra do Sr. Figuier está nas melhores condições. Além do mais, foi escrita de maneira muito séria, e não se arrasta na lama das injúrias grosseiras e do personalismo, únicos argumentos dos críticos de baixo nível. Considerando-se que ele pretende tratar o assunto do ponto de vista científico, e sua posição lho permite, ver-se-á nisso a última palavra da Ciência contra esta doutrina e então o público saberá a que se ater.

Se a sábia obra do Sr. Figuier não tiver o poder de lhe dar o golpe de misericórdia, duvidamos que outras sejam mais felizes. Para combatê-la com eficácia, ele só tem um meio, que lhe indicamos com prazer. Não se destrói uma árvore cortando-lhe os galhos, mas a raiz. É necessário, pois, atacar o Espiritismo pela raiz e não pelos ramos, que renascem à medida que são cortados. Ora, as raízes do Espiritismo, deste desvario do século dezenove, para nos servirmos de sua expressão, são a alma e os seus atributos. Que prove, portanto, que a alma não existe e não pode existir, porque sem almas não há mais Espíritos. Quando tiver provado isto, o Espiritismo não terá mais razão de ser e nós nos confessaremos vencidos. Se o seu ceticismo não vai a tanto, que prove, não por uma simples negação, mas por uma demonstração matemática, física, química, mecânica, fisiológica ou qualquer outra:

1. ─ Que o ser que pensa durante a vida não mais pensa após a morte;

2. ─ Que, se pensa, não mais deve querer comunicar-se com aqueles a quem amou;

3. ─ Que, se pode estar em toda parte, não pode estar ao nosso lado;

4. ─ Que, se está ao nosso lado, não pode comunicar-se conosco;

5. ─ Que, por seu envoltório fluídico, não pode agir sobre a matéria inerte;

6. ─ Que, se pode agir sobre a matéria inerte, não pode agir sobre um ser animado;

7. ─ Que, se pode agir sobre um ser animado, não pode dirigir-lhe a mão para escrever;

8. ─ Que, podendo fazê-lo escrever, não pode responder às suas perguntas e lhe transmitir o seu pensamento.

Quando os adversários do Espiritismo nos tiverem demonstrado ser isto impossível, baseados em razões tão patentes quanto aquelas pelas quais Galileu demonstrou que não é o Sol que gira em torno da Terra, então poderemos dizer que suas dúvidas são fundadas. Infelizmente, até este dia, toda a sua argumentação se reduz a isto: Não creio; logo, é impossível. Sem dúvida dirão que a nós cabe provar a realidade das manifestações; nós lhas provamos pelos fatos e pelo raciocínio. Se não admitem nem uns nem o outro e se negam o que veem, a eles cabe provar que o nosso raciocínio é falso e que os fatos são impossíveis.

Em outro artigo examinaremos a teoria do Sr. Figuier. Fazemos votos que ela seja de melhor teor que a teoria do músculo que range, do Sr. Jobert (de Lamballe).

Correspondência - Ao Sr. Presidente da sociedade parisiense de estudos espíritas

Sr. Presidente

Permiti-me alguns esclarecimentos a propósito de Thilorier e suas descobertas (vide a Revista de agosto de 1860). Thilorier era meu amigo, e quando me mostrou o plano de seu trabalho em ferro fundido, para liquefazer o gás ácido-carbônico, eu lhe havia dito que, apesar da espessura das paredes, ele arrebentaria como os canhões, após certo número de experiências. Incentivei-o a envolvê-lo em ferro batido, como se faz hoje com os canhões de ferro fundido, mas ele limitou-se a adicionar nervuras.

Jamais um aparelho desse gênero estourou em suas mãos, pois teria sido morto como o jovem Frémy. Mas a comissão da Academia se mantinha prudentemente em cima do muro enquanto ele preparava tranquilamente sua experiência. Há vários anos ele estava surdo, o que o forçara a demitir-se do cargo de inspetor dos correios.

A única explosão que ele provocou foi a da coronha de um fuzil a ar, cheio de ácido carbônico, que ele havia posto ao sol, na grama do jardim.

Eu lhe havia sugerido tal experiência, bem como ao Sr. Galy Cazala, fazendolhe ver a que alta pressão poderia elevar-se o gás ácido-carbônico, e o perigo de seu emprego como arma de guerra. Quanto a Galy, teve ele a ideia de substituir o ácido carbônico pelo hidrogênio, mas este jamais ultrapassou 28 atmosferas. Era muito pouco. Não fosse isso, a pólvora teria sido utilmente suprimida, porque seu mecanismo era dos mais simples e um pequeno cilindro de cobre poderia facilmente conter cem tiros, na medida das necessidades, em consequência do restabelecimento quase que instantâneo da pressão, pela decomposição da água, por meio do ácido sulfúrico e de limalha de zinco. Se os nossos químicos encontrassem um gás que pudesse ser produzido sob uma pressão média entre a do ácido carbônico e a do hidrogênio, o problema estaria resolvido. Eis o que seria bom perguntar a Lavoisier,

Berzélius ou Dalton.

Na véspera de sua morte, Thilorier me explicava um novo aparelho quase terminado, com o fito de liquefazer o ar atmosférico por pressões sucessivas capazes de suportar de 500 a 1000 atmosferas. Terão vendido esta bela máquina ao ferro velho?

Eu disse que Thilorier era extremamente surdo, de modo que entrando em seu gabinete na Place Vendôme, semanas antes de sua morte, tive que gritar. Ele tapou os ouvidos com as duas mãos, dizendo que eu iria ensurdecê-lo, pois felizmente se havia curado com o magnetizador Lafontaine, hoje em Genebra. Saí maravilhado pela cura, que na mesma tarde anunciei aos meus dois amigos Galy Cazala e Capitão Delvigne, com os quais passeava na Place de la Bourse, quando avistamos Thilorier com o ouvido colado à vitrine de uma loja, onde alguém tocava piano. Parecia em êxtase por poder ouvir a música moderna que há anos não ouvia. Ah! Por Deus! disse aos meus amigos incrédulos: eis a prova. Passem por trás do nosso homem e pronunciem o seu nome em tom normal. Thilorier voltou-se com vivacidade e reconheceu os amigos, que fizeram um giro pela avenida, falando com ele normalmente. Delvigne, que no momento está em meu escritório, lembra-se perfeitamente desse fato muito interessante para o magnetismo. Venho tentando convencer os nossos acadêmicos há um mês, dizia Thilorier. Não querem acreditar que eu tenha sido curado sem as drogas de sua farmacopeia, que não curam, pois eu usei-as todas sem proveito, ao passo que os dois dedos de Lafontaine me restabeleceram a audição completamente, em poucas sessões. Recordo que Thilorier, encantado pelo magnetismo, tinha chegado a mudar os polos de uma barra imantada,que mantinha em sua mão pelo simples esforço da vontade.

A morte desse sábio inventor nos privou de uma porção de descobertas de que me havia falado e que levou para o túmulo. Era tão sagaz quanto esse bom Darcet, que eu também tinha visto cheio de saúde na véspera de sua morte, e que me havia mostrado seus livros, todos descosturados e manchados, e dizendo que me daria mais prazer mostrando-mos naquele estado do que bem encadernados e de bordas douradas, na biblioteca. É singular, me disse ele, quanto nossas ideias se assemelham, posto não tenhamos sido educados na mesma escola. Depois me disse do pesar que havia sentido por ter sido tão criticado a propósito de sua gelatina nutritiva, e que teria feito melhor, dizia, se a tivesse vendido ao preço de um cêntimo a libra aos pobres da Pont-Neuf, do que dando-a de presente aos acadêmicos, que pagam 15 fr. nas casas de comestíveis e ainda pretendem que ela não alimenta.

Evocai esse bom tecnologista.

Arago nos ensina que as pretensas manchas do Sol não passam de restos de planetas que vêm enriquecer-se no foco de eletricidade com os fluidos que lhes faltam para se constituírem num cometa e começarem o seu curso em um século.

Esses restos, grandes como a Europa, estão a mais de 500.000 léguas do Sol. Chegados ao limite extremo de sua atração, quando a Terra tiver descrito cerca de um quarto de seu percurso sobre a eclíptica, isto é, dentro de aproximadamente três meses (estávamos a 6 de julho), esses restos, inseparáveis de sua constelação, terão desaparecido de nossas vistas.

A Academia ocupa-se de nossa Memória sobre a catalepsia, que cometestes oengano de lançar à cesta das excomunhões. Não importa. A isto voltareis. Recebei, etc.

JOBARD

OBSERVAÇÃO: Agradecemos ao Sr. Jobard os interessantes detalhes fornecidos sobre Thilorier, tanto mais preciosos por serem autênticos. Gosta-se sempre de saber a verdade sobre os homens que deixaram marcas de sua passagem pela vida.

O Sr. Jobard engana-se ao pensar que pusemos na cesta do esquecimento a notícia que o Sr. B... nos enviou sobre a catalepsia. Para começar, foi lida na Sociedade, como consta das atas de 4 e 11 de maio, publicadas na Revista de junho de 1860; e o original, em vez de ser posto de lado, está cuidadosamente conservado nos arquivos da Sociedade. Não publicamos esse volumoso documento porque, em primeiro lugar, se tivéssemos que publicar tudo quanto nos mandam, ser-nos-iam necessários, talvez, dez volumes por ano; e, em segundo lugar, porque cada coisa deve vir a seu tempo. Mas, porque uma coisa não foi publicada, nem por isso deve ser considerada perdida. Nada do que é enviado a nós ou à Sociedade fica perdido, e nós o encontramos sempre, para tirar o devido proveito no momento oportuno. Eis o de que se devem convencer as pessoas que desejam enviar-nos documentos. Muitas vezes nos falta o tempo necessário para lhes responder de pronto e tão extensamente quanto, sem dúvida, conviria, mas como responder em detalhes milhares de cartas por ano, quando se é obrigado a fazer tudo pessoalmente e não se tem a ajuda de um secretário? Certamente o dia não seria suficiente para tudo quanto temos de fazer, se a isso não consagrássemos também uma parte de nossas noites.

Dito isto, como justificação pessoal, acrescentaremos a respeito da teoria da formação da Terra, contida na citada tese, e do estado cataléptico dos seres vivos em sua origem, que foi aconselhado à Sociedade esperar, antes de prosseguir tais estudos, que documentos mais autênticos lhe sejam fornecidos. Disseram os seus guias espirituais que “É preciso desconfiar das ideias sistemáticas dos Espíritos, tanto quanto dos homens, e não aceitá-las levianamente e sem controle, se não nos quisermos expor, mais tarde, a ver desmentido o que tivermos aceito com muita precipitação. É por nos interessarmos pelos vossos trabalhos que desejamos mantervos em guarda contra um escolho onde se chocam tantas imaginações, seduzidas por aparências enganadoras. Lembrai-vos de que numa só coisa jamais sereis enganados: é quanto ao que se refere ao melhoramento moral dos homens. Nisso está a verdadeira missão dos bons Espíritos. Não penseis que eles tenham o poder de vos desvelar os segredos de Deus; sobretudo não acrediteis que eles estejam encarregados de vos aplanar o caminho áspero da ciência. Esta só é adquirida à custa de trabalho e pesquisas assíduas. Quando chegar o momento de apresentar uma descoberta útil à Humanidade, procuraremos o homem capaz de conduzi-la a bom termo. Nós lhe inspiraremos a ideia de com ela ocupar-se e lhe deixaremos todo o mérito. Mas onde estariam o trabalho e o mérito se lhe bastasse pedir aos Espíritos os meios de, sem esforço, adquirir ciência, honras e riquezas? Sede prudentes, portanto, e não entreis numa via onde só teríeis decepções e que em nada contribuiria para o vosso adiantamento. Os que se deixarem arrastar por esse caminho, um dia reconhecerão o quanto estavam enganados e lamentar-se-ão por não haverem empregado melhor o seu tempo”.

Tal é o resumo das instruções tantas vezes dadas pelos Espíritos, tanto a nós quanto à Sociedade. Por experiência chegamos ao ponto de lhes reconhecer a sabedoria. Eis por que as comunicações relativas às pesquisas científicas têm para nós uma importância secundária. Nós não as repelimos. Acolhemos tudo quanto nos é transmitido, porque em tudo há algo a aprender, mas o aceitamos apenas a título de informação, guardando-nos de lhe emprestar uma fé cega e irrefletida. Observamos e esperamos. O Sr. Jobard, que é um homem positivo e de grande bom-senso, compreenderá melhor que ninguém ser esta a melhor maneira para evitar-se o perigo das utopias. Por certo não seremos nós os acusados de querer ficar na retaguarda.

Queremos evitar de pisar em falso, e evitar tudo o que poderia comprometer o crédito do Espiritismo, dando prematuramente como verdades incontestáveis aquilo que ainda é hipotético.

Pensamos que estas observações serão igualmente apreciadas por outras pessoas e que elas compreenderão, sem dúvida, o inconveniente de antecipar o momento de certas publicações. A experiência lhes mostrará a necessidade de nem sempre acompanhar a impaciência de certos Espíritos.

Os Espíritos verdadeiramente superiores, e não nos referimos aos que por tal se dão, são muito prudentes, o que constitui um dos caracteres pelos quais podem ser reconhecidos.



Dissertações espíritas - Recebidas ou lidas por vários médiuns na sociedade

O sonho

Vou contar-te uma história do outro mundo, daquele em que me encontro.

Imagina um céu azul, um mar verde e calmo, rochedos bizarramente talhados; nenhuma vegetação senão os pálidos líquens agarrados às fendas das pedras. Eis a paisagem. Como simples romancista, não me posso permitir dar-te os detalhes. Para povoar este mar, estes rochedos, só havia um poeta, sentado, sonhador, refletindo em sua alma, como num espelho, a calma beleza da Natureza, que não falava menos ao seu coração do que aos seus olhos. Esse poeta sonhador era eu. Onde? Quando se passa a minha história? Que importa!

Assim, eu escutava, olhava, comovido e penetrado pelo encanto profundo da grande solidão. De repente vi surgir uma mulher, de pé, na crista do rochedo. Era alta, morena e pálida. Seus longos cabelos negros flutuavam sobre o seu vestido branco. Ela olhava direto para a frente, com estranha fixidez. Eu me havia levantado, extasiado de admiração, porque aquela mulher, florindo de repente no rochedo, me parecia o próprio sonho, o divino sonho que tantas vezes eu havia evocado com estranhos transportes. Aproximei-me. Sem se mover, ela estendeu o braço nu e soberbo na direção do mar e, como que inspirada, cantou com voz suave e lamentosa. Eu a ouvia, tomado de tristeza mortal, e repetia mentalmente as estrofes que vertiam de seus lábios, como de uma fonte viva. Então ela voltou-se para mim e eu fui como que envolvido pela sombra de sua roupagem branca.

─ Amigo, disse ela, escuta-me. Menos profundo é o mar de ondas cambiantes; menos duros são os rochedos do que o amor, o cruel amor que rasga um coração de poeta. Não escutes a sua voz, que tira todas as seduções da onda, do ar, do sol, para estreitar, penetrar e queimar sua alma, que treme e deseja sofrer o mal do amor.
Assim falava ela. Eu a ouvia e sentia o coração fundir-se numa divina ebriez. Eu teria desejado extinguir-me no sopro puro que saía de sua boca.

─ Não, continuou ela. Amigo, não lutes contra o gênio que te possui. Deixa-te levar em suas asas de fogo pelas esferas radiosas. Esquece, esquece a paixão que te fará rastejar, a ti, águia destinada aos altos píncaros. Escuta as vozes que te chamam aos concertos celestes. Toma o teu voo, ave sublime. O gênio é solitário. Marcado por seu selo divino, não podes tornar-te escravo de uma mulher.

Ela falava, a sombra avançava e o mar verde tornava-se negro; o céu se entenebrecia e os rochedos se perfilavam sinistros. Ainda mais radiosa, ela parecia coroar-se de estrelas, que acendiam suas luzes cintilantes, e sua túnica, branca como a espuma que chicoteava a praia, desdobrava-se em pregas imensas.

─ Não me deixes, disse-lhe eu finalmente. Leva-me em teus braços; deixa teus cabelos negros servirem de laços para me reterem cativo; deixa-me viver em tua luz ou morrer à tua sombra.

─ Vem, pois, retomou ela com voz diferente, mas que parecia distante. Vem, já que preferes o sonho que adormece o gênio, o gênio que esclarece os homens. Vem. Não te deixarei mais, e ambos, feridos pelo golpe mortal, seguiremos enlaçados como o grupo de Dante. Não temas que te abandone, ó meu poeta! O sonho te consagra para a desgraça e para o desdém dos homens, que só bendirão teus cantos quando não mais se sentirem irritados pelo brilho de teu gênio. Então senti o poderoso abraço que me elevava do solo. Nada mais vi além dasvestes brancas que me envolviam como uma auréola. E fui arrebatado pelo poder do sonho que para sempre me separava dos homens.

ALFRED DE MUSSET

Sobre os trabalhos da sociedade

Falarei da necessidade de ser observada a maior regularidade possível nas vossas sessões, isto é, de evitar-se toda confusão e toda divergência de ideias. A divergência favorece a substituição dos bons Espíritos pelos maus, e quase sempre são estes últimos que se apoderam das perguntas feitas. Por outro lado, numa reunião composta de elementos diversos e reciprocamente desconhecidos, como evitar as ideias contraditórias, as distrações ou, pior ainda, uma vaga e censurável indiferença? Eu queria encontrar o meio eficaz e certo para isso. Talvez esteja na concentração dos fluidos esparsos em redor dos médiuns. Só eles, sobretudo aqueles que são amados, retém os bons Espíritos na sessão, mas sua influência só com dificuldade dissipa a turba dos Espíritos brincalhões.

O trabalho de exame das comunicações é excelente. Não seria demais que se aprofundassem as perguntas e sobretudo as respostas. O erro é fácil, mesmo para os Espíritos animados das melhores intenções. A lentidão da escrita, durante a qual o Espírito se desvia do assunto que ele esgota tão logo o concebeu; a mobilidade e a indiferença por certas formas convencionais; todas essas razões e muitas outras vos ensejam o dever de confiar com cautela, e sempre atentos ao exame, mesmo quando se trata das mais autênticas comunicações.Assim sendo, que Deus tome sob a sua santa guarda todos os verdadeiros espíritas.

GEORGES (Espírito familiar)


TEXTOS RELACIONADOS

Mostrar itens relacionados