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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868 > Outubro
Outubro
Meditações (Por C. Tschokke)(Artigo enviado de São Petersburgo)
Entre os livros de alta piedade, cujos autores, penetrados das verdadeiras ideias
cristãs, tratam todas as questões religiosas e abstratas com um zelo esclarecido,
isento de preconceitos e de fanatismo, um dos que na Alemanha desfrutam de
grandíssima estima, em todos os sentidos merecida, é, sem contradita, o que tem por
título Horas de Piedade (Stunden der Andacht), por C. Tschokke, distinto escritor
suíço, autor de muitas obras literárias escritas em língua alemã e muito apreciadas na
Alemanha. Esse livro teve, desde 1815, mais de quarenta edições. Os supostos
ortodoxos, mesmo protestantes, em geral acham que o livro é demasiado liberal em
suas ideias, em matéria de religião, e que o autor não se apoia suficientemente nos
dogmas e nas decisões dos Concílios; mas os crentes esclarecidos, os que procuram
as consolações da religião e desejam adquirir as luzes necessárias para compreender
as verdades, depois de o terem lido e meditado, farão plena justiça às luzes e à
tocante piedade do autor.
Damos aqui a tradução de duas meditações contidas nesse livro notável, porque elas encerram ideias inteiramente espíritas, expostas com perfeita justeza, há mais de cinquenta anos. Numa e noutra se acham uma definição muito exata e admiravelmente elaborada do corpo espiritual ou perispírito, ideias muito sãs e muito lúcidas sobre a ressurreição e a pluralidade das existências, através das quais já se projeta a grande luz da sublime doutrina da reencarnação, esta pedra angular do Espiritismo moderno.
W. FOELKNER
Damos aqui a tradução de duas meditações contidas nesse livro notável, porque elas encerram ideias inteiramente espíritas, expostas com perfeita justeza, há mais de cinquenta anos. Numa e noutra se acham uma definição muito exata e admiravelmente elaborada do corpo espiritual ou perispírito, ideias muito sãs e muito lúcidas sobre a ressurreição e a pluralidade das existências, através das quais já se projeta a grande luz da sublime doutrina da reencarnação, esta pedra angular do Espiritismo moderno.
W. FOELKNER
141a MEDITAÇÃO DO NASCIMENTO E DA MORTE
O nascimento e a morte são ambos cercados de trevas impenetráveis. Ninguém sabe de onde veio, quando Deus o chamou; ninguém sabe para onde irá, quando Deus o chamar. Quem poderia dizer-me se eu já não existi, antes de tomar o meu corpo atual? O que é este corpo, que pertence tão pouco ao meu eu, que, durante uma existência de cinquenta anos, eu o terei mudado várias vezes como uma roupa?
O nascimento e a morte são ambos cercados de trevas impenetráveis. Ninguém sabe de onde veio, quando Deus o chamou; ninguém sabe para onde irá, quando Deus o chamar. Quem poderia dizer-me se eu já não existi, antes de tomar o meu corpo atual? O que é este corpo, que pertence tão pouco ao meu eu, que, durante uma existência de cinquenta anos, eu o terei mudado várias vezes como uma roupa?
Eu não tenho mais a mesma carne e o mesmo sangue que tinha quando estava no
seio, nos anos de minha juventude e na maturidade. As partes de meu corpo que me
pertenceram durante a primeira idade, já estão há muito tempo dissolvidas e
evaporadas. Só o espírito fica o mesmo durante todas as variações que sofre o seu
envoltório terreno. Por que necessitaria eu, para a minha existência, do corpo que
possuía quando eu era uma criança? Se existi antes dele, onde estava eu? E quando
me desembaraçar de minha roupa atual, onde estarei? Ninguém me responde. Aqui
vim como que por milagre e é por milagre que desaparecerei. O nascimento e a
morte lembram ao homem esta verdade tantas vezes por ele esquecida porque ele se
encontra sob o poder de Deus.
Mas essa verdade é, ao mesmo tempo, uma consolação. O poder de Deus é o poder da sabedoria, o encanto do amor. Se o começo e o fim de minha vida forem envoltos em trevas, tenho que pensar que isto deve ser um benefício para mim, como tudo o que vem de Deus é benefício e graça. Quando tudo em redor de mim proclama a sua sabedoria suprema e a sua bondade infinita, posso crer que as trevas que cercam o berço e o esquife sejam as únicas exceções? É possível que eu já tenha existido uma vez, mesmo várias vezes? Quem conhece os mistérios da natureza dos Espíritos? [1] Minha presença na Terra não seria talvez uma fraca imagem da existência eterna? Já não vejo aqui a minha passagem de eternidade a eternidade, como num espelho opaco?
Ousaria eu embalar-me em estranhos pressentimentos? Esta vida seria realmente uma imagem em miniatura da existência eterna? Que seria se eu já tivesse tido várias existências; se cada uma das minhas existências fosse uma hora de vigília da infância de meu Espírito e cada mudança de seu envoltório, de suas relações ou o que se chama morte, um letargo para um despertar com forças novas? É verdade que me é impossível saber quantas vezes e como existi, antes que Deus me tivesse chamado à existência atual; mas a criança de colo sabe mais do que eu de suas primeiras horas? Então ela perdeu tanto a ponto de não se lembrar de seus primeiros sorrisos e de suas primeiras lágrimas? Quando ela tiver mais idade certamente não se recordará mais do que agora, mas saberá o que foi em seus primeiros anos; saberá que sorriu, chorou, dormiu, acordou, sonhou como os outros. Se é possível aqui na Terra, por que seria impossível que um dia, depois de uma viagem mais elevada de meu espírito imortal, ele pudesse lembrar e analisar sua jornada, as diversas circunstâncias em que se encontrou durante sua viagem e nos mundos que habitou? Em que degrau de idade estou agora colocado? Ainda pareço a criança que uma hora depois esquece os acontecimentos da hora precedente e não está em condições de guardar a lembrança de um sonho que tendo-o transportado à vida exterior o separou da vigília precedente; mas me pareço com a criança que, pelo menos, já sabe reconhecer os seus pais. Ela esquece os prazeres e os desgostos do momento decorrido, mas a cada despertar reconhece novamente suas feições queridas. Assim se dá comigo: eu também reconheço meu Pai, meu Deus no Todo-Eterno. Eu o teria procurado com os olhos, tê-lo-ia chamado, mesmo que ninguém me tivesse falado dele, porque a lembrança do Pai Celeste, ao que se diz, é inata em cada homem. Todos os povos guardam essa lembrança, mesmo os mais selvagens cujas ilhas solitárias banhadas pelo oceano jamais foram abordadas por viajantes civilizados. Dizem inata; talvez se devesse dizer herdada, transportada de uma vida anterior, assim como a criancinha, num sonho posterior, se lembra da imagem de sua mãe num sonho anterior.
Mas essa verdade é, ao mesmo tempo, uma consolação. O poder de Deus é o poder da sabedoria, o encanto do amor. Se o começo e o fim de minha vida forem envoltos em trevas, tenho que pensar que isto deve ser um benefício para mim, como tudo o que vem de Deus é benefício e graça. Quando tudo em redor de mim proclama a sua sabedoria suprema e a sua bondade infinita, posso crer que as trevas que cercam o berço e o esquife sejam as únicas exceções? É possível que eu já tenha existido uma vez, mesmo várias vezes? Quem conhece os mistérios da natureza dos Espíritos? [1] Minha presença na Terra não seria talvez uma fraca imagem da existência eterna? Já não vejo aqui a minha passagem de eternidade a eternidade, como num espelho opaco?
Ousaria eu embalar-me em estranhos pressentimentos? Esta vida seria realmente uma imagem em miniatura da existência eterna? Que seria se eu já tivesse tido várias existências; se cada uma das minhas existências fosse uma hora de vigília da infância de meu Espírito e cada mudança de seu envoltório, de suas relações ou o que se chama morte, um letargo para um despertar com forças novas? É verdade que me é impossível saber quantas vezes e como existi, antes que Deus me tivesse chamado à existência atual; mas a criança de colo sabe mais do que eu de suas primeiras horas? Então ela perdeu tanto a ponto de não se lembrar de seus primeiros sorrisos e de suas primeiras lágrimas? Quando ela tiver mais idade certamente não se recordará mais do que agora, mas saberá o que foi em seus primeiros anos; saberá que sorriu, chorou, dormiu, acordou, sonhou como os outros. Se é possível aqui na Terra, por que seria impossível que um dia, depois de uma viagem mais elevada de meu espírito imortal, ele pudesse lembrar e analisar sua jornada, as diversas circunstâncias em que se encontrou durante sua viagem e nos mundos que habitou? Em que degrau de idade estou agora colocado? Ainda pareço a criança que uma hora depois esquece os acontecimentos da hora precedente e não está em condições de guardar a lembrança de um sonho que tendo-o transportado à vida exterior o separou da vigília precedente; mas me pareço com a criança que, pelo menos, já sabe reconhecer os seus pais. Ela esquece os prazeres e os desgostos do momento decorrido, mas a cada despertar reconhece novamente suas feições queridas. Assim se dá comigo: eu também reconheço meu Pai, meu Deus no Todo-Eterno. Eu o teria procurado com os olhos, tê-lo-ia chamado, mesmo que ninguém me tivesse falado dele, porque a lembrança do Pai Celeste, ao que se diz, é inata em cada homem. Todos os povos guardam essa lembrança, mesmo os mais selvagens cujas ilhas solitárias banhadas pelo oceano jamais foram abordadas por viajantes civilizados. Dizem inata; talvez se devesse dizer herdada, transportada de uma vida anterior, assim como a criancinha, num sonho posterior, se lembra da imagem de sua mãe num sonho anterior.
Mas eu caio nos sonhos! Quem está em condições de aprová-los ou rejeitá-los?
Eles se assemelham às primeiras lembranças, muito vagas e muito fracas que uma
criança tem de algo que lhe parece ter ocorrido em seus momentos de passadas
vigílias. Nossas mais audaciosas suposições, mesmo quando as julgamos
verdadeiras, não são senão o reflexo fugidio e confuso de nossos sentimentos que
datam de um passado esquecido. Ademais, eu não mais me censuro por isso. Mesmo
supondo-as quiméricas, elas revelam o meu espírito, porque, encarando a nossa vida
terrena como uma hora de uma criança de colo, que vasto e incomensurável
perspectiva da eternidade se desdobra à minha frente! Como será, pois, a juventude
mais adiantada, a plena maturidade de meu espírito imortal, quando, ainda muitas
vezes, eu tiver velado, dormido e subido um maior número de degraus da escada
espiritual?
O dia da morte terrena tornar-se-á meu novo dia de nascimento para uma vida mais elevada e mais perfeita, o começo de um sono que será seguido por um despertar refrescante. A graça divina me sorrirá com um amor maior que a afeição com que uma mãe terrena sorri ao filhinho que desperta do sonho, no momento em que ele abre os olhos.
O dia da morte terrena tornar-se-á meu novo dia de nascimento para uma vida mais elevada e mais perfeita, o começo de um sono que será seguido por um despertar refrescante. A graça divina me sorrirá com um amor maior que a afeição com que uma mãe terrena sorri ao filhinho que desperta do sonho, no momento em que ele abre os olhos.
143a MEDITAÇÃO DA TRANSFIGURAÇÃO APÓS A MORTE
Se tenho o direito de burguesia nos dois mundos, se pertenço não só à vida terrena, mas também à vida espiritual, penso que seja muito perdoável ocupar-me, por vezes, do que me espera nesta última, para a qual um vago ardor me atrai incessantemente... Entretenho-me de muito boa vontade com a lembrança dos que me foram caros e que a morte levou, tanto quanto com aqueles que neste mundo me cumulam de alegria com sua presença, porque os primeiros não deixaram de existir, embora privados de um corpo material. A destruição do corpo não determina a destruição do espírito. Continuo a vos querer, meus amigos ausentes, meus caros defuntos! Posso eu temer não ser igualmente objeto de vossa afeição? Certamente não. Nenhum mortal tem o poder de separar espíritos unidos por Deus, assim como nenhuma sepultura tem esse poder.
Embora me seja oculta a sorte que me aguarda num outro mundo, penso que me seja permitido meditar algumas vezes sobre este assunto, e procurar adivinhar, pelo que aqui vejo, o que lá me poderia acontecer. Se na Terra nos é recusado ver, devemos procurar alimentar em nós a fé que tudo vivifica. ─ Jesus Cristo falou muitas vezes, em alegorias elevadas, do estado da alma após a morte do corpo, e seus discípulos também gostavam de entreter-se sobre este assunto com os seus confidentes, bem como com os que duvidavam da possibilidade da ressurreição dos mortos.
A doutrina da ressurreição dos corpos era uma das mais antigas da religião judaica. Os fariseus a ensinavam, mas de maneira grosseira e material, pretendendo que todos os corpos enterrados nos túmulos deveriam necessariamente tornar-se, um dia, o envoltório e o instrumento dos espíritos que os tinham animado na vida terrestre, ─ opinião que foi plenamente refutada por um outro partido religioso judaico, os saduceus.
Levado um dia a se pronunciar entre estas duas opiniões contrárias, o Cristo demonstrou que os dois partidos religiosos hebreus, à força de aberrações, tinham chegado a erros inteiramente opostos; que a imortalidade da alma, isto é, a continuação de sua existência no outro mundo, ou a ressurreição dos mortos, poderia se dar e dar-se-ia infalivelmente, sem ser uma ressurreição grosseiramente material dos corpos, providos de todas as exigências e de todos os sentidos terrestres necessários à sua conservação e à sua reprodução. Os saduceus reconheceram a verdade de suas palavras. Eles disseram: “Mestre, respondestes muito bem.” (Luc. XX, versículos 27 a 39).
Se tenho o direito de burguesia nos dois mundos, se pertenço não só à vida terrena, mas também à vida espiritual, penso que seja muito perdoável ocupar-me, por vezes, do que me espera nesta última, para a qual um vago ardor me atrai incessantemente... Entretenho-me de muito boa vontade com a lembrança dos que me foram caros e que a morte levou, tanto quanto com aqueles que neste mundo me cumulam de alegria com sua presença, porque os primeiros não deixaram de existir, embora privados de um corpo material. A destruição do corpo não determina a destruição do espírito. Continuo a vos querer, meus amigos ausentes, meus caros defuntos! Posso eu temer não ser igualmente objeto de vossa afeição? Certamente não. Nenhum mortal tem o poder de separar espíritos unidos por Deus, assim como nenhuma sepultura tem esse poder.
Embora me seja oculta a sorte que me aguarda num outro mundo, penso que me seja permitido meditar algumas vezes sobre este assunto, e procurar adivinhar, pelo que aqui vejo, o que lá me poderia acontecer. Se na Terra nos é recusado ver, devemos procurar alimentar em nós a fé que tudo vivifica. ─ Jesus Cristo falou muitas vezes, em alegorias elevadas, do estado da alma após a morte do corpo, e seus discípulos também gostavam de entreter-se sobre este assunto com os seus confidentes, bem como com os que duvidavam da possibilidade da ressurreição dos mortos.
A doutrina da ressurreição dos corpos era uma das mais antigas da religião judaica. Os fariseus a ensinavam, mas de maneira grosseira e material, pretendendo que todos os corpos enterrados nos túmulos deveriam necessariamente tornar-se, um dia, o envoltório e o instrumento dos espíritos que os tinham animado na vida terrestre, ─ opinião que foi plenamente refutada por um outro partido religioso judaico, os saduceus.
Levado um dia a se pronunciar entre estas duas opiniões contrárias, o Cristo demonstrou que os dois partidos religiosos hebreus, à força de aberrações, tinham chegado a erros inteiramente opostos; que a imortalidade da alma, isto é, a continuação de sua existência no outro mundo, ou a ressurreição dos mortos, poderia se dar e dar-se-ia infalivelmente, sem ser uma ressurreição grosseiramente material dos corpos, providos de todas as exigências e de todos os sentidos terrestres necessários à sua conservação e à sua reprodução. Os saduceus reconheceram a verdade de suas palavras. Eles disseram: “Mestre, respondestes muito bem.” (Luc. XX, versículos 27 a 39).
O que Jesus não discutia em público senão muito raramente em detalhe,
tornava-se assunto de seus íntimos entretenimentos com seus discípulos. Estes
tinham as mesmas ideias que ele sobre o estado da alma após a morte e sobre a
doutrina judaica concernente à ressurreição. “Insensatos que sois, diz o apóstolo
Paulo, não vedes que o que semeais não retoma vida, se não morre antes? E quando
semeais, não semeais o corpo da planta que deve nascer, mas somente o grão, como
o do trigo ou de qualquer outra coisa. O corpo, como uma semente, agora é posto em
terra cheio de corrupção e ressuscitará incorruptível. É posto na terra como um
corpo animal e ressuscitará como um corpo espiritual. Como há um corpo animal,
há também um corpo espiritual. A carne e o sangue não podem possuir o reino de
Deus e a corrupção não possuirá a herança incorruptível. (1 Cor. XV:37-50).
O corpo humano, composto de elementos terrestres, voltará à terra e entrará nos elementos que compõem os corpos das plantas, dos animais e dos homens. Esse corpo é incapaz de uma vida eterna; sendo corruptível, ele não pode herdar a incorruptibilidade. Um corpo espiritual nascerá da morte, isto é, o eu espiritual elevar-se-á como transfigurado acima das partes do corpo feridas pela morte, numa liberdade maior e provido de um envoltório espiritual.
Esta doutrina do Evangelho, tal qual saiu das revelações de Jesus e de seus discípulos, corresponde admiravelmente ao que já sabemos da natureza do homem. É irrecusável que o espírito ou alma, além de seu corpo terrestre, é, na realidade, revestido de um corpo espiritual, o qual, exatamente como a reprodução da flor de uma semente apodrecida, se liberta pela morte do corpo material.
Diz-se muitas vezes, por alegoria, que o sono é o irmão da morte, e ele realmente é. O sono não é senão a afastamento do espírito ou da alma, o abandono provisório feito por ela das partes exteriores e mais grosseiras do corpo. A mesma coisa ocorre no momento da morte. Durante o sono, nessas partes de nosso corpo abandonadas por algum tempo por nossa personalidade mais elevada, não reside senão a vida vegetativa. O homem fica num estado de insensibilidade, mas o sangue circula nas veias; sua respiração continua; todas as funções da vida vegetativa estão em plena atividade, assemelhando-se às da vida inconsciente das plantas. Esse afastamento passageiro do elemento espiritual do homem parece necessário, de vez em quando, para o elemento material, porque este último acaba por se destruir, por assim dizer, a si mesmo, por um desgaste muito prolongado, e se enfraquece a serviço do espírito. A vida vegetativa, abandonada a si mesma e deixada em repouso pela atividade do espírito, pode então continuar a trabalhar sem entraves na sua restauração, conforme as leis de sua Natureza. Eis por que, depois de um sono em estado de saúde, sentimos nosso corpo como repousado, com o que se alegra o nosso espírito. Mas depois da morte, a vida vegetativa também abandona os elementos materiais do corpo que lhe deviam sua ligação, e eles se desagregam.
O corpo abandonado pelo espírito ou alma, em certos casos, nos parece ter vida, mesmo quando a morte verdadeira já está consumada, isto é, quando o elemento espiritual já o deixou. O cadáver abandonado por seu espírito continua a respirar e o pulso a bater; diz-se: “Ainda vive.” Por outro lado, por vezes pode acontecer que a força vital, tendo positivamente abandonado algumas partes do corpo, estas estão verdadeiramente mortas, enquanto o espírito e o corpo ficam unidos nas outras partes do corpo onde ainda reside a força vital.
O corpo humano, composto de elementos terrestres, voltará à terra e entrará nos elementos que compõem os corpos das plantas, dos animais e dos homens. Esse corpo é incapaz de uma vida eterna; sendo corruptível, ele não pode herdar a incorruptibilidade. Um corpo espiritual nascerá da morte, isto é, o eu espiritual elevar-se-á como transfigurado acima das partes do corpo feridas pela morte, numa liberdade maior e provido de um envoltório espiritual.
Esta doutrina do Evangelho, tal qual saiu das revelações de Jesus e de seus discípulos, corresponde admiravelmente ao que já sabemos da natureza do homem. É irrecusável que o espírito ou alma, além de seu corpo terrestre, é, na realidade, revestido de um corpo espiritual, o qual, exatamente como a reprodução da flor de uma semente apodrecida, se liberta pela morte do corpo material.
Diz-se muitas vezes, por alegoria, que o sono é o irmão da morte, e ele realmente é. O sono não é senão a afastamento do espírito ou da alma, o abandono provisório feito por ela das partes exteriores e mais grosseiras do corpo. A mesma coisa ocorre no momento da morte. Durante o sono, nessas partes de nosso corpo abandonadas por algum tempo por nossa personalidade mais elevada, não reside senão a vida vegetativa. O homem fica num estado de insensibilidade, mas o sangue circula nas veias; sua respiração continua; todas as funções da vida vegetativa estão em plena atividade, assemelhando-se às da vida inconsciente das plantas. Esse afastamento passageiro do elemento espiritual do homem parece necessário, de vez em quando, para o elemento material, porque este último acaba por se destruir, por assim dizer, a si mesmo, por um desgaste muito prolongado, e se enfraquece a serviço do espírito. A vida vegetativa, abandonada a si mesma e deixada em repouso pela atividade do espírito, pode então continuar a trabalhar sem entraves na sua restauração, conforme as leis de sua Natureza. Eis por que, depois de um sono em estado de saúde, sentimos nosso corpo como repousado, com o que se alegra o nosso espírito. Mas depois da morte, a vida vegetativa também abandona os elementos materiais do corpo que lhe deviam sua ligação, e eles se desagregam.
O corpo abandonado pelo espírito ou alma, em certos casos, nos parece ter vida, mesmo quando a morte verdadeira já está consumada, isto é, quando o elemento espiritual já o deixou. O cadáver abandonado por seu espírito continua a respirar e o pulso a bater; diz-se: “Ainda vive.” Por outro lado, por vezes pode acontecer que a força vital, tendo positivamente abandonado algumas partes do corpo, estas estão verdadeiramente mortas, enquanto o espírito e o corpo ficam unidos nas outras partes do corpo onde ainda reside a força vital.
O sono, um dos maiores segredos da existência humana, merece as nossas
observações mais constantes e atentas; mas a dificuldade que apresentam essas
observações torna-se maior, porquanto, para fazê-las, o espírito observador é
forçado a sujeitar-se às leis da natureza material e deixar esta agir, para lhe dar a
faculdade de se prestar mais facilmente ao seu uso e às suas experiências. Todo sono
é o alimento da força vital. O espírito aí não tem nenhuma participação, porque o
sono é também completamente independente do espírito, tanto quanto a digestão, a
transformação dos alimentos em sangue, o crescimento dos cabelos, ou a separação
do corpo dos líquidos inúteis. O estado de vigília é um consumo de força vital, sua
expansão fora do corpo e sua ação exterior; o sono é uma assimilação, uma atração
dessa mesma força de fora. Eis por que encontramos o sono, não só nos homens e
nos animais, mas também nas plantas que, à aproximação da noite, fecham as
corolas de suas flores ou deixam pender suas folhas, depois de havê-las fechado.
Qual é, pois, o estado de nosso elemento espiritual, durante o seu afastamento de nossos sentidos exteriores? Ele não é mais apto a receber as impressões de fora, pelo uso dos olhos, dos ouvidos, pelo paladar, pelo olfato e pelo tato, mas poder-se- ia dizer que durante esses momentos, o nosso eu se aniquila? Se assim fosse, nosso corpo receberia todas as manhãs um outro Espírito, uma outra alma, em lugar daquela que estaria destruída. Tendo-se o Espírito retirado de seus sentidos, continua a viver e agir, embora não podendo manifestar-se senão imperfeitamente, tendo renunciado por algum tempo aos instrumentos de que tem o hábito de se servir ordinariamente.
Os sonhos são outras tantas provas da continuação da atividade do Espírito. O homem desperto lembra-se de ter sonhado, mas essas lembranças geralmente se tornam vagas ou obscuras pelas vivas impressões que se precipitam subitamente para o Espírito ao despertar, por intermédio dos sentidos. Se mesmo nesse momento ele ignora de que visões se havia ocupado durante o sono, não obstante conserva, no momento de um despertar súbito, a consciência que sua atenção se destacou de alguma coisa que o tinha preocupado, até então, dentro de si mesmo.
O sono se compõe sempre de visões, de desejos e de sentimentos, mas que se formam de uma maneira independente dos objetos exteriores, pois os sentidos exteriores do homem ficam inativos. É por isso que eles raramente deixam uma impressão viva e durável na memória. Então o Espírito devia estar ocupado, embora depois do sono não nos possamos recordar dos resultados de sua atividade. Mas qual o homem que está em condições de se lembrar dos milhares dessas rápidas visões que se apresentam ao seu espírito, mesmo em estado de vigília, em tal ou qual hora do dia? Tem ele, por isso, o direito de pretender que seu espírito não teve visões, justo no momento em que ele estava, antes de tudo, ativo e refletindo?
Durante o sono, o espírito conserva o sentimento de sua existência, tão bem quanto em estado de vigília. Mesmo durante seu sono, ele sabe distinguir-se perfeitamente dos objetos de suas visões. Cada vez que nos lembramos de um sonho, achamos que era o nosso próprio eu que, com um sentimento muito imperfeito de sua individualidade, flutuava entre as imagens de sua própria fantasia. Podemos esquecer os acessórios dos sonhos que sobre nós produziram uma fraca impressão, e durante os quais o nosso espírito não reagiu fortemente por seus desejos e sentimentos. Por conseguinte, poderíamos também esquecer que então tínhamos o sentimento de nossa existência, mas não é uma razão para supor que este último tenha sido suspenso um só instante, pelo fato de não mais nos lembrarmos!
Qual é, pois, o estado de nosso elemento espiritual, durante o seu afastamento de nossos sentidos exteriores? Ele não é mais apto a receber as impressões de fora, pelo uso dos olhos, dos ouvidos, pelo paladar, pelo olfato e pelo tato, mas poder-se- ia dizer que durante esses momentos, o nosso eu se aniquila? Se assim fosse, nosso corpo receberia todas as manhãs um outro Espírito, uma outra alma, em lugar daquela que estaria destruída. Tendo-se o Espírito retirado de seus sentidos, continua a viver e agir, embora não podendo manifestar-se senão imperfeitamente, tendo renunciado por algum tempo aos instrumentos de que tem o hábito de se servir ordinariamente.
Os sonhos são outras tantas provas da continuação da atividade do Espírito. O homem desperto lembra-se de ter sonhado, mas essas lembranças geralmente se tornam vagas ou obscuras pelas vivas impressões que se precipitam subitamente para o Espírito ao despertar, por intermédio dos sentidos. Se mesmo nesse momento ele ignora de que visões se havia ocupado durante o sono, não obstante conserva, no momento de um despertar súbito, a consciência que sua atenção se destacou de alguma coisa que o tinha preocupado, até então, dentro de si mesmo.
O sono se compõe sempre de visões, de desejos e de sentimentos, mas que se formam de uma maneira independente dos objetos exteriores, pois os sentidos exteriores do homem ficam inativos. É por isso que eles raramente deixam uma impressão viva e durável na memória. Então o Espírito devia estar ocupado, embora depois do sono não nos possamos recordar dos resultados de sua atividade. Mas qual o homem que está em condições de se lembrar dos milhares dessas rápidas visões que se apresentam ao seu espírito, mesmo em estado de vigília, em tal ou qual hora do dia? Tem ele, por isso, o direito de pretender que seu espírito não teve visões, justo no momento em que ele estava, antes de tudo, ativo e refletindo?
Durante o sono, o espírito conserva o sentimento de sua existência, tão bem quanto em estado de vigília. Mesmo durante seu sono, ele sabe distinguir-se perfeitamente dos objetos de suas visões. Cada vez que nos lembramos de um sonho, achamos que era o nosso próprio eu que, com um sentimento muito imperfeito de sua individualidade, flutuava entre as imagens de sua própria fantasia. Podemos esquecer os acessórios dos sonhos que sobre nós produziram uma fraca impressão, e durante os quais o nosso espírito não reagiu fortemente por seus desejos e sentimentos. Por conseguinte, poderíamos também esquecer que então tínhamos o sentimento de nossa existência, mas não é uma razão para supor que este último tenha sido suspenso um só instante, pelo fato de não mais nos lembrarmos!
Há homens que, preocupados com graves reflexões, não sabem, mesmo em
vigília, o que se passa em torno deles. Estando o Espírito afastado das partes
exteriores do corpo e dos órgãos dos sentidos, concentra-se e não se preocupa senão
consigo mesmo e, exteriormente, eles parecem sonhar ou dormir com os olhos
abertos. Mas quem poderá negar que hajam guardado plenamente o sentimento de
sua existência, durante esses momentos de profunda meditação, embora eles então
não vejam com os seus olhos e não escutem com os seus ouvidos? Uma outra prova
da continuação incessante do sentimento de nossa existência e de nossa identidade é
o poder que possui o homem de despertar por si mesmo numa hora por ele
prefixada.
Consequentemente, não se pode dizer que um homem mergulhado num sono mais ou menos profundo tenha perdido a consciência de si mesmo, quando, ao contrário, traz em si o sentimento de sua existência, mas sem poder no-lo manifestar. É justamente o caso dos delíquios, quando o elemento espiritual do homem se retira por si mesmo, por efeito de uma perturbação passageira e parcial de sua vida vegetativa, porque o espírito foge a tudo o que é morto e não se liga senão graças à força vital, ao que, por si própria, não é senão matéria inerte. O homem desmaiado não dá nenhum sinal exterior de existência, mas dela não está privado, do mesmo modo que durante o sono. Muitas pessoas desmaiadas, assim como os adormecidos, muitas vezes conservam a lembrança de algumas das visões que tiveram durante esse estado, que tanto se avizinha do da morte; outros as esquecem. Há desmaios durante os quais todo o corpo fica macilento, frio, privado de respiração e de movimento e parece inteiramente um cadáver, enquanto o Espírito, achando-se ainda em comunicação com alguns dos sentidos, compreende tudo o que se passa em seu redor, sem poder, como nos casos de catalepsia, dar qualquer sinal exterior de vida e de consciência. Quantas pessoas desta maneira foram enterradas vivas, em pleno conhecimento de tudo quanto determinavam para o seu enterro os seus parentes ou amigos enganados por uma aparência fatal! [2]
Um outro estado mui notável do homem nos dá a prova da atividade ininterrupta do Espírito e de seu conhecimento de si mesmo, que jamais se perde, mesmo quando, logo em seguida, ele não mais se recorda. É o estado de sonambulismo. O homem adormece em seu sono ordinário. Ele não escuta, não vê e nada sente. Mas, de súbito, parece despertar, não de seu sono, mas em si mesmo. Ele ouve, mas não com seus ouvidos; vê, mas não com seus olhos; sente, mas não pela epiderme. Ele anda, fala, faz muitas coisas e exerce várias funções, com a admiração geral dos assistentes, com mais circunspecção e mais perfeição do que em estado de vigília. Nesse estado ele se lembra mui distintamente dos acontecimentos ocorridos quando estava acordado, mesmo daqueles que ele esquece durante sua vigília, quando está de posse de todos os sentidos. Depois de haver ficado nesse estado durante algum tempo, o sonâmbulo cai de novo no sono ordinário, e quando é tirado deste, não se recorda absolutamente de nada do que se passou. Ele esqueceu tudo o que disse e fez, e muitas vezes se recusa a acreditar o que dele contam os expectadores. Poderíamos, entretanto, negar a seu Espírito o conhecimento de si mesmo, assim como sua admirável atividade durante o sono sonambúlico? Quem ousaria? O sonâmbulo, caindo novamente no sono que constitui seu despertamento interior, lembra-se perfeitamente, nesse estado incompreensível para si próprio, de tudo o que fez e pensou antes num estado semelhante, e do qual havia perdido completamente a lembrança durante o estado de vigília de seus sentidos exteriores.
Consequentemente, não se pode dizer que um homem mergulhado num sono mais ou menos profundo tenha perdido a consciência de si mesmo, quando, ao contrário, traz em si o sentimento de sua existência, mas sem poder no-lo manifestar. É justamente o caso dos delíquios, quando o elemento espiritual do homem se retira por si mesmo, por efeito de uma perturbação passageira e parcial de sua vida vegetativa, porque o espírito foge a tudo o que é morto e não se liga senão graças à força vital, ao que, por si própria, não é senão matéria inerte. O homem desmaiado não dá nenhum sinal exterior de existência, mas dela não está privado, do mesmo modo que durante o sono. Muitas pessoas desmaiadas, assim como os adormecidos, muitas vezes conservam a lembrança de algumas das visões que tiveram durante esse estado, que tanto se avizinha do da morte; outros as esquecem. Há desmaios durante os quais todo o corpo fica macilento, frio, privado de respiração e de movimento e parece inteiramente um cadáver, enquanto o Espírito, achando-se ainda em comunicação com alguns dos sentidos, compreende tudo o que se passa em seu redor, sem poder, como nos casos de catalepsia, dar qualquer sinal exterior de vida e de consciência. Quantas pessoas desta maneira foram enterradas vivas, em pleno conhecimento de tudo quanto determinavam para o seu enterro os seus parentes ou amigos enganados por uma aparência fatal! [2]
Um outro estado mui notável do homem nos dá a prova da atividade ininterrupta do Espírito e de seu conhecimento de si mesmo, que jamais se perde, mesmo quando, logo em seguida, ele não mais se recorda. É o estado de sonambulismo. O homem adormece em seu sono ordinário. Ele não escuta, não vê e nada sente. Mas, de súbito, parece despertar, não de seu sono, mas em si mesmo. Ele ouve, mas não com seus ouvidos; vê, mas não com seus olhos; sente, mas não pela epiderme. Ele anda, fala, faz muitas coisas e exerce várias funções, com a admiração geral dos assistentes, com mais circunspecção e mais perfeição do que em estado de vigília. Nesse estado ele se lembra mui distintamente dos acontecimentos ocorridos quando estava acordado, mesmo daqueles que ele esquece durante sua vigília, quando está de posse de todos os sentidos. Depois de haver ficado nesse estado durante algum tempo, o sonâmbulo cai de novo no sono ordinário, e quando é tirado deste, não se recorda absolutamente de nada do que se passou. Ele esqueceu tudo o que disse e fez, e muitas vezes se recusa a acreditar o que dele contam os expectadores. Poderíamos, entretanto, negar a seu Espírito o conhecimento de si mesmo, assim como sua admirável atividade durante o sono sonambúlico? Quem ousaria? O sonâmbulo, caindo novamente no sono que constitui seu despertamento interior, lembra-se perfeitamente, nesse estado incompreensível para si próprio, de tudo o que fez e pensou antes num estado semelhante, e do qual havia perdido completamente a lembrança durante o estado de vigília de seus sentidos exteriores.
Como explicar este fenômeno? Como é que um homem que dorme não apenas
pode ver e ouvir com os seus sentidos exteriores inativos, mas isto mais
positivamente, mais perfeitamente do que em vigília? Porque sabemos que o corpo
não é senão o vaso ou envoltório exterior da alma; porque, sem ela, nada pode
experimentar, e porque o olho de um cadáver vê tanto quanto o olho de uma estátua.
É, pois, a alma, e unicamente a alma que sente, vê e ouve o que se passa fora dela. O
olho, o ouvido etc., não são senão instrumentos e dispositivos favoráveis do
envoltório exterior, para proporcionar à alma as impressões de fora. Mas há
circunstâncias nas quais, achando-se esse envoltório grosseiro partido ou estragado,
a alma, por assim dizer, o atravessa e continua a sua ação, sem para isto necessitar
ele seus sentidos exteriores. Então ela reage com um acréscimo de vigor, mas
completamente diferente de quando em seu estado ordinário ou de vigília, contra o
que não é morte no homem.
Portanto, é de fato a alma que sente, e não o corpo. Por consequência, é ela que forma o verdadeiro corpo do Espírito, e o corpo material não é senão o seu arcabouço externo, sua cobertura, seu envoltório. A experiência e inumeráveis exemplos nos provam suficientemente que o Espírito jamais perde a sua atividade e a consciência do seu eu, mesmo quando ele não pode lembrar-se minuciosamente de cada momento particular de sua existência. Sabendo que o Espírito, absorvido em suas profundas reflexões, perde de vista seu próprio corpo e tudo o que o cerca; que em certas doenças, pode ele achar-se na absoluta impossibilidade de agir sobre as partes exteriores de seu corpo e, algumas vezes pode prescindir completamente (como no estado de sonambulismo), para a execução de seus desígnios, devemos compreender claramente como o Espírito imortal, tendo deixado seu envoltório material e perecível, conserva, depois de sua morte terrestre, a consciência e o sentimento de sua existência, embora achando-se impossibilitado de manifestá-lo aos vivos, por meio do cadáver, porquanto este não mais lhe pertence. Ao mesmo tempo, compreendemos o que é o corpo espiritual de que fala o apóstolo Paulo; o que devemos entender por corpo imperecível que deve renascer do corpo perecível (I Cor. XV:4); como a fraqueza se abate e é semeada no túmulo, e como a força se eleva e se lança para o céu, madura para uma vida melhor (1 Cor. XV:43). Eis a verdadeira ressurreição da morte, a ressurreição espiritual. O que em nós é pó, deve voltar ao pó e às cinzas, mas o Espírito, vestido num corpo transfigurado, leva daí em diante a imagem do céu, exatamente como até agora tinha levado a imagem da Terra (1 Cor. XV:49).
O corpo terrestre, apodrecendo no túmulo, nada mais sente, mas também jamais sentiu por si mesmo. Era, pois, o corpo espiritual, a alma, que percebia e sentia tudo. Assim ela continuará a fazê-lo, liberta de seu vaso partido, no entanto de uma maneira infinitamente mais delicada e mais pronta. Tendo o Espírito consciência de si mesmo em seu envoltório espiritual, poderá, então, muito bem e infinitamente melhor ainda, admirar a glória de Deus em suas criações, e ao mesmo tempo possuir a faculdade de ver e amar os que lhe são caros. Mas ele não mais experimentará necessidades materiais e sensuais, não terá mais lágrimas. Tornar-se-á a imagem do céu, que é a sua verdadeira pátria.
Portanto, é de fato a alma que sente, e não o corpo. Por consequência, é ela que forma o verdadeiro corpo do Espírito, e o corpo material não é senão o seu arcabouço externo, sua cobertura, seu envoltório. A experiência e inumeráveis exemplos nos provam suficientemente que o Espírito jamais perde a sua atividade e a consciência do seu eu, mesmo quando ele não pode lembrar-se minuciosamente de cada momento particular de sua existência. Sabendo que o Espírito, absorvido em suas profundas reflexões, perde de vista seu próprio corpo e tudo o que o cerca; que em certas doenças, pode ele achar-se na absoluta impossibilidade de agir sobre as partes exteriores de seu corpo e, algumas vezes pode prescindir completamente (como no estado de sonambulismo), para a execução de seus desígnios, devemos compreender claramente como o Espírito imortal, tendo deixado seu envoltório material e perecível, conserva, depois de sua morte terrestre, a consciência e o sentimento de sua existência, embora achando-se impossibilitado de manifestá-lo aos vivos, por meio do cadáver, porquanto este não mais lhe pertence. Ao mesmo tempo, compreendemos o que é o corpo espiritual de que fala o apóstolo Paulo; o que devemos entender por corpo imperecível que deve renascer do corpo perecível (I Cor. XV:4); como a fraqueza se abate e é semeada no túmulo, e como a força se eleva e se lança para o céu, madura para uma vida melhor (1 Cor. XV:43). Eis a verdadeira ressurreição da morte, a ressurreição espiritual. O que em nós é pó, deve voltar ao pó e às cinzas, mas o Espírito, vestido num corpo transfigurado, leva daí em diante a imagem do céu, exatamente como até agora tinha levado a imagem da Terra (1 Cor. XV:49).
O corpo terrestre, apodrecendo no túmulo, nada mais sente, mas também jamais sentiu por si mesmo. Era, pois, o corpo espiritual, a alma, que percebia e sentia tudo. Assim ela continuará a fazê-lo, liberta de seu vaso partido, no entanto de uma maneira infinitamente mais delicada e mais pronta. Tendo o Espírito consciência de si mesmo em seu envoltório espiritual, poderá, então, muito bem e infinitamente melhor ainda, admirar a glória de Deus em suas criações, e ao mesmo tempo possuir a faculdade de ver e amar os que lhe são caros. Mas ele não mais experimentará necessidades materiais e sensuais, não terá mais lágrimas. Tornar-se-á a imagem do céu, que é a sua verdadeira pátria.
Que sentirei eu no momento em que me chamares a ti, meu Criador, meu Pai!
no momento da minha transfiguração, quando, cercado de meus bem-amados
chorando em volta de mim e vendo meus bem-amados que me precederam
aproximar-se de mim, eu os bendirei a todos com um amor igual!
E quando, santificado por Jesus Cristo, participando de seu reino, apresentar- me-ei diante de ti, ó meu Deus! adorando-te com o mais vivo reconhecimento, com a mais profunda veneração, com a admiração sem limites! Que meu espírito imortal esteja, então, bastante maduro para desfrutar essa felicidade suprema! Amém.
E quando, santificado por Jesus Cristo, participando de seu reino, apresentar- me-ei diante de ti, ó meu Deus! adorando-te com o mais vivo reconhecimento, com a mais profunda veneração, com a admiração sem limites! Que meu espírito imortal esteja, então, bastante maduro para desfrutar essa felicidade suprema! Amém.
___________________________________________________
[1] É preciso lembrar que estas linhas foram escritas cinquenta anos antes das revelações dos Espíritos, colhidas pelo Espiritismo. (Nota do tradutor para o francês).
[2]
O célebre fisiologista alemão Dr. Buchner publicou em 1859, no no 349 de Disdascalia, jornal científico que
editado em Darmstadt, um artigo sobre o uso do clorofórmio, no fim do qual acrescenta estas palavras muito notáveis na
boca do autor de Força e Matéria: “A descoberta do clorofórmio e de seus efeitos extraordinários é não só de uma
grande significação para a ciência médica, mas também para duas de nossas principais ciências: a Fisiologia e ─ não se
espantem muito ─ a Filosofia.” Isto leva o doutor materialista a dizer que, mesmo sob o aspecto psicológico, o uso do
clorofórmio tem algum peso, é que achando-se os pacientes, durante as operações sofridas, num estado de semi-
atordoamento produzido pelo efeito do clorofórmio, várias vezes declararam, depois de despertar, que, durante a
operação, eles não haviam sentido nem dor, nem sentimento de angústia ou medo, mas que o tempo todo tinham ouvido
perfeitamente tudo o que se passava e se dizia em seu redor, sem, contudo, estar em condições de fazer qualquer
movimento, nem mexer um só de seus membros.
Este fato não vem provar positivamente a possibilidade da existência do espírito fora da matéria, que morre quando o Espírito que a vivificava a deixa definitivamente?
Também o próprio magnetismo não oferece provas, por assim dizer palpáveis, da existência da alma independente da matéria? E como ele é tratado pelos sábios e pelas academias? Em vez de lhe prestar toda a atenção e de se aplicar em estudá-lo seriamente, eles limitam-se a negá-lo, o que certamente é mais cômodo, mas não honra as nossas corporações científicas.
(Nota do tradutor do alemão para o francês).
Este fato não vem provar positivamente a possibilidade da existência do espírito fora da matéria, que morre quando o Espírito que a vivificava a deixa definitivamente?
Também o próprio magnetismo não oferece provas, por assim dizer palpáveis, da existência da alma independente da matéria? E como ele é tratado pelos sábios e pelas academias? Em vez de lhe prestar toda a atenção e de se aplicar em estudá-lo seriamente, eles limitam-se a negá-lo, o que certamente é mais cômodo, mas não honra as nossas corporações científicas.
(Nota do tradutor do alemão para o francês).
Doutrina de Lao-Tseu - Filosofia Chinesa
Devemos a notícia seguinte à gentileza e ao zelo esclarecido de um dos nossos correspondentes em Saigon, na Cochinchina.
No sexto século antes de nossa era, portanto quase ao mesmo tempo que Pitágoras, e dois séculos antes de Sócrates e Platão, na província de Lunan, na China, vivia Lao-Tseu, um dos maiores filósofos que jamais existiram. Originário da mais ínfima origem, Lao-Tseu não teve outros meios de se instruir senão a reflexão e numerosas viagens. Quando chegou aos cinquenta anos de idade, seja porque suas disposições filosóficas desenvolvidas pelo estudo enfim tivessem produzido os seus frutos, seja porque inconscientemente tenha combinado esses frutos com uma revelação particular, ele escreveu seu livro A Razão Suprema e Virtude, obra considerada como autêntica, a despeito de sua antiguidade, pelos historiadores chineses de todas as seitas, e com tanto mais autoridade pelo fato de certamente não ter sido incluída no incêndio de livros ordenado pelo imperador Loang-Ti, duzentos anos antes da era cristã.
Para mais clareza digamos, para começar, o que Lao-Tseu designava pela palavra tas. Era uma denominação dada por ele ao primeiro ser; impotente que ele era para chamá-lo por seu nome eterno e imutável, qualificava-o por seus principais atributos: tas, razão suprema. À primeira vista parece que o termo chinês... (Aqui o nosso correspondente o reproduz em caracteres chineses, que o nosso impressor não pôde reproduzir), cuja pronúncia figurada é tas, tem alguma analogia, do ponto de vista fonético, com o Theos dos gregos ou o Deus dos latinos, de onde veio o nosso vocábulo francês Dieu. Contudo, ninguém crê que a língua chinesa e a língua grega jamais tenham pontos comuns. Ademais, a anterioridade reconhecida da nação e da civilização chinesas basta para provar que esta expressão é um idiotismo chinês[1].
O tas, ou a razão suprema universal de Lao-Tseu, tem duas naturezas ou modos de ser: o modo espiritual ou imaterial, e o modo corporal ou material. A natureza espiritual é a natureza perfeita; é dela que emanou o homem; é a ela que ele deve voltar, desprendendo-se dos laços materiais do corpo. O aniquilamento de todas as paixões materiais e o afastamento dos prazeres mundanos são meios eficazes de se tornar digno de a ela retornar. Mas escutemos o próprio Lao-Tseu falar. Servir-me-ei da tradução de Pauthier, sinólogo tão erudito quão consciencioso. Seus trabalhos sobre o filósofo chinês e sua doutrina são tanto mais notáveis e isentos de suspeita porquanto, falecido há muito tempo, ele ignorava até o nome da Doutrina Espírita.
Na vigésima primeira seção da razão suprema, Lao-Tseu estabeleceu uma verdadeira cosmogonia:
“As formas materiais do grande poder criador não são senão as emanações do tas; foi o tas que produziu os seres materiais existentes. (Antes) não havia senão uma confusão completa, um caos indefinível; era um caos! uma confusão inacessível ao pensamento humano.
“Em meio a esse caos havia um princípio sutil, vivificante; esse princípio sutil, vivificante, era a suprema verdade.
“Em meio a esse caos havia seres, mas seres em germes; seres imperceptíveis, indefinidos.
“Em meio a esse caos, havia um princípio de fé. Desde a Antiguidade até os nossos dias, seu nome não desapareceu. Ele examina com cuidado o bom de todos os seres. Mas nós, como conhecemos as virtudes da multidão? Por esse tas, essa razão suprema.
“Os seres de formas corporais foram formados da matéria primeira, confusa.
“Antes da existência do céu e da Terra, não havia senão um silêncio imenso, um vazio incomensurável e sem formas perceptíveis.
“Só ele existia, infinito, imutável. Ele circulava no espaço, sem experimentar qualquer alteração.
“Podemos considerá-lo como a mãe do Universo; eu ignoro o seu nome, mas o designo por seus atributos, e o digo Grande, Elevado.
“Sendo (reconhecido) grande, elevado, eu o chamo: grande ao longe.
“Sendo (reconhecido) grande ao longe, eu o chamo: distante, infinito.
“Sendo (reconhecido) distante, infinito, eu o chamo: o que é oposto a mim.
“O homem tem a sua lei na Terra;
“A Terra tem a sua lei no Céu;
“O céu tem a lei no Tas ou a razão suprema universal;
“A razão suprema tem a sua lei em si mesma.”
Alhures diz Lao-Tseu:
“É preciso esforçar-se para chegar ao último degrau da incorporeidade, a fim de poder conservar a maior imutabilidade possível.
“Todos os seres aparecem na vida e realizam os seus destinos; nós contemplamos as suas renovações sucessivas. Esses seres materiais se mostram incessantemente com novas formas exteriores. Cada um deles retorna à sua origem.
“Retornar à sua origem significa tornar-se em repouso;
“Tornar-se em repouso significa cumprir o seu mandato;
“Cumprir o seu mandato significa tornar-se eterno;
“Saber que se torna eterno (ou imortal) significa ser esclarecido;
“Não saber que se torna imortal é ser entregue ao erro e a toda sorte de calamidades.
“Se sabem que se tornam imortais, contêm-se e se abraçam todos os seres;
“Abraçando todos os seres numa comum afeição, é-se justo, equitativo para todos os seres;
“Sendo justo e equitativo para todos os seres, possuem-se os atributos do soberano;
“Possuindo os atributos do soberano, tem-se a natureza divina;
“Tendo a natureza divina, chega-se a ser identificado com o tas;
“Estando identificado com a razão suprema universal, subsiste-se eternamente; sendo o próprio corpo exposto à morte, não se tem que temer nenhum aniquilamento.”
Vejamos agora qual é a moral do filósofo chinês:
“O santo homem não tem um coração inexorável; ele faz o seu coração segundo o coração de todos os homens.
“O homem virtuoso, devemos tratá-lo como um homem virtuoso; o homem vicioso devemos igualmente tratá-lo como um homem virtuoso. Eis a sabedoria e a virtude.
“O homem sincero e fiel, devemos tratá-lo como um homem sincero e fiel; o homem não sincero e infiel, devemos igualmente tratá-lo como um homem virtuoso.
Eis a sabedoria e a sinceridade.”
Estas máximas correspondem ao que chamamos indulgência e caridade. Demonstrando-nos que o progresso é uma lei da Natureza, o Espiritismo precisa melhor esse pensamento, dizendo que é necessário tratar o homem vicioso como podendo e devendo, um dia, em consequência de suas existências sucessivas, tornarse virtuoso, para o que lhe devemos fornecer os meios, em vez de o relegar entre os párias da danação eterna, e pensando que nós próprios talvez tivéssemos sido piores que ele.
Toda a doutrina de Lao-Tseu respira a mesma mansuetude, o mesmo amor pelos homens, unidos numa elevação extraordinária de sentimentos. Sua sabedoria se revela sobretudo na passagem seguinte, na qual ele reproduz o célebre axioma da sabedoria antiga: Conhece-te a ti mesmo, sem que tivesse tido conhecimento da fórmula de Tales:
“Aquele que conhece os homens é instruído;
“Aquele que se conhece a si mesmo é verdadeiramente esclarecido.
“Aquele que subjuga os homens é poderoso;
“Aquele que se domina a si mesmo é verdadeiramente forte.
“Aquele que realiza obras difíceis e meritórias deixa uma lembrança durável na memória dos homens.
“Aquele que não dissipa a sua vida é imperecível;
“Aquele que morre e não é esquecido tem uma vida eterna.”
É certo, como o faz notar o eminente tradutor, que não se encontraria na Grécia, antes de Aristóteles, uma série de sorites tão logicamente encadeadas. Quanto aos princípios mesmos, eles constituem, seguramente, uma doutrina, e se é certo que ela nada contém de incompatível com o que admite a razão, por que não seria tão boa quanto tantas outras que dificilmente suportam a discussão? “A verdadeira religião, necessária à salvação, já o disseram, deve ter começado com o gênero humano.” Ora, desde que ela é essencialmente una, como a verdade, como Deus, a religião primitiva já era o Cristianismo, assim como o Cristianismo, depois do Evangelho, é a religião primitiva consideravelmente desenvolvida.
Nesta série de ensinamentos não vemos retraçados os mesmos princípios que servem de base ao Espiritismo, a despeito de um único ponto, a leve tendência panteísta da não distinção, ou melhor, da identificação da criatura santificada com o Criador, tendência que, se viciosa, pode ser devida à influência do meio em que vivia o filósofo Lao-Tseu, talvez a uma sequência muito longa dada a essa notável cadeia de argumentos ou, enfim, à imperfeita interpretação dada por nós ao seu próprio pensamento?
Se, pois, como está constatado, Lao-Tseu é posto, pelos séculos, entre essas vozes potentes de sabedoria e de razão que as leis providenciais e naturais das sociedades humanas fazem surgir em certas épocas para protestar energicamente contra um estado de dissolução social e reconduzir os Espíritos aos destinos eternos do gênero humano; se sua doutrina pode ser a base da verdadeira religião, a qual, como vimos, sendo necessária à salvação, ela deve ter existido de todos os tempos. Considerando-se que os princípios filosóficos do Espiritismo não são, em substância, senão os de Lao-Tseu, não se pode considerar a verdade da Doutrina Espírita como estando moralmente provada, fora dos ensinamentos do Cristo?
OBSERVAÇÃO: Como vemos, os chineses não são absolutamente tão bárbaros quanto geralmente se pensa; de longa data eles são nossos irmãos mais velhos em civilização, e alguns dentre eles serviriam de exemplo a mais de um dos nossos contemporâneos em matéria de Filosofia. Como é, então, que um povo que teve sábios como Lao-Tseu, Confúcio e outros, ainda tenha costumes tão pouco em harmonia com tão belas doutrinas? Outro tanto poder-se-ia dizer de Sócrates, Platão, Sólon, etc., em relação aos gregos; do Cristo, cujos preceitos estão longe de ser praticados por todos os cristãos.
Os trabalhos desses homens que de tempos em tempos aparecem entre os povos, como meteoros da inteligência, jamais são estéreis. São sementes que ficam durante longos anos em estado latente, que não beneficiam senão a algumas individualidades, mas que as massas são incapazes de assimilar. Os povos são lentos em modificar-se, até o momento em que um abalo violento venha tirá-los de seu torpor.
É de notar que a maior parte dos filósofos pouco se preocupam com a prática de suas ideias. Inteiramente dados ao trabalho da concepção e da elaboração, eles não têm o tempo necessário, e por vezes nem mesmo a aptidão necessária, para a execução do que concebem. Esse trabalho incumbe a outros que delas se penetram, e frequentemente são esses mesmos trabalhos, habilmente postos em ação, que servem, ao cabo de muitos séculos, para mobilizar os povos e esclarecê-los.
Poucos Chineses, salvo alguns letrados, sem dúvida, conhecem Lao-Tseu. Hoje que a China está aberta às nações ocidentais, não seria impossível que estas contribuíssem para vulgarização dos trabalhos do filósofo em seu próprio país, e quem sabe se os pontos de contato existentes entre a sua doutrina e o Espiritismo não será um dia um traço de união para a aliança fraterna das crenças? O que é bem certo é que quando todas as religiões reconhecerem que adoram o mesmo Deus sob nomes diversos; quando lhe concederem os mesmos atributos de soberana bondade e justiça; quando não diferirem senão na forma de adoração, os antagonistas religiosos cairão. É a esse resultado que deve levar o Espiritismo.
[1] É quase supérfluo dizer que o vocábulo chinês tas não tem qualquer relação de sentido com o francês tas, pois apenas tem pronúncia figurada.
No sexto século antes de nossa era, portanto quase ao mesmo tempo que Pitágoras, e dois séculos antes de Sócrates e Platão, na província de Lunan, na China, vivia Lao-Tseu, um dos maiores filósofos que jamais existiram. Originário da mais ínfima origem, Lao-Tseu não teve outros meios de se instruir senão a reflexão e numerosas viagens. Quando chegou aos cinquenta anos de idade, seja porque suas disposições filosóficas desenvolvidas pelo estudo enfim tivessem produzido os seus frutos, seja porque inconscientemente tenha combinado esses frutos com uma revelação particular, ele escreveu seu livro A Razão Suprema e Virtude, obra considerada como autêntica, a despeito de sua antiguidade, pelos historiadores chineses de todas as seitas, e com tanto mais autoridade pelo fato de certamente não ter sido incluída no incêndio de livros ordenado pelo imperador Loang-Ti, duzentos anos antes da era cristã.
Para mais clareza digamos, para começar, o que Lao-Tseu designava pela palavra tas. Era uma denominação dada por ele ao primeiro ser; impotente que ele era para chamá-lo por seu nome eterno e imutável, qualificava-o por seus principais atributos: tas, razão suprema. À primeira vista parece que o termo chinês... (Aqui o nosso correspondente o reproduz em caracteres chineses, que o nosso impressor não pôde reproduzir), cuja pronúncia figurada é tas, tem alguma analogia, do ponto de vista fonético, com o Theos dos gregos ou o Deus dos latinos, de onde veio o nosso vocábulo francês Dieu. Contudo, ninguém crê que a língua chinesa e a língua grega jamais tenham pontos comuns. Ademais, a anterioridade reconhecida da nação e da civilização chinesas basta para provar que esta expressão é um idiotismo chinês[1].
O tas, ou a razão suprema universal de Lao-Tseu, tem duas naturezas ou modos de ser: o modo espiritual ou imaterial, e o modo corporal ou material. A natureza espiritual é a natureza perfeita; é dela que emanou o homem; é a ela que ele deve voltar, desprendendo-se dos laços materiais do corpo. O aniquilamento de todas as paixões materiais e o afastamento dos prazeres mundanos são meios eficazes de se tornar digno de a ela retornar. Mas escutemos o próprio Lao-Tseu falar. Servir-me-ei da tradução de Pauthier, sinólogo tão erudito quão consciencioso. Seus trabalhos sobre o filósofo chinês e sua doutrina são tanto mais notáveis e isentos de suspeita porquanto, falecido há muito tempo, ele ignorava até o nome da Doutrina Espírita.
Na vigésima primeira seção da razão suprema, Lao-Tseu estabeleceu uma verdadeira cosmogonia:
“As formas materiais do grande poder criador não são senão as emanações do tas; foi o tas que produziu os seres materiais existentes. (Antes) não havia senão uma confusão completa, um caos indefinível; era um caos! uma confusão inacessível ao pensamento humano.
“Em meio a esse caos havia um princípio sutil, vivificante; esse princípio sutil, vivificante, era a suprema verdade.
“Em meio a esse caos havia seres, mas seres em germes; seres imperceptíveis, indefinidos.
“Em meio a esse caos, havia um princípio de fé. Desde a Antiguidade até os nossos dias, seu nome não desapareceu. Ele examina com cuidado o bom de todos os seres. Mas nós, como conhecemos as virtudes da multidão? Por esse tas, essa razão suprema.
“Os seres de formas corporais foram formados da matéria primeira, confusa.
“Antes da existência do céu e da Terra, não havia senão um silêncio imenso, um vazio incomensurável e sem formas perceptíveis.
“Só ele existia, infinito, imutável. Ele circulava no espaço, sem experimentar qualquer alteração.
“Podemos considerá-lo como a mãe do Universo; eu ignoro o seu nome, mas o designo por seus atributos, e o digo Grande, Elevado.
“Sendo (reconhecido) grande, elevado, eu o chamo: grande ao longe.
“Sendo (reconhecido) grande ao longe, eu o chamo: distante, infinito.
“Sendo (reconhecido) distante, infinito, eu o chamo: o que é oposto a mim.
“O homem tem a sua lei na Terra;
“A Terra tem a sua lei no Céu;
“O céu tem a lei no Tas ou a razão suprema universal;
“A razão suprema tem a sua lei em si mesma.”
Alhures diz Lao-Tseu:
“É preciso esforçar-se para chegar ao último degrau da incorporeidade, a fim de poder conservar a maior imutabilidade possível.
“Todos os seres aparecem na vida e realizam os seus destinos; nós contemplamos as suas renovações sucessivas. Esses seres materiais se mostram incessantemente com novas formas exteriores. Cada um deles retorna à sua origem.
“Retornar à sua origem significa tornar-se em repouso;
“Tornar-se em repouso significa cumprir o seu mandato;
“Cumprir o seu mandato significa tornar-se eterno;
“Saber que se torna eterno (ou imortal) significa ser esclarecido;
“Não saber que se torna imortal é ser entregue ao erro e a toda sorte de calamidades.
“Se sabem que se tornam imortais, contêm-se e se abraçam todos os seres;
“Abraçando todos os seres numa comum afeição, é-se justo, equitativo para todos os seres;
“Sendo justo e equitativo para todos os seres, possuem-se os atributos do soberano;
“Possuindo os atributos do soberano, tem-se a natureza divina;
“Tendo a natureza divina, chega-se a ser identificado com o tas;
“Estando identificado com a razão suprema universal, subsiste-se eternamente; sendo o próprio corpo exposto à morte, não se tem que temer nenhum aniquilamento.”
Vejamos agora qual é a moral do filósofo chinês:
“O santo homem não tem um coração inexorável; ele faz o seu coração segundo o coração de todos os homens.
“O homem virtuoso, devemos tratá-lo como um homem virtuoso; o homem vicioso devemos igualmente tratá-lo como um homem virtuoso. Eis a sabedoria e a virtude.
“O homem sincero e fiel, devemos tratá-lo como um homem sincero e fiel; o homem não sincero e infiel, devemos igualmente tratá-lo como um homem virtuoso.
Eis a sabedoria e a sinceridade.”
Estas máximas correspondem ao que chamamos indulgência e caridade. Demonstrando-nos que o progresso é uma lei da Natureza, o Espiritismo precisa melhor esse pensamento, dizendo que é necessário tratar o homem vicioso como podendo e devendo, um dia, em consequência de suas existências sucessivas, tornarse virtuoso, para o que lhe devemos fornecer os meios, em vez de o relegar entre os párias da danação eterna, e pensando que nós próprios talvez tivéssemos sido piores que ele.
Toda a doutrina de Lao-Tseu respira a mesma mansuetude, o mesmo amor pelos homens, unidos numa elevação extraordinária de sentimentos. Sua sabedoria se revela sobretudo na passagem seguinte, na qual ele reproduz o célebre axioma da sabedoria antiga: Conhece-te a ti mesmo, sem que tivesse tido conhecimento da fórmula de Tales:
“Aquele que conhece os homens é instruído;
“Aquele que se conhece a si mesmo é verdadeiramente esclarecido.
“Aquele que subjuga os homens é poderoso;
“Aquele que se domina a si mesmo é verdadeiramente forte.
“Aquele que realiza obras difíceis e meritórias deixa uma lembrança durável na memória dos homens.
“Aquele que não dissipa a sua vida é imperecível;
“Aquele que morre e não é esquecido tem uma vida eterna.”
É certo, como o faz notar o eminente tradutor, que não se encontraria na Grécia, antes de Aristóteles, uma série de sorites tão logicamente encadeadas. Quanto aos princípios mesmos, eles constituem, seguramente, uma doutrina, e se é certo que ela nada contém de incompatível com o que admite a razão, por que não seria tão boa quanto tantas outras que dificilmente suportam a discussão? “A verdadeira religião, necessária à salvação, já o disseram, deve ter começado com o gênero humano.” Ora, desde que ela é essencialmente una, como a verdade, como Deus, a religião primitiva já era o Cristianismo, assim como o Cristianismo, depois do Evangelho, é a religião primitiva consideravelmente desenvolvida.
Nesta série de ensinamentos não vemos retraçados os mesmos princípios que servem de base ao Espiritismo, a despeito de um único ponto, a leve tendência panteísta da não distinção, ou melhor, da identificação da criatura santificada com o Criador, tendência que, se viciosa, pode ser devida à influência do meio em que vivia o filósofo Lao-Tseu, talvez a uma sequência muito longa dada a essa notável cadeia de argumentos ou, enfim, à imperfeita interpretação dada por nós ao seu próprio pensamento?
Se, pois, como está constatado, Lao-Tseu é posto, pelos séculos, entre essas vozes potentes de sabedoria e de razão que as leis providenciais e naturais das sociedades humanas fazem surgir em certas épocas para protestar energicamente contra um estado de dissolução social e reconduzir os Espíritos aos destinos eternos do gênero humano; se sua doutrina pode ser a base da verdadeira religião, a qual, como vimos, sendo necessária à salvação, ela deve ter existido de todos os tempos. Considerando-se que os princípios filosóficos do Espiritismo não são, em substância, senão os de Lao-Tseu, não se pode considerar a verdade da Doutrina Espírita como estando moralmente provada, fora dos ensinamentos do Cristo?
OBSERVAÇÃO: Como vemos, os chineses não são absolutamente tão bárbaros quanto geralmente se pensa; de longa data eles são nossos irmãos mais velhos em civilização, e alguns dentre eles serviriam de exemplo a mais de um dos nossos contemporâneos em matéria de Filosofia. Como é, então, que um povo que teve sábios como Lao-Tseu, Confúcio e outros, ainda tenha costumes tão pouco em harmonia com tão belas doutrinas? Outro tanto poder-se-ia dizer de Sócrates, Platão, Sólon, etc., em relação aos gregos; do Cristo, cujos preceitos estão longe de ser praticados por todos os cristãos.
Os trabalhos desses homens que de tempos em tempos aparecem entre os povos, como meteoros da inteligência, jamais são estéreis. São sementes que ficam durante longos anos em estado latente, que não beneficiam senão a algumas individualidades, mas que as massas são incapazes de assimilar. Os povos são lentos em modificar-se, até o momento em que um abalo violento venha tirá-los de seu torpor.
É de notar que a maior parte dos filósofos pouco se preocupam com a prática de suas ideias. Inteiramente dados ao trabalho da concepção e da elaboração, eles não têm o tempo necessário, e por vezes nem mesmo a aptidão necessária, para a execução do que concebem. Esse trabalho incumbe a outros que delas se penetram, e frequentemente são esses mesmos trabalhos, habilmente postos em ação, que servem, ao cabo de muitos séculos, para mobilizar os povos e esclarecê-los.
Poucos Chineses, salvo alguns letrados, sem dúvida, conhecem Lao-Tseu. Hoje que a China está aberta às nações ocidentais, não seria impossível que estas contribuíssem para vulgarização dos trabalhos do filósofo em seu próprio país, e quem sabe se os pontos de contato existentes entre a sua doutrina e o Espiritismo não será um dia um traço de união para a aliança fraterna das crenças? O que é bem certo é que quando todas as religiões reconhecerem que adoram o mesmo Deus sob nomes diversos; quando lhe concederem os mesmos atributos de soberana bondade e justiça; quando não diferirem senão na forma de adoração, os antagonistas religiosos cairão. É a esse resultado que deve levar o Espiritismo.
[1] É quase supérfluo dizer que o vocábulo chinês tas não tem qualquer relação de sentido com o francês tas, pois apenas tem pronúncia figurada.
Exéquias da senhora Victor Hugo
A Senhora Victor Hugo, falecida em Bruxelas, foi trazida para a França, a 30 de agosto último, para ser inumada em Villèquiers (Seine-Inférieur), junto de sua filha e de seu genro. O Sr. Victor Hugo a acompanhou até à fronteira. Sobre o túmulo, o Sr. Paul Meurice pronunciou as seguintes palavras:
“Eu queria apenas lhe dizer adeus por todos nós.
“Vós bem sabeis, vós que a rodeais ─ pela última vez! ─ o que era ─ o que é esta alma tão bela e tão suave, este adorável espírito, este grande coração.
“Ah! Este grande coração, sobretudo! Como ela gostava de amar! Como gostava de ser amada! Como sabia sofrer com os que ela amava!
“Ela era a esposa do maior homem que existe, e pelo coração ela se alçava a esse gênio. Ela quase o igualava, pelo fato de compreendê-lo.
“E ela tem que nos deixar! E nós temos que deixá-la!
“Ela já voltou a amar. Ela reencontrou seus dois filhos, aqui e lá (mostrando o túmulo da filha e o céu).
“Victor Hugo me disse na fronteira, ontem à noite: Dizei a minha filha que, esperando, sempre lhe envio sua mãe. Está dito, e creio que está entendido.
“E agora, pois, adeus! Adeus aos presentes! Adeus aos ausentes! Adeus, nossa amiga! Adeus, nossa irmã!
“Adeus, mas até à vista!”
O Sr. Paul Foucher, irmão da Senhora Victor Hugo, numa carta que escreveu no FranceFrance, para dar contas da cerimônia, termina por estas palavras: “Separamo-nos dilacerados, mas calmos e persuadidos, mais do que nunca, que o desaparecimento de um ser é um encontro marcado com ele numa hora indefinida.”
Nessa ocasião julgamos oportuno lembrar a carta do Sr. Victor Hugo ao Sr. Lamartine, quando da morte da esposa deste último, em data de 23 de maio de 1863, e que a maioria dos jornais da época publicou.
“Caro Lamartine,
“Uma grande desgraça vos fere; preciso pôr o meu coração junto do vosso. Eu venerava aquela que amáveis. Vosso alto espírito vê além do horizonte; percebeis distintamente a vida futura.
“Não é a vós que é necessário dizer: esperai. Sois daqueles que sabem e que esperam.
“Ela é sempre a vossa companheira, invisível, mas presente. Vós perdestes a mulher, mas não a alma. Caro amigo, vivamos nos mortos.”
“Tuus,
“VICTOR HUGO.”
As palavras pronunciadas pelo Sr. Victor Hugo, e o que ele escreveu em diversas circunstâncias provam que ele crê, não somente nessa vaga imortalidade na qual, com muito poucas exceções, todo o gênero humano acredita, mas nessa imortalidade claramente definida, que tem um objetivo, satisfaz à razão e dissipa a incerteza sobre a sorte que nos aguarda; quem nos representa as almas ou Espíritos dos que deixaram a Terra como seres concretos, individuais, povoando o espaço, vivendo entre nós, com a lembrança do que aqui fizeram, beneficiando-se do progresso intelectual e moral realizado, conservando suas afeições, testemunhas invisíveis de nossas ações e de nossos sentimentos, comungando pensamentos com os que lhes são caros; numa palavra, nesta imortalidade consoladora que enche o vazio deixado pelos ausentes e pela qual se perpetua a solidariedade entre o mundo espiritual e o mundo corporal. Ora, aí esta todo o Espiritismo. Que acrescenta ele a isto? A prova material daquilo que não era, até ele, senão uma teoria sedutora. Enquanto certas pessoas chegaram a esta crença pela intuição e pelo raciocínio, o Espiritismo partiu do fato e da observação.
Sabemos em consequência de que dolorosa catástrofe o Sr. Victor Hugo perdeu sua filha e seu genro, o Sr. Charles Vacquerie, no dia 4 de setembro de 1843. Eles iam, em barco a vela, de Villequiers para Caudebec, em companhia de um tio do Sr. Vacquerie, antigo marinheiro, e de um menino de dez anos. Uma ventania fez soçobrar a embarcação e os quatro pereceram.
Que de mais significativo, marcado de mais profunda e mais justa ideia da imortalidade que estas palavras: Dizei à minha filha que, esperando, sempre lhe envio sua mãe! Que calma, que serenidade, que confiança no futuro! Dir-se-ia que sua filha acabava de partir para uma viagem, à qual manda dizer: “Envio-te tua mãe, esperando que eu vá vos encontrar.” Quanta consolação, força e esperança não se tem nesta maneira de compreender a imortalidade! Não é mais a alma perdida no infinito, que a própria certeza de sua sobrevivência não deixa qualquer esperança de reencontrar; deixando para sempre a Terra e os que ela amou, quer esteja ela nas delícias da beatitude contemplativa, quer nos tormentos eternos do inferno, a separação é eterna. Compreende-se a amargura dos pesares com uma tal crença; mas para aquele pai, sua filha está sempre lá; ela receberá sua mãe ao sair de seu exílio terrestre e escuta as palavras que ele lhe manda dizer!
Quem quer que tenha chegado a isto é espírita; porque, se quiser refletir seriamente, ele não pode escapar de todas as consequências lógicas do Espiritismo. Aqueles que repelem essa qualificação é que, não conhecendo do Espiritismo senão os quadros ridículos da crítica trocista, fazem dele uma ideia falsa. Se eles se dessem ao trabalho de estudá-lo, de analisá-lo, de sondar o seu alcance, ficariam felizes, ao contrário, por encontrar nas ideias que constituem a sua felicidade, uma sanção capaz de consolidar a sua fé. Eles não mais diriam apenas: “Creio porque me parece justo”, mas: “Creio porque compreendo.”
Façamos um paralelo entre os sentimentos que animaram o Sr. Victor Hugo nessa circunstância e em todas aquelas em que o seu coração recebeu semelhantes feridas; a definição da imortalidade que dava o Fígaro de 3 de abril de 1868, sob a rubrica de: Dicionário do Fígaro: IMORTALIDADE, conto de enfermeiros para tranquilizar seus clientes.
“Eu queria apenas lhe dizer adeus por todos nós.
“Vós bem sabeis, vós que a rodeais ─ pela última vez! ─ o que era ─ o que é esta alma tão bela e tão suave, este adorável espírito, este grande coração.
“Ah! Este grande coração, sobretudo! Como ela gostava de amar! Como gostava de ser amada! Como sabia sofrer com os que ela amava!
“Ela era a esposa do maior homem que existe, e pelo coração ela se alçava a esse gênio. Ela quase o igualava, pelo fato de compreendê-lo.
“E ela tem que nos deixar! E nós temos que deixá-la!
“Ela já voltou a amar. Ela reencontrou seus dois filhos, aqui e lá (mostrando o túmulo da filha e o céu).
“Victor Hugo me disse na fronteira, ontem à noite: Dizei a minha filha que, esperando, sempre lhe envio sua mãe. Está dito, e creio que está entendido.
“E agora, pois, adeus! Adeus aos presentes! Adeus aos ausentes! Adeus, nossa amiga! Adeus, nossa irmã!
“Adeus, mas até à vista!”
O Sr. Paul Foucher, irmão da Senhora Victor Hugo, numa carta que escreveu no FranceFrance, para dar contas da cerimônia, termina por estas palavras: “Separamo-nos dilacerados, mas calmos e persuadidos, mais do que nunca, que o desaparecimento de um ser é um encontro marcado com ele numa hora indefinida.”
Nessa ocasião julgamos oportuno lembrar a carta do Sr. Victor Hugo ao Sr. Lamartine, quando da morte da esposa deste último, em data de 23 de maio de 1863, e que a maioria dos jornais da época publicou.
“Caro Lamartine,
“Uma grande desgraça vos fere; preciso pôr o meu coração junto do vosso. Eu venerava aquela que amáveis. Vosso alto espírito vê além do horizonte; percebeis distintamente a vida futura.
“Não é a vós que é necessário dizer: esperai. Sois daqueles que sabem e que esperam.
“Ela é sempre a vossa companheira, invisível, mas presente. Vós perdestes a mulher, mas não a alma. Caro amigo, vivamos nos mortos.”
“Tuus,
“VICTOR HUGO.”
As palavras pronunciadas pelo Sr. Victor Hugo, e o que ele escreveu em diversas circunstâncias provam que ele crê, não somente nessa vaga imortalidade na qual, com muito poucas exceções, todo o gênero humano acredita, mas nessa imortalidade claramente definida, que tem um objetivo, satisfaz à razão e dissipa a incerteza sobre a sorte que nos aguarda; quem nos representa as almas ou Espíritos dos que deixaram a Terra como seres concretos, individuais, povoando o espaço, vivendo entre nós, com a lembrança do que aqui fizeram, beneficiando-se do progresso intelectual e moral realizado, conservando suas afeições, testemunhas invisíveis de nossas ações e de nossos sentimentos, comungando pensamentos com os que lhes são caros; numa palavra, nesta imortalidade consoladora que enche o vazio deixado pelos ausentes e pela qual se perpetua a solidariedade entre o mundo espiritual e o mundo corporal. Ora, aí esta todo o Espiritismo. Que acrescenta ele a isto? A prova material daquilo que não era, até ele, senão uma teoria sedutora. Enquanto certas pessoas chegaram a esta crença pela intuição e pelo raciocínio, o Espiritismo partiu do fato e da observação.
Sabemos em consequência de que dolorosa catástrofe o Sr. Victor Hugo perdeu sua filha e seu genro, o Sr. Charles Vacquerie, no dia 4 de setembro de 1843. Eles iam, em barco a vela, de Villequiers para Caudebec, em companhia de um tio do Sr. Vacquerie, antigo marinheiro, e de um menino de dez anos. Uma ventania fez soçobrar a embarcação e os quatro pereceram.
Que de mais significativo, marcado de mais profunda e mais justa ideia da imortalidade que estas palavras: Dizei à minha filha que, esperando, sempre lhe envio sua mãe! Que calma, que serenidade, que confiança no futuro! Dir-se-ia que sua filha acabava de partir para uma viagem, à qual manda dizer: “Envio-te tua mãe, esperando que eu vá vos encontrar.” Quanta consolação, força e esperança não se tem nesta maneira de compreender a imortalidade! Não é mais a alma perdida no infinito, que a própria certeza de sua sobrevivência não deixa qualquer esperança de reencontrar; deixando para sempre a Terra e os que ela amou, quer esteja ela nas delícias da beatitude contemplativa, quer nos tormentos eternos do inferno, a separação é eterna. Compreende-se a amargura dos pesares com uma tal crença; mas para aquele pai, sua filha está sempre lá; ela receberá sua mãe ao sair de seu exílio terrestre e escuta as palavras que ele lhe manda dizer!
Quem quer que tenha chegado a isto é espírita; porque, se quiser refletir seriamente, ele não pode escapar de todas as consequências lógicas do Espiritismo. Aqueles que repelem essa qualificação é que, não conhecendo do Espiritismo senão os quadros ridículos da crítica trocista, fazem dele uma ideia falsa. Se eles se dessem ao trabalho de estudá-lo, de analisá-lo, de sondar o seu alcance, ficariam felizes, ao contrário, por encontrar nas ideias que constituem a sua felicidade, uma sanção capaz de consolidar a sua fé. Eles não mais diriam apenas: “Creio porque me parece justo”, mas: “Creio porque compreendo.”
Façamos um paralelo entre os sentimentos que animaram o Sr. Victor Hugo nessa circunstância e em todas aquelas em que o seu coração recebeu semelhantes feridas; a definição da imortalidade que dava o Fígaro de 3 de abril de 1868, sob a rubrica de: Dicionário do Fígaro: IMORTALIDADE, conto de enfermeiros para tranquilizar seus clientes.
Efeito moralizador da reencarnação
O Figaro de 5 de abril de 1868, o mesmo jornal que dois dias antes publicava esta definição da imortalidade: Conto de enfermeiros para tranquilizar seus clientes, e a carta mencionada no artigo precedente, continha o artigo seguinte:
“O compositor E... acredita firmemente na migração das almas. Ele conta, de boa fé, que em séculos anteriores foi escravo grego, depois histrião e compositor italiano célebre, mas invejoso, que impedia os seus confrades de produzir...
“─ Hoje sou punido por isto, acrescenta ele com filosofia; é a minha vez de ser sacrificado pelos outros e de ver barrados meus caminhos!
“Esta maneira de se consolar bem vale uma outra.”
Esta ideia é puro Espiritismo, porque não só é o princípio da pluralidade das existências, mas o da expiação do passado, pela pena de Talião, nas existências sucessivas, segundo a máxima: “A gente é sempre punido pelo que pecou.” Esse compositor assim entende as suas tribulações. Ele se consola pelo pensamento de que não tem senão o que merece. A consequência desse pensamento é que, para não o merecer novamente, é de seu próprio interesse procurar melhorar-se. Isto não é melhor do que dar um tiro na cabeça, o que logicamente o conduziria ao pensamento do nada?
Esta crença é, pois, uma causa poderosa e muito natural de moralização; ela é surpreendente pela atualidade e pelo fato material das misérias suportadas e que, por não se poder explicá-las, são levadas à conta de fatalidade ou de injustiça de Deus. Ela é compreensível para todo mundo, para a criança e para o homem mais iletrado, porque não é nem abstrata nem metafísica. Não há ninguém que não compreenda que podemos ter vivido, e que se já vivemos, podemos viver novamente. Considerando-se que não é o corpo que pode reviver, é a mais evidente confirmação da existência da alma, de sua individualidade e de sua imortalidade.
É, pois, para popularizá-la que devem tender os esforços de todos os que se ocupam seriamente do melhoramento das massas. É para eles uma poderosa alavanca com a qual eles farão mais do que pela ideia dos diabos e do inferno dos quais hoje se riem.
Como ela está na ordem do dia, germina por todos os lados e sua lógica a torna facilmente aceita, muito naturalmente ela abre aos espíritas uma porta para a propagação da Doutrina. Que eles se liguem, pois, a essa ideia, da qual ninguém ri, que é aceita pelos mais sérios pensadores, e farão mais prosélitos por esta via do que pelas manifestações materiais. Considerando-se que essa é hoje a corda sensível, é nela que se deve tocar, e quando ela tiver vibrado, o resto virá por si mesmo. Não faleis àqueles a quem apavora a simples palavra Espiritismo. Falai da pluralidade das existências; dos inúmeros escritores que preconizam essa ideia. Falai, também, sobretudo aos aflitos, como o faz o Sr. Victor Hugo; da presença, em torno de nós, dos nossos seres queridos que nós perdemos. Eles vos compreenderão, e mais tarde ficarão muito surpreendidos de ser espíritas sem o haver suspeitado.
“O compositor E... acredita firmemente na migração das almas. Ele conta, de boa fé, que em séculos anteriores foi escravo grego, depois histrião e compositor italiano célebre, mas invejoso, que impedia os seus confrades de produzir...
“─ Hoje sou punido por isto, acrescenta ele com filosofia; é a minha vez de ser sacrificado pelos outros e de ver barrados meus caminhos!
“Esta maneira de se consolar bem vale uma outra.”
Esta ideia é puro Espiritismo, porque não só é o princípio da pluralidade das existências, mas o da expiação do passado, pela pena de Talião, nas existências sucessivas, segundo a máxima: “A gente é sempre punido pelo que pecou.” Esse compositor assim entende as suas tribulações. Ele se consola pelo pensamento de que não tem senão o que merece. A consequência desse pensamento é que, para não o merecer novamente, é de seu próprio interesse procurar melhorar-se. Isto não é melhor do que dar um tiro na cabeça, o que logicamente o conduziria ao pensamento do nada?
Esta crença é, pois, uma causa poderosa e muito natural de moralização; ela é surpreendente pela atualidade e pelo fato material das misérias suportadas e que, por não se poder explicá-las, são levadas à conta de fatalidade ou de injustiça de Deus. Ela é compreensível para todo mundo, para a criança e para o homem mais iletrado, porque não é nem abstrata nem metafísica. Não há ninguém que não compreenda que podemos ter vivido, e que se já vivemos, podemos viver novamente. Considerando-se que não é o corpo que pode reviver, é a mais evidente confirmação da existência da alma, de sua individualidade e de sua imortalidade.
É, pois, para popularizá-la que devem tender os esforços de todos os que se ocupam seriamente do melhoramento das massas. É para eles uma poderosa alavanca com a qual eles farão mais do que pela ideia dos diabos e do inferno dos quais hoje se riem.
Como ela está na ordem do dia, germina por todos os lados e sua lógica a torna facilmente aceita, muito naturalmente ela abre aos espíritas uma porta para a propagação da Doutrina. Que eles se liguem, pois, a essa ideia, da qual ninguém ri, que é aceita pelos mais sérios pensadores, e farão mais prosélitos por esta via do que pelas manifestações materiais. Considerando-se que essa é hoje a corda sensível, é nela que se deve tocar, e quando ela tiver vibrado, o resto virá por si mesmo. Não faleis àqueles a quem apavora a simples palavra Espiritismo. Falai da pluralidade das existências; dos inúmeros escritores que preconizam essa ideia. Falai, também, sobretudo aos aflitos, como o faz o Sr. Victor Hugo; da presença, em torno de nós, dos nossos seres queridos que nós perdemos. Eles vos compreenderão, e mais tarde ficarão muito surpreendidos de ser espíritas sem o haver suspeitado.
Uma profissão de fé materialista
O Figaro de 3 de abril de 1868 continha a carta seguinte, a propósito dos debates havidos por essa época no Senado, relativamente a certas lições professadas na Escola de Medicina.
“Paris, 2 de abril de 1868.
“Senhor redator,
“Um erro que me concerne resvalou na última palestra do doutor Flavius. Eu não assisti à aula inaugural do Sr. Sée, no ano passado, e consequentemente não tenho direito a nenhum papel nessa história. Ademais, é um erro de forma e não de fundo, mas, a cada um de acordo com os seus atos. Há que substituir o meu nome pelo de meu amigo Jaclard, o qual não acredita mais que eu na alma imortal. E, a bem dizer, eu quase não vejo em todo o Senado senão o Sr. Sainte-Beuve, que ousou, na ocasião, confiar-nos os cuidados de seus molares ou a direção de seu tubo digestivo.
“E, desde que tenho a palavra, permiti-me mais uma. É preciso terminar com uma brincadeira que começa a tornar-se insuportável, além de ter ares de um recuo.
A Escola de Medicina, diz o doutor Flavius, mais forte em partos do que em Filosofia, não é nem ateísta nem materialista; é positivista.
“Mas, na verdade, o que é o positivismo senão um ramo dessa grande escola materialista que vai de Aristóteles e de Epicuro até Bacon, até Diderot, até Virechow, Moleschoff e Büchner, sem contar os contemporâneos e compatriotas que não cito, e com razão.
“A filosofia de A. Comte teve a sua utilidade e a sua glória num tempo em que o Cousinismo reinava como senhor. Hoje que a bandeira do materialismo foi erguida na Alemanha por nomes ilustres, na França por gente moça, em cujo meio tenho orgulho e pretensão de me contar, é bom que o positivismo se recolha ao modesto papel que lhe convém. É bom, sobretudo, que ele não dedique por mais tempo ao materialismo, seu mestre e seu antepassado, um desdém ou reticências que são, pelo menos, inoportunos.
“Recebei, senhor redator, o preito de minha distinta consideração.
“A. REGNARD.
“(Antigo interno dos hospitais)”
Como se vê, o materialismo também tem o seu fanatismo. Há alguns anos apenas, ele não teria ousado exibir-se tão audaciosamente; hoje ele leva abertamente o desafio ao espiritualismo, e o positivismo já não é, aos seus olhos, bastante radical. Ele tem suas manifestações públicas, e é ensinado publicamente à mocidade; tem a mais o que censura aos outros, a intolerância, que vai até a intimidação. Imagine-se o estado social de um povo imbuído de semelhantes doutrinas!
Esses excessos, entretanto, têm a sua utilidade, a sua razão de ser. Eles amedrontam a Sociedade, e o bem sempre sai do mal. É preciso o excesso do mal para fazer sentir a necessidade do melhor, sem o que o homem não sairia de sua inércia; ficaria impassível diante de um mal que se perpetuaria por força de sua pouca importância, ao passo que um grande mal desperta a sua atenção e lhe faz buscar os meios de remediá-lo. Sem os grandes desastres ocorridos no início das ferrovias, e que apavoravam, os pequenos acidentes isolados, passando quase desapercebidos, teriam conduzido ao menosprezo das medidas de segurança. No moral é como no físico: quanto mais excessivos os abusos, mais próximo está o termo.
A causa primeira do desenvolvimento da incredulidade está, como temos dito muitas vezes, na insuficiência das crenças religiosas, em geral, para satisfazer a razão, e no seu princípio de imobilidade que lhes interdita toda concessão sobre os seus dogmas, mesmo diante da evidência. Se, em vez de ficar para trás, elas tivessem seguido o movimento progressivo do espírito humano, mantendo-se sempre no nível da Ciência, é certo que elas difeririam um pouco do que eram no princípio, como um adulto difere da criança de colo, mas a fé, em vez de se extinguir, teria crescido com a razão, porque é uma necessidade para a Humanidade, e elas não teriam aberto a porta à incredulidade que vem sapar o que delas resta. Elas colhem o que semearam.
O materialismo é uma consequência da época de transição em que estamos; não é bem um progresso, mas um instrumento de progresso. Ele desaparecerá, provando a sua insuficiência para a manutenção da ordem social e para a satisfação dos Espíritos sérios que procuram o porquê de cada coisa. Para isto era necessário que o vissem à obra. A Humanidade, que necessita crer no futuro, jamais se contentará com o vazio que ele deixa após si, e procurará algo de melhor para combatê-lo.
“Paris, 2 de abril de 1868.
“Senhor redator,
“Um erro que me concerne resvalou na última palestra do doutor Flavius. Eu não assisti à aula inaugural do Sr. Sée, no ano passado, e consequentemente não tenho direito a nenhum papel nessa história. Ademais, é um erro de forma e não de fundo, mas, a cada um de acordo com os seus atos. Há que substituir o meu nome pelo de meu amigo Jaclard, o qual não acredita mais que eu na alma imortal. E, a bem dizer, eu quase não vejo em todo o Senado senão o Sr. Sainte-Beuve, que ousou, na ocasião, confiar-nos os cuidados de seus molares ou a direção de seu tubo digestivo.
“E, desde que tenho a palavra, permiti-me mais uma. É preciso terminar com uma brincadeira que começa a tornar-se insuportável, além de ter ares de um recuo.
A Escola de Medicina, diz o doutor Flavius, mais forte em partos do que em Filosofia, não é nem ateísta nem materialista; é positivista.
“Mas, na verdade, o que é o positivismo senão um ramo dessa grande escola materialista que vai de Aristóteles e de Epicuro até Bacon, até Diderot, até Virechow, Moleschoff e Büchner, sem contar os contemporâneos e compatriotas que não cito, e com razão.
“A filosofia de A. Comte teve a sua utilidade e a sua glória num tempo em que o Cousinismo reinava como senhor. Hoje que a bandeira do materialismo foi erguida na Alemanha por nomes ilustres, na França por gente moça, em cujo meio tenho orgulho e pretensão de me contar, é bom que o positivismo se recolha ao modesto papel que lhe convém. É bom, sobretudo, que ele não dedique por mais tempo ao materialismo, seu mestre e seu antepassado, um desdém ou reticências que são, pelo menos, inoportunos.
“Recebei, senhor redator, o preito de minha distinta consideração.
“A. REGNARD.
“(Antigo interno dos hospitais)”
Como se vê, o materialismo também tem o seu fanatismo. Há alguns anos apenas, ele não teria ousado exibir-se tão audaciosamente; hoje ele leva abertamente o desafio ao espiritualismo, e o positivismo já não é, aos seus olhos, bastante radical. Ele tem suas manifestações públicas, e é ensinado publicamente à mocidade; tem a mais o que censura aos outros, a intolerância, que vai até a intimidação. Imagine-se o estado social de um povo imbuído de semelhantes doutrinas!
Esses excessos, entretanto, têm a sua utilidade, a sua razão de ser. Eles amedrontam a Sociedade, e o bem sempre sai do mal. É preciso o excesso do mal para fazer sentir a necessidade do melhor, sem o que o homem não sairia de sua inércia; ficaria impassível diante de um mal que se perpetuaria por força de sua pouca importância, ao passo que um grande mal desperta a sua atenção e lhe faz buscar os meios de remediá-lo. Sem os grandes desastres ocorridos no início das ferrovias, e que apavoravam, os pequenos acidentes isolados, passando quase desapercebidos, teriam conduzido ao menosprezo das medidas de segurança. No moral é como no físico: quanto mais excessivos os abusos, mais próximo está o termo.
A causa primeira do desenvolvimento da incredulidade está, como temos dito muitas vezes, na insuficiência das crenças religiosas, em geral, para satisfazer a razão, e no seu princípio de imobilidade que lhes interdita toda concessão sobre os seus dogmas, mesmo diante da evidência. Se, em vez de ficar para trás, elas tivessem seguido o movimento progressivo do espírito humano, mantendo-se sempre no nível da Ciência, é certo que elas difeririam um pouco do que eram no princípio, como um adulto difere da criança de colo, mas a fé, em vez de se extinguir, teria crescido com a razão, porque é uma necessidade para a Humanidade, e elas não teriam aberto a porta à incredulidade que vem sapar o que delas resta. Elas colhem o que semearam.
O materialismo é uma consequência da época de transição em que estamos; não é bem um progresso, mas um instrumento de progresso. Ele desaparecerá, provando a sua insuficiência para a manutenção da ordem social e para a satisfação dos Espíritos sérios que procuram o porquê de cada coisa. Para isto era necessário que o vissem à obra. A Humanidade, que necessita crer no futuro, jamais se contentará com o vazio que ele deixa após si, e procurará algo de melhor para combatê-lo.
Profissão de fé semi-espírita
Em apoio às reflexões contidas no artigo precedente, reproduzimos com prazer a carta seguinte, publicada pela Petite Presse de 20 de setembro de 1868.
“Les Charmettes, setembro de 1868. “Meu caro Barlatier, “Sabeis a romança:
“Quando se é basco e bom cristão...
“Sem ser basco, sou bom cristão, e o cura de minha aldeia, que ontem comia a minha sopa de couve, me permite vos conte a nossa conversa.
“─ Então ides retomar o Roi Henri? perguntou-me ele.
“─ Com muito prazer, respondi eu, porque eu vivi naquele tempo.
“Meu digno cura deu um salto.
“Então lhe falei da minha convicção de que já tínhamos vivido e que voltaríamos a viver. Nova exclamação do bravo homem. Mas, enfim, concordou que as crenças cristãs não excluem esta opinião e deixou-me ir adiante.
“Ora, meu caro amigo, acreditai mesmo que eu não quis divertir-me com a candura do meu cura, e que esta convicção de que falo está em mim fortemente arraigada. Eu vivi ao tempo da Liga, sob Henrique III e Henrique IV. Quando eu era menino, minhas avós me falavam de Henrique IV e me contavam de um bom homem que eu não reconhecia absolutamente, um monarca grisalho, metido numa gola plissada, devoto em excesso e jamais tendo ouvido falar da Belle Gabrielle. Era o do padre Péréfixe. O Henrique IV que conheci, batalhador, amável, ligeiro, um pouco esquecido, é o verdadeiro. É aquele de quem já falei e vos falarei ainda.
“Não deveis rir. Quando vim a Paris pela primeira vez, reconheci-me por toda parte nos velhos bairros e tenho uma vaga lembrança de me haver encontrado na Rua da Ferronnerie, no dia em que o povo perdeu seu bom rei, aquele que havia desejado que cada francês, aos domingos, tivesse uma galinha na panela. O que era eu nesse tempo? Pouca coisa, sem dúvida um cadete de Provença ou de Gasconha. Mas se tivesse estado nas guardas de meu herói, não me admiraria.
“Em breve, pois, meu primeiro folhetim da Segunda Juventude do Rei Henrique, e crede-me
“Todo vosso,
“PONSON DU TERRAIL.”
Quando o Sr. Ponson du Terrail lançava o ridículo sobre o Espiritismo, ele não imaginava, e talvez ainda hoje não imagine, que uma das bases fundamentais desta doutrina é precisamente a crença da qual faz uma profissão de fé tão explícita.
A ideia da pluralidade das existências e da reencarnação evidentemente ganha a literatura, e não ficaríamos surpresos que Méry, que se lembrava tão bem do que ele tinha sido, não tenha despertado em mais de um de seus confrades, lembranças retrospectivas, e não seja, entre eles, o primeiro iniciador do Espiritismo, porque o leem, ao passo que não leem os livros espíritas. Eles aí encontram uma ideia racional, fecunda, e a aceitam.
A Petite-Presse publica, neste momento, sob o título de O Sr. Médard, um romance cujo enredo é todo espírita. É a revelação de um crime pela aparição da vítima em condições muito naturais.
“Les Charmettes, setembro de 1868. “Meu caro Barlatier, “Sabeis a romança:
“Quando se é basco e bom cristão...
“Sem ser basco, sou bom cristão, e o cura de minha aldeia, que ontem comia a minha sopa de couve, me permite vos conte a nossa conversa.
“─ Então ides retomar o Roi Henri? perguntou-me ele.
“─ Com muito prazer, respondi eu, porque eu vivi naquele tempo.
“Meu digno cura deu um salto.
“Então lhe falei da minha convicção de que já tínhamos vivido e que voltaríamos a viver. Nova exclamação do bravo homem. Mas, enfim, concordou que as crenças cristãs não excluem esta opinião e deixou-me ir adiante.
“Ora, meu caro amigo, acreditai mesmo que eu não quis divertir-me com a candura do meu cura, e que esta convicção de que falo está em mim fortemente arraigada. Eu vivi ao tempo da Liga, sob Henrique III e Henrique IV. Quando eu era menino, minhas avós me falavam de Henrique IV e me contavam de um bom homem que eu não reconhecia absolutamente, um monarca grisalho, metido numa gola plissada, devoto em excesso e jamais tendo ouvido falar da Belle Gabrielle. Era o do padre Péréfixe. O Henrique IV que conheci, batalhador, amável, ligeiro, um pouco esquecido, é o verdadeiro. É aquele de quem já falei e vos falarei ainda.
“Não deveis rir. Quando vim a Paris pela primeira vez, reconheci-me por toda parte nos velhos bairros e tenho uma vaga lembrança de me haver encontrado na Rua da Ferronnerie, no dia em que o povo perdeu seu bom rei, aquele que havia desejado que cada francês, aos domingos, tivesse uma galinha na panela. O que era eu nesse tempo? Pouca coisa, sem dúvida um cadete de Provença ou de Gasconha. Mas se tivesse estado nas guardas de meu herói, não me admiraria.
“Em breve, pois, meu primeiro folhetim da Segunda Juventude do Rei Henrique, e crede-me
“Todo vosso,
“PONSON DU TERRAIL.”
Quando o Sr. Ponson du Terrail lançava o ridículo sobre o Espiritismo, ele não imaginava, e talvez ainda hoje não imagine, que uma das bases fundamentais desta doutrina é precisamente a crença da qual faz uma profissão de fé tão explícita.
A ideia da pluralidade das existências e da reencarnação evidentemente ganha a literatura, e não ficaríamos surpresos que Méry, que se lembrava tão bem do que ele tinha sido, não tenha despertado em mais de um de seus confrades, lembranças retrospectivas, e não seja, entre eles, o primeiro iniciador do Espiritismo, porque o leem, ao passo que não leem os livros espíritas. Eles aí encontram uma ideia racional, fecunda, e a aceitam.
A Petite-Presse publica, neste momento, sob o título de O Sr. Médard, um romance cujo enredo é todo espírita. É a revelação de um crime pela aparição da vítima em condições muito naturais.
Instruções dos Espíritos
Influência dos planetas nas pertubações do globo terrestre
Extraímos o que segue de uma carta que nos é dirigida de Santa Fé de Bogotá (Nova Granada), por um dos nossos correspondentes, o Sr. Dr. Ignácio Pereira, médico, cirurgião, membro fundador do Instituto Homeopático dos Estados Unidos da Colômbia:
“Há três anos, pela mudança das estações em nossas regiões, o verão tomou-se muito longo e apareceram em algumas plantas doenças inteiramente desconhecidas em nosso país; as batatas foram atacadas de gangrena seca, e, pelas observações microscópicas que fiz em plantas atacadas por essa moléstia, reconheci que é produzida por um parasita vegetal chamado perisporium solani. Há três anos nosso globo tem sido vítima de desastres de toda a sorte: as inundações, as epidemias, as epizootias, a fome, as tempestades, as comoções do mar, os tremores de terra têm, um por um, devastado diversas regiões.
“Sabendo que quando um cometa se aproxima da Terra, as estações se tornam irregulares, pensei que esses astros pudessem igualmente produzir uma ação sobre os seres orgânicos, ocasionar perturbações climatéricas, causas de certas moléstias, e talvez influir sobre o estado físico do globo, pela produção de fenômenos diversos.
“O Espírito de meu irmão, que interroguei a respeito, limitou-se a dizer que não é um cometa que age, mas o planeta Júpiter que, de quarenta em quarenta anos, está no seu período mais próximo da Terra, recomendando-me não prosseguir este estudo sozinho.
“Preocupado com sua resposta, estudei a crônica de quarenta anos atrás e achei que então as estações foram irregulares, como hoje, em nossas regiões: sobreveio ao trigo a moléstia conhecida pelo nome de anublo; também houve pestes nos homens e nos animais e tremores de terra que causaram grandes desastres.
“Esta questão me parece importante, por isto, se julgardes conveniente submetê-la aos Espíritos instrutores da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, eu vos ficaria muito grato se me désseis a conhecer a sua opinião.”
Extraímos o que segue de uma carta que nos é dirigida de Santa Fé de Bogotá (Nova Granada), por um dos nossos correspondentes, o Sr. Dr. Ignácio Pereira, médico, cirurgião, membro fundador do Instituto Homeopático dos Estados Unidos da Colômbia:
“Há três anos, pela mudança das estações em nossas regiões, o verão tomou-se muito longo e apareceram em algumas plantas doenças inteiramente desconhecidas em nosso país; as batatas foram atacadas de gangrena seca, e, pelas observações microscópicas que fiz em plantas atacadas por essa moléstia, reconheci que é produzida por um parasita vegetal chamado perisporium solani. Há três anos nosso globo tem sido vítima de desastres de toda a sorte: as inundações, as epidemias, as epizootias, a fome, as tempestades, as comoções do mar, os tremores de terra têm, um por um, devastado diversas regiões.
“Sabendo que quando um cometa se aproxima da Terra, as estações se tornam irregulares, pensei que esses astros pudessem igualmente produzir uma ação sobre os seres orgânicos, ocasionar perturbações climatéricas, causas de certas moléstias, e talvez influir sobre o estado físico do globo, pela produção de fenômenos diversos.
“O Espírito de meu irmão, que interroguei a respeito, limitou-se a dizer que não é um cometa que age, mas o planeta Júpiter que, de quarenta em quarenta anos, está no seu período mais próximo da Terra, recomendando-me não prosseguir este estudo sozinho.
“Preocupado com sua resposta, estudei a crônica de quarenta anos atrás e achei que então as estações foram irregulares, como hoje, em nossas regiões: sobreveio ao trigo a moléstia conhecida pelo nome de anublo; também houve pestes nos homens e nos animais e tremores de terra que causaram grandes desastres.
“Esta questão me parece importante, por isto, se julgardes conveniente submetê-la aos Espíritos instrutores da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, eu vos ficaria muito grato se me désseis a conhecer a sua opinião.”
Resposta (Paris, 18 de setembro de 1868)
Na Natureza não há um só fenômeno, por menor que seja a sua importância, que não seja regulado pelo exercício das leis universais que regem a criação. Dá-se o mesmo nos grandes cataclismos, e se males de toda sorte castigam a Terra em certas épocas, não é apenas porque é necessário que assim seja, em razão de suas consequências morais, mas também porque a influência dos corpos celestes uns sobre os outros, as reações combinadas de todos os agentes naturais devem fatalmente conduzir a esse resultado.
Estando tudo submetido a uma série de leis, eternas como aquele que as criou, pois que não poderíamos remontar à sua origem, não há um fenômeno que não esteja sujeito a uma lei de periodicidade ou de série que provoca o seu retorno em certas épocas, nas mesmas condições, ou seguindo, como intensidade, uma lei de progressão geométrica crescente ou decrescente, mas contínua. Nenhum cataclismo pode nascer espontaneamente, e se, por seus efeitos, parece que assim é, as causas que o provocaram foram postas em ação há um tempo mais ou menos longo. Portanto, eles não são espontâneos senão em aparência, pois não há um só que não seja preparado de longo tempo, e que não obedeça a uma lei constante.
Partilho, pois, inteiramente da opinião expressa pelo Espírito de Jenaro Pereira, quanto à periodicidade das irregularidades das estações, mas quanto à sua causa, esta é mais complexa do que ele a supõe.
Cada corpo celeste, além das leis simples que presidem à divisão dos dias e das noites, das estações etc., sofre revoluções que demandam milhares de séculos para a sua perfeita realização, mas que, como as revoluções mais breves, passam por todos os períodos, desde o nascimento até um último efeito, depois do que há um decréscimo até o último limite, para recomeçar em seguida a percorrer as mesmas fases.
O homem não abarca senão as fases de uma duração relativamente curta cuja periodicidade pode constatar, mas há algumas que compreendem longas gerações de seres, e mesmo sucessões de raças, cujos efeitos, por consequência, têm para ele aparência de novidade e de espontaneidade, ao passo que, se seu olhar pudesse alcançar alguns milhares de séculos para trás, ele veria, entre esses mesmos efeitos e suas causas, uma correlação que ele nem mesmo suspeita. Esses períodos, que confundem a imaginação dos humanos por sua relativa duração, não são, entretanto, senão instantes na duração eterna.
Lembrai-vos do que disse Galileu em seus estudos uranográficos que tivestes a feliz ideia de intercalar em vosso livro A Gênese, sobre o tempo, o espaço e a sucessão indefinida dos mundos, e compreendereis que a vida de uma ou de várias gerações, em relação ao conjunto, é como uma gota d’água no Oceano. Não vos admireis, pois, de não poder perceber a harmonia das leis gerais que regem o Universo. Seja o que for que façais, não podeis ver senão um pequeno canto do quadro, razão pela qual tantas coisas vos parecem anomalias.
Num mesmo sistema planetário, todos os corpos que dele dependem reagem uns sobre os outros; todas as influências físicas aí são solidárias, e não há um só dos efeitos que designais sob o nome de grandes perturbações, que não seja a consequência do conjunto das influências de todo esse sistema. Júpiter tem suas revoluções periódicas como todos os outros planetas, e essas revoluções não deixam de ter influência sobre as modificações das condições físicas terrestres, mas seria erro considerá-las como a causa única ou preponderante de tais modificações. Elas intervêm, por um lado, como as de todos os planetas do sistema, como os próprios movimentos terrestres intervêm para contribuir na alteração das condições dos mundos vizinhos. Vou mais longe: digo que os sistemas reagem uns sobre os outros, em razão da aproximação ou do afastamento que resulta de seu movimento de translação através das miríades de sistemas que compõem a nossa nebulosa. Vou mais longe ainda: digo que a nossa nebulosa, que é como um arquipélago na imensidade, e que também tem o seu movimento de translação através de miríades de nebulosas, sofre a influência daquelas das quais ela se aproxima. Assim, as nebulosas reagem sobre as nebulosas; os sistemas reagem sobre os sistemas, como os planetas reagem sobre os planetas; como os elementos de cada planeta reagem uns sobre os outros, e assim, passo a passo, até o átomo. Daí, em cada mundo, revoluções locais ou gerais, que só parecem perturbações porque a brevidade da vida não permite ver senão os seus efeitos parciais.
A matéria orgânica não poderia subtrair-se a essas influências; as perturbações que ela sofre podem, então, alterar o estado físico dos seres vivos, e determinar algumas dessas doenças que atacam de maneira geral as plantas, os animais e os homens. Essas doenças, como todos os flagelos, são para a inteligência humana um estimulante que a impele, pela necessidade, à procura dos meios de combatê-las, e à descoberta das leis da Natureza.
Mas, por sua vez, a matéria orgânica reage sobre o espírito, e este, por seu contato e sua ligação íntima com os elementos materiais, também sofre influências que modificam suas disposições, sem contudo tirar-lhe o livre-arbítrio; superexcitam ou retardam a sua atividade e, por isto mesmo, contribuem para o seu desenvolvimento. A efervescência que por vezes se manifesta em toda uma população, entre os homens de uma mesma raça, não é uma coisa fortuita, nem o resultado de um capricho; ela tem sua causa nas leis da Natureza. Essa efervescência, a princípio inconsciente, que não passa de um vago desejo, de uma aspiração indefinida por algo de melhor, de uma necessidade de mudança, traduz-se por uma agitação surda, depois por atos que levam a revoluções morais, as quais, crede-o, têm também sua periodicidade, como as revoluções físicas, porque tudo se encadeia. Se a visão espiritual não fosse circunscrita pelo véu material, veríeis essas correntes fluídicas que, como milhares de fios condutores, ligam as coisas do mundo espiritual às do mundo material.
Quando vos dizemos que a Humanidade chegou a um período de transformação, e que a Terra deve elevar-se na hierarquia dos mundos, não vejais nestas palavras nada de místico, mas, ao contrário, a realização de uma das grandes leis fatais do Universo, contra as quais se quebra toda a má vontade humana.
Direi em particular ao Sr. Ignácio Pereira: Estamos longe de vos aconselhar a renúncia aos estudos que fazem parte de vossa futura bagagem intelectual, mas compreendereis, sem dúvida, que esses conhecimentos, como todos os outros, devem ser fruto de vossos trabalhos e não o de nossas revelações. Podemos dizervos que estais num caminho errado, e mesmo vos designar a verdadeira via, mas cabe a vós a iniciativa de levantar os véus em que ainda estão envolvidas as manifestações naturais que até aqui escaparam às vossas investigações, e descobrir as leis para a observação dos fatos. Observai, analisai, classificai, comparai, e da correlação dos fatos deduzi, mas não vos apresseis em concluir de modo absoluto.
Terminarei dizendo-vos: Em todas as vossas pesquisas, segui o exemplo das leis naturais, que são todas solidárias entre si, e é essa solidariedade de ações que produz a imponente harmonia de seus efeitos. Homens, sede solidários, e avançareis harmonicamente para o conhecimento da felicidade e da verdade.
F. ARAGO.
Permiti-me acrescentar algumas palavras, como complemento à comunicação que vos acaba de dar o eminente Espírito de Arago.
Sim, certamente a Humanidade se transforma, como já se transformou em outras épocas, e cada transformação é marcada por uma crise que é, para o gênero humano, o que são as crises de crescimento para os indivíduos, crises muitas vezes penosas, dolorosas, que arrastam consigo as gerações e as instituições, sempre, porém, seguidas de uma fase de progresso material e moral.
A Humanidade terrena, tendo chegado a um desses períodos de crescimento, está em franco trabalho da transformação há cerca de um século. É por isto que ela se agita por todos os lados, presa de uma espécie de febree como que movida por uma força invisível, até que tenha tomado sua posição em novas bases. Quem então a observar, achá-la-á muito mudada em seus costumes, seu caráter, suas leis, suas crenças, numa palavra, em todo o seu estado social.
Uma coisa que vos parecerá estranha, mas que não deixa de ser uma rigorosa verdade, é que o mundo dos Espíritos que vos rodeia sofre o contragolpe de todas as comoções que agitam o mundo dos encarnados; digo mais: Ele aí toma uma parte ativa. Isto nada tem de surpreendente para quem quer que saiba que os Espíritos são unos com a Humanidade; que eles dela saem e a ela devem voltar; é natural, portanto, que eles se interessem pelos movimentos que se operam entre os homens. Ficai certos, pois, que quando uma revolução social se realiza na Terra, ela abala igualmente o mundo invisível; todas as paixões boas e más são superexcitadas como entre vós; uma indizível efervescência reina entre os Espíritos que ainda fazem parte do vosso mundo e que esperam o momento de nele entrar.
À agitação dos encarnados e desencarnados juntam-se, por vezes, e mesmo o mais das vezes, porque tudo sofre, na Natureza, as perturbações dos elementos físicos; há então, por algum tempo, uma verdadeira confusão geral, mas que passa como um furacão, depois do qual o céu volta à serenidade, e a Humanidade, reconstituída sobre novas bases, imbuída de novas ideias, percorre uma nova etapa de progresso.
É no período que se abre que veremos florescer o Espiritismo, e que ele dará os seus frutos. É, pois, para o futuro, mais que para o presente, que trabalhais; mas era necessário que esses trabalhos fossem elaborados previamente, porque preparam as vias da regeneração pela unificação e pela racionalidade das crenças. Felizes aqueles que dele tiram proveito a partir de agora, pois eles muito terão ganho e terão muitas penas poupadas.
DOUTOR BARRY.
Estando tudo submetido a uma série de leis, eternas como aquele que as criou, pois que não poderíamos remontar à sua origem, não há um fenômeno que não esteja sujeito a uma lei de periodicidade ou de série que provoca o seu retorno em certas épocas, nas mesmas condições, ou seguindo, como intensidade, uma lei de progressão geométrica crescente ou decrescente, mas contínua. Nenhum cataclismo pode nascer espontaneamente, e se, por seus efeitos, parece que assim é, as causas que o provocaram foram postas em ação há um tempo mais ou menos longo. Portanto, eles não são espontâneos senão em aparência, pois não há um só que não seja preparado de longo tempo, e que não obedeça a uma lei constante.
Partilho, pois, inteiramente da opinião expressa pelo Espírito de Jenaro Pereira, quanto à periodicidade das irregularidades das estações, mas quanto à sua causa, esta é mais complexa do que ele a supõe.
Cada corpo celeste, além das leis simples que presidem à divisão dos dias e das noites, das estações etc., sofre revoluções que demandam milhares de séculos para a sua perfeita realização, mas que, como as revoluções mais breves, passam por todos os períodos, desde o nascimento até um último efeito, depois do que há um decréscimo até o último limite, para recomeçar em seguida a percorrer as mesmas fases.
O homem não abarca senão as fases de uma duração relativamente curta cuja periodicidade pode constatar, mas há algumas que compreendem longas gerações de seres, e mesmo sucessões de raças, cujos efeitos, por consequência, têm para ele aparência de novidade e de espontaneidade, ao passo que, se seu olhar pudesse alcançar alguns milhares de séculos para trás, ele veria, entre esses mesmos efeitos e suas causas, uma correlação que ele nem mesmo suspeita. Esses períodos, que confundem a imaginação dos humanos por sua relativa duração, não são, entretanto, senão instantes na duração eterna.
Lembrai-vos do que disse Galileu em seus estudos uranográficos que tivestes a feliz ideia de intercalar em vosso livro A Gênese, sobre o tempo, o espaço e a sucessão indefinida dos mundos, e compreendereis que a vida de uma ou de várias gerações, em relação ao conjunto, é como uma gota d’água no Oceano. Não vos admireis, pois, de não poder perceber a harmonia das leis gerais que regem o Universo. Seja o que for que façais, não podeis ver senão um pequeno canto do quadro, razão pela qual tantas coisas vos parecem anomalias.
Num mesmo sistema planetário, todos os corpos que dele dependem reagem uns sobre os outros; todas as influências físicas aí são solidárias, e não há um só dos efeitos que designais sob o nome de grandes perturbações, que não seja a consequência do conjunto das influências de todo esse sistema. Júpiter tem suas revoluções periódicas como todos os outros planetas, e essas revoluções não deixam de ter influência sobre as modificações das condições físicas terrestres, mas seria erro considerá-las como a causa única ou preponderante de tais modificações. Elas intervêm, por um lado, como as de todos os planetas do sistema, como os próprios movimentos terrestres intervêm para contribuir na alteração das condições dos mundos vizinhos. Vou mais longe: digo que os sistemas reagem uns sobre os outros, em razão da aproximação ou do afastamento que resulta de seu movimento de translação através das miríades de sistemas que compõem a nossa nebulosa. Vou mais longe ainda: digo que a nossa nebulosa, que é como um arquipélago na imensidade, e que também tem o seu movimento de translação através de miríades de nebulosas, sofre a influência daquelas das quais ela se aproxima. Assim, as nebulosas reagem sobre as nebulosas; os sistemas reagem sobre os sistemas, como os planetas reagem sobre os planetas; como os elementos de cada planeta reagem uns sobre os outros, e assim, passo a passo, até o átomo. Daí, em cada mundo, revoluções locais ou gerais, que só parecem perturbações porque a brevidade da vida não permite ver senão os seus efeitos parciais.
A matéria orgânica não poderia subtrair-se a essas influências; as perturbações que ela sofre podem, então, alterar o estado físico dos seres vivos, e determinar algumas dessas doenças que atacam de maneira geral as plantas, os animais e os homens. Essas doenças, como todos os flagelos, são para a inteligência humana um estimulante que a impele, pela necessidade, à procura dos meios de combatê-las, e à descoberta das leis da Natureza.
Mas, por sua vez, a matéria orgânica reage sobre o espírito, e este, por seu contato e sua ligação íntima com os elementos materiais, também sofre influências que modificam suas disposições, sem contudo tirar-lhe o livre-arbítrio; superexcitam ou retardam a sua atividade e, por isto mesmo, contribuem para o seu desenvolvimento. A efervescência que por vezes se manifesta em toda uma população, entre os homens de uma mesma raça, não é uma coisa fortuita, nem o resultado de um capricho; ela tem sua causa nas leis da Natureza. Essa efervescência, a princípio inconsciente, que não passa de um vago desejo, de uma aspiração indefinida por algo de melhor, de uma necessidade de mudança, traduz-se por uma agitação surda, depois por atos que levam a revoluções morais, as quais, crede-o, têm também sua periodicidade, como as revoluções físicas, porque tudo se encadeia. Se a visão espiritual não fosse circunscrita pelo véu material, veríeis essas correntes fluídicas que, como milhares de fios condutores, ligam as coisas do mundo espiritual às do mundo material.
Quando vos dizemos que a Humanidade chegou a um período de transformação, e que a Terra deve elevar-se na hierarquia dos mundos, não vejais nestas palavras nada de místico, mas, ao contrário, a realização de uma das grandes leis fatais do Universo, contra as quais se quebra toda a má vontade humana.
Direi em particular ao Sr. Ignácio Pereira: Estamos longe de vos aconselhar a renúncia aos estudos que fazem parte de vossa futura bagagem intelectual, mas compreendereis, sem dúvida, que esses conhecimentos, como todos os outros, devem ser fruto de vossos trabalhos e não o de nossas revelações. Podemos dizervos que estais num caminho errado, e mesmo vos designar a verdadeira via, mas cabe a vós a iniciativa de levantar os véus em que ainda estão envolvidas as manifestações naturais que até aqui escaparam às vossas investigações, e descobrir as leis para a observação dos fatos. Observai, analisai, classificai, comparai, e da correlação dos fatos deduzi, mas não vos apresseis em concluir de modo absoluto.
Terminarei dizendo-vos: Em todas as vossas pesquisas, segui o exemplo das leis naturais, que são todas solidárias entre si, e é essa solidariedade de ações que produz a imponente harmonia de seus efeitos. Homens, sede solidários, e avançareis harmonicamente para o conhecimento da felicidade e da verdade.
F. ARAGO.
Permiti-me acrescentar algumas palavras, como complemento à comunicação que vos acaba de dar o eminente Espírito de Arago.
Sim, certamente a Humanidade se transforma, como já se transformou em outras épocas, e cada transformação é marcada por uma crise que é, para o gênero humano, o que são as crises de crescimento para os indivíduos, crises muitas vezes penosas, dolorosas, que arrastam consigo as gerações e as instituições, sempre, porém, seguidas de uma fase de progresso material e moral.
A Humanidade terrena, tendo chegado a um desses períodos de crescimento, está em franco trabalho da transformação há cerca de um século. É por isto que ela se agita por todos os lados, presa de uma espécie de febree como que movida por uma força invisível, até que tenha tomado sua posição em novas bases. Quem então a observar, achá-la-á muito mudada em seus costumes, seu caráter, suas leis, suas crenças, numa palavra, em todo o seu estado social.
Uma coisa que vos parecerá estranha, mas que não deixa de ser uma rigorosa verdade, é que o mundo dos Espíritos que vos rodeia sofre o contragolpe de todas as comoções que agitam o mundo dos encarnados; digo mais: Ele aí toma uma parte ativa. Isto nada tem de surpreendente para quem quer que saiba que os Espíritos são unos com a Humanidade; que eles dela saem e a ela devem voltar; é natural, portanto, que eles se interessem pelos movimentos que se operam entre os homens. Ficai certos, pois, que quando uma revolução social se realiza na Terra, ela abala igualmente o mundo invisível; todas as paixões boas e más são superexcitadas como entre vós; uma indizível efervescência reina entre os Espíritos que ainda fazem parte do vosso mundo e que esperam o momento de nele entrar.
À agitação dos encarnados e desencarnados juntam-se, por vezes, e mesmo o mais das vezes, porque tudo sofre, na Natureza, as perturbações dos elementos físicos; há então, por algum tempo, uma verdadeira confusão geral, mas que passa como um furacão, depois do qual o céu volta à serenidade, e a Humanidade, reconstituída sobre novas bases, imbuída de novas ideias, percorre uma nova etapa de progresso.
É no período que se abre que veremos florescer o Espiritismo, e que ele dará os seus frutos. É, pois, para o futuro, mais que para o presente, que trabalhais; mas era necessário que esses trabalhos fossem elaborados previamente, porque preparam as vias da regeneração pela unificação e pela racionalidade das crenças. Felizes aqueles que dele tiram proveito a partir de agora, pois eles muito terão ganho e terão muitas penas poupadas.
DOUTOR BARRY.
Variedades
Belo exemplo de caridade evangélica
Um ato de caridade realizado pelo Dr. Ginet, cantoneiro de Saint-Julie-sousMontmelas, é contado pelo Echo de Fourvière:
No dia 1º de janeiro, ao cair da noite, achava-se agachada na praça de SaintJulien uma mendiga de profissão, coberta de chagas infectas, vestida de velhos trapos cheios de bichos, e, além disto, tão má que todos a temiam; ela não retribuía o bem que faziam senão por socos e injúrias. Tomada de um enfraquecimento súbito, teria sucumbido na calçada, não fosse a caridade do nosso cantoneiro que, superando a repugnância, tomou-a nos braços e a levou para sua casa.
Esse pobre homem tem apenas um alojamento muito apertado para si, para a mulher doente e para seus três filhos pequenos. Ele não tem outro recurso senão o seu módico salário. Ele pôs a velha mendiga sobre um pouco de palha dada por um vizinho e dela cuidou toda a noite, procurando aquecê-la.
Ao romper do dia, essa mulher, que enfraquecia cada vez mais, lhe disse: “Tenho dinheiro comigo; eu vo-lo dou pelos vossos cuidados.” E acrescentou: “O senhor cura...” e expirou. Sem se preocupar com o dinheiro, o cantoneiro foi procurar o cura, mas era tarde demais. A seguir apressou-se em avisar os parentes, que moram numa paróquia vizinha e que estão em situação folgada. Eles chegam e a primeira pergunta é esta: “Minha irmã tinha dinheiro consigo. Onde está?” O cantoneiro responde: “Ela me disse, mas eu não me inquietei.” Eles procuram e encontram, realmente, mais de 400 francos num dos bolsos.
Acabando a sua obra, o caridoso operário, com o auxílio de uma vizinha, enterrou a pobre morta. Algumas pessoas eram de opinião que na noite seguinte ele deveria colocar o caixão num telheiro vizinho que estava fechado. “Não, disse ele, esta mulher não é um cão, mas uma cristã.” E a velou toda a noite em sua casa, com sua lâmpada acesa.
Às pessoas que lhe exprimiam admiração e aconselhavam a pedir uma recompensa, respondia: “Oh! Não foi o interesse que me levou a agir. Dar-me-ão o que quiserem, mas eu nada pedirei. Na posição em que estou, posso encontrar-me na mesma situação, e ficaria muito feliz se tivessem piedade de mim.”
─ Que relação tem isto com o Espiritismo? perguntaria um incrédulo.
─ É que a caridade evangélica, tal qual a recomendou o Cristo, sendo uma lei do Espiritismo, todo ato realmente caridoso é um ato espírita, e a atitude desse homem é a aplicação da lei de caridade, no que ela tem de mais puro e mais sublime, porque ele fez o bem, não só sem esperança de retribuição, sem pensar em seus encargos pessoais, mas quase com a certeza de ser pago com a ingratidão, contentando-se em dizer que, em semelhante caso, quereria que tivessem feito o mesmo por ele.
─ Esse homem era espírita?
─ Ignoramo-lo; mas não é provável. Em todo caso, se não o era pela letra, era-o pelo espírito.
─ Se não era espírita, então não foi o Espiritismo que o levou a esta ação?
─ Seguramente.
─ Então por que o Espiritismo sente mérito nisto?
─ O Espiritismo não reivindica em seu proveito a ação desse homem, mas se ufana de professar os princípios que o levaram a praticá-la, sem jamais ter tido a pretensão de possuir o privilégio de inspirar os bons sentimentos. Ele reverencia o bem em qualquer parte onde se encontre. E quando seus próprios adversários o praticam, ele os oferece como exemplo aos seus adeptos.
É desagradável que os jornais tenham menos solicitude em reproduzir as boas ações, em geral, do que os crimes e os escândalos. Se há um fato que testemunha a perversidade humana, pode-se estar certo de que será repetido linha por linha, como atrativo à curiosidade dos leitores. O exemplo é contagioso. Por que não pôr aos olhos das massas o exemplo do bem de preferência ao do mal? Há nisso uma grande questão de moralidade pública, de que trataremos mais tarde, com todos os desenvolvimentos que ela comporta.
No dia 1º de janeiro, ao cair da noite, achava-se agachada na praça de SaintJulien uma mendiga de profissão, coberta de chagas infectas, vestida de velhos trapos cheios de bichos, e, além disto, tão má que todos a temiam; ela não retribuía o bem que faziam senão por socos e injúrias. Tomada de um enfraquecimento súbito, teria sucumbido na calçada, não fosse a caridade do nosso cantoneiro que, superando a repugnância, tomou-a nos braços e a levou para sua casa.
Esse pobre homem tem apenas um alojamento muito apertado para si, para a mulher doente e para seus três filhos pequenos. Ele não tem outro recurso senão o seu módico salário. Ele pôs a velha mendiga sobre um pouco de palha dada por um vizinho e dela cuidou toda a noite, procurando aquecê-la.
Ao romper do dia, essa mulher, que enfraquecia cada vez mais, lhe disse: “Tenho dinheiro comigo; eu vo-lo dou pelos vossos cuidados.” E acrescentou: “O senhor cura...” e expirou. Sem se preocupar com o dinheiro, o cantoneiro foi procurar o cura, mas era tarde demais. A seguir apressou-se em avisar os parentes, que moram numa paróquia vizinha e que estão em situação folgada. Eles chegam e a primeira pergunta é esta: “Minha irmã tinha dinheiro consigo. Onde está?” O cantoneiro responde: “Ela me disse, mas eu não me inquietei.” Eles procuram e encontram, realmente, mais de 400 francos num dos bolsos.
Acabando a sua obra, o caridoso operário, com o auxílio de uma vizinha, enterrou a pobre morta. Algumas pessoas eram de opinião que na noite seguinte ele deveria colocar o caixão num telheiro vizinho que estava fechado. “Não, disse ele, esta mulher não é um cão, mas uma cristã.” E a velou toda a noite em sua casa, com sua lâmpada acesa.
Às pessoas que lhe exprimiam admiração e aconselhavam a pedir uma recompensa, respondia: “Oh! Não foi o interesse que me levou a agir. Dar-me-ão o que quiserem, mas eu nada pedirei. Na posição em que estou, posso encontrar-me na mesma situação, e ficaria muito feliz se tivessem piedade de mim.”
─ Que relação tem isto com o Espiritismo? perguntaria um incrédulo.
─ É que a caridade evangélica, tal qual a recomendou o Cristo, sendo uma lei do Espiritismo, todo ato realmente caridoso é um ato espírita, e a atitude desse homem é a aplicação da lei de caridade, no que ela tem de mais puro e mais sublime, porque ele fez o bem, não só sem esperança de retribuição, sem pensar em seus encargos pessoais, mas quase com a certeza de ser pago com a ingratidão, contentando-se em dizer que, em semelhante caso, quereria que tivessem feito o mesmo por ele.
─ Esse homem era espírita?
─ Ignoramo-lo; mas não é provável. Em todo caso, se não o era pela letra, era-o pelo espírito.
─ Se não era espírita, então não foi o Espiritismo que o levou a esta ação?
─ Seguramente.
─ Então por que o Espiritismo sente mérito nisto?
─ O Espiritismo não reivindica em seu proveito a ação desse homem, mas se ufana de professar os princípios que o levaram a praticá-la, sem jamais ter tido a pretensão de possuir o privilégio de inspirar os bons sentimentos. Ele reverencia o bem em qualquer parte onde se encontre. E quando seus próprios adversários o praticam, ele os oferece como exemplo aos seus adeptos.
É desagradável que os jornais tenham menos solicitude em reproduzir as boas ações, em geral, do que os crimes e os escândalos. Se há um fato que testemunha a perversidade humana, pode-se estar certo de que será repetido linha por linha, como atrativo à curiosidade dos leitores. O exemplo é contagioso. Por que não pôr aos olhos das massas o exemplo do bem de preferência ao do mal? Há nisso uma grande questão de moralidade pública, de que trataremos mais tarde, com todos os desenvolvimentos que ela comporta.
Um castelo mal assombrado
O relato do seguinte fato nos foi mandado por um dos nossos correspondentes em São Petersburgo.
Um velho general húngaro, muito conhecido por sua bravura, recebeu uma grande sua herança, pediu demissão e escreveu ao seu intendente que lhe comprasse uma certa propriedade, que estava à venda e que lhe designou.
O intendente respondeu imediatamente, aconselhando ao general que não comprasse a tal propriedade, pois era mal-assombrada pelos Espíritos.
O velho valente insistiu, dizendo ser uma razão a mais para fazer a compra, e determinou-lhe que concluísse o negócio imediatamente.
A propriedade foi então comprada, e o novo dono põe-se a caminho para ali instalar-se. Chegou às onze da noite à casa de seu intendente, não longe do castelo, para onde queria ir imediatamente.
─ Por favor, disse-lhe o velho servidor, esperai até pela manhã e dai-me a honra de passar a noite em minha casa.
─ Não, disse-lhe o amo, quero passá-la em meu castelo.
Então o intendente foi obrigado a acompanhá-lo com vários camponeses levando tochas, mas eles não quiseram entrar e se retiraram, deixando só o novo senhor.
Este tinha consigo um velho soldado que jamais o havia deixado, e um enorme cão que teria estrangulado um homem de um só golpe.
O velho general instalou-se na biblioteca do castelo, mandou acender velas, pôs um par de pistolas sobre a mesa, tomou um livro e estendeu-se num canapé, esperando os visitantes, pois estava certo de que se houvesse alguns no castelo não seriam mortos, mas bem vivos. Era também por isto que havia carregado as pistolas e feito o seu cão deitar-se debaixo do canapé. Quanto ao velho soldado, já roncava num quarto vizinho à biblioteca.
Pouco tempo se passou; o general julgou ouvir um ruído no salão, escutou atentamente e o ruído redobrou. Seguro de si, tomou uma vela numa das mãos e a pistola na outra e entrou no salão, onde não viu ninguém; buscou por toda parte, até levantando as cortinas; não havia nada, absolutamente nada. Voltou à biblioteca, retomou o livro e, apenas lidas algumas linhas, o ruído se fez ouvir com muito mais força que da primeira vez. Retomou a vela e uma pistola, entrou de novo no salão e viu que haviam aberto a gaveta de uma cômoda. Desta vez, convencido de que se tratava de ladrões, e não vendo ninguém, chamou o seu cachorro e lhe disse: procure! O cachorro pôs-se a tremer em todos os membros e voltou a se esconder debaixo do canapé. O próprio general começou a tremer, voltou para a biblioteca, deitou-se no canapé mas não pôde fechar os olhos a noite toda. Contando-nos o fato, disse-nos o general: “Eu não tive medo senão duas vezes: há dezoito anos, quando, no campo de batalha, uma bomba estourou aos meus pés, e a segunda vez quando vi o medo apoderar-se de meu cão.”
Abster-nos-emos de qualquer comentário sobre o fato muito autêntico acima referido, e contentar-nos-emos em perguntar aos adversários do Espiritismo como o sistema nervoso do cachorro foi abalado.
Perguntaremos, além disto, como a superexcitação nervosa de um médium, por mais forte que seja, pode produzir a escrita direta, isto é, pode forçar um lápis a escrever por si mesmo.
Outra pergunta: Cremos que o fluido nervoso retido e concentrado num recipiente poderia igualar e mesmo ultrapassar a força do vapor. Mas, estando livre o dito fluido, poderia levantar e deslocar móveis pesados, como tantas vezes acontece?
CH. PÉREYRA.
Um velho general húngaro, muito conhecido por sua bravura, recebeu uma grande sua herança, pediu demissão e escreveu ao seu intendente que lhe comprasse uma certa propriedade, que estava à venda e que lhe designou.
O intendente respondeu imediatamente, aconselhando ao general que não comprasse a tal propriedade, pois era mal-assombrada pelos Espíritos.
O velho valente insistiu, dizendo ser uma razão a mais para fazer a compra, e determinou-lhe que concluísse o negócio imediatamente.
A propriedade foi então comprada, e o novo dono põe-se a caminho para ali instalar-se. Chegou às onze da noite à casa de seu intendente, não longe do castelo, para onde queria ir imediatamente.
─ Por favor, disse-lhe o velho servidor, esperai até pela manhã e dai-me a honra de passar a noite em minha casa.
─ Não, disse-lhe o amo, quero passá-la em meu castelo.
Então o intendente foi obrigado a acompanhá-lo com vários camponeses levando tochas, mas eles não quiseram entrar e se retiraram, deixando só o novo senhor.
Este tinha consigo um velho soldado que jamais o havia deixado, e um enorme cão que teria estrangulado um homem de um só golpe.
O velho general instalou-se na biblioteca do castelo, mandou acender velas, pôs um par de pistolas sobre a mesa, tomou um livro e estendeu-se num canapé, esperando os visitantes, pois estava certo de que se houvesse alguns no castelo não seriam mortos, mas bem vivos. Era também por isto que havia carregado as pistolas e feito o seu cão deitar-se debaixo do canapé. Quanto ao velho soldado, já roncava num quarto vizinho à biblioteca.
Pouco tempo se passou; o general julgou ouvir um ruído no salão, escutou atentamente e o ruído redobrou. Seguro de si, tomou uma vela numa das mãos e a pistola na outra e entrou no salão, onde não viu ninguém; buscou por toda parte, até levantando as cortinas; não havia nada, absolutamente nada. Voltou à biblioteca, retomou o livro e, apenas lidas algumas linhas, o ruído se fez ouvir com muito mais força que da primeira vez. Retomou a vela e uma pistola, entrou de novo no salão e viu que haviam aberto a gaveta de uma cômoda. Desta vez, convencido de que se tratava de ladrões, e não vendo ninguém, chamou o seu cachorro e lhe disse: procure! O cachorro pôs-se a tremer em todos os membros e voltou a se esconder debaixo do canapé. O próprio general começou a tremer, voltou para a biblioteca, deitou-se no canapé mas não pôde fechar os olhos a noite toda. Contando-nos o fato, disse-nos o general: “Eu não tive medo senão duas vezes: há dezoito anos, quando, no campo de batalha, uma bomba estourou aos meus pés, e a segunda vez quando vi o medo apoderar-se de meu cão.”
Abster-nos-emos de qualquer comentário sobre o fato muito autêntico acima referido, e contentar-nos-emos em perguntar aos adversários do Espiritismo como o sistema nervoso do cachorro foi abalado.
Perguntaremos, além disto, como a superexcitação nervosa de um médium, por mais forte que seja, pode produzir a escrita direta, isto é, pode forçar um lápis a escrever por si mesmo.
Outra pergunta: Cremos que o fluido nervoso retido e concentrado num recipiente poderia igualar e mesmo ultrapassar a força do vapor. Mas, estando livre o dito fluido, poderia levantar e deslocar móveis pesados, como tantas vezes acontece?
CH. PÉREYRA.
Bibliografia
Correspondência inédita de Lavater com a Imperatriz Maria da Rússia, sobre o futuro da alma.
O interesse que está ligado a essas cartas, que publicamos na Revista, ensejou aos Srs. Lacroix & Cie., da Livraria Internacional, Boulevard Montmartre, 15, a feliz ideia de lhes fazer uma publicação à parte. A propagação dessas cartas não poderá senão ter um efeito muito útil sobre as pessoas estranhas ao Espiritismo. Brochura grande in-8º. Preço: 50 centavos.
ALLAN KARDEC.
O interesse que está ligado a essas cartas, que publicamos na Revista, ensejou aos Srs. Lacroix & Cie., da Livraria Internacional, Boulevard Montmartre, 15, a feliz ideia de lhes fazer uma publicação à parte. A propagação dessas cartas não poderá senão ter um efeito muito útil sobre as pessoas estranhas ao Espiritismo. Brochura grande in-8º. Preço: 50 centavos.
ALLAN KARDEC.