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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868 > Abril
Abril
Correspondência inédita de lavater - Com a imperatriz Maria da Rússia (Continuação: Vide o número de março de 1868)
Terceira carta
Mui venerada Imperatriz,
A sorte exterior de cada alma despojada de seu corpo corresponderá ao seu estado interior, isto é, tudo lhe aparecerá tal qual é ela mesma. À boa, tudo aparecerá no bem; o mal só aparecerá às almas dos maus. Naturezas amáveis cercarão a alma amável; a alma odienta atrairá a si naturezas odientas. Cada alma se verá a si própria refletida nos Espíritos que se lhe assemelham. O bom tornar-se-á melhor e será admitido nos círculos compostos de seres que lhe são superiores; o santo tornar-se-á mais santo apenas pela contemplação dos Espíritos mais puros e mais santos que ele; o Espírito amoroso tornar-se-á ainda mais amoroso; mas, também, cada ser malvado tornar-se-á pior apenas por seu contato com outros seres malvados. Se já na Terra nada é mais contagioso e mais atraente do que a virtude e o vício, o amor e o ódio, do mesmo modo, no além-túmulo, toda perfeição moral e religiosa, bem como todo sentimento imoral é irreligioso, devem necessariamente tornar-se ainda mais atraentes e contagiosos.
Vós, mui honrada Imperatriz, tornar-vos-eis todo amor nos círculos de almas benevolentes.
O que ainda restar em mim de egoísmo, de amor-próprio, de tibieza para o reino e os desígnios de Deus, será inteiramente engolido pelo sentimento de amor, se ele foi predominante em mim, e depurar-se-á ainda sem cessar, pela presença e o contato dos Espíritos puros e amorosos.
Depurados pelo poder de nossa aptidão para amar, largamente exercido aqui embaixo; purificados ainda mais, pelo contato e pela radiação, sobre nós, do amor dos Espíritos puros e elevados, seremos gradualmente preparados para a visão direta do mais perfeito amor, para que não nos possa deslumbrar, nos amedrontar e nos impedir de gozá-lo com delícias.
Mas como, mui venerada Imperatriz, um fraco mortal poderia, ousaria fazer uma ideia da contemplação desse amor personificado? E tu, caridade inesgotável! Como te poderias aproximar daquele que bebe em ti só o amor, sem amedrontá-lo e sem deslumbrá-lo?
Penso que no começo ele aparecerá invisivelmente ou sob uma forma irreconhecível.
Não agiu ele sempre desta maneira? Quem amou mais invisivelmente do que Jesus? Quem, melhor que ele, sabia representar a individualidade incompreensível do desconhecido? Quem, melhor que ele, soube tornar-se irreconhecível, ele que podia fazer-se conhecer melhor que nenhum mortal ou qualquer Espírito imortal? Ele, que todos os céus adoram, veio sob a forma de um modesto operário e até a morte conservou a individualidade de um Nazareno. Mesmo depois de sua ressurreição, primeiro apareceu sob uma forma irreconhecível e só depois se fez reconhecer. Penso que ele conservará sempre esse modo de ação, tão análogo à sua natureza, à sua sabedoria e ao seu amor. É sob a forma de um jardineiro que ele apareceu a Maria no jardim onde ela o procurava e onde já perdia a esperança de encontrá-lo. Não reconhecido a princípio, só foi identificado instantes depois.
Foi também sob uma forma irreconhecível que ele se aproximou de dois de seus discípulos que caminhavam cheios dele e o aspiravam. Ele caminhou muito tempo ao lado deles; seus corações queimavam numa chama santa; eles sentiam a presença de algum ser puro e elevado, mas antes de outro que não ele; eles não o reconheceram senão no momento de partir o pão, no momento de seu desaparecimento, e quando, ainda na mesma noite, o viram em Jerusalém. A mesma coisa ocorreu às bordas do lago de Tiberíades, quando, radiante em sua glória deslumbrante, ele apareceu a Saul.
Como todas as ações de nosso Senhor, todas as suas palavras e todas as suas revelações são sublimes e dramáticas!
Tudo segue uma marcha incessante que, impelindo sempre para a frente, se aproxima cada vez mais de um objetivo que entretanto não é o objetivo final. O Cristo é o herói, o centro, o personagem principal, ora visível, ora invisível, nesse grande drama de Deus, tão admiravelmente simples e ao mesmo tempo complicado, que jamais terá fim, embora parecesse ter acabado mil vezes.
Ele aparece sempre, a princípio irreconhecível, na existência de cada um de seus adoradores. Como o amor poderia recusar-se a aparecer ao ser que o ama, no momento exato em que este dele tem maior necessidade?
Sim, tu, o mais humano dos homens, tu aparecerás aos homens da maneira mais humana! Tu aparecerás à alma amorosa a quem escrevo! Tu me aparecerás também, a princípio irreconhecível e depois tu te farás reconhecer por nós. Nós te veremos uma infinidade de vezes, sempre outro e sempre o mesmo, sempre mais belo, à medida que nossa alma se melhorar, e nunca pela última vez.
Elevemo-nos mais vezes para essa ideia embriagadora que com a permissão de Deus tentarei esclarecer mais amplamente em minha próxima carta, e de vos tornar mais impressionante, por uma comunicação dada por um defunto.
01.09.1798
LAVATER.
A sorte exterior de cada alma despojada de seu corpo corresponderá ao seu estado interior, isto é, tudo lhe aparecerá tal qual é ela mesma. À boa, tudo aparecerá no bem; o mal só aparecerá às almas dos maus. Naturezas amáveis cercarão a alma amável; a alma odienta atrairá a si naturezas odientas. Cada alma se verá a si própria refletida nos Espíritos que se lhe assemelham. O bom tornar-se-á melhor e será admitido nos círculos compostos de seres que lhe são superiores; o santo tornar-se-á mais santo apenas pela contemplação dos Espíritos mais puros e mais santos que ele; o Espírito amoroso tornar-se-á ainda mais amoroso; mas, também, cada ser malvado tornar-se-á pior apenas por seu contato com outros seres malvados. Se já na Terra nada é mais contagioso e mais atraente do que a virtude e o vício, o amor e o ódio, do mesmo modo, no além-túmulo, toda perfeição moral e religiosa, bem como todo sentimento imoral é irreligioso, devem necessariamente tornar-se ainda mais atraentes e contagiosos.
Vós, mui honrada Imperatriz, tornar-vos-eis todo amor nos círculos de almas benevolentes.
O que ainda restar em mim de egoísmo, de amor-próprio, de tibieza para o reino e os desígnios de Deus, será inteiramente engolido pelo sentimento de amor, se ele foi predominante em mim, e depurar-se-á ainda sem cessar, pela presença e o contato dos Espíritos puros e amorosos.
Depurados pelo poder de nossa aptidão para amar, largamente exercido aqui embaixo; purificados ainda mais, pelo contato e pela radiação, sobre nós, do amor dos Espíritos puros e elevados, seremos gradualmente preparados para a visão direta do mais perfeito amor, para que não nos possa deslumbrar, nos amedrontar e nos impedir de gozá-lo com delícias.
Mas como, mui venerada Imperatriz, um fraco mortal poderia, ousaria fazer uma ideia da contemplação desse amor personificado? E tu, caridade inesgotável! Como te poderias aproximar daquele que bebe em ti só o amor, sem amedrontá-lo e sem deslumbrá-lo?
Penso que no começo ele aparecerá invisivelmente ou sob uma forma irreconhecível.
Não agiu ele sempre desta maneira? Quem amou mais invisivelmente do que Jesus? Quem, melhor que ele, sabia representar a individualidade incompreensível do desconhecido? Quem, melhor que ele, soube tornar-se irreconhecível, ele que podia fazer-se conhecer melhor que nenhum mortal ou qualquer Espírito imortal? Ele, que todos os céus adoram, veio sob a forma de um modesto operário e até a morte conservou a individualidade de um Nazareno. Mesmo depois de sua ressurreição, primeiro apareceu sob uma forma irreconhecível e só depois se fez reconhecer. Penso que ele conservará sempre esse modo de ação, tão análogo à sua natureza, à sua sabedoria e ao seu amor. É sob a forma de um jardineiro que ele apareceu a Maria no jardim onde ela o procurava e onde já perdia a esperança de encontrá-lo. Não reconhecido a princípio, só foi identificado instantes depois.
Foi também sob uma forma irreconhecível que ele se aproximou de dois de seus discípulos que caminhavam cheios dele e o aspiravam. Ele caminhou muito tempo ao lado deles; seus corações queimavam numa chama santa; eles sentiam a presença de algum ser puro e elevado, mas antes de outro que não ele; eles não o reconheceram senão no momento de partir o pão, no momento de seu desaparecimento, e quando, ainda na mesma noite, o viram em Jerusalém. A mesma coisa ocorreu às bordas do lago de Tiberíades, quando, radiante em sua glória deslumbrante, ele apareceu a Saul.
Como todas as ações de nosso Senhor, todas as suas palavras e todas as suas revelações são sublimes e dramáticas!
Tudo segue uma marcha incessante que, impelindo sempre para a frente, se aproxima cada vez mais de um objetivo que entretanto não é o objetivo final. O Cristo é o herói, o centro, o personagem principal, ora visível, ora invisível, nesse grande drama de Deus, tão admiravelmente simples e ao mesmo tempo complicado, que jamais terá fim, embora parecesse ter acabado mil vezes.
Ele aparece sempre, a princípio irreconhecível, na existência de cada um de seus adoradores. Como o amor poderia recusar-se a aparecer ao ser que o ama, no momento exato em que este dele tem maior necessidade?
Sim, tu, o mais humano dos homens, tu aparecerás aos homens da maneira mais humana! Tu aparecerás à alma amorosa a quem escrevo! Tu me aparecerás também, a princípio irreconhecível e depois tu te farás reconhecer por nós. Nós te veremos uma infinidade de vezes, sempre outro e sempre o mesmo, sempre mais belo, à medida que nossa alma se melhorar, e nunca pela última vez.
Elevemo-nos mais vezes para essa ideia embriagadora que com a permissão de Deus tentarei esclarecer mais amplamente em minha próxima carta, e de vos tornar mais impressionante, por uma comunicação dada por um defunto.
01.09.1798
LAVATER.
Quarta carta
Em minha carta precedente, mui venerada Imperatriz, prometi vos enviar a carta de um defunto a seu amigo da Terra. Ela poderá melhor vos fazer compreender e captar minhas ideias sobre o estado de um cristão após a morte de seu corpo. Tomo a liberdade de juntá-la a esta. Julgai-a do ponto de vista que vos indiquei, e tende a bondade de prestar mais atenção para o assunto principal do que para alguns detalhes particulares que o cercam, embora eu tenha razões para supor que estes últimos também encerrem alguma coisa de verdadeiro.
Para a compreensão das matérias que vos exporei na continuação, sob esta forma, creio necessário vos fazer notar que tenho quase certeza que, malgrado a existência de uma lei geral, idêntica e imutável, de castigo e de felicidade suprema, cada Espírito, segundo o seu caráter individual, não somente moral e religioso, mas mesmo pessoal e oficial, terá sofrimentos a suportar após a sua morte terrestre e gozará de felicidades que serão apropriadas exclusivamente a ele. A lei geral individualizar-se-á para cada indivíduo em particular, isto é, ela produzirá em cada um, um efeito diferente e pessoal, exatamente como o mesmo raio de luz, atravessando um vidro colorido, convexo ou côncavo, dele tira, em parte, a sua cor e a sua direção. Eu queria, pois, que ele fosse aceito positivamente: que, embora todos os Espíritos bem-aventurados, menos felizes ou sofredores, se encontrem sob a mesma lei muito simples de semelhança ou dessemelhança com o mais perfeito amor, deve-se presumir que o caráter substancial, pessoal, individual de cada Espírito constitua um estado de sofrimento ou de felicidade essencialmente diferente do estado de sofrimento ou de felicidade de outro Espírito. Cada um sofre de uma maneira que difere do sofrimento de outro, e sente prazeres que um outro não seria capaz de sentir. A cada um dos mundos, material e imaterial, Deus e o Cristo se apresentam sob uma forma particular, sob a qual não aparecem a ninguém, senão a ele. Cada um tem seu ponto de vista que não pertence senão a si próprio. A cada Espírito, Deus fala uma língua só por ele compreensível. Com cada um ele se comunica em particular e lhe concede prazeres que só ele está em estado de experimentar e conter.
Esta ideia, que considero uma verdade, serve de base a todas as comunicações seguintes, dadas por Espíritos desencarnados aos seus amigos da Terra.
Sentir-me-ei feliz ao saber que compreendestes como cada homem, pela formação de seu caráter individual e pelo aperfeiçoamento de sua individualidade, pode preparar para si mesmo prazeres particulares e uma felicidade adequada a si só.
Como nada esquecemos tão depressa e nada é menos procurado pelos homens do que essa felicidade apropriada a cada indivíduo, embora cada um tenha toda a possibilidade de proporcioná-la a si próprio e dela desfrutar, tomo a liberdade, sábia e venerada Imperatriz, de vos rogar com instância vos digneis analisar com atenção esta ideia que certamente não podeis olhar como inútil para a vossa própria edificação e vossa elevação para Deus: O próprio Deus colocou-se e colocou o Universo no coração de cada homem.
Todo homem é um espelho particular do Universo e de seu Criador. Façamos, pois, todos os nossos esforços, mui venerada Imperatriz, para manter esse espelho tão puro quanto possível, para que Deus possa aí se ver a si mesmo e a sua mil vezes bela criação, refletidos para sua satisfação.
JEAN-GASPAR LAVATER.
Zurique, 14 de setembro de 1798.
Para a compreensão das matérias que vos exporei na continuação, sob esta forma, creio necessário vos fazer notar que tenho quase certeza que, malgrado a existência de uma lei geral, idêntica e imutável, de castigo e de felicidade suprema, cada Espírito, segundo o seu caráter individual, não somente moral e religioso, mas mesmo pessoal e oficial, terá sofrimentos a suportar após a sua morte terrestre e gozará de felicidades que serão apropriadas exclusivamente a ele. A lei geral individualizar-se-á para cada indivíduo em particular, isto é, ela produzirá em cada um, um efeito diferente e pessoal, exatamente como o mesmo raio de luz, atravessando um vidro colorido, convexo ou côncavo, dele tira, em parte, a sua cor e a sua direção. Eu queria, pois, que ele fosse aceito positivamente: que, embora todos os Espíritos bem-aventurados, menos felizes ou sofredores, se encontrem sob a mesma lei muito simples de semelhança ou dessemelhança com o mais perfeito amor, deve-se presumir que o caráter substancial, pessoal, individual de cada Espírito constitua um estado de sofrimento ou de felicidade essencialmente diferente do estado de sofrimento ou de felicidade de outro Espírito. Cada um sofre de uma maneira que difere do sofrimento de outro, e sente prazeres que um outro não seria capaz de sentir. A cada um dos mundos, material e imaterial, Deus e o Cristo se apresentam sob uma forma particular, sob a qual não aparecem a ninguém, senão a ele. Cada um tem seu ponto de vista que não pertence senão a si próprio. A cada Espírito, Deus fala uma língua só por ele compreensível. Com cada um ele se comunica em particular e lhe concede prazeres que só ele está em estado de experimentar e conter.
Esta ideia, que considero uma verdade, serve de base a todas as comunicações seguintes, dadas por Espíritos desencarnados aos seus amigos da Terra.
Sentir-me-ei feliz ao saber que compreendestes como cada homem, pela formação de seu caráter individual e pelo aperfeiçoamento de sua individualidade, pode preparar para si mesmo prazeres particulares e uma felicidade adequada a si só.
Como nada esquecemos tão depressa e nada é menos procurado pelos homens do que essa felicidade apropriada a cada indivíduo, embora cada um tenha toda a possibilidade de proporcioná-la a si próprio e dela desfrutar, tomo a liberdade, sábia e venerada Imperatriz, de vos rogar com instância vos digneis analisar com atenção esta ideia que certamente não podeis olhar como inútil para a vossa própria edificação e vossa elevação para Deus: O próprio Deus colocou-se e colocou o Universo no coração de cada homem.
Todo homem é um espelho particular do Universo e de seu Criador. Façamos, pois, todos os nossos esforços, mui venerada Imperatriz, para manter esse espelho tão puro quanto possível, para que Deus possa aí se ver a si mesmo e a sua mil vezes bela criação, refletidos para sua satisfação.
JEAN-GASPAR LAVATER.
Zurique, 14 de setembro de 1798.
Carta de um defunto a seu amigo na Terra (Sobre o Estado dos Espíritos desencarnados)
Enfim, meu bem-amado, me é possível satisfazer, embora apenas em parte, o meu e o teu desejo de informar-te alguma coisa acerca do meu estado atual. Desta vez não te posso dar senão pouquíssimos detalhes. No futuro, tudo dependerá do uso que fizeres de minhas comunicações.
Sei que o desejo que experimentas de ter noções sobre mim, como em geral sobre o estado de todos os Espíritos desencarnados, é muito grande, mas não ultrapassa o meu de te ensinar o que é possível revelar. O poder de amar daquele que amou no mundo material, aumenta inexprimivelmente quando ele se torna cidadão do mundo material. Com o amor também aumenta o desejo de informar àqueles que ele conheceu, aquilo que ele pode, o que lhe é permitido transmitir.
Devo começar por explicar-te, meu bem-amado, a ti que amo a cada dia mais, por qual meio me é possível escrever-te, sem poder, ao mesmo tempo, tocar o papel e conduzir a pena, e como te posso falar numa língua inteiramente terrestre e humana que em meu estado habitual eu não compreendo.
Esta indicação deve servir-te apenas de traço de luz, para poderes compreender como deves encarar o nosso estado presente.
Imagina meu estado atual diferente do precedente, mais ou menos como o estado da borboleta voejando no ar difere de seu estado de crisálida. Eu sou justamente essa crisálida transfigurada e emancipada, já tendo sofrido duas metamorfoses. Exatamente como a borboleta volita em redor das flores, nós voejamos muitas vezes em torno da cabeça dos bons, mas não sempre. Uma luz invisível para vós, mortais, ou pelo menos visível apenas para bem poucos dentre vós, irradia ou brilha docemente ao redor da cabeça de todo homem bom, amante e religioso. A ideia da auréola com a qual cercam a cabeça dos santos, é essencialmente verdadeira e racional. Levando-se em conta que todo ser bemaventurado só o é pela luz, quando essa luz se compatibiliza com a nossa, ela o atrai para si, conforme o grau de sua claridade compatível com a nossa. Nenhum Espírito impuro ousa e pode aproximar-se dessa santa luz. Fixando-nos nessa luz, acima da cabeça do homem bom e piedoso, podemos ler incontinenti em seu espírito. Vemolo tal qual ele é em realidade. Cada raio que dele sai é para nós uma palavra, por vezes todo um discurso; respondemos aos seus pensamentos. Ele ignora que somos nós que respondemos. Nele excitamos ideias que, sem a nossa ação, ele jamais teria estado em condições de conceber, embora a disposição e a aptidão para recebê-las sejam inatas em sua alma.
O homem digno de receber a luz torna-se, assim, um órgão útil e muito proveitoso para o Espírito simpático que deseja transmitir-lhe as suas luzes.
Encontrei um Espírito, ou melhor, um homem acessível à luz, do qual pude aproximar-me, e é por seu órgão que te falo. Sem sua intermediação ter-me-ia sido impossível comunicar-me contigo humanamente, verbalmente, palpavelmente, muma palavra, escrever-te.
Desta maneira, pois, recebes uma carta anônima da parte de um homem que não conheces, mas que nutre em si uma forte tendência para as matérias ocultas e espirituais. Eu plano acima dele; posto-me sobre ele, mais ou menos como o mais divino de todos os Espíritos se postou sobre o mais divino de todos os homens, após o seu batismo; suscito-lhe ideias; ele as transcreve sob a minha intuição, sob a minha direção, por efeito da minha radiação. Por um leve toque, faço vibrarem as cordas de sua alma de maneira conforme à sua individualidade e à minha. Ele escreve o que desejo fazê-lo escrever; escrevo por seu intermédio; minhas ideias tornam-se as suas. Ele se sente feliz escrevendo. Torna-se mais livre, mais animado, mais rico em ideias. Parece-lhe que vive e plana num elemento mais alegre, mais claro. Ele anda devagar, como um amigo que conduz um amigo pela mão, e é desta maneira que de mim recebes uma carta. Aquele que escreve supõe-se livre e o é muito realmente.
Ele não sofre nenhuma violência; é livre como o são dois amigos que, andando
de braço dado, entretanto se conduzem reciprocamente.
Tu deves sentir que meu Espírito se acha em relação direta com o teu; concebes o que te digo; entendes os meus mais íntimos pensamentos.
É bastante por esta vez. O dia em que ditei esta carta chama-se, entre vós, 15 de setembro de 1798.
Sei que o desejo que experimentas de ter noções sobre mim, como em geral sobre o estado de todos os Espíritos desencarnados, é muito grande, mas não ultrapassa o meu de te ensinar o que é possível revelar. O poder de amar daquele que amou no mundo material, aumenta inexprimivelmente quando ele se torna cidadão do mundo material. Com o amor também aumenta o desejo de informar àqueles que ele conheceu, aquilo que ele pode, o que lhe é permitido transmitir.
Devo começar por explicar-te, meu bem-amado, a ti que amo a cada dia mais, por qual meio me é possível escrever-te, sem poder, ao mesmo tempo, tocar o papel e conduzir a pena, e como te posso falar numa língua inteiramente terrestre e humana que em meu estado habitual eu não compreendo.
Esta indicação deve servir-te apenas de traço de luz, para poderes compreender como deves encarar o nosso estado presente.
Imagina meu estado atual diferente do precedente, mais ou menos como o estado da borboleta voejando no ar difere de seu estado de crisálida. Eu sou justamente essa crisálida transfigurada e emancipada, já tendo sofrido duas metamorfoses. Exatamente como a borboleta volita em redor das flores, nós voejamos muitas vezes em torno da cabeça dos bons, mas não sempre. Uma luz invisível para vós, mortais, ou pelo menos visível apenas para bem poucos dentre vós, irradia ou brilha docemente ao redor da cabeça de todo homem bom, amante e religioso. A ideia da auréola com a qual cercam a cabeça dos santos, é essencialmente verdadeira e racional. Levando-se em conta que todo ser bemaventurado só o é pela luz, quando essa luz se compatibiliza com a nossa, ela o atrai para si, conforme o grau de sua claridade compatível com a nossa. Nenhum Espírito impuro ousa e pode aproximar-se dessa santa luz. Fixando-nos nessa luz, acima da cabeça do homem bom e piedoso, podemos ler incontinenti em seu espírito. Vemolo tal qual ele é em realidade. Cada raio que dele sai é para nós uma palavra, por vezes todo um discurso; respondemos aos seus pensamentos. Ele ignora que somos nós que respondemos. Nele excitamos ideias que, sem a nossa ação, ele jamais teria estado em condições de conceber, embora a disposição e a aptidão para recebê-las sejam inatas em sua alma.
O homem digno de receber a luz torna-se, assim, um órgão útil e muito proveitoso para o Espírito simpático que deseja transmitir-lhe as suas luzes.
Encontrei um Espírito, ou melhor, um homem acessível à luz, do qual pude aproximar-me, e é por seu órgão que te falo. Sem sua intermediação ter-me-ia sido impossível comunicar-me contigo humanamente, verbalmente, palpavelmente, muma palavra, escrever-te.
Desta maneira, pois, recebes uma carta anônima da parte de um homem que não conheces, mas que nutre em si uma forte tendência para as matérias ocultas e espirituais. Eu plano acima dele; posto-me sobre ele, mais ou menos como o mais divino de todos os Espíritos se postou sobre o mais divino de todos os homens, após o seu batismo; suscito-lhe ideias; ele as transcreve sob a minha intuição, sob a minha direção, por efeito da minha radiação. Por um leve toque, faço vibrarem as cordas de sua alma de maneira conforme à sua individualidade e à minha. Ele escreve o que desejo fazê-lo escrever; escrevo por seu intermédio; minhas ideias tornam-se as suas. Ele se sente feliz escrevendo. Torna-se mais livre, mais animado, mais rico em ideias. Parece-lhe que vive e plana num elemento mais alegre, mais claro. Ele anda devagar, como um amigo que conduz um amigo pela mão, e é desta maneira que de mim recebes uma carta. Aquele que escreve supõe-se livre e o é muito realmente.
Ele não sofre nenhuma violência; é livre como o são dois amigos que, andando
de braço dado, entretanto se conduzem reciprocamente.
Tu deves sentir que meu Espírito se acha em relação direta com o teu; concebes o que te digo; entendes os meus mais íntimos pensamentos.
É bastante por esta vez. O dia em que ditei esta carta chama-se, entre vós, 15 de setembro de 1798.
Quinta carta
Mui venerada Imperatriz,
Novamente uma pequena carta que chega do mundo invisível.
No futuro, se Deus o permitir, as comunicações seguir-se-ão mais de perto.
Esta carta contém uma parte muito pequena do que pode ser dito a um mortal, sobre a aparição e a visão do Senhor. É simultaneamente e sob milhões de formas diferentes que o Senhor aparece às miríades de seres. Ele quer e se multiplica ele próprio por suas inúmeras criaturas, individualizando-se, ao mesmo tempo, para cada uma delas em particular.
A vós, Imperatriz, ao vosso Espírito de luz, ele aparecerá um dia, como apareceu a Maria Madalena, no jardim do sepulcro. De sua boca divina ouvireis um dia, quando sentirdes a maior necessidade, e quando menos o esperardes, vos chamar por vosso nome Maria. Rabbi! respondereis ao seu chamado, penetrada do mesmo sentimento de felicidade suprema que penetrou Madalena, e cheia de adoração, como o apóstolo Tomé, direis: Meu Senhor e meu Deus!
Apressamo-nos por atravessar noites de trevas para chegar à luz; passamos pelos desertos para chegar à terra prometida; sofremos as dores do nascimento para renascer para a verdadeira vida.
Que Deus e o vosso Espírito estejam convosco e vosso Espírito.
Zurique, 13 de novembro de 1798.
JEAN-GASPAR LAVATER.
Novamente uma pequena carta que chega do mundo invisível.
No futuro, se Deus o permitir, as comunicações seguir-se-ão mais de perto.
Esta carta contém uma parte muito pequena do que pode ser dito a um mortal, sobre a aparição e a visão do Senhor. É simultaneamente e sob milhões de formas diferentes que o Senhor aparece às miríades de seres. Ele quer e se multiplica ele próprio por suas inúmeras criaturas, individualizando-se, ao mesmo tempo, para cada uma delas em particular.
A vós, Imperatriz, ao vosso Espírito de luz, ele aparecerá um dia, como apareceu a Maria Madalena, no jardim do sepulcro. De sua boca divina ouvireis um dia, quando sentirdes a maior necessidade, e quando menos o esperardes, vos chamar por vosso nome Maria. Rabbi! respondereis ao seu chamado, penetrada do mesmo sentimento de felicidade suprema que penetrou Madalena, e cheia de adoração, como o apóstolo Tomé, direis: Meu Senhor e meu Deus!
Apressamo-nos por atravessar noites de trevas para chegar à luz; passamos pelos desertos para chegar à terra prometida; sofremos as dores do nascimento para renascer para a verdadeira vida.
Que Deus e o vosso Espírito estejam convosco e vosso Espírito.
Zurique, 13 de novembro de 1798.
JEAN-GASPAR LAVATER.
Carta de um Espírito bem-aventurado (Ao seu amigo da Terra sobre a primeira visão do Senhor)
Caro amigo,
De mil coisas com que desejaria entreter-te, não direi, desta vez, senão uma que te interessará mais que todas as outras. Obtive autorização para fazê-lo. Os Espíritos nada podem fazer sem uma permissão especial. Eles vivem sem a sua própria vontade, somente na vontade do Pai celeste, que transmite suas ordens a milhares de seres ao mesmo tempo, como se fosse uma só, e responde instantaneamente sobre uma infinidade de assuntos, a milhares de suas criaturas que a ele se dirigem.
Como te fazer compreender de que maneira eu vejo o Senhor? Oh! De uma maneira muito diferente daquela que vós, seres ainda mortais, podeis imaginá-lo.
Depois de muitas aparições, instruções, explicações e prazeres que me foram concedidos pela graça do Senhor, eu uma vez atravessei uma região paradisíaca, com cerca de doze outros Espíritos que tinham subido mais ou menos os mesmos degraus da perfeição que eu. Nós planamos, volitamos um ao lado do outro, numa suave e agradável harmonia, como que formando uma leve nuvem, e nos parecia experimentar o mesmo arrastamento, a mesma propensão para um objetivo muito elevado. Nós nos pressionávamos cada vez mais um contra o outro. À medida que avançávamos, tornávamo-nos cada vez mais íntimos, mais livres, mais alegres, gozando mais e cada vez mais aptos a gozar, e nos dizíamos: “Oh! Como é bom e misericordioso aquele que nos criou! Aleluia ao Criador! Foi o amor que nos criou! Aleluia ao Ser amante!” Animados por tais sentimentos, prosseguíamos o nosso voo e paramos perto de uma fonte.
Aí sentimos a aproximação de uma brisa leve. Ela não trazia nem um homem, nem um anjo, entretanto o que avançava para nós era qualquer coisa de tão humano, que atraiu toda a nossa atenção. Uma luz resplandecente, semelhante, de certo modo, à dos Espíritos bem-aventurados, mas não a ultrapassando, nos inundou. “Aquele também é dos nossos! pensamos simultaneamente e como por intuição.” Ela desapareceu, e a princípio pareceu-nos que estávamos privados de alguma coisa. “Que ser extraordinário! dissemo-nos. Que conduta real, e ao mesmo tempo que graça infantil! Que amenidade e que majestade!”
Enquanto assim falávamos a nós mesmos, subitamente uma forma graciosa nos apareceu, saindo de um delicioso bosque, e nos fez uma saudação amiga. O recém- chegado não parecia a aparição precedente, mas ele tinha, também, algo de superiormente elevado e ao mesmo tempo de inexprimivelmente simples.
─ Sede bem-vindos, irmãos e irmãs! disse ele.
Respondemos a uma voz:
─ Sê bem-vindo tu, ó abençoado do Senhor! O Céu se reflete em tua face e o amor de Deus irradia de teus olhos!
─ Quem sois vós? perguntou o desconhecido.
─ Somos os felizes adoradores do todo-poderoso Amor, respondemos.
─ Quem é o todo-poderoso Amor? perguntou-nos ele, com uma graça perfeita.
─ Não conheces o todo-poderoso Amor? perguntamos, por nossa vez, ou melhor, fui eu que lhe dirigi a pergunta, em nome de todos.
─ Eu o conheço, disse o desconhecido, com uma voz ainda mais doce.
─ Ah! Se pudéssemos ser dignos de vê-lo e ouvir a sua voz! Mas não nos sentimos bastante depurados para merecer contemplar diretamente a mais santa pureza.
Em resposta a estas palavras, ouvimos retinir atrás de nós uma voz que nos disse:
─ Estais lavados de toda mancha, estais purificados. Sois declarados justos por Jesus Cristo e pelo Espírito do Deus vivo!
Uma felicidade inexprimível manifestou-se em nós, no momento em que, virando-nos na direção de onde partia a voz, queríamos ajoelhar-nos para adorar o interlocutor invisível.
O que aconteceu? Cada um de nós ouviu instantaneamente um nome, que jamais tinha ouvido pronunciar, mas que cada um compreendeu e ao mesmo tempo reconheceu ser o seu próprio novo nome, expresso pela voz do desconhecido. Espontaneamente, com a rapidez do relâmpago, nós nos voltamos, como um ser único, para o adorável interlocutor, que nos apostrofou assim, com uma graça indizível:
─ Encontrastes o que buscáveis. Aquele que me vê, vê também o todopoderoso Amor. Eu conheço os meus e os meus me conhecem. Eu dou às minhas ovelhas a vida eterna e elas não morrerão na eternidade; ninguém as arrancará de minhas mãos, nem das de meu Pai. Eu e meu Pai somos um!
Como poderia eu exprimir em palavras a doce e suprema felicidade em que nos expandimos quando aquele que a cada momento se tornava mais luminoso, mais gracioso, mais sublime, estendeu para nós os seus braços e pronunciou as seguintes palavras, que vibrarão eternamente para nós, e que nenhum poder será capaz de fazer desaparecer de nossos ouvidos e de nossos corações:
─ Vinde aqui, vós, eleitos de meu Pai: herdai o reino que vos foi preparado desde o começo do Universo.
Depois disto, abraçou-nos a todos simultaneamente e desapareceu. Guardamos silêncio, e sentindo-nos estreitamente unidos para a eternidade, nos derramamos, sem nos movermos, um no outro, docemente e cheios de uma felicidade suprema. O Ser infinito tornou-se uno conosco e ao mesmo tempo nosso tudo, nosso céu, nossa vida no seu mais verdadeiro sentido. Mil vidas novas pareceram nos penetrar. Nossa existência anterior extinguiu-se para nós; recomeçamos a ser; ressentimos a imortalidade, isto é, uma superabundância de vida e de forças que levava o cunho da indestrutibilidade.
Enfim, recuperamos a palavra. Ah! Se eu pudesse te transmitir, ainda que um único som, de nossa alegre adoração!
“Ele existe! Nós somos! Por ele, por ele só! ─ Ele é ─ seu ser não é senão vida e amor! - Aquele que o vê, vive e ama, é inundado de eflúvios da imortalidade e do amor provindo de sua face divina, de seu olhar cheio de felicidade suprema!
“Nós te vimos, amor todo-poderoso! Tu te mostraste a nós sob a forma humana, Tu, Deus dos deuses! E contudo Tu não foste nem homem, nem Deus, Tu HomemDeus!
“Tu não foste senão amor, todo-poderoso apenas como amor! ─ Tu nos sustentaste por tua onipotência, para impedir que a força, mesmo atenuada por teu amor, não nos absorvesse nela.
“És Tu, és Tu? ─ Tu, que todos os céus glorificam; ─ Tu, oceano de beatitude; ─ Tu, onipotência; ─ Tu, que outrora, encarnando-te nos ossos humanos, levaste os fardos da Terra e, rorejando sangue, suspenso numa cruz, Te fizeste cadáver?
“Sim, és Tu, ─ Tu, glória de todos os seres! Ser diante do qual se inclinam todas as naturezas, que desaparecem diante de Ti, para serem chamadas a viver em Ti!
“Num dos teus raios encontra-se a vida de todos os mundos e de teu hálito não jorra senão o amor!”
Isto, caro amigo, não é senão uma migalha mínima, caída na Terra, da mesa cheia de uma felicidade inefável de que eu me nutria. Aproveita-a, e em breve serte-á dado mais. ─ Ama, e serás amado. ─ Só o amor pode aspirar à felicidade suprema. ─ Só o amor pode dar a felicidade, mas unicamente àqueles que amam.
Oh! meu querido, é porque amas que posso aproximar-me de ti, comunicar-me contigo e te conduzir mais depressa à fonte da vida.
Amor! Deus e o Céu vivem em ti, tanto quanto vivem na face e no coração de Jesus Cristo!
Escrevo isto, segundo a vossa cronologia terrestre, a 13 de novembro de 1798.
MAKARIOSENAGAPE.
(Termina no próximo número)
De mil coisas com que desejaria entreter-te, não direi, desta vez, senão uma que te interessará mais que todas as outras. Obtive autorização para fazê-lo. Os Espíritos nada podem fazer sem uma permissão especial. Eles vivem sem a sua própria vontade, somente na vontade do Pai celeste, que transmite suas ordens a milhares de seres ao mesmo tempo, como se fosse uma só, e responde instantaneamente sobre uma infinidade de assuntos, a milhares de suas criaturas que a ele se dirigem.
Como te fazer compreender de que maneira eu vejo o Senhor? Oh! De uma maneira muito diferente daquela que vós, seres ainda mortais, podeis imaginá-lo.
Depois de muitas aparições, instruções, explicações e prazeres que me foram concedidos pela graça do Senhor, eu uma vez atravessei uma região paradisíaca, com cerca de doze outros Espíritos que tinham subido mais ou menos os mesmos degraus da perfeição que eu. Nós planamos, volitamos um ao lado do outro, numa suave e agradável harmonia, como que formando uma leve nuvem, e nos parecia experimentar o mesmo arrastamento, a mesma propensão para um objetivo muito elevado. Nós nos pressionávamos cada vez mais um contra o outro. À medida que avançávamos, tornávamo-nos cada vez mais íntimos, mais livres, mais alegres, gozando mais e cada vez mais aptos a gozar, e nos dizíamos: “Oh! Como é bom e misericordioso aquele que nos criou! Aleluia ao Criador! Foi o amor que nos criou! Aleluia ao Ser amante!” Animados por tais sentimentos, prosseguíamos o nosso voo e paramos perto de uma fonte.
Aí sentimos a aproximação de uma brisa leve. Ela não trazia nem um homem, nem um anjo, entretanto o que avançava para nós era qualquer coisa de tão humano, que atraiu toda a nossa atenção. Uma luz resplandecente, semelhante, de certo modo, à dos Espíritos bem-aventurados, mas não a ultrapassando, nos inundou. “Aquele também é dos nossos! pensamos simultaneamente e como por intuição.” Ela desapareceu, e a princípio pareceu-nos que estávamos privados de alguma coisa. “Que ser extraordinário! dissemo-nos. Que conduta real, e ao mesmo tempo que graça infantil! Que amenidade e que majestade!”
Enquanto assim falávamos a nós mesmos, subitamente uma forma graciosa nos apareceu, saindo de um delicioso bosque, e nos fez uma saudação amiga. O recém- chegado não parecia a aparição precedente, mas ele tinha, também, algo de superiormente elevado e ao mesmo tempo de inexprimivelmente simples.
─ Sede bem-vindos, irmãos e irmãs! disse ele.
Respondemos a uma voz:
─ Sê bem-vindo tu, ó abençoado do Senhor! O Céu se reflete em tua face e o amor de Deus irradia de teus olhos!
─ Quem sois vós? perguntou o desconhecido.
─ Somos os felizes adoradores do todo-poderoso Amor, respondemos.
─ Quem é o todo-poderoso Amor? perguntou-nos ele, com uma graça perfeita.
─ Não conheces o todo-poderoso Amor? perguntamos, por nossa vez, ou melhor, fui eu que lhe dirigi a pergunta, em nome de todos.
─ Eu o conheço, disse o desconhecido, com uma voz ainda mais doce.
─ Ah! Se pudéssemos ser dignos de vê-lo e ouvir a sua voz! Mas não nos sentimos bastante depurados para merecer contemplar diretamente a mais santa pureza.
Em resposta a estas palavras, ouvimos retinir atrás de nós uma voz que nos disse:
─ Estais lavados de toda mancha, estais purificados. Sois declarados justos por Jesus Cristo e pelo Espírito do Deus vivo!
Uma felicidade inexprimível manifestou-se em nós, no momento em que, virando-nos na direção de onde partia a voz, queríamos ajoelhar-nos para adorar o interlocutor invisível.
O que aconteceu? Cada um de nós ouviu instantaneamente um nome, que jamais tinha ouvido pronunciar, mas que cada um compreendeu e ao mesmo tempo reconheceu ser o seu próprio novo nome, expresso pela voz do desconhecido. Espontaneamente, com a rapidez do relâmpago, nós nos voltamos, como um ser único, para o adorável interlocutor, que nos apostrofou assim, com uma graça indizível:
─ Encontrastes o que buscáveis. Aquele que me vê, vê também o todopoderoso Amor. Eu conheço os meus e os meus me conhecem. Eu dou às minhas ovelhas a vida eterna e elas não morrerão na eternidade; ninguém as arrancará de minhas mãos, nem das de meu Pai. Eu e meu Pai somos um!
Como poderia eu exprimir em palavras a doce e suprema felicidade em que nos expandimos quando aquele que a cada momento se tornava mais luminoso, mais gracioso, mais sublime, estendeu para nós os seus braços e pronunciou as seguintes palavras, que vibrarão eternamente para nós, e que nenhum poder será capaz de fazer desaparecer de nossos ouvidos e de nossos corações:
─ Vinde aqui, vós, eleitos de meu Pai: herdai o reino que vos foi preparado desde o começo do Universo.
Depois disto, abraçou-nos a todos simultaneamente e desapareceu. Guardamos silêncio, e sentindo-nos estreitamente unidos para a eternidade, nos derramamos, sem nos movermos, um no outro, docemente e cheios de uma felicidade suprema. O Ser infinito tornou-se uno conosco e ao mesmo tempo nosso tudo, nosso céu, nossa vida no seu mais verdadeiro sentido. Mil vidas novas pareceram nos penetrar. Nossa existência anterior extinguiu-se para nós; recomeçamos a ser; ressentimos a imortalidade, isto é, uma superabundância de vida e de forças que levava o cunho da indestrutibilidade.
Enfim, recuperamos a palavra. Ah! Se eu pudesse te transmitir, ainda que um único som, de nossa alegre adoração!
“Ele existe! Nós somos! Por ele, por ele só! ─ Ele é ─ seu ser não é senão vida e amor! - Aquele que o vê, vive e ama, é inundado de eflúvios da imortalidade e do amor provindo de sua face divina, de seu olhar cheio de felicidade suprema!
“Nós te vimos, amor todo-poderoso! Tu te mostraste a nós sob a forma humana, Tu, Deus dos deuses! E contudo Tu não foste nem homem, nem Deus, Tu HomemDeus!
“Tu não foste senão amor, todo-poderoso apenas como amor! ─ Tu nos sustentaste por tua onipotência, para impedir que a força, mesmo atenuada por teu amor, não nos absorvesse nela.
“És Tu, és Tu? ─ Tu, que todos os céus glorificam; ─ Tu, oceano de beatitude; ─ Tu, onipotência; ─ Tu, que outrora, encarnando-te nos ossos humanos, levaste os fardos da Terra e, rorejando sangue, suspenso numa cruz, Te fizeste cadáver?
“Sim, és Tu, ─ Tu, glória de todos os seres! Ser diante do qual se inclinam todas as naturezas, que desaparecem diante de Ti, para serem chamadas a viver em Ti!
“Num dos teus raios encontra-se a vida de todos os mundos e de teu hálito não jorra senão o amor!”
Isto, caro amigo, não é senão uma migalha mínima, caída na Terra, da mesa cheia de uma felicidade inefável de que eu me nutria. Aproveita-a, e em breve serte-á dado mais. ─ Ama, e serás amado. ─ Só o amor pode aspirar à felicidade suprema. ─ Só o amor pode dar a felicidade, mas unicamente àqueles que amam.
Oh! meu querido, é porque amas que posso aproximar-me de ti, comunicar-me contigo e te conduzir mais depressa à fonte da vida.
Amor! Deus e o Céu vivem em ti, tanto quanto vivem na face e no coração de Jesus Cristo!
Escrevo isto, segundo a vossa cronologia terrestre, a 13 de novembro de 1798.
MAKARIOSENAGAPE.
(Termina no próximo número)
O fim do mundo em 1911
O fim do mundo em 1911, este é o título de uma pequena brochura de 58 páginas in-18, espalhada em Lyon com profusão, e que se acha naquela cidade na livraria Casa Josserand, na Praça Bellecourt, 3. Às considerações tiradas da concordância do estado atual das coisas com os sinais precursores anunciados no Evangelho, o autor acrescenta, conforme outra profecia, um cálculo cabalístico que fixa o fim do mundo para o ano 1911, nem mais nem menos, isto é, dentro de 43 anos, de sorte que, entre os vivos de hoje, mais de um será testemunha dessa grande catástrofe. Ora, aqui não se trata de uma figura: é o fim bem real, o aniquilamento da Terra, a dispersão de seus elementos e a destruição completa de seus habitantes. É lamentável que não seja indicada a maneira pela qual se realizará tal acontecimento; mas também é preciso deixar alguma coisa de imprevisto.
Será precedido pelo reino do Anticristo. Segundo esses mesmos cálculos, que não foram feitos por Arago, esse personagem nasceu em 1855 e deve viver 55 anos e meio; e como sua morte deve marcar o fim dos tempos, isto nos leva justo a 1911, a menos que tenha havido algum erro de cálculo, como para 1840.
Com efeito, lembramo-nos que o fim do mundo também tinha sido predito para o ano de 1840; acreditavam com tanta certeza, que era pregado nas igrejas, e o vimos anunciado em certos catecismos de Paris às crianças da primeira comunhão, o que não deixou de impressionar desagradavelmente alguns cérebros jovens. Como o melhor meio de salvar sua alma sempre foi dar dinheiro; despojar-se dos bens deste mundo, que são uma causa de perdição, foram feitos pedidos e provocadas doações com esse objetivo. Mas o Espírito do mal se mete por toda parte neste século de racionalistas e impele aos piores pensamentos. Nós ouvimos com nossos próprios ouvidos, alunos de catecismo fazendo a seguinte reflexão: “Se o fim do mundo chega no próximo ano, como nos asseguram, ele será tanto para os padres quanto para os outros. Então, para que lhes servirá o dinheiro que eles pedem?” Na verdade não há mais crianças, mas meninos terríveis.
Será mesmo no ano de 1911? A brochura em questão nos dá um meio certo de verificar, é o retrato do Anticristo, pelo qual será fácil reconhecer o original; ele é bastante característico para que não possa haver engano. Ele é traçado por um célebre profeta alemão, Holzauzer, nascido em 1613, e que escreveu um comentário sobre o Apocalipse.
Segundo Holzauzer, o Apocalipse não é senão a história da Igreja Católica, desde o seu nascimento até o fim do mundo, história que ele divide em sete épocas, figuradas, diz ele, pelas sete igrejas, às quais se dirige São João. Eis alguns dos traços mais característicos do Anticristo e dos acontecimentos que devem preceder a sua vinda:
“Tocamos neste momento o fim da quinta época. É então que chegarão essas espantosas desgraças anunciadas no Apocalipse, capítulo VIII. A peste, a guerra, a fome, os tremores de terra farão vítimas inumeráveis. Todos os povos se erguerão uns contra os outros; a guerra será geral na Europa; mas o incêndio rebentará primeiro na Alemanha...
“Depois dessas guerras formidáveis que ensanguentarão o mundo inteiro, o Protestantismo desaparecerá para sempre, e o império dos turcos esboroar-se-á. Será o começo da sexta idade.
“Os povos, esgotados por esses combates mortais, apavorados pelos horríveis flagelos que marcarão o fim da quinta época, voltarão ao culto do verdadeiro Deus. Saindo vitoriosa das inúmeras lutas que terá sustentado contra as heresias, a indiferença e a corrupção geral, a religião do Cristo reflorescerá mais brilhante que nunca. Jamais a Igreja Católica terá tido um triunfo tão brilhante. Seus ministros, modelos de todas as virtudes, percorrerão o mundo para fazer os homens ouvirem a palavra de Deus...
“Mas esse triunfo religioso terá curta duração. Abatido o vício, mas não aniquilado, pouco a pouco erguerá a cabeça e logo a corrupção, fazendo rápidos progressos, invadirá novamente todas as classes sociais e introduzir-se-á até no santuário. É então que se verá a abominação da desolação anunciada pelo profeta. O mundo inteiro não será mais que uma vasta sentina de vícios e de crimes de toda sorte. Assim terminará a sexta idade.
“Então virá à Terra aquele que os profetas e os Pais da Igreja designaram pelo nome de Anticristo.
“Pobre e desconhecido, viverá uma vida miserável durante sua infância e a primeira juventude. Educado por seu pai no estudo das ciências ocultas, a elas se entregará com furor e fará rápidos progressos. Dotado de inteligência pouco comum, de um espírito ardente e resoluto e de um caráter de ferro, ele mostrará, desde o berço, as mais violentas paixões. Reconhecendo nesse menino as temíveis qualidades daquele que deve um dia secundá-lo tão ardentemente em sua luta contra o gênero humano, Satã tremerá de alegria e pouco a pouco lhe transmitirá todo o seu poder.
“Todos aqueles que dele se aproximarem ficarão maravilhados com as suas palavras e ações. Encará-lo-ão como um menino predestinado a grandes coisas, e dirão que a mão do Senhor está estendida para protegê-lo e conduzi-lo.
“Pouco a pouco, ajudado pela renomada[1], e aumentando ainda as maravilhas atribuídas ao jovem chefe, o número de seus sectários tornar-se-á rapidamente muito considerável!...
Em breve, vendo-se à testa de um verdadeiro exército composto de homens devotados até à morte, ele não mais hesitará em tomar o título de rei. Durante algum tempo ocupar-se-á em organizar o seu poder e pôr um pouco de ordem entre os seus novos súditos, mas nada negligenciando, a fim de lhes aumentar o número. Não tendo nome de família, tomará o nome de Cristo, que os judeus já lhe terão dado...
“Crescendo sua ambição com a fortuna, formará, no seu orgulho, o desígnio de conquistar toda a Terra e submeter todos os povos às suas leis...
“Em alguns dias o Anticristo reunirá um exército imenso e ver-se-á esse novo Átila afogar a Europa sob as ondas de suas hordas bárbaras. Os exércitos inimigos, feridos de pavor à vista dos numerosos prodígios que ele fará, deixar-se-ão dispersar e aniquilar, sem mesmo tentar combater. Três grandes reinos serão conquistados sem um golpe. Seus soberanos expiarão nos mais cruéis suplícios a sua recusa à submissão, e os povos vencidos serão entregues sem piedade a todos os furores de uma soldadesca desenfreada. Aterrorizadas ao saber dessas bárbaras vinganças, as outras nações também se submeterão. Então a Terra inteira não formará mais que um só e vasto reino, que o Anticristo governará à vontade. Ele fará reconstruir, com uma incrível magnificência, a cidade de Jerusalém, e dela fará a sede de seu império...
“Arrastado por seu fatal destino, fará todos os esforços por destruir todas as religiões, e sobretudo a religião católica. Sob os restos do antigo culto, ele reconstruirá o edifício de um culto novo, do qual será, ao mesmo tempo, o sumo sacerdote e o ídolo. Essa nova religião em toda parte terá seus defensores e seus sacerdotes. Um dos mais encarniçados e mais terríveis, aquele que São João designou nos versículos 11, 12 e 13 do Capítulo XIII, como a besta de dois cornos semelhantes aos do carneiro, será o grande apóstata. Holzauzer o chama assim porque ele será um dos primeiros a renunciar ao Cristianismo para devotar-se com furor ao culto do Anticristo.
“Nesses tempos reinará sobre o trono de São Pedro um pontífice santo com o nome de Pedro. Ferido de dor à vista dessas terríveis desgraças, e prevendo os perigos terríveis que correrão os fiéis, ele enviará a toda a cristandade santas exortações para premunir cada um contra as seduções do Anticristo, cuja perfídia ele desvendará claramente. Furioso por essa resistência aberta e com a imensa influência de São Pedro, o grande apóstata entrará em Roma à frente de um exército e com suas próprias mãos matará o último sucessor de Pedro, sobre os próprios degraus do altar...
“Por toda parte as igrejas serão invadidas, os santuários violados, os objetos do culto profanados. Os livros santos serão queimados; a cruz e todos os símbolos de nossa augusta religião calcados aos pés e arrastados no pó. Os quadros e as estátuas expostas à veneração dos fiéis serão derrubados; em seu lugar elevar-se-á a estátua maldita do Anticristo. ─ E essa estátua falará, diz o profeta...
“E ver-se-ão homens instruídos e eloquentes pregando essa idolatria de um novo gênero, e numa linguagem brilhante e imaginosa exaltar os louvores daquele cuja estátua fala e faz milagres...
“Para ferir os olhos da multidão e subjugar as massas, o Anticristo realizará prodígios admiráveis. Ele transportará montanhas, andará sobre as águas e elevar-seá nos ares, todo resplandecente de glória. Fará aparecer ao mesmo tempo vários sóis, ou mergulhará a Terra na mais completa obscuridade. À sua voz, o raio cairá do céu, os rios suspenderão os seus cursos, as muralhas desabarão. Tornando-se invisível, ele irá de um lugar a outro com uma maravilhosa rapidez e mostrar-se-á em vários lugares ao mesmo tempo. Enfim, como dissemos, ele animará a sua imagem e lhe comunicará uma parte de seu poder. Mas todos esses prodígios não serão, na maioria, senão ilusões de óptica e o resultado de uma fantasmagoria diabólica. Não serão verdadeiros milagres, porque Satã, com toda a sua força, não poderia mudar as leis da Natureza...”
OBSERVAÇÃO: Se essas coisas não são milagres, na rigorosa acepção da palavra, não sabemos a que se pode dar este nome, e se são, na maioria, ilusões de óptica, essas ilusões se afastam singularmente das leis da Natureza, e elas próprias seriam milagres, porque jamais se viu o raio cair e as muralhas se esboroarem por efeito e óptica. O que ressalta de mais claro desta explicação é a dificuldade de distinguir os verdadeiros milagres dos falsos, e fazer, nos efeitos dessa natureza, a parte dos santos e a parte do diabo.
“Ao mesmo tempo que ferirá todos os Espíritos de espanto e de admiração, o Anticristo, para ganhar todos os corações, exibirá todas as exterioridades da mais austera virtude. Enquanto se entrega aos mais vergonhosos deboches no fundo do seu palácio, ele terá o ar de fazer crer em sua temperança e em sua castidade. Prodigalizando ouro e prata em seu redor, ele fará grandes bens aos pobres e não haverá em toda parte senão concertos de louvores por sua beneficência e sua caridade. Vê-lo-ão cada dia passar horas inteiras em prece no seu templo; numa palavra, ele cobrir-se-á com o manto da hipocrisia com tanta habilidade, que mesmo os seus mais fiéis servidores ficarão persuadidos de sua virtude e de sua santidade.”
“O Senhor, entretanto, não deixará seus filhos sem defesa e sem socorro durante esses tempos de provação. Enoc e Elias voltarão à Terra para aí pregar a palavra de Deus, sustentar a coragem dos fiéis e desvendar as imposturas dos falsos profetas. Durante mil duzentos e sessenta dias, ou três anos e meio, eles percorrerão o mundo, exortando todos os homens a fazer penitência e a voltar ao culto de Jesus Cristo. Eles oporão os verdadeiros milagres aos pretensos prodígios do Anticristo e de seus apóstolos... Mas depois que tiverem acabado o seu testemunho, a besta que sobe do abismo (o Anticristo) lhes fará guerra, os vencerá e os matará.”
OBSERVAÇÃO: Não se poderia afirmar mais claramente a reencarnação. Não É aqui uma aparência, uma ilusão de óptica, é precisamente a reencarnação em carne e osso, pois os dois profetas são mortos.
“Então o orgulho do Anticristo não conhecerá mais limites. Orgulhoso da vitória que acaba de conquistar sobre os dois profetas que enfrentavam tão impunemente o seu poder há três anos e meio, mandará construir um trono magnífico no Monte das Oliveiras e lá, cercado de uma legião de demônios transformados em anjos de luz, far-se-á adorar pela imensa multidão que será reunida para gozar de seu triunfo.
“Mas, chegado o vigésimo quinto dia, o corpo dos dois profetas, animado pelo sopro de Deus, ressuscitará, e eles subirão ao céu, brilhantes de glória, à vista da multidão espantada. Enceguecido pela cólera e pelo ódio, o Anticristo anunciará que vai subir ao céu e ali procurar seus inimigos e precipitá-los na Terra. Com efeito, partindo nas asas dos demônios que o cercam, elevar-se-á nos ares; mas nesse momento o céu abrir-se-á e o Filho do Homem aparecerá sobre uma nuvem luminosa. O Anticristo será precipitado do céu, com seu cortejo de demônios e, entreabrindo-se a Terra, descerá vivo para o inferno...
“Então o fim do mundo estará próximo. Não se escoarão mais anos, nem meses, mas poucos dias, último termo dado aos homens para fazer penitência. Os mais apavorantes prodígios suceder-se-ão sem trégua, até que o mundo inteiro pereça num imenso desmoronamento.
“Eis o que anuncia Holzauzer, e esta não é senão a explicação do que está contido no Apocalipse; é a doutrina de todos os Pais da Igreja, encerrada no Evangelho e nos atos dos apóstolos.”
OBSERVAÇÃO: Assim terminará, então, o mundo! Não é o sonho de um homem, é a doutrina de todos os Pais, que são a luz da Igreja. Aqueles dos nossos leitores que apenas têm uma ideia vaga do Anticristo, ficarão gratos por termos feito sua descrição, com alguns detalhes, conforme as autoridades competentes. Se não há senão quarenta e três anos à sua frente, não tardaremos a ver esse reino maravilhoso. Por esses sinais reconheceremos a aproximação da data fatal.
O que há de estranho nesse relato é o apagamento do poder de Deus e de sua Igreja diante do Anticristo. Com efeito, depois de um triunfo de curta duração, a Igreja sucumbe de novo, para não mais se erguer. A fé de seus ministros não é bastante grande para impedir a corrupção de introduzir-se até no santuário. Não está aí uma confissão ingênua de fraqueza e de impotência? São coisas que se pode pensar, mas é inépcia gritar de cima dos telhados.
Teria sido muito de admirar que o Espiritismo não tivesse encontrado lugar nessa predição. Com efeito, ele aí está indicado como um dos sinais dos tempos, e eis em que termos. Não é mais Holzauzer quem fala, é o autor da brochura:
“Mas eis que esses ruídos se precisam, que esses terrores que parecem quiméricos tomam consistência e se formulam nitidamente. O fim do mundo se aproxima, gritam de todos os lados! Na Europa, nos países católicos, recordam-se as velhas profecias que, todas, anunciam esse grande acontecimento para a nossa época...
“Não são senão os Espíritos batedores que dão alarme. Abri o Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, e lereis na primeira página, nos prolegômenos, as palavras seguintes: “Os Espíritos anunciam que os tempos marcados pela Providência para uma manifestação universal estão chegados, e que sendo os ministros de Deus e os agentes de sua vontade, sua missão é instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade.”
OBSERVAÇÃO: Não vemos que anunciar a regeneração da Humanidade seja anunciar o seu fim. Estas duas ideias se contradizem. Em vez de dar o alarme, os Espíritos vêm trazer a esperança.
“E para começar, diz-nos o profeta Joel: Naqueles tempos a magia cobrirá toda a Terra, e ver-se-ão até as crianças de peito fazer coisas extraordinárias, e falar como pessoas grandes.”
“O Espiritismo, essa magia do século dezenove, invadiu o mundo. Há apenas alguns anos, na América, na Inglaterra, na França, fenômenos surpreendentes, incríveis, excitaram a curiosidade geral. Móveis inertes, animando-se à vontade dos operadores, entregavam-se às mais fantásticas evoluções, e respondiam sem hesitação às perguntas que lhes dirigiam. Buscou-se qual podia ser a causa inteligente desses efeitos inteligentes. As mesas responderam: São os Espíritos, as almas dos homens que a morte levou, que vêm comunicar-se com os vivos. Novos fenômenos se produziram. Ouviram-se como que golpes batidos nos móveis, nas paredes das casas; viram-se objetos movendo-se espontaneamente; ouviam-se vozes, sinfonias; viram-se mesmo aparições de pessoas mortas há muito tempo. Os prodígios se multiplicavam. Era preciso querer para ver; era preciso ver para ficar convencido.
“Em breve uma nova religião se organizou. Interrogados, os próprios Espíritos redigiram o código de sua nova doutrina. Foi, há que confessar, um sistema filosófico admiravelmente bem combinado sob todos os aspectos. Jamais o mais hábil sofista soube tão bem disfarçar a mentira e o paradoxo. Não podendo, sem desvendar sua origem e despertar suspeitas, quebrar de um golpe as ideias de Deus e de virtude, os Espíritos começam reconhecendo abertamente a existência de Deus, a necessidade desta virtude; mas fazem tão pouca diferença entre a sorte dos justos e a dos maus, que se é forçosamente levado por essas crenças, a satisfazer todas as suas paixões e a buscar na morte um refúgio contra a infelicidade. O crime e o suicídio são as duas consequências fatais desses princípios, que parecem, à primeira vista, marcados por uma moral tão bela e tão pura.
“Para explicar a anomalia dessas comunicações de além-túmulo, os Espíritos não puderam deixar de anunciar, como vimos, que os tempos marcados pela Providência haviam chegados; mas não querendo falar do fim do mundo, o que, absolutamente, não entrava em seu sistema, acrescentaram: para a regeneração universal da Humanidade.
OBSERVAÇÃO: Por uma singular coincidência, no mesmo dia, 24 de fevereiro, em que nos chegou esta brochura, que nos era enviada por um de nossos correspondentes de Lyon, e no momento em que líamos estes últimos parágrafos, recebíamos dos arredores de Boulogne-sur-Mer uma carta da qual extraímos as seguintes passagens:
“É do fundo de um vale obscuro do Boulonais que vos vêm estas poucas palavras, reflexos de uma existência sofredora, porque o Espiritismo penetra por toda parte, para espalhar a luz e as consolações. Pessoalmente, quanto alívio não lhe devo, bem como a vós, senhor, que sois o seu dispensador!
“Nascido de pais muito pobres, carregados de oito filhos, dos quais sou o mais velho, ah! até agora não ganhei o meu pão, embora tenha vinte e nove anos, pela debilidade de minha constituição. Juntai a isto uma propensão inata para o orgulho, a vaidade, a violência etc., e julgai o que tive de suportar de males, na minha miserável condição, antes que o Espiritismo tivesse vindo explicar-me o enigma de meu destino. Estava no ponto em que tinha, por mim, resolvido suicidar-me.
“Para isto, para acalmar as minhas apreensões e as censuras de minha consciência, eu me tinha dito, na minha fé católica: Ferir-me-ei com um golpe que, sendo mortal, não me fará morrer instantaneamente, e me deixará dispor de alguns instantes de vida, bastante para que tenha a possibilidade de me confessar, comungar e de manifestar o meu arrependimento; numa palavra, de me pôr em estado de me assegurar uma vida feliz no outro mundo, escapando aos males deste.
“Meu raciocínio era muito absurdo, não acha, senhor? E contudo não era consequente com o dogma que nos afirma que todo pecado, todo crime mesmo, é apagado pela simples confissão feita a um padre que dá a absolvição?
“Agora, graças ao conhecimento do Espiritismo, semelhantes ideias estão para sempre banidas de meu pensamento; entretanto, quanta imperfeição ainda me resta a despojar!”
Assim, o Espiritismo impediu um ato, um crime que teria sido cometido, não na ausência de toda a fé, mas antes, diz a pessoa, por uma consequência de sua própria fé católica. Neste caso, qual foi a mais poderosa para impedir o mal? Esse jovem será danado por ter seguido o impulso do Espiritismo, obra do demônio, segundo o autor da brochura, e teria sido salvo, suicidando-se, mas tendo recebido, antes de morrer, a absolvição de um padre? Que, com a mão na consciência, o autor da brochura responda a esta pergunta.
Tendo sido lidos os fragmentos acima na Sociedade de Paris, o nosso antigo colega Jobard veio dar espontaneamente, a propósito, a comunicação seguinte por um médium em sonambulismo espiritual:
Será precedido pelo reino do Anticristo. Segundo esses mesmos cálculos, que não foram feitos por Arago, esse personagem nasceu em 1855 e deve viver 55 anos e meio; e como sua morte deve marcar o fim dos tempos, isto nos leva justo a 1911, a menos que tenha havido algum erro de cálculo, como para 1840.
Com efeito, lembramo-nos que o fim do mundo também tinha sido predito para o ano de 1840; acreditavam com tanta certeza, que era pregado nas igrejas, e o vimos anunciado em certos catecismos de Paris às crianças da primeira comunhão, o que não deixou de impressionar desagradavelmente alguns cérebros jovens. Como o melhor meio de salvar sua alma sempre foi dar dinheiro; despojar-se dos bens deste mundo, que são uma causa de perdição, foram feitos pedidos e provocadas doações com esse objetivo. Mas o Espírito do mal se mete por toda parte neste século de racionalistas e impele aos piores pensamentos. Nós ouvimos com nossos próprios ouvidos, alunos de catecismo fazendo a seguinte reflexão: “Se o fim do mundo chega no próximo ano, como nos asseguram, ele será tanto para os padres quanto para os outros. Então, para que lhes servirá o dinheiro que eles pedem?” Na verdade não há mais crianças, mas meninos terríveis.
Será mesmo no ano de 1911? A brochura em questão nos dá um meio certo de verificar, é o retrato do Anticristo, pelo qual será fácil reconhecer o original; ele é bastante característico para que não possa haver engano. Ele é traçado por um célebre profeta alemão, Holzauzer, nascido em 1613, e que escreveu um comentário sobre o Apocalipse.
Segundo Holzauzer, o Apocalipse não é senão a história da Igreja Católica, desde o seu nascimento até o fim do mundo, história que ele divide em sete épocas, figuradas, diz ele, pelas sete igrejas, às quais se dirige São João. Eis alguns dos traços mais característicos do Anticristo e dos acontecimentos que devem preceder a sua vinda:
“Tocamos neste momento o fim da quinta época. É então que chegarão essas espantosas desgraças anunciadas no Apocalipse, capítulo VIII. A peste, a guerra, a fome, os tremores de terra farão vítimas inumeráveis. Todos os povos se erguerão uns contra os outros; a guerra será geral na Europa; mas o incêndio rebentará primeiro na Alemanha...
“Depois dessas guerras formidáveis que ensanguentarão o mundo inteiro, o Protestantismo desaparecerá para sempre, e o império dos turcos esboroar-se-á. Será o começo da sexta idade.
“Os povos, esgotados por esses combates mortais, apavorados pelos horríveis flagelos que marcarão o fim da quinta época, voltarão ao culto do verdadeiro Deus. Saindo vitoriosa das inúmeras lutas que terá sustentado contra as heresias, a indiferença e a corrupção geral, a religião do Cristo reflorescerá mais brilhante que nunca. Jamais a Igreja Católica terá tido um triunfo tão brilhante. Seus ministros, modelos de todas as virtudes, percorrerão o mundo para fazer os homens ouvirem a palavra de Deus...
“Mas esse triunfo religioso terá curta duração. Abatido o vício, mas não aniquilado, pouco a pouco erguerá a cabeça e logo a corrupção, fazendo rápidos progressos, invadirá novamente todas as classes sociais e introduzir-se-á até no santuário. É então que se verá a abominação da desolação anunciada pelo profeta. O mundo inteiro não será mais que uma vasta sentina de vícios e de crimes de toda sorte. Assim terminará a sexta idade.
“Então virá à Terra aquele que os profetas e os Pais da Igreja designaram pelo nome de Anticristo.
“Pobre e desconhecido, viverá uma vida miserável durante sua infância e a primeira juventude. Educado por seu pai no estudo das ciências ocultas, a elas se entregará com furor e fará rápidos progressos. Dotado de inteligência pouco comum, de um espírito ardente e resoluto e de um caráter de ferro, ele mostrará, desde o berço, as mais violentas paixões. Reconhecendo nesse menino as temíveis qualidades daquele que deve um dia secundá-lo tão ardentemente em sua luta contra o gênero humano, Satã tremerá de alegria e pouco a pouco lhe transmitirá todo o seu poder.
“Todos aqueles que dele se aproximarem ficarão maravilhados com as suas palavras e ações. Encará-lo-ão como um menino predestinado a grandes coisas, e dirão que a mão do Senhor está estendida para protegê-lo e conduzi-lo.
“Pouco a pouco, ajudado pela renomada[1], e aumentando ainda as maravilhas atribuídas ao jovem chefe, o número de seus sectários tornar-se-á rapidamente muito considerável!...
Em breve, vendo-se à testa de um verdadeiro exército composto de homens devotados até à morte, ele não mais hesitará em tomar o título de rei. Durante algum tempo ocupar-se-á em organizar o seu poder e pôr um pouco de ordem entre os seus novos súditos, mas nada negligenciando, a fim de lhes aumentar o número. Não tendo nome de família, tomará o nome de Cristo, que os judeus já lhe terão dado...
“Crescendo sua ambição com a fortuna, formará, no seu orgulho, o desígnio de conquistar toda a Terra e submeter todos os povos às suas leis...
“Em alguns dias o Anticristo reunirá um exército imenso e ver-se-á esse novo Átila afogar a Europa sob as ondas de suas hordas bárbaras. Os exércitos inimigos, feridos de pavor à vista dos numerosos prodígios que ele fará, deixar-se-ão dispersar e aniquilar, sem mesmo tentar combater. Três grandes reinos serão conquistados sem um golpe. Seus soberanos expiarão nos mais cruéis suplícios a sua recusa à submissão, e os povos vencidos serão entregues sem piedade a todos os furores de uma soldadesca desenfreada. Aterrorizadas ao saber dessas bárbaras vinganças, as outras nações também se submeterão. Então a Terra inteira não formará mais que um só e vasto reino, que o Anticristo governará à vontade. Ele fará reconstruir, com uma incrível magnificência, a cidade de Jerusalém, e dela fará a sede de seu império...
“Arrastado por seu fatal destino, fará todos os esforços por destruir todas as religiões, e sobretudo a religião católica. Sob os restos do antigo culto, ele reconstruirá o edifício de um culto novo, do qual será, ao mesmo tempo, o sumo sacerdote e o ídolo. Essa nova religião em toda parte terá seus defensores e seus sacerdotes. Um dos mais encarniçados e mais terríveis, aquele que São João designou nos versículos 11, 12 e 13 do Capítulo XIII, como a besta de dois cornos semelhantes aos do carneiro, será o grande apóstata. Holzauzer o chama assim porque ele será um dos primeiros a renunciar ao Cristianismo para devotar-se com furor ao culto do Anticristo.
“Nesses tempos reinará sobre o trono de São Pedro um pontífice santo com o nome de Pedro. Ferido de dor à vista dessas terríveis desgraças, e prevendo os perigos terríveis que correrão os fiéis, ele enviará a toda a cristandade santas exortações para premunir cada um contra as seduções do Anticristo, cuja perfídia ele desvendará claramente. Furioso por essa resistência aberta e com a imensa influência de São Pedro, o grande apóstata entrará em Roma à frente de um exército e com suas próprias mãos matará o último sucessor de Pedro, sobre os próprios degraus do altar...
“Por toda parte as igrejas serão invadidas, os santuários violados, os objetos do culto profanados. Os livros santos serão queimados; a cruz e todos os símbolos de nossa augusta religião calcados aos pés e arrastados no pó. Os quadros e as estátuas expostas à veneração dos fiéis serão derrubados; em seu lugar elevar-se-á a estátua maldita do Anticristo. ─ E essa estátua falará, diz o profeta...
“E ver-se-ão homens instruídos e eloquentes pregando essa idolatria de um novo gênero, e numa linguagem brilhante e imaginosa exaltar os louvores daquele cuja estátua fala e faz milagres...
“Para ferir os olhos da multidão e subjugar as massas, o Anticristo realizará prodígios admiráveis. Ele transportará montanhas, andará sobre as águas e elevar-seá nos ares, todo resplandecente de glória. Fará aparecer ao mesmo tempo vários sóis, ou mergulhará a Terra na mais completa obscuridade. À sua voz, o raio cairá do céu, os rios suspenderão os seus cursos, as muralhas desabarão. Tornando-se invisível, ele irá de um lugar a outro com uma maravilhosa rapidez e mostrar-se-á em vários lugares ao mesmo tempo. Enfim, como dissemos, ele animará a sua imagem e lhe comunicará uma parte de seu poder. Mas todos esses prodígios não serão, na maioria, senão ilusões de óptica e o resultado de uma fantasmagoria diabólica. Não serão verdadeiros milagres, porque Satã, com toda a sua força, não poderia mudar as leis da Natureza...”
OBSERVAÇÃO: Se essas coisas não são milagres, na rigorosa acepção da palavra, não sabemos a que se pode dar este nome, e se são, na maioria, ilusões de óptica, essas ilusões se afastam singularmente das leis da Natureza, e elas próprias seriam milagres, porque jamais se viu o raio cair e as muralhas se esboroarem por efeito e óptica. O que ressalta de mais claro desta explicação é a dificuldade de distinguir os verdadeiros milagres dos falsos, e fazer, nos efeitos dessa natureza, a parte dos santos e a parte do diabo.
“Ao mesmo tempo que ferirá todos os Espíritos de espanto e de admiração, o Anticristo, para ganhar todos os corações, exibirá todas as exterioridades da mais austera virtude. Enquanto se entrega aos mais vergonhosos deboches no fundo do seu palácio, ele terá o ar de fazer crer em sua temperança e em sua castidade. Prodigalizando ouro e prata em seu redor, ele fará grandes bens aos pobres e não haverá em toda parte senão concertos de louvores por sua beneficência e sua caridade. Vê-lo-ão cada dia passar horas inteiras em prece no seu templo; numa palavra, ele cobrir-se-á com o manto da hipocrisia com tanta habilidade, que mesmo os seus mais fiéis servidores ficarão persuadidos de sua virtude e de sua santidade.”
“O Senhor, entretanto, não deixará seus filhos sem defesa e sem socorro durante esses tempos de provação. Enoc e Elias voltarão à Terra para aí pregar a palavra de Deus, sustentar a coragem dos fiéis e desvendar as imposturas dos falsos profetas. Durante mil duzentos e sessenta dias, ou três anos e meio, eles percorrerão o mundo, exortando todos os homens a fazer penitência e a voltar ao culto de Jesus Cristo. Eles oporão os verdadeiros milagres aos pretensos prodígios do Anticristo e de seus apóstolos... Mas depois que tiverem acabado o seu testemunho, a besta que sobe do abismo (o Anticristo) lhes fará guerra, os vencerá e os matará.”
OBSERVAÇÃO: Não se poderia afirmar mais claramente a reencarnação. Não É aqui uma aparência, uma ilusão de óptica, é precisamente a reencarnação em carne e osso, pois os dois profetas são mortos.
“Então o orgulho do Anticristo não conhecerá mais limites. Orgulhoso da vitória que acaba de conquistar sobre os dois profetas que enfrentavam tão impunemente o seu poder há três anos e meio, mandará construir um trono magnífico no Monte das Oliveiras e lá, cercado de uma legião de demônios transformados em anjos de luz, far-se-á adorar pela imensa multidão que será reunida para gozar de seu triunfo.
“Mas, chegado o vigésimo quinto dia, o corpo dos dois profetas, animado pelo sopro de Deus, ressuscitará, e eles subirão ao céu, brilhantes de glória, à vista da multidão espantada. Enceguecido pela cólera e pelo ódio, o Anticristo anunciará que vai subir ao céu e ali procurar seus inimigos e precipitá-los na Terra. Com efeito, partindo nas asas dos demônios que o cercam, elevar-se-á nos ares; mas nesse momento o céu abrir-se-á e o Filho do Homem aparecerá sobre uma nuvem luminosa. O Anticristo será precipitado do céu, com seu cortejo de demônios e, entreabrindo-se a Terra, descerá vivo para o inferno...
“Então o fim do mundo estará próximo. Não se escoarão mais anos, nem meses, mas poucos dias, último termo dado aos homens para fazer penitência. Os mais apavorantes prodígios suceder-se-ão sem trégua, até que o mundo inteiro pereça num imenso desmoronamento.
“Eis o que anuncia Holzauzer, e esta não é senão a explicação do que está contido no Apocalipse; é a doutrina de todos os Pais da Igreja, encerrada no Evangelho e nos atos dos apóstolos.”
OBSERVAÇÃO: Assim terminará, então, o mundo! Não é o sonho de um homem, é a doutrina de todos os Pais, que são a luz da Igreja. Aqueles dos nossos leitores que apenas têm uma ideia vaga do Anticristo, ficarão gratos por termos feito sua descrição, com alguns detalhes, conforme as autoridades competentes. Se não há senão quarenta e três anos à sua frente, não tardaremos a ver esse reino maravilhoso. Por esses sinais reconheceremos a aproximação da data fatal.
O que há de estranho nesse relato é o apagamento do poder de Deus e de sua Igreja diante do Anticristo. Com efeito, depois de um triunfo de curta duração, a Igreja sucumbe de novo, para não mais se erguer. A fé de seus ministros não é bastante grande para impedir a corrupção de introduzir-se até no santuário. Não está aí uma confissão ingênua de fraqueza e de impotência? São coisas que se pode pensar, mas é inépcia gritar de cima dos telhados.
Teria sido muito de admirar que o Espiritismo não tivesse encontrado lugar nessa predição. Com efeito, ele aí está indicado como um dos sinais dos tempos, e eis em que termos. Não é mais Holzauzer quem fala, é o autor da brochura:
“Mas eis que esses ruídos se precisam, que esses terrores que parecem quiméricos tomam consistência e se formulam nitidamente. O fim do mundo se aproxima, gritam de todos os lados! Na Europa, nos países católicos, recordam-se as velhas profecias que, todas, anunciam esse grande acontecimento para a nossa época...
“Não são senão os Espíritos batedores que dão alarme. Abri o Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, e lereis na primeira página, nos prolegômenos, as palavras seguintes: “Os Espíritos anunciam que os tempos marcados pela Providência para uma manifestação universal estão chegados, e que sendo os ministros de Deus e os agentes de sua vontade, sua missão é instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade.”
OBSERVAÇÃO: Não vemos que anunciar a regeneração da Humanidade seja anunciar o seu fim. Estas duas ideias se contradizem. Em vez de dar o alarme, os Espíritos vêm trazer a esperança.
“E para começar, diz-nos o profeta Joel: Naqueles tempos a magia cobrirá toda a Terra, e ver-se-ão até as crianças de peito fazer coisas extraordinárias, e falar como pessoas grandes.”
“O Espiritismo, essa magia do século dezenove, invadiu o mundo. Há apenas alguns anos, na América, na Inglaterra, na França, fenômenos surpreendentes, incríveis, excitaram a curiosidade geral. Móveis inertes, animando-se à vontade dos operadores, entregavam-se às mais fantásticas evoluções, e respondiam sem hesitação às perguntas que lhes dirigiam. Buscou-se qual podia ser a causa inteligente desses efeitos inteligentes. As mesas responderam: São os Espíritos, as almas dos homens que a morte levou, que vêm comunicar-se com os vivos. Novos fenômenos se produziram. Ouviram-se como que golpes batidos nos móveis, nas paredes das casas; viram-se objetos movendo-se espontaneamente; ouviam-se vozes, sinfonias; viram-se mesmo aparições de pessoas mortas há muito tempo. Os prodígios se multiplicavam. Era preciso querer para ver; era preciso ver para ficar convencido.
“Em breve uma nova religião se organizou. Interrogados, os próprios Espíritos redigiram o código de sua nova doutrina. Foi, há que confessar, um sistema filosófico admiravelmente bem combinado sob todos os aspectos. Jamais o mais hábil sofista soube tão bem disfarçar a mentira e o paradoxo. Não podendo, sem desvendar sua origem e despertar suspeitas, quebrar de um golpe as ideias de Deus e de virtude, os Espíritos começam reconhecendo abertamente a existência de Deus, a necessidade desta virtude; mas fazem tão pouca diferença entre a sorte dos justos e a dos maus, que se é forçosamente levado por essas crenças, a satisfazer todas as suas paixões e a buscar na morte um refúgio contra a infelicidade. O crime e o suicídio são as duas consequências fatais desses princípios, que parecem, à primeira vista, marcados por uma moral tão bela e tão pura.
“Para explicar a anomalia dessas comunicações de além-túmulo, os Espíritos não puderam deixar de anunciar, como vimos, que os tempos marcados pela Providência haviam chegados; mas não querendo falar do fim do mundo, o que, absolutamente, não entrava em seu sistema, acrescentaram: para a regeneração universal da Humanidade.
OBSERVAÇÃO: Por uma singular coincidência, no mesmo dia, 24 de fevereiro, em que nos chegou esta brochura, que nos era enviada por um de nossos correspondentes de Lyon, e no momento em que líamos estes últimos parágrafos, recebíamos dos arredores de Boulogne-sur-Mer uma carta da qual extraímos as seguintes passagens:
“É do fundo de um vale obscuro do Boulonais que vos vêm estas poucas palavras, reflexos de uma existência sofredora, porque o Espiritismo penetra por toda parte, para espalhar a luz e as consolações. Pessoalmente, quanto alívio não lhe devo, bem como a vós, senhor, que sois o seu dispensador!
“Nascido de pais muito pobres, carregados de oito filhos, dos quais sou o mais velho, ah! até agora não ganhei o meu pão, embora tenha vinte e nove anos, pela debilidade de minha constituição. Juntai a isto uma propensão inata para o orgulho, a vaidade, a violência etc., e julgai o que tive de suportar de males, na minha miserável condição, antes que o Espiritismo tivesse vindo explicar-me o enigma de meu destino. Estava no ponto em que tinha, por mim, resolvido suicidar-me.
“Para isto, para acalmar as minhas apreensões e as censuras de minha consciência, eu me tinha dito, na minha fé católica: Ferir-me-ei com um golpe que, sendo mortal, não me fará morrer instantaneamente, e me deixará dispor de alguns instantes de vida, bastante para que tenha a possibilidade de me confessar, comungar e de manifestar o meu arrependimento; numa palavra, de me pôr em estado de me assegurar uma vida feliz no outro mundo, escapando aos males deste.
“Meu raciocínio era muito absurdo, não acha, senhor? E contudo não era consequente com o dogma que nos afirma que todo pecado, todo crime mesmo, é apagado pela simples confissão feita a um padre que dá a absolvição?
“Agora, graças ao conhecimento do Espiritismo, semelhantes ideias estão para sempre banidas de meu pensamento; entretanto, quanta imperfeição ainda me resta a despojar!”
Assim, o Espiritismo impediu um ato, um crime que teria sido cometido, não na ausência de toda a fé, mas antes, diz a pessoa, por uma consequência de sua própria fé católica. Neste caso, qual foi a mais poderosa para impedir o mal? Esse jovem será danado por ter seguido o impulso do Espiritismo, obra do demônio, segundo o autor da brochura, e teria sido salvo, suicidando-se, mas tendo recebido, antes de morrer, a absolvição de um padre? Que, com a mão na consciência, o autor da brochura responda a esta pergunta.
Tendo sido lidos os fragmentos acima na Sociedade de Paris, o nosso antigo colega Jobard veio dar espontaneamente, a propósito, a comunicação seguinte por um médium em sonambulismo espiritual:
(Sociedade de Paris, 28 de fevereiro - Médium: Sr. Morin)
Eu passava, quando o eco me trouxe a vibração de uma imensa gargalhada. Prestei atenção e tendo reconhecido o ruído do riso dos encarnados e desencarnados, me disse: Sem dúvida a coisa é interessante; vamos ver!... E eu não acreditava, senhores, ter o prazer de vir passar a noite junto de vós. Contudo, estou feliz por isto, crede-o bem, porque sei de toda a simpatia que conservastes por vosso antigo colega.
Assim, aproximei-me, e os ruídos da Terra me chegaram mais distintos: O fim do mundo! exclamavam; o fim do mundo!... Oh! Meu Deus, me disse eu, se é o fim do mundo, em que se vão tornar?... Chegando a mim a voz do vosso presidente e meu amigo, compreendi que vos lia algumas passagens de uma brochura na qual se anuncia o fim do mundo como muito próximo. O assunto interessou-me. Escutei atentamente, e depois de ter refletido maduramente, venho, como o autor da brochura, dizer-vos: Sim, senhores, o fim do mundo está próximo!... Oh! Não vos amedronteis, senhoras, porque é preciso estar bem perto para tocá-lo, e quando o tocardes, vê-lo-eis.
Enquanto esperamos, se me permitirdes, vou dar-vos minha apreciação sobre
esta palavra, espantalho dos cérebros fracos e também dos Espíritos fracos; porque, sabei-o, se a apreensão do fim do mundo aterra os seres pusilânimes do vosso mundo, ela fere igualmente de terror os seres atrasados da erraticidade. Todos os que não estão desmaterializados, isto é, que embora Espíritos vivem mais materialmente que espiritualmente, apavoram-se à ideia do fim do mundo, porque por esta palavra compreendem a destruição da matéria. Não vos admireis, pois, que essa ideia emocione certos Espíritos, que não saberiam em que se tornar, se a Terra não existisse mais, porque a Terra ainda é o seu mundo, seu ponto de apoio.
Por mim, eu me disse: Sim, o fim do mundo está próximo; ele lá está, eu o vejo, o toco... Ele está próximo para aqueles que sem o saber trabalham para precipitar a sua vinda!... Sim, o fim do mundo está próximo; mas, o fim de que mundo?
Será o fim do mundo da superstição, do despotismo, dos abusos mantidos pela ignorância, pela malevolência e pela hipocrisia; será o fim do mundo egoísta e orgulhoso, do pauperismo, de tudo o que é vil e rebaixa o homem; numa palavra, de todos os sentimentos baixos e cúpidos que são o triste apanágio do vosso mundo.
Esse fim do mundo, essa grande catástrofe que todas as religiões concordam em prever, é o que elas entendem? Ao contrário, não se deve ver a realização dos altos destinos da Humanidade? Se refletíssemos em tudo o que se passa em volta de nós, esses sinais precursores não seriam o sinal do começo de um outro mundo, quero dizer, de um outro mundo moral, antes que o da destruição do mundo material?
Sim, senhores, um período de depuração terrestre termina neste momento; um outro vai começar... Tudo concorre para o fim do velho mundo, e aqueles que se esforçam por sustê-lo trabalham energicamente, sem o querer, para a sua destruição. Sim, o fim do mundo está próximo para eles; eles o pressentem e se apavoram, acreditai, mais do que pelo fim do mundo terrestre, porque é o fim de sua dominação, de sua preponderância, a que eles se apegam mais do que a qualquer outra coisa; e isto será, em relação a eles, não a vingança de Deus, pois Deus não se vinga, mas a justa recompensa de seus atos.
Como vós, os Espíritos são filhos de suas obras; se são bons, é porque trabalharam para ser bons; se são maus, não é porque trabalharam para ser maus, mas porque não trabalharam para se tornarem bons.
Amigos, o fim do mundo está próximo e vos convido vivamente a tomar nota desta previsão; ele está tão próximo que já se trabalha na sua reconstrução. A sábia previdência daquele a quem nada escapa, quer que tudo se construa em vez de tudo ser destruído; e quando o edifício novo for coroado, quando a cumeeira estiver coberta, então é que desabará o antigo; ele cairá por si mesmo, de sorte que, entre o velho mundo e o novo, não haverá solução de continuidade.
É assim que se deve entender o fim do mundo, que já pressagiam tantos sinais precursores. E quais serão os mais poderosos obreiros para essa grande transformação? Sois vós, senhoras; sois vós, senhoritas, com o auxílio da dupla alavanca da instrução e do Espiritismo. Na mulher na qual o Espiritismo penetrou, há mais que uma mulher, há um trabalhador espiritual. Nesse estado, tudo trabalhando por ela, a mulher trabalha ainda muito mais que o homem na edificação do monumento; porque, quando ela conhecer todos os recursos do Espiritismo e deles souber servir-se, a maior parte da obra será feita por ela. Amamentando o corpo de seu filho, ela poderá alimentar também o seu espírito. E que melhor ferreiro do que o filho de um ferreiro, aprendiz de seu pai? Assim o menino sugará, ao crescer, o leite da espiritualidade, e quando tiverdes espíritas filhos de espíritas e pais de espíritas, o fim do mundo, tal qual o compreendemos, não estará realizado? Admirai-vos, então, depois disto, que o Espiritismo seja um espantalho para tudo o que se apega ao velho mundo, e do encarniçamento com que procuram abafá-lo em seu berço!
JOBARD
[1] Renommée: Divindade mitológica (mulher alada representada quase sempre a cavalo, empunhando uma trombeta) N. do Revisor.
Intolerância e perseguição ao Espiritismo
O fato seguinte nos foi assinalado por um dos nossos correspondentes. Por conveniência, não revelamos o nome do lugar onde se passou, mas, se necessário, temos em mãos a peça justificativa.
O cura de... tendo sabido que uma de suas paroquianas havia recebido O Livro dos Espíritos, veio à sua casa e lhe fez uma cena escandalosa, apostrofando-a com epítetos muito pouco evangélicos; além disso, ameaçou-a de não enterrá-la quando morresse, se não acreditasse no diabo e no inferno; depois, apoderando-se do livro, levou-o.
Alguns dias depois, aquela senhora, que pouco se havia abalado com os impropérios, foi à casa do padre lhe reclamar o seu livro, dizendo de si para consigo que se ele não o devolvesse, não lhe seria difícil adquirir outro, e que saberia pô-lo em lugar seguro.
O livro lhe foi entregue, mas num estado que provava que uma santa cólera se havia descarregado sobre ele. Estava cheio de rasuras, de anotações, de refutações, nas quais os Espíritos eram tratados de mentirosos, de demônios, de estúpidos etc. A fé daquela senhora, longe de ficar abalada, foi mais do que fortalecida. Dizem que se apanham mais moscas com mel do que com vinagre. O sacerdote apresentou-lhe vinagre; ela preferiu o mel, e disse: Perdoai-lhe, Senhor, porque ele não sabe o que fez. De que lado estava o verdadeiro Cristianismo?
As cenas desta natureza eram muito frequentes há sete ou oito anos, e por vezes tinham um caráter de violência que caía no burlesco. Recordamo-nos daquele missionário que espumava de raiva pregando contra o Espiritismo, e se agitava com tanto furor que um instante temeram que caísse do púlpito. E aquele outro pregador que convidava todos os possuidores de obras espíritas a lhas trazerem, para fazer uma fogueira na praça pública. Infelizmente, para ele, não lhe trouxeram nenhum, e ele contentou-se em queimar no pátio do seminário todos os volumes que compraram nas livrarias. Hoje que se reconheceu a inutilidade e os inconvenientes, essas demonstrações excêntricas são muito raras; a experiência provou que elas desviaram mais gente da Igreja do que do Espiritismo.
O fato relatado acima tem um caráter de gravidade particular. Em sua igreja, o sacerdote está em sua casa, no seu terreno; dar ou recusar preces, conforme a sua consciência, está no seu direito; sem dúvida às vezes ele usa esse direito de maneira mais prejudicial do que útil à causa que defende, mas, enfim, está no seu direito, e achamos ilógico que criaturas que estão, por pensamento, senão de fato, afastadas da Igreja, que não cumprem nenhum dos deveres que ela impõe, tenham a pretensão de constranger um padre a fazer o que, certo ou errado, ele considera como contrário à regra. Se não credes na eficácia de suas preces, por que exigi-las dele? Mas, pela mesma razão, ele ultrapassa o seu direito quando se impõe aos que não o pedem.
No caso de que se trata, com que direito aquele padre ia violentar a consciência daquela senhora em seu próprio domicílio, ali fazer uma visita inquisitorial e apoderar-se do que lhe não pertencia? O que ganha a religião por esses excessos de zelo? Os amigos desajeitados são sempre prejudiciais.
O fato em si é de pouca importância e não é, em definitivo, senão uma pequena contenda que prova a estreiteza das ideias de seu autor. Dele não teríamos falado se não se ligasse a fatos mais graves, às perseguições propriamente ditas, cujas consequências são mais sérias.
Estranha anomalia! Seja qual for a posição de um homem, oficial ou subordinado a um título qualquer, não se lhe contesta o direito de ser protestante, judeu ou mesmo absolutamente nada; ele pode ser abertamente incrédulo, materialista ou ateu; pode preconizar tal ou qual filosofia, mas não tem o direito de ser espírita. Se for suspeito de Espiritismo, como outrora se era suspeito de jansenismo, é suspeito; se a coisa é confessada, ele é olhado de esguelha por seus superiores, quando estes não pensam como ele, considerado como um perturbador da Sociedade, ele que abjura toda ideia de ódio e de vingança, que tem como regra de conduta a caridade cristã na sua mais rigorosa acepção, a benevolência para com todos, a tolerância, o esquecimento e o perdão das injúrias, numa palavra, todas as máximas que são a garantia da ordem social, e o maior freio das más paixões. Então! O que, em todos os tempos e em todos os povos civilizados, é um direito à estima das criaturas honestas, torna-se um signo de reprovação aos olhos de certas pessoas que não perdoam a um homem o fato ter-se tornado melhor pelo Espiritismo! Sejam quais forem as suas qualidades, os seus talentos, os serviços prestados, se ele não for independente, se sua posição não for invulnerável, uma mão, instrumento de uma vontade oculta, abate-se sobre ele, o fere, se puder, nos seus meios de subsistência, nas suas afeições mais caras, e até na sua consideração.
Que semelhantes coisas se passem em regiões onde a fé exclusiva erige a intolerância em princípio, como a sua melhor salvaguarda, nada tem de surpreendente, mas que ocorram em países onde a liberdade de consciência está inscrita no código das leis como um direito natural, é mais difícil de compreender. Então é preciso que se tenha muito medo desse Espiritismo, que entretanto afetam apresentar como uma ideia oca, uma quimera, uma utopia, uma tolice que um sopro da razão pode abater! Se esta luz fantástica ainda não está extinta, não é, entretanto, por não terem soprado. Soprai, pois, soprai sempre: há chamas que são atiçadas soprando, em vez de apagá-las.
Entretanto, perguntarão alguns, o que podem censurar àquele que não quer e não pratica senão o bem; que cumpre os deveres de seu cargo com zelo, probidade, lealdade e devotamento; que ensina a amar a Deus e ao próximo; que prega a concórdia e convida todos os homens a se tratarem como irmãos, sem acepção de cultos nem de nacionalidades? Não trabalha ele para o apaziguamento das dissensões e dos antagonismos que causaram tantos desastres? Não é ele o verdadeiro apóstolo da paz? Unindo por seus princípios o maior número possível de aderentes, por sua lógica, pela autoridade de sua posição, e sobretudo por seu exemplo, não evitará conflitos lamentáveis? Se, em lugar de um, forem dez, cem, mil, sua influência salutar não será tanto maior? Tais homens são auxiliares preciosos; nunca são bastantes; não deveríamos encorajá-los e honrá-los? A doutrina que faz penetrar esses princípios no coração do homem pela convicção apoiada numa fé sincera, não é um penhor de segurança? Além disto, onde se viu que os espíritas fossem turbulentos e provocadores de perturbações? Ao contrário, não são sempre e por toda parte assinalados como gente pacífica e amiga da ordem? Todas as vezes que foram provocados por atos de malevolência, em vez de usar represálias, não evitaram com cuidado tudo quanto poderia ter sido uma causa de desordem? A autoridade alguma vez teve que castigá-los por algum ato contrário à tranquilidade pública? Não, porque um funcionário, encarregado da manutenção da ordem, dizia, há pouco, que se todos os seus administrados fossem espíritas, ele poderia fechar o seu escritório. Há homenagem mais característica prestada aos sentimentos que os animam? E a que palavra de ordem obedecem? Unicamente à de sua consciência, pois que não revelam nenhuma personalidade patente ou oculta na sombra. Sua doutrina é sua lei, e essa lei lhes prescreve fazer o bem e evitar o mal; por seu poder moralizador, ela conduziu à moderação os homens exaltados, nada temendo, nem Deus nem a justiça humana, e capazes de tudo. Se ela fosse popular, com que peso não atuaria nos momentos de efervescência e nos centros turbulentos? Em que, pois, pode esta doutrina ser um motivo de reprovação? Como pode ela chamar a perseguição sobre aqueles que a professam e a propagam?”
Admirai-vos que uma doutrina que não produz senão o bem tenha adversários! Mas, então, não conheceis a cegueira do espírito de partido? Quando foi que ele considerou o bem que pode fazer uma coisa, quando esta é contrária às suas opiniões ou os seus interesses materiais? Não esqueçais que, certos oponentes o são por sistema, muito mais que por ignorância. Em vão esperaríeis atraí-los a vós pela lógica de vossos raciocínios, e pela perspectiva dos efeitos salutares da doutrina; eles sabem disto tão bem quanto vós, e é precisamente porque o sabem que não o querem; quanto mais rigorosa e irresistível é essa lógica, mais os exaspera, porque lhes fecha a boca. Quanto mais lhes demonstram o bem que produz o Espiritismo, mais se irritam, porque sentem que aí está a sua força; assim, mesmo que ele devesse salvar o país dos maiores desastres, ainda assim o repeliriam. Triunfareis de um incrédulo, de um ateu de boa fé, de uma alma viciosa e corrompida, mas de gente de ideias preconcebidas, jamais!
Então, o que esperam eles da perseguição? Deter o surto das ideias novas pela intimidação? Vejamos, nalgumas palavras, se tal objetivo pode ser atingido.
Todas as grandes ideias, todas as ideias renovadoras, tanto na ordem científica quanto na ordem moral, receberam o batismo da perseguição, e isto assim devia ser, porque elas feriam os interesses dos que viviam velhas ideias, preconceitos e abusos. Mas, como essas ideias constituíam verdades, jamais viram eles a perseguição deterlhes o curso? Não está aí a história de todos os tempos para provar que, ao contrário, elas cresceram, consolidaram-se, propagadas pelo próprio efeito da perseguição? A perseguição foi o estimulante, o aguilhão as levou avante e fe-las avançarem mais depressa, superexcitando os Espíritos, de sorte que os perseguidores trabalharam contra si mesmos e não ganharam senão ser estigmatizados pela posteridade. Eles não perseguiram senão as ideias nas quais se via futuro; as que julgaram sem consequência, deixaram que morressem de morte natural.
O Espiritismo é, também, uma grande ideia; devia, pois, receber seu batismo, como suas precursoras, porque o espírito dos homens não mudou, e lhe acontecerá o que aconteceu aos outros: um acréscimo de importância aos olhos da multidão e, por consequência, maior popularidade. Quanto mais em evidência estiverem as vítimas por sua posição, maior repercussão haverá em razão da extensão de suas relações.
A curiosidade é tanto mais superexcitada quanto mais a pessoa é cercada de estima e consideração; cada um quer saber o porquê e o como; conhecer o fundo dessas opiniões que provocam tanta cólera; interrogam, leem, e eis como uma multidão de pessoas que jamais se teriam ocupado com o Espiritismo, são levadas a conhecê-lo, a julgá-lo, a apreciá-lo e a adotá-lo. Tal foi, como se sabe, o resultado das declamações furibundas, das interdições pastorais, das diatribes de toda espécie. Tal será o das perseguições. Estas fazem mais: elas o elevam ao nível das crenças sérias, porque o bom-senso diz que não se trata de frivolidades.
A perseguição às ideias falsas, errôneas, é inútil, porque estas se desacreditam e caem por si mesmas. Ela tem como efeito criar partidários e defensores, e retardar a sua queda, porque muitas criaturas as encaram como boas, precisamente porque são perseguidas. Quando a perseguição só ataca a ideias verdadeiras, ela vai diretamente contra o seu objetivo, porque lhe favorece o desenvolvimento: é, pois, em todo o caso, uma inépcia que se volta contra os que a cometem.
Um escritor moderno lamentava que não tivessem queimado Lutero, para destruir o Protestantismo em suas raízes; mas como não poderiam tê-lo queimado senão após a emissão de suas ideias, se o tivessem feito, o Protestantismo talvez estivesse duas vezes mais espalhado do que está. Queimaram Jean Huss. O que ganhou o concílio de Constança? Cobrir-se com uma nódoa indelével. Mas as ideias do mártir não foram queimadas; elas foram um dos fundamentos da reforma. A posteridade conferiu a glória a Jean Huss e a vergonha ao concílio. (Revista Espírita, agosto de 1866). Hoje já não queimam, mas perseguem de outras maneiras.
Sem dúvida, quando desaba uma tempestade, muitos se põem ao abrigo. As perseguições podem, portanto, ter por efeito um momentâneo impedimento à livre manifestação do pensamento. Crendo tê-lo abafado, os perseguidores adormecem numa segurança enganadora. Entretanto, ele não deixa de subsistir, e as ideias comprimidas são como plantas em estufa: crescem mais depressa.
O cura de... tendo sabido que uma de suas paroquianas havia recebido O Livro dos Espíritos, veio à sua casa e lhe fez uma cena escandalosa, apostrofando-a com epítetos muito pouco evangélicos; além disso, ameaçou-a de não enterrá-la quando morresse, se não acreditasse no diabo e no inferno; depois, apoderando-se do livro, levou-o.
Alguns dias depois, aquela senhora, que pouco se havia abalado com os impropérios, foi à casa do padre lhe reclamar o seu livro, dizendo de si para consigo que se ele não o devolvesse, não lhe seria difícil adquirir outro, e que saberia pô-lo em lugar seguro.
O livro lhe foi entregue, mas num estado que provava que uma santa cólera se havia descarregado sobre ele. Estava cheio de rasuras, de anotações, de refutações, nas quais os Espíritos eram tratados de mentirosos, de demônios, de estúpidos etc. A fé daquela senhora, longe de ficar abalada, foi mais do que fortalecida. Dizem que se apanham mais moscas com mel do que com vinagre. O sacerdote apresentou-lhe vinagre; ela preferiu o mel, e disse: Perdoai-lhe, Senhor, porque ele não sabe o que fez. De que lado estava o verdadeiro Cristianismo?
As cenas desta natureza eram muito frequentes há sete ou oito anos, e por vezes tinham um caráter de violência que caía no burlesco. Recordamo-nos daquele missionário que espumava de raiva pregando contra o Espiritismo, e se agitava com tanto furor que um instante temeram que caísse do púlpito. E aquele outro pregador que convidava todos os possuidores de obras espíritas a lhas trazerem, para fazer uma fogueira na praça pública. Infelizmente, para ele, não lhe trouxeram nenhum, e ele contentou-se em queimar no pátio do seminário todos os volumes que compraram nas livrarias. Hoje que se reconheceu a inutilidade e os inconvenientes, essas demonstrações excêntricas são muito raras; a experiência provou que elas desviaram mais gente da Igreja do que do Espiritismo.
O fato relatado acima tem um caráter de gravidade particular. Em sua igreja, o sacerdote está em sua casa, no seu terreno; dar ou recusar preces, conforme a sua consciência, está no seu direito; sem dúvida às vezes ele usa esse direito de maneira mais prejudicial do que útil à causa que defende, mas, enfim, está no seu direito, e achamos ilógico que criaturas que estão, por pensamento, senão de fato, afastadas da Igreja, que não cumprem nenhum dos deveres que ela impõe, tenham a pretensão de constranger um padre a fazer o que, certo ou errado, ele considera como contrário à regra. Se não credes na eficácia de suas preces, por que exigi-las dele? Mas, pela mesma razão, ele ultrapassa o seu direito quando se impõe aos que não o pedem.
No caso de que se trata, com que direito aquele padre ia violentar a consciência daquela senhora em seu próprio domicílio, ali fazer uma visita inquisitorial e apoderar-se do que lhe não pertencia? O que ganha a religião por esses excessos de zelo? Os amigos desajeitados são sempre prejudiciais.
O fato em si é de pouca importância e não é, em definitivo, senão uma pequena contenda que prova a estreiteza das ideias de seu autor. Dele não teríamos falado se não se ligasse a fatos mais graves, às perseguições propriamente ditas, cujas consequências são mais sérias.
Estranha anomalia! Seja qual for a posição de um homem, oficial ou subordinado a um título qualquer, não se lhe contesta o direito de ser protestante, judeu ou mesmo absolutamente nada; ele pode ser abertamente incrédulo, materialista ou ateu; pode preconizar tal ou qual filosofia, mas não tem o direito de ser espírita. Se for suspeito de Espiritismo, como outrora se era suspeito de jansenismo, é suspeito; se a coisa é confessada, ele é olhado de esguelha por seus superiores, quando estes não pensam como ele, considerado como um perturbador da Sociedade, ele que abjura toda ideia de ódio e de vingança, que tem como regra de conduta a caridade cristã na sua mais rigorosa acepção, a benevolência para com todos, a tolerância, o esquecimento e o perdão das injúrias, numa palavra, todas as máximas que são a garantia da ordem social, e o maior freio das más paixões. Então! O que, em todos os tempos e em todos os povos civilizados, é um direito à estima das criaturas honestas, torna-se um signo de reprovação aos olhos de certas pessoas que não perdoam a um homem o fato ter-se tornado melhor pelo Espiritismo! Sejam quais forem as suas qualidades, os seus talentos, os serviços prestados, se ele não for independente, se sua posição não for invulnerável, uma mão, instrumento de uma vontade oculta, abate-se sobre ele, o fere, se puder, nos seus meios de subsistência, nas suas afeições mais caras, e até na sua consideração.
Que semelhantes coisas se passem em regiões onde a fé exclusiva erige a intolerância em princípio, como a sua melhor salvaguarda, nada tem de surpreendente, mas que ocorram em países onde a liberdade de consciência está inscrita no código das leis como um direito natural, é mais difícil de compreender. Então é preciso que se tenha muito medo desse Espiritismo, que entretanto afetam apresentar como uma ideia oca, uma quimera, uma utopia, uma tolice que um sopro da razão pode abater! Se esta luz fantástica ainda não está extinta, não é, entretanto, por não terem soprado. Soprai, pois, soprai sempre: há chamas que são atiçadas soprando, em vez de apagá-las.
Entretanto, perguntarão alguns, o que podem censurar àquele que não quer e não pratica senão o bem; que cumpre os deveres de seu cargo com zelo, probidade, lealdade e devotamento; que ensina a amar a Deus e ao próximo; que prega a concórdia e convida todos os homens a se tratarem como irmãos, sem acepção de cultos nem de nacionalidades? Não trabalha ele para o apaziguamento das dissensões e dos antagonismos que causaram tantos desastres? Não é ele o verdadeiro apóstolo da paz? Unindo por seus princípios o maior número possível de aderentes, por sua lógica, pela autoridade de sua posição, e sobretudo por seu exemplo, não evitará conflitos lamentáveis? Se, em lugar de um, forem dez, cem, mil, sua influência salutar não será tanto maior? Tais homens são auxiliares preciosos; nunca são bastantes; não deveríamos encorajá-los e honrá-los? A doutrina que faz penetrar esses princípios no coração do homem pela convicção apoiada numa fé sincera, não é um penhor de segurança? Além disto, onde se viu que os espíritas fossem turbulentos e provocadores de perturbações? Ao contrário, não são sempre e por toda parte assinalados como gente pacífica e amiga da ordem? Todas as vezes que foram provocados por atos de malevolência, em vez de usar represálias, não evitaram com cuidado tudo quanto poderia ter sido uma causa de desordem? A autoridade alguma vez teve que castigá-los por algum ato contrário à tranquilidade pública? Não, porque um funcionário, encarregado da manutenção da ordem, dizia, há pouco, que se todos os seus administrados fossem espíritas, ele poderia fechar o seu escritório. Há homenagem mais característica prestada aos sentimentos que os animam? E a que palavra de ordem obedecem? Unicamente à de sua consciência, pois que não revelam nenhuma personalidade patente ou oculta na sombra. Sua doutrina é sua lei, e essa lei lhes prescreve fazer o bem e evitar o mal; por seu poder moralizador, ela conduziu à moderação os homens exaltados, nada temendo, nem Deus nem a justiça humana, e capazes de tudo. Se ela fosse popular, com que peso não atuaria nos momentos de efervescência e nos centros turbulentos? Em que, pois, pode esta doutrina ser um motivo de reprovação? Como pode ela chamar a perseguição sobre aqueles que a professam e a propagam?”
Admirai-vos que uma doutrina que não produz senão o bem tenha adversários! Mas, então, não conheceis a cegueira do espírito de partido? Quando foi que ele considerou o bem que pode fazer uma coisa, quando esta é contrária às suas opiniões ou os seus interesses materiais? Não esqueçais que, certos oponentes o são por sistema, muito mais que por ignorância. Em vão esperaríeis atraí-los a vós pela lógica de vossos raciocínios, e pela perspectiva dos efeitos salutares da doutrina; eles sabem disto tão bem quanto vós, e é precisamente porque o sabem que não o querem; quanto mais rigorosa e irresistível é essa lógica, mais os exaspera, porque lhes fecha a boca. Quanto mais lhes demonstram o bem que produz o Espiritismo, mais se irritam, porque sentem que aí está a sua força; assim, mesmo que ele devesse salvar o país dos maiores desastres, ainda assim o repeliriam. Triunfareis de um incrédulo, de um ateu de boa fé, de uma alma viciosa e corrompida, mas de gente de ideias preconcebidas, jamais!
Então, o que esperam eles da perseguição? Deter o surto das ideias novas pela intimidação? Vejamos, nalgumas palavras, se tal objetivo pode ser atingido.
Todas as grandes ideias, todas as ideias renovadoras, tanto na ordem científica quanto na ordem moral, receberam o batismo da perseguição, e isto assim devia ser, porque elas feriam os interesses dos que viviam velhas ideias, preconceitos e abusos. Mas, como essas ideias constituíam verdades, jamais viram eles a perseguição deterlhes o curso? Não está aí a história de todos os tempos para provar que, ao contrário, elas cresceram, consolidaram-se, propagadas pelo próprio efeito da perseguição? A perseguição foi o estimulante, o aguilhão as levou avante e fe-las avançarem mais depressa, superexcitando os Espíritos, de sorte que os perseguidores trabalharam contra si mesmos e não ganharam senão ser estigmatizados pela posteridade. Eles não perseguiram senão as ideias nas quais se via futuro; as que julgaram sem consequência, deixaram que morressem de morte natural.
O Espiritismo é, também, uma grande ideia; devia, pois, receber seu batismo, como suas precursoras, porque o espírito dos homens não mudou, e lhe acontecerá o que aconteceu aos outros: um acréscimo de importância aos olhos da multidão e, por consequência, maior popularidade. Quanto mais em evidência estiverem as vítimas por sua posição, maior repercussão haverá em razão da extensão de suas relações.
A curiosidade é tanto mais superexcitada quanto mais a pessoa é cercada de estima e consideração; cada um quer saber o porquê e o como; conhecer o fundo dessas opiniões que provocam tanta cólera; interrogam, leem, e eis como uma multidão de pessoas que jamais se teriam ocupado com o Espiritismo, são levadas a conhecê-lo, a julgá-lo, a apreciá-lo e a adotá-lo. Tal foi, como se sabe, o resultado das declamações furibundas, das interdições pastorais, das diatribes de toda espécie. Tal será o das perseguições. Estas fazem mais: elas o elevam ao nível das crenças sérias, porque o bom-senso diz que não se trata de frivolidades.
A perseguição às ideias falsas, errôneas, é inútil, porque estas se desacreditam e caem por si mesmas. Ela tem como efeito criar partidários e defensores, e retardar a sua queda, porque muitas criaturas as encaram como boas, precisamente porque são perseguidas. Quando a perseguição só ataca a ideias verdadeiras, ela vai diretamente contra o seu objetivo, porque lhe favorece o desenvolvimento: é, pois, em todo o caso, uma inépcia que se volta contra os que a cometem.
Um escritor moderno lamentava que não tivessem queimado Lutero, para destruir o Protestantismo em suas raízes; mas como não poderiam tê-lo queimado senão após a emissão de suas ideias, se o tivessem feito, o Protestantismo talvez estivesse duas vezes mais espalhado do que está. Queimaram Jean Huss. O que ganhou o concílio de Constança? Cobrir-se com uma nódoa indelével. Mas as ideias do mártir não foram queimadas; elas foram um dos fundamentos da reforma. A posteridade conferiu a glória a Jean Huss e a vergonha ao concílio. (Revista Espírita, agosto de 1866). Hoje já não queimam, mas perseguem de outras maneiras.
Sem dúvida, quando desaba uma tempestade, muitos se põem ao abrigo. As perseguições podem, portanto, ter por efeito um momentâneo impedimento à livre manifestação do pensamento. Crendo tê-lo abafado, os perseguidores adormecem numa segurança enganadora. Entretanto, ele não deixa de subsistir, e as ideias comprimidas são como plantas em estufa: crescem mais depressa.
O Espiritismo em Cadiz, em 1853 e 1868
Por diversas vezes tivemos ocasião de dizer que o Espiritismo conta com numerosos adeptos na Espanha, o que prova que a compressão das ideias não as impede de se produzirem. Há muito tempo sabíamos que Cádiz era a sede de um importante centro espírita. Um dos membros dessa Sociedade, tendo vindo a Paris o ano passado, deu-nos a respeito detalhes circunstanciados de alto interesse, e que depois nos lembrou em sua correspondência. Só a abundância de matéria nos impediu de publicá-los mais cedo.
Os espíritas de Cádiz reivindicam para a sua cidade a honra de ter sido uma das primeiras, senão a primeira na Europa, a possuir uma reunião espírita constituída, e recebendo comunicações regulares dos Espíritos, pela escrita e pela tiptologia, sobre temas de Moral e de Filosofia. Essa pretensão é, com efeito, justificada pela publicação de um livro impresso em espanhol, em Cádiz, em 1854. Ele contém um prefácio explicativo sobre a descoberta das mesas falantes e da maneira de utilizálas; depois o relato das respostas às perguntas feitas aos Espíritos numa série de sessões realizadas em 1853. O processo consistia no emprego de uma mesinha de três pés e de um alfabeto dividido em três séries, correspondendo cada uma a um dos pés da mesinha. Sem dúvida as respostas são muito elementares, em comparação ao que hoje se obtém, e nem todas são de uma exatidão irreprochável, mas na maioria são compatíveis com o ensinamento atual. Citaremos apenas algumas delas, para mostrar que na época em que, aliás, quase por toda parte, não se ocupavam das mesas falantes senão como objeto de distração, em Cádiz já pensavam em utilizar o fenômeno para instrução séria.
(8 de novembro de 1853) ─ Aqui está presente um Espírito?
─ Sim.
─ Como te chamas?
─ Eqe.
─ Que parte do mundo habitaste?A América do Norte.
Eras homem ou mulher?
─ Mulher.
─ Dize-nos o teu nome em inglês. ─ Akka.
─ Como traduzes belo em inglês?
─ Fine.
─ Por que vieste aqui?
─ Para fazer o bem.
─ A ti ou a nós?
─ A todos.
─ Então podes dar-nos esse bem?
─ Posso; tudo está no trabalho.
─ Como alcançaremos o bem?
─ Emancipando a mulher; tudo depende dela.
(11 de novembro) O Espírito Eqe.
─ Há um outro modo de nos comunicarmos com os Espíritos?
─ Sim, pelo pensamento.
─ De que maneira?
─ Leio o teu.
─ E como poderíamos nos entender com o pensamento dos Espíritos?
─ Pela concentração.
─ Há um meio de chegar a isto facilmente?
─ Sim, a felicidade.
─ Como se obtém a felicidade?
─ Amando-vos uns aos outros.
(25 de novembro) Anna Ruiz:
─ Para onde vai nossa alma ao se separar do corpo?
─ Ela não deixa a Terra. ─ Queres dizer o corpo?
─ Não, a alma.
─ Tens os mesmos prazeres na outra vida que nesta aqui?
─ Os mesmos e melhores: nós trabalhamos em todo o Universo.
(26 de novembro) Odiuz:
─ Os Espíritos revestem uma forma?
─ Sim.
─ Qual?
─ A forma humana. Há dois corpos: um material, outro de luz.
─ O corpo de luz é o Espírito?
Não; é uma agregação de éter. Fluidos leves formam o corpo de luz.
O que é um Espírito?
─ Um homem em estado de essência.
─ Qual é o seu destino?
─ Organizar o movimento material cósmico; cooperar com Deus para a ordem e nas leis dos mundos no Universo.
(30 de novembro) Um Espírito, espontaneamente.
A ordem distribui as harmonias. Esta lei vos diz que cada globo do sistema solar é habitado por uma Humanidade como a vossa; cada membro dessa Humanidade é um ser completo na classe que ocupa; ele possui uma cabeça, um tronco e membros. Cada um tem a sua destinação marcada, coletiva ou terrestre, visível ou invisível. O Sol, como os planetas e os seus satélites, tem seus habitantes com um destino complexo. Cada uma das Humanidades que povoam esses diversos globos tem sua dupla existência, visível e invisível, e uma palavra espiritual apropriada a cada um desses estados.
(1º de dezembro) Odiuz.
Lede João e tereis a significação da palavra verbo.Sabereis o que é o verbo da Humanidade solar; cada Humanidade tem a sua Providência, seu homem-Deus; a luz do homem-Deus solar é a Providência antropomórfica de todos os globos do sistema solar.
(8 de dezembro) ─ Há analogia entre a luz material e a luz espiritual?
─ O sol ilumina, os planetas refletem sua luz. A inteligência solar ilumina as inteligências planetárias, e estas as de seus satélites. A luz inteligente emana do cérebro da Humanidade solar, que é a centelha inteligente, como o sol é a centelha material de todos os astros. Há também analogia no modo de expansão da luz inteligente em cada Humanidade que a recebe do foco principal para transmiti-la aos seus membros.
Há unidade de sistema entre o mundo material e o mundo espiritual.
Nós temos a Natureza que reflete as leis que precederam a criação. A seguir vem o espírito humano que analisa a Natureza, para descobrir essas leis, interpretálas e compreendê-las. Essa análise é para a luz espiritual o que é a refração para a luz física, porque a Humanidade inteira forma um prisma intelectual, no qual a luz divina única se refrata de mil maneiras diferentes.
(4 de janeiro de 1854).
─ Por que nem sempre os Espíritos vêm ao nosso apelo?
─ Porque eles são muito ocupados.
─ Por que alguns dos Espíritos que se apresentaram até agora responderam por enigmas ou por absurdos?
Porque eram Espíritos ignorantes ou levianos.
Como distingui-los dos Espíritos sérios?
─ Por suas respostas.
─ Podem os Espíritos tornar-se visíveis?
─ Algumas vezes.
─ Em que caso?
─ Quando se trata de humilhar o fanatismo.
─ Sob que forma o Espírito se apresentou ao arcebispo de Paris?
─ Forma humana.
─ Qual a verdadeira religião?
─ Amar-vos uns aos outros.
O extrato seguinte, de uma carta do nosso correspondente, em data de 17 de outubro de 1867, dará uma ideia do espírito que preside à Sociedade Espírita atual de Cádiz:
“Há onze anos estamos em comunicação com Espíritos da vida superior e, nesse espaço de tempo, eles nos fizeram revelações importantes sobre a moral, a vida espiritual e outros assuntos que interessam ao progresso.
“Reunimo-nos cinco vezes por semana. O Espírito presidente de nossa Sociedade, ao qual os outros Espíritos concedem uma certa supremacia, chama-se Pastoret. Temos em Dona J... uma excelente médium vidente e falante. Ela se comunica por meio de uma mesinha de três pés, que só lhe serve para estabelecer a corrente fluídica, e vê as palavras escritas numa espécie de fita fluídica que passa incessantemente diante dos seus olhos, e nela lê como num livro. Esse meio de comunicação, acrescido da benevolência dos Espíritos que vêm às nossas sessões, permite-nos que apresentemos as nossas observações e que estabeleçamos discussões quase familiares com esses mesmos Espíritos.
“Cada noite a sessão é aberta pela presença do Espírito do Dr. Gardoqui, que conhecemos, e que em vida exercia a medicina em Cádiz. Depois de dar conselhos aos nossos irmãos presentes, ele vai visitar os doentes que lhe recomendamos; indica os remédios necessários e quase sempre com sucesso.
“Depois da visita do médico, vem o Espírito familiar do círculo, que nos traz outros Espíritos, tanto superiores para nos instruir, quanto inferiores para que os ajudemos com os nossos conselhos e o nosso encorajamento. Por indicação dos nossos guias, realizamos periodicamente missões de caridade em favor dos pobres.
“Além do ridículo, contra o qual vós, franceses, tendes que lutar tanto quanto nós, nós lutamos contra a intolerância. Contudo, não desanimamos, porque a força de convicção que Deus nos dá é mais poderosa que os obstáculos.
“Terminamos cada sessão pela seguinte prece:
“Pai universal! Senhor todo-poderoso! Nós nos dirigimos a ti, porque te reconhecemos como o Deus único e eterno. Pai! Desejamos não incorrer no teu desagrado, mas ao contrário avançar a nossa purificação para nos aproximarmos de ti, único bem verdadeiro, suprema felicidade prometida aos que retornam para junto de ti.
“Senhor! Nós te lembramos continuamente os nossos pecados, a fim de que nolos perdoes, após a expiação que eles merecem. Quanto já devemos à tua grande bondade! Sê misericordioso para conosco.
“Pai eterno, tu me deste a vida e com a vida a inteligência para te conhecer, um coração para te amar e para amar os meus semelhantes. Minha inteligência crescerá quando eu pensar em ti e quando me elevar a ti.
“Pai universal de todos os seres, grande arquiteto do Universo, água bendita com que estancamos a sede do amor divino, nem o curso do tempo, nem a diferença das inteligências impedem de reconhecer-te, porque teu grande poder e teu grande amor se veem por toda parte.
“Pai! Nós nos recomendamos à tua misericórdia, e como prova de nossa sinceridade, nós te ofertamos nossas vidas, nossos bens, tudo quanto nos deste. Nada possuímos que não venha de ti; pomos tudo à disposição dos nossos irmãos necessitados, para que eles aproveitem o fruto de nossa inteligência e do nosso trabalho.
“Nós somos teus filhos, Senhor, e solicitamos de tua infinita bondade um raio de luz para nos conduzir no caminho que nos mostraste, até que cheguemos ao complemento de nossa felicidade.
“Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; que tua vontade seja feita na Terra como no Céu. Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia. Perdoa-nos as ofensas como perdoamos aos que nos ofenderam, agora e sempre, até à hora de nossa morte.
“Nós te dirigimos as nossas preces, Pai infinitamente bom, por todos os nossos irmãos que sofrem na Terra e no espaço. Nosso pensamento é para eles e a nossa confiança está em ti.”
Que os espíritas de Cádiz recebam, por nosso intermédio, as sinceras felicitações de seus irmãos de todos os países. A iniciativa que tomaram, na extremidade da Europa e numa terra refratária, sem relações com os outros centros, sem outro guia senão suas próprias inspirações, quando o Espiritismo ainda estava na sua infância, quase por toda parte, é mais uma prova que o movimento regenerador recebe seu impulso de mais alto que a Terra, e que seu foco está em toda parte; que, assim, é temerário e presunçoso esperar abafá-lo comprimindo num ponto, pois que, em falta e uma saída, há mil outros pelos quais será feita a luz. Para que servem as barreiras contra aquilo que vem do alto? De que serve esmagar alguns indivíduos, quando há milhões disseminados por toda a Terra, que recebem a luz e a espalham? Querer aniquilar o que está fora do poder do homem, não é representar o papel de gigantes que quisessem escalar o céu?
Os espíritas de Cádiz reivindicam para a sua cidade a honra de ter sido uma das primeiras, senão a primeira na Europa, a possuir uma reunião espírita constituída, e recebendo comunicações regulares dos Espíritos, pela escrita e pela tiptologia, sobre temas de Moral e de Filosofia. Essa pretensão é, com efeito, justificada pela publicação de um livro impresso em espanhol, em Cádiz, em 1854. Ele contém um prefácio explicativo sobre a descoberta das mesas falantes e da maneira de utilizálas; depois o relato das respostas às perguntas feitas aos Espíritos numa série de sessões realizadas em 1853. O processo consistia no emprego de uma mesinha de três pés e de um alfabeto dividido em três séries, correspondendo cada uma a um dos pés da mesinha. Sem dúvida as respostas são muito elementares, em comparação ao que hoje se obtém, e nem todas são de uma exatidão irreprochável, mas na maioria são compatíveis com o ensinamento atual. Citaremos apenas algumas delas, para mostrar que na época em que, aliás, quase por toda parte, não se ocupavam das mesas falantes senão como objeto de distração, em Cádiz já pensavam em utilizar o fenômeno para instrução séria.
(8 de novembro de 1853) ─ Aqui está presente um Espírito?
─ Sim.
─ Como te chamas?
─ Eqe.
─ Que parte do mundo habitaste?A América do Norte.
Eras homem ou mulher?
─ Mulher.
─ Dize-nos o teu nome em inglês. ─ Akka.
─ Como traduzes belo em inglês?
─ Fine.
─ Por que vieste aqui?
─ Para fazer o bem.
─ A ti ou a nós?
─ A todos.
─ Então podes dar-nos esse bem?
─ Posso; tudo está no trabalho.
─ Como alcançaremos o bem?
─ Emancipando a mulher; tudo depende dela.
(11 de novembro) O Espírito Eqe.
─ Há um outro modo de nos comunicarmos com os Espíritos?
─ Sim, pelo pensamento.
─ De que maneira?
─ Leio o teu.
─ E como poderíamos nos entender com o pensamento dos Espíritos?
─ Pela concentração.
─ Há um meio de chegar a isto facilmente?
─ Sim, a felicidade.
─ Como se obtém a felicidade?
─ Amando-vos uns aos outros.
(25 de novembro) Anna Ruiz:
─ Para onde vai nossa alma ao se separar do corpo?
─ Ela não deixa a Terra. ─ Queres dizer o corpo?
─ Não, a alma.
─ Tens os mesmos prazeres na outra vida que nesta aqui?
─ Os mesmos e melhores: nós trabalhamos em todo o Universo.
(26 de novembro) Odiuz:
─ Os Espíritos revestem uma forma?
─ Sim.
─ Qual?
─ A forma humana. Há dois corpos: um material, outro de luz.
─ O corpo de luz é o Espírito?
Não; é uma agregação de éter. Fluidos leves formam o corpo de luz.
O que é um Espírito?
─ Um homem em estado de essência.
─ Qual é o seu destino?
─ Organizar o movimento material cósmico; cooperar com Deus para a ordem e nas leis dos mundos no Universo.
(30 de novembro) Um Espírito, espontaneamente.
A ordem distribui as harmonias. Esta lei vos diz que cada globo do sistema solar é habitado por uma Humanidade como a vossa; cada membro dessa Humanidade é um ser completo na classe que ocupa; ele possui uma cabeça, um tronco e membros. Cada um tem a sua destinação marcada, coletiva ou terrestre, visível ou invisível. O Sol, como os planetas e os seus satélites, tem seus habitantes com um destino complexo. Cada uma das Humanidades que povoam esses diversos globos tem sua dupla existência, visível e invisível, e uma palavra espiritual apropriada a cada um desses estados.
(1º de dezembro) Odiuz.
Lede João e tereis a significação da palavra verbo.Sabereis o que é o verbo da Humanidade solar; cada Humanidade tem a sua Providência, seu homem-Deus; a luz do homem-Deus solar é a Providência antropomórfica de todos os globos do sistema solar.
(8 de dezembro) ─ Há analogia entre a luz material e a luz espiritual?
─ O sol ilumina, os planetas refletem sua luz. A inteligência solar ilumina as inteligências planetárias, e estas as de seus satélites. A luz inteligente emana do cérebro da Humanidade solar, que é a centelha inteligente, como o sol é a centelha material de todos os astros. Há também analogia no modo de expansão da luz inteligente em cada Humanidade que a recebe do foco principal para transmiti-la aos seus membros.
Há unidade de sistema entre o mundo material e o mundo espiritual.
Nós temos a Natureza que reflete as leis que precederam a criação. A seguir vem o espírito humano que analisa a Natureza, para descobrir essas leis, interpretálas e compreendê-las. Essa análise é para a luz espiritual o que é a refração para a luz física, porque a Humanidade inteira forma um prisma intelectual, no qual a luz divina única se refrata de mil maneiras diferentes.
(4 de janeiro de 1854).
─ Por que nem sempre os Espíritos vêm ao nosso apelo?
─ Porque eles são muito ocupados.
─ Por que alguns dos Espíritos que se apresentaram até agora responderam por enigmas ou por absurdos?
Porque eram Espíritos ignorantes ou levianos.
Como distingui-los dos Espíritos sérios?
─ Por suas respostas.
─ Podem os Espíritos tornar-se visíveis?
─ Algumas vezes.
─ Em que caso?
─ Quando se trata de humilhar o fanatismo.
─ Sob que forma o Espírito se apresentou ao arcebispo de Paris?
─ Forma humana.
─ Qual a verdadeira religião?
─ Amar-vos uns aos outros.
O extrato seguinte, de uma carta do nosso correspondente, em data de 17 de outubro de 1867, dará uma ideia do espírito que preside à Sociedade Espírita atual de Cádiz:
“Há onze anos estamos em comunicação com Espíritos da vida superior e, nesse espaço de tempo, eles nos fizeram revelações importantes sobre a moral, a vida espiritual e outros assuntos que interessam ao progresso.
“Reunimo-nos cinco vezes por semana. O Espírito presidente de nossa Sociedade, ao qual os outros Espíritos concedem uma certa supremacia, chama-se Pastoret. Temos em Dona J... uma excelente médium vidente e falante. Ela se comunica por meio de uma mesinha de três pés, que só lhe serve para estabelecer a corrente fluídica, e vê as palavras escritas numa espécie de fita fluídica que passa incessantemente diante dos seus olhos, e nela lê como num livro. Esse meio de comunicação, acrescido da benevolência dos Espíritos que vêm às nossas sessões, permite-nos que apresentemos as nossas observações e que estabeleçamos discussões quase familiares com esses mesmos Espíritos.
“Cada noite a sessão é aberta pela presença do Espírito do Dr. Gardoqui, que conhecemos, e que em vida exercia a medicina em Cádiz. Depois de dar conselhos aos nossos irmãos presentes, ele vai visitar os doentes que lhe recomendamos; indica os remédios necessários e quase sempre com sucesso.
“Depois da visita do médico, vem o Espírito familiar do círculo, que nos traz outros Espíritos, tanto superiores para nos instruir, quanto inferiores para que os ajudemos com os nossos conselhos e o nosso encorajamento. Por indicação dos nossos guias, realizamos periodicamente missões de caridade em favor dos pobres.
“Além do ridículo, contra o qual vós, franceses, tendes que lutar tanto quanto nós, nós lutamos contra a intolerância. Contudo, não desanimamos, porque a força de convicção que Deus nos dá é mais poderosa que os obstáculos.
“Terminamos cada sessão pela seguinte prece:
“Pai universal! Senhor todo-poderoso! Nós nos dirigimos a ti, porque te reconhecemos como o Deus único e eterno. Pai! Desejamos não incorrer no teu desagrado, mas ao contrário avançar a nossa purificação para nos aproximarmos de ti, único bem verdadeiro, suprema felicidade prometida aos que retornam para junto de ti.
“Senhor! Nós te lembramos continuamente os nossos pecados, a fim de que nolos perdoes, após a expiação que eles merecem. Quanto já devemos à tua grande bondade! Sê misericordioso para conosco.
“Pai eterno, tu me deste a vida e com a vida a inteligência para te conhecer, um coração para te amar e para amar os meus semelhantes. Minha inteligência crescerá quando eu pensar em ti e quando me elevar a ti.
“Pai universal de todos os seres, grande arquiteto do Universo, água bendita com que estancamos a sede do amor divino, nem o curso do tempo, nem a diferença das inteligências impedem de reconhecer-te, porque teu grande poder e teu grande amor se veem por toda parte.
“Pai! Nós nos recomendamos à tua misericórdia, e como prova de nossa sinceridade, nós te ofertamos nossas vidas, nossos bens, tudo quanto nos deste. Nada possuímos que não venha de ti; pomos tudo à disposição dos nossos irmãos necessitados, para que eles aproveitem o fruto de nossa inteligência e do nosso trabalho.
“Nós somos teus filhos, Senhor, e solicitamos de tua infinita bondade um raio de luz para nos conduzir no caminho que nos mostraste, até que cheguemos ao complemento de nossa felicidade.
“Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; que tua vontade seja feita na Terra como no Céu. Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia. Perdoa-nos as ofensas como perdoamos aos que nos ofenderam, agora e sempre, até à hora de nossa morte.
“Nós te dirigimos as nossas preces, Pai infinitamente bom, por todos os nossos irmãos que sofrem na Terra e no espaço. Nosso pensamento é para eles e a nossa confiança está em ti.”
Que os espíritas de Cádiz recebam, por nosso intermédio, as sinceras felicitações de seus irmãos de todos os países. A iniciativa que tomaram, na extremidade da Europa e numa terra refratária, sem relações com os outros centros, sem outro guia senão suas próprias inspirações, quando o Espiritismo ainda estava na sua infância, quase por toda parte, é mais uma prova que o movimento regenerador recebe seu impulso de mais alto que a Terra, e que seu foco está em toda parte; que, assim, é temerário e presunçoso esperar abafá-lo comprimindo num ponto, pois que, em falta e uma saída, há mil outros pelos quais será feita a luz. Para que servem as barreiras contra aquilo que vem do alto? De que serve esmagar alguns indivíduos, quando há milhões disseminados por toda a Terra, que recebem a luz e a espalham? Querer aniquilar o que está fora do poder do homem, não é representar o papel de gigantes que quisessem escalar o céu?
Dissertações espíritas
instrução das mulheres
(Joinville Haute-Marne, 10 de março de 1868 - Médium: Sra. P...)
Neste momento, a instrução da mulher é uma das mais graves questões, porque não contribuirá pouco para realizar as grandes ideias de liberdade que dormem no fundo dos corações.
Honra aos homens de coragem que tomaram a sua iniciativa! Eles podem, de antemão, estar certos do sucesso de seus trabalhos. Sim, soou a hora da libertação da mulher; ela quer ser livre, e para isto há que libertar a sua inteligência dos erros e dos preconceitos do passado. É pelo estudo que ela alargará o círculo de seus conhecimentos estreitos e mesquinhos. Livre, ela fundará a sua religião sobre a moral, que é de todos os tempos e de todos os países. Ela quer ser e será a companheira inteligente do homem, sua conselheira, sua amiga, a instrutora de seus filhos e não um joguete de que se servem como uma coisa, e que depois se despreza para tomar outra coisa.
Ela quer trazer sua pedra ao edifício social que se ergue neste momento ao poderoso sopro do progresso.
É verdade que, uma vez instruída, ela escapa das mãos daqueles que a convertem num instrumento. Como um pássaro cativo, ela quebra a sua gaiola e voa para os vastos campos do infinito. É verdade que, pelo conhecimento das leis imutáveis que regem mundos, ela compreenderá Deus de modo diferente do que lhe ensinam; não acreditará mais num Deus vingador, parcial e cruel, porque sua razão lhe dirá que a vingança, a parcialidade e a crueldade não podem conciliar-se com a justiça e a bondade. O seu Deus, o dela, será todo amor, mansuetude e perdão.
Mais tarde ela conhecerá os laços de solidariedade que unem os povos entre si, e os aplicará em seu redor, espalhando com profusão tesouros de caridade, de amor e de benevolência para com todos. A qualquer seita a que pertença, saberá que todos os homens são irmãos e que o mais forte não recebeu a força senão para proteger o fraco e elevá-lo na Sociedade ao verdadeiro nível que ele deve ocupar.
Sim, a mulher é um ser perfectível como o homem, e suas aspirações são legítimas; seu pensamento é livre, e nenhum poder no mundo tem o direito de escravizá-la aos seus interesses e às suas paixões. Ela reclama sua parte de atividade intelectual, e a obterá, porque há uma lei mais poderosa do que todas as leis humanas, é a do progresso, à qual toda a criação está submetida.
UM ESPÍRITO
OBSERVAÇÃO: Temos dito e repetido muitas vezes, a emancipação da mulher será a consequência da difusão do Espiritismo, porque ele funda os seus direitos, não numa ideia filosófica generosa, mas na própria identidade da natureza do Espírito. Provando que não há Espíritos homens e Espíritos mulheres; que todos têm a mesma essência, a mesma origem e o mesmo destino, ele consagra a igualdade dos direitos. A grande lei da reencarnação vem, além disto, sancionar esse princípio. Considerando-se que os mesmos Espíritos podem encarnar-se tanto como homens quanto como mulheres, disso resulta que o homem que escraviza a mulher poderá ser escravizado por sua vez; que assim, trabalhando pela emancipação das mulheres, os homens trabalham pela emancipação geral e, por consequência, em proveito próprio. As mulheres têm, pois, um interesse direto na propagação do Espiritismo, porque este fornece ao apoio de sua causa os mais poderosos argumentos que jamais foram invocados. (Vide a Revista Espírita de janeiro de 1866 e junho de 1867).
ALLAN KARDEC.
Honra aos homens de coragem que tomaram a sua iniciativa! Eles podem, de antemão, estar certos do sucesso de seus trabalhos. Sim, soou a hora da libertação da mulher; ela quer ser livre, e para isto há que libertar a sua inteligência dos erros e dos preconceitos do passado. É pelo estudo que ela alargará o círculo de seus conhecimentos estreitos e mesquinhos. Livre, ela fundará a sua religião sobre a moral, que é de todos os tempos e de todos os países. Ela quer ser e será a companheira inteligente do homem, sua conselheira, sua amiga, a instrutora de seus filhos e não um joguete de que se servem como uma coisa, e que depois se despreza para tomar outra coisa.
Ela quer trazer sua pedra ao edifício social que se ergue neste momento ao poderoso sopro do progresso.
É verdade que, uma vez instruída, ela escapa das mãos daqueles que a convertem num instrumento. Como um pássaro cativo, ela quebra a sua gaiola e voa para os vastos campos do infinito. É verdade que, pelo conhecimento das leis imutáveis que regem mundos, ela compreenderá Deus de modo diferente do que lhe ensinam; não acreditará mais num Deus vingador, parcial e cruel, porque sua razão lhe dirá que a vingança, a parcialidade e a crueldade não podem conciliar-se com a justiça e a bondade. O seu Deus, o dela, será todo amor, mansuetude e perdão.
Mais tarde ela conhecerá os laços de solidariedade que unem os povos entre si, e os aplicará em seu redor, espalhando com profusão tesouros de caridade, de amor e de benevolência para com todos. A qualquer seita a que pertença, saberá que todos os homens são irmãos e que o mais forte não recebeu a força senão para proteger o fraco e elevá-lo na Sociedade ao verdadeiro nível que ele deve ocupar.
Sim, a mulher é um ser perfectível como o homem, e suas aspirações são legítimas; seu pensamento é livre, e nenhum poder no mundo tem o direito de escravizá-la aos seus interesses e às suas paixões. Ela reclama sua parte de atividade intelectual, e a obterá, porque há uma lei mais poderosa do que todas as leis humanas, é a do progresso, à qual toda a criação está submetida.
UM ESPÍRITO
OBSERVAÇÃO: Temos dito e repetido muitas vezes, a emancipação da mulher será a consequência da difusão do Espiritismo, porque ele funda os seus direitos, não numa ideia filosófica generosa, mas na própria identidade da natureza do Espírito. Provando que não há Espíritos homens e Espíritos mulheres; que todos têm a mesma essência, a mesma origem e o mesmo destino, ele consagra a igualdade dos direitos. A grande lei da reencarnação vem, além disto, sancionar esse princípio. Considerando-se que os mesmos Espíritos podem encarnar-se tanto como homens quanto como mulheres, disso resulta que o homem que escraviza a mulher poderá ser escravizado por sua vez; que assim, trabalhando pela emancipação das mulheres, os homens trabalham pela emancipação geral e, por consequência, em proveito próprio. As mulheres têm, pois, um interesse direto na propagação do Espiritismo, porque este fornece ao apoio de sua causa os mais poderosos argumentos que jamais foram invocados. (Vide a Revista Espírita de janeiro de 1866 e junho de 1867).
ALLAN KARDEC.