Exame crítico (Das dissertações de Charlet sobre animais)
Sobre o § I
1. ─ Dizeis: Tudo o que vive, pensa,
logo, não se pode viver sem pensar. A proposição nos parece algo
absoluta, pois a planta vive e não pensa. Admitis isto como um
princípio?
─ Sem dúvida. Só falo da vida animal e não da vida vegetal. Deveis compreendê-lo.
2. ─ Mais adiante dizeis: Vereis que o animal vive realmente, desde que pensa.
Não há inversão na frase? Parece que a proposição é: Vereis que o animal pensa, realmente, desde que vive.
─ Isto é evidente
Sobre o § II
3. ─ Lembrais o desenho feito dos
animais de Júpiter. Nota-se que têm uma notável analogia com os sátiros
da fábula. Essa ideia dos sátiros seria uma intuição da existência
desses seres em outros mundos e, neste caso, não seria mera criação
fantástica?
─ Quanto mais novo era o mundo, mais ele se lembrava. O
homem tinha a intuição de uma ordem de seres intermediários, ora mais
atrasados que ele, ora mais adiantados. Era o que ele chamava os deuses.
4. ─ Então admitis que as divindades mitológicas não eram senão o que chamamos Espíritos?
─ Sim.
5.
─ Foi-nos dito que em Júpiter é possível o entendimento pela simples
transmissão do pensamento. Quando os habitantes desse planeta se dirigem
aos animais, que são seus servidores e operários, recorrem a uma
linguagem particular?
Teriam eles, para comunicar-se com os animais, uma linguagem articulada, e entre si a do pensamento?
─
Não, não há linguagem articulada, mas uma espécie de magnetismo
poderoso que faz curvar-se o animal e o leva a executar os menores
desejos e as ordens de seus senhores. O Espírito todo poderoso não pode
curvar-se.
6. ─ Evidentemente, entre nós, os animais têm uma
linguagem, pois se compreendem, mas é muito limitada. Os de Júpiter têm
uma linguagem mais precisa e positiva que os nossos? Numa palavra, uma
linguagem articulada?
─ Sim.
7. ─ Os habitantes de Júpiter compreendem melhor que nós a linguagem dos animais?
─ Veem através deles e os compreendem perfeitamente.
8.
─ Examinando a série dos seres vivos, encontra-se uma cadeia
ininterrupta, desde a madrépora, da própria planta, até o animal mais
inteligente. Mas entre o animal mais inteligente e o homem há uma
evidente lacuna, que em algum lugar deve ser preenchida, porque a
Natureza não deixa elos vazios. De onde vem essa lacuna?
─ Essa lacuna dos seres é apenas aparente, pois não existe na realidade. Ela provém das raças desaparecidas. (São Luís)
9.
─ Tal lacuna pode existir na Terra, mas certamente não existe no
conjunto do Universo e deve ser preenchida em alguma parte. Não o seria
por certos animais de mundos superiores que, como os de Júpiter, por
exemplo, parecem aproximar-se muito do homem terreno pela forma, pela
linguagem e por outros sinais?
─ Nas esferas superiores o germe
surgido da Terra desenvolve-se e jamais se perde. Tornando-vos
Espíritos, reencontrareis todos os seres criados e desaparecidos nos
cataclismos do vosso globo. (São Luís)
OBSERVAÇÃO: Desde que essas
raças intermediárias existiram na Terra e dela desapareceram,
justifica-se o que disse Charlet pouco antes, que quanto mais novo era o
mundo, mais ele se lembrava. Se elas houvessem existido apenas
nosmundos superiores, o homem da Terra, menos adiantado, não lhes
poderia guardar a lembrança.
Sobre o § III
10. ─ Dizeis que tudo se aperfeiçoa e,
como prova do progresso do animal, dizeis que outrora ele era mais
rebelde ao homem. É evidente que o animal se aperfeiçoa, mas, pelo menos
na Terra, não se aperfeiçoa senão pelos cuidados do homem. Abandonado a
si mesmo, retoma sua natureza selvagem, até mesmo o cão.
─ E o homem se aperfeiçoa pelos cuidados de quem? Não é pelos de Deus?
Tudo é escala na Natureza.
11.
─ Falais de recompensas para os animais que sofrem maus tratos e dizeis
que é perfeitamente justo que haja compensação para eles. Assim, parece
que admitis no animal a consciência do eu após a morte, com a
recordação de seu passado. Isto é contrário ao que nos tem sido dito. Se
as coisas se passassem como dizeis, resultaria que no mundo dos
Espíritos haveria Espíritos de animais. Entãonão haveria razão para ali
não existirem os Espíritos das ostras. Podeis dizer se vedes em torno de
vós Espíritos de cães, de gatos, de cavalos ou elefantes, como vedes
Espíritos humanos?
─ A alma do animal ─ tendes toda razão ─ não se
reconhece após a morte; é um conjunto confuso de germes que podem passar
para o corpo de tal ou qual animal, conforme o desenvolvimento
adquirido. Não é individualizada. Contudo, direi que em certos animais,
mesmo em muitos, é individualizada.
12. ─ Esta teoria, aliás, de modo
algum justifica os maus tratos dos animais. O homem é sempre culpado por
fazer sofrer qualquer ser sensível e a Doutrina nos diz que por isso
ele será punido. Mas daí a pôr o animal numa condição superior a ele, há
uma grande distância. Que pensais disto?
─ Sim, mas estabelecei que
no entanto há sempre uma escala entre os animais e pensai que há
distância entre certas raças. O homem é tanto mais culpado quanto mais
poderoso.
13. ─ Como explicais que mesmo no mais selvagem estágio o homem se faça obedecer pelo mais inteligente animal?
─
É sobretudo a Natureza que age no caso. O homem selvagem é o homem da
Natureza. Ele conhece o animal intimamente. O homem civilizado o estuda,
e o animal se curva diante dele. O homem é sempre o homem frente ao
animal, quer seja selvagem, quer civilizado.
Sobre o § V
14. ─ (A Charlet). Nada temos a dizer sobre este parágrafo, que nos parece muito racional. Tendes algo a acrescentar?
─
Apenas isto: os animais têm todas as faculdades que indiquei, mas neles
o progresso se realiza pela educação que recebem do homem e não por si
mesmos.
Abandonado ao estado selvagem, o animal retoma o tipo que
tinha ao sair das mãos do Criador. Submetido ao homem, aperfeiçoa-se.
Eis tudo.
15. ─ Isto é perfeitamente certo para os indivíduos e para
as espécies, mas se considerarmos o conjunto da escala dos seres, há uma
evidente marcha ascendente,
que não se detém, relativamente aos
animais da Terra, visto que os de Júpiter são física e intelectualmente
superiores aos nossos.
─ Cada raça é perfeita em si mesma e não
emigra para raças estranhas. Em Júpiter são os mesmos tipos, formando
raças distintas, mas não são os Espíritos dos animais mortos.
16. ─ Então em que se torna o princípio inteligente dos animais mortos?
─
Volta à massa em que cada novo animal toma a porção de inteligência que
lhe é necessária. Ora, é precisamente isto que distingue o homem do
animal. Nele o Espírito é individualizado e progride por si mesmo e é
isso que lhe dá superioridade sobre todos os animais. Eis por que o
homem, mesmo selvagem, como fizestes notar, se faz obedecer, mesmo pelos
mais inteligentes animais.
Sobre o § VI
17. ─ Dais a história de Balaão como fato positivo. Seriamente, que pensais sobre isto?
─
É uma pura alegoria, ou antes, uma ficção, para castigar o orgulho.
Fizeram falar o burro de Balaão, como La Fontaine fez falar muitos
outros animais.
Sobre o § IX*
18. ─ Nessa passagem Charlet parece
ter sido arrastado pela imaginação, pois o quadro que faz da degradação
moral do animal é mais fantástico do que científico.
Com efeito, o
animal é feroz por necessidade, e foi para satisfazer a essa necessidade
que a Natureza lhe deu uma organização especial. Se uns devem nutrir-se
de carne, é por uma razão providencial e porque era útil à harmonia
geral que certos elementos orgânicos fossem absorvidos. O animal é,
pois, feroz por constituição e não se conceberia que a queda moral do
homem tivesse desenvolvido os dentes caninos do tigre e encurtado os
seus intestinos, porque então não haveria razão para que o mesmo não
tivesse acontecido com o carneiro. Antes dizemos que, na Terra, sendo o
homem pouco adiantado, aqui se encontra com seres inferiores em todos os
sentidos, e cujo contato lhe é causa de inquietudes, de sofrimentos e,
consequentemente, uma fonte de provas que o auxiliam em seu progresso
futuro.
Que pensa Charlet destas reflexões?
─ Só posso aprová-las.
Eu era um pintor e não um literato ou um cientista. Por isso, de vez em
quando me deixo arrastar pelo prazer, novo para mim, de escrever belas
frases, mesmo em detrimento da verdade. Mas o que dizeis é muito justo e
inspirado. No quadro que tracei, bordei certas ideias recebidas, para
não chocar nenhuma convicção. A verdade é que as primeiras épocas eram a
idade do ferro, muito afastadas das pretensas suavidades. Descobrindo
diariamente tesouros acumulados pela bondade de Deus, tanto no espaço
quanto na Terra, a civilização levou o homem à conquista da verdadeira
terra prometida, que Deus concederá à inteligência e ao trabalho, e que
não entregou pronta e acabada nas mãos dos homens crianças, que deviam
descobri-la por sua própria inteligência. Aliás, este erro que cometi
não poderia ser prejudicial aos olhos da gente esclarecida, que o
notaria facilmente. Para os ignorantes passaria desapercebido. Contudo,
concordo que errei. Agi levianamente, e isto vos prova até que ponto
deveis controlar as comunicações que recebeis.
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* No original é o número XI, que é inexistente. (NT)
Observação geral
Um ensinamento importante, do ponto de
vista da ciência espírita, ressalta destas comunicações. A primeira
coisa que se destaca, ao lê-las, é uma mistura de ideias justas,
profundas e com o cunho do observador, ao lado de outras evidentemente
falsas e fundadas mais na imaginação do que na realidade. Sem sombra de
dúvida, Charlet era um homem acima do vulgar, mas, como Espírito, não é
mais universal do que era em vida e pode equivocar-se porque, não sendo
ainda bastante elevado, só encara as coisas de seu ponto de vista.
Aliás, só os Espíritos chegados ao último grau de perfeição estão
isentos de erros. Os outros, por melhores que sejam, nem tudo sabem e
podem enganar-se; mas, quando verdadeiramente bons, o fazem de boa-fé e
concordam francamente, ao passo que há outros que o fazem
conscientemente e que se obstinam nas mais absurdas ideias. É por isso
que devemos guardar-nos de aceitar o que vem do mundo invisível sem
havê-lo submetido ao controle da lógica. Os bons Espíritos o recomendam
incessantemente e jamais se ofendem com a crítica porque, de duas uma:
ou estão seguros do que dizem e então nada temem, ou não o estão e, se
têm consciência de sua insuficiência, eles mesmos buscam a verdade. Ora,
se os homens podem instruir-se com os Espíritos, alguns Espíritos podem
instruir-se com os homens. Ao contrário, os outros querem dominar,
esperando impor a aceitação das suas utopias por causa da sua condição
de Espíritos. Então, seja por presunção de sua parte ou por má intenção,
não suportam a contradita. Querem ser acreditados sob palavra, pois
sabem muito bem que em caso de exame só podem perder. Ofendem-se à menor
dúvida sobre sua infalibilidade e soberbamente ameaçam abandonar-vos,
como indignos de ouvi-los.
Assim, só gostam dos que se ajoelham aos
seus pés. Não há homens assim? E é de admirar que os encontremos com
seus caprichos no mundo dos Espíritos? Nos homens, uma tal
característica é sempre, aos olhos de gente sensata, um indício de
orgulho, de vã suficiência, de tola vaidade, e portanto de pequenez nas
ideias e de falso julgamento. O que seria um sinal de inferioridade
moral nos homens, não poderia ser indício de superioridade nos
Espíritos.
Como acabamos de ver, Charlet de boa vontade se presta à
controvérsia; escuta e admite as objeções e responde com benevolência;
desenvolve o que era obscuro e reconhece lealmente o que não era exato.
Numa palavra, não quer passar por mais sábio do que é, e nisto prova
mais elevação do que se se obstinasse nas ideias falsas, a exemplo de
certos Espíritos que se escandalizam ao simples enunciado de que suas
comunicações parecem susceptíveis de comentários.
O que é ainda
próprio desses Espíritos orgulhosos é a espécie de fascinação que
exercem sobre seus médiuns, através da qual por vezes os fazem
compartilhar dos mesmos sentimentos. Dizemos de propósito seus médiuns,
porque deles se apoderam e neles querem ter instrumentos que agem de
olhos fechados. De modo algum se acomodariam a um médium perscrutador ou
que visse bem claro. Não se dá o mesmo entre os homens? Quando o
encontram, temendo que lhes escape, inspiramlhe o afastamento de quem
quer que possa esclarecê-lo. Isolam-no de certo modo, a fim de estarem
em liberdade, ou não o aproximam senão daqueles de quem nada têm a
temer. Para melhor lhes captar a confiança, fazem-se de bons apóstolos,
usurpando os nomes de Espíritos venerados, cuja linguagem procuram
imitar. Mas, por mais que façam, jamais a ignorância poderá imitar o
verdadeiro saber, nem uma natureza perversa a verdadeira virtude. O
orgulho brotará sempre sob o manto de uma falsa humildade, e porque
temem ser desmascarados, evitam a discussão e dela afastam
seus médiuns.
Não
há ninguém que, julgando friamente e sem prevenção, não reconheça como
má uma tal influência, porque ressalta ao mais vulgar bom-senso que um
Espírito realmente bom e esclarecido jamais procura exercê-la. Pode pois
dizer-se que todo médium que a ela se submete se acha sob o império de
uma obsessão, da qual deve oquanto antes procurar livrar-se. O que se
quer, antes de tudo, não são comunicações a todo custo, mas comunicações
boas e verdadeiras. Ora, para se ter boas comunicações são necessários
bons Espíritos, e para se ter bons Espíritos é preciso ter bons médiuns,
livres de qualquer influência má. A natureza dos Espíritos que
habitualmente assistem um médium é, pois, uma das primeiras coisas a
considerar.
Para conhecê-la exatamente, há um critério infalível e
não é nos sinais materiais, nem nas fórmulas de evocação ou de
conjuração que será encontrada. Esse critério está nos sentimentos que o
Espírito inspira ao médium. Pela maneira de agir deste último pode-se
julgar a natureza dos Espíritos que o dirigem e consequentemente o grau
de confiança que merecem suas comunicações.
Isto não é uma opinião
pessoal, um sistema, mas um princípio deduzido da mais rigorosa lógica,
se admitirmos esta premissa: um mau pensamento não pode ser sugerido por
um bom Espírito. Enquanto não se provar que um bom Espírito pode
inspirar o mal, diremos que todo ato que se afaste da benevolência, da
caridade e da humildade, e no qual se note o ódio, a inveja, o ciúme, o
orgulho ferido ou a simples acrimônia, não pode ter sido inspirado senão
por um mau Espírito, ainda quando este hipocritamente pregasse as mais
belas máximas, porque, se fosse realmente bom, prová-lo-ia pondo seus
atos em harmonia com suas palavras. A prática do Espiritismo é cercada
de tantas dificuldades; os Espíritos enganadores são tão astuciosos, tão
sabidos e ao mesmo tempo tão numerosos, que não seria demais armar-se
do máximo de precauções para frustrá-los. Importa, pois, rebuscar com o
maior cuidado todos os indícios pelos quais eles se podem trair. Ora,
esses indícios estão, ao mesmo tempo, em sua linguagem e nos atos que
provocam.
Tendo submetido estas reflexões ao Espírito de Charlet, eis
o que disse a respeito: “Não posso senão aprovar o que acabais de dizer
e aconselhar a todosquantos se ocupam do Espiritismo a seguir tão
sábios conselhos, evidentemente ditados por bons Espíritos, mas que não
são absolutamente ─ bem podeis crê-lo ─ do gosto dos maus, pois estes
sabem muito bem que é esse o meio mais eficaz de combater a sua
influência. Assim, fazem tudo quanto podem para desviar disso aqueles
que querem prender em suas redes”.
Charlet disse que foi arrastado
pelo prazer, para ele novo, de escrever belas frases, mesmo com
sacrifício da verdade. Que teria acontecido se tivéssemos publicado seu
trabalho sem comentários? Teriam acusado o Espiritismo por aceitar
ideias ridículas, e a nós mesmos por não sabermos distinguir o
verdadeiro do falso.
Muitos Espíritos estão no mesmo caso. Encontram
satisfação para o amor-próprio ao espalhar, através de médiuns, já que
não podem fazê-lo diretamente, peças literárias, científicas,
filosóficas ou dogmáticas de grande fôlego. Mas quando esses Espíritos
têm apenas um falso saber, escrevem coisas absurdas, assim como o fariam
os homens. É sobretudo nessas obras continuadas que podemos julgá-los,
porque sua ignorância os torna incapazes de representar o papel por
muito tempo e eles próprios revelam sua insuficiência, a cada passo,
ferindo a lógica e a razão. Através de uma porção de ideias falsas, há,
por vezes, algumas boas, com que contam para iludir.
Tal incoerência
apenas demonstra sua incapacidade. São os pedreiros que sabem alinhar as
pedras da construção, mas que são incapazes de construir um palácio. É
por vezes curioso ver o dédalo inextricável de combinações e de
raciocínios em que se metem, e dos quais não saem senão à força de
sofismas e de utopias. Vimos alguns que, à custa de expedientes,
deixaram o seu trabalho. Outros, porém, não se dão por vencidos e querem
agir até o fim, rindo-se ainda à custa dos que os levam a sério.
Estas
reflexões nos são sugeridas como um princípio geral, e seria erro ver
nelas uma aplicação qualquer. Entre os numerosos escritos publicados
sobre o Espiritismo, sem dúvida alguns poderiam dar lugar a uma crítica
fundada, mas não os pomos a todos na mesma linha; indicamos um meio de
apreciá-los, e cada um fará como entender. Se ainda não decidimos
fazer-lhes um exame em nossa Revista é pelo receio de que se equivoquem
quanto ao móvel da crítica que poderíamos fazer. Assim, preferimos
esperar que o Espiritismo seja melhor conhecido e, sobretudo, melhor
compreendido. Então nossa opinião, apoiada em base geralmente admitida,
não poderá ser acusada de parcialidade. O que esperamos acontece
diariamente, pois vemos que em muitas circunstâncias o julgamento da
opinião pública precede o nosso. Assim, nos aplaudimos por nossa
reserva.
Empreenderemos este exame quando julgarmos oportuno o
momento, mas já se pode ver qual será a base de nossa apreciação. Essa
base é a lógica, da qual cada um pode fazer uso por si mesmo, pois não
temos a tola pretensão de ter o privilégio de sua posse. Com efeito, a
lógica é o grande critério de toda comunicação espírita, como o é de
todos os trabalhos humanos. Sabemos bem que aquele que raciocina
erradamente julga ser lógico. Ele o é à sua maneira, mas só para si e
não para os outros. Quando uma lógica é rigorosa como dois e dois são
quatro, e as consequências são deduzidas de axiomas evidentes, o
bom-senso geral, mais cedo ou mais tarde, faz justiça a todos esses
sofismas. Cremos que as proposições seguintes têm esse caráter:
1. ─
Os bons Espíritos não podem ensinar e inspirar senão o bem; assim, tudo o
que não é rigorosamente bem não pode vir de um bom Espírito;
2. ─ Os
Espíritos esclarecidos e verdadeiramente superiores não podem ensinar
coisas absurdas; assim, toda comunicação manchada de erros manifestos ou
contrários aos dados mais vulgares da ciência e da observação, só por
isso atesta a inferioridade de sua origem;
3. ─ A superioridade de um
escrito qualquer está na justeza e na profundidade das ideias e não nos
enfeites e na redundância do estilo; assim, toda comunicação espírita
em que há mais palavras e frases brilhantes do que pensamentos sólidos,
não pode vir de um Espírito realmente superior;
4. ─ A ignorância não
pode contrafazer o verdadeiro saber, nem o mal contrafazer o bem de
maneira absoluta; assim, todo Espírito que, sob um nome venerado, diz
coisas incompatíveis com o título que se dá, é responsável por fraude;
5.
─ É da essência de um Espírito elevado ligar-se mais ao pensamento do
que à forma e à matéria, de onde se segue que a elevação do Espírito
está na razão da elevação das ideias; assim, todo Espírito meticuloso
nos detalhes da forma, que prescreve puerilidades, numa palavra, que
liga importância aos sinais e às coisas materiais, acusa, por isso
mesmo, uma pequenez de ideias, e não pode ser verdadeiramente superior;
6.
─ Um Espírito realmente superior não pode contradizer-se; assim, se
duas comunicações contraditórias forem dadas sob um mesmo nome
respeitável, uma delas necessariamente é apócrifa, e se uma for
verdadeira, só pode ser aquela que em nada desmente a superioridade do
Espírito cujo nome a encima.
A consequência a tirar destes princípios
é que fora das questões morais só se deve acolher com reservas o que
vem dos Espíritos, e que, em todo caso, jamais deve ser aceito sem
exame. Daí decorre a necessidade de se ter a maior circunspecção na
publicação dos escritos emanados dessa fonte, sobretudo quando, pela
estranheza das doutrinas que contêm, ou pela incoerência das ideias,
podem prestar-se ao ridículo. É preciso desconfiar da inclinação de
certos Espíritos pelas ideias sistemáticas e do amor-próprio com que
buscam espalhá-las. Assim, é sobretudo nas teorias científicas que
precisa haver extrema prudência e guardar-se de dar precipitadamente
como verdades alguns sistemas por vezes mais sedutores do que reais e
que, mais cedo ou mais tarde, podem receber um desmentido oficial. Que
sejam apresentados como probabilidades, se forem lógicos, e como podendo
servir de base a observações ulteriores, vá; mas seria imprudência
tomá-los prematuramente como artigos de fé. Diz um provérbio: “Nada mais
perigoso que um amigo imprudente.” Ora, é o caso dos que, no
Espiritismo, se deixam levar por um zelo mais ardente que refletido.