Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

Allan Kardec

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Junho

A mediunidade no Copo D'Água

Um dos nossos correspondentes de Genebra nos envia interessantes detalhes sobre um novo gênero de mediunidade vidente, que consiste em ver em um copo d’água magnetizada. Essa faculdade tem muitas relações com a do vidente de Zimmerwald, de que demos conta circunstanciada na Revista de outubro de 1864 e outubro de 1865. A diferença consiste em que este último se serve de um copo vazio, sempre o mesmo, e que a faculdade lhe é, de certo modo, pessoal. Ao contrário, o fenômeno que nos é assinalado, se produz com o auxílio do primeiro copo que aparece, contendo água magnetizada e parece que deveria vulgarizar-se. Se assim é, a mediunidade vidente poderia tornar-se tão comum quanto a escrita.

Eis as informações que nos são dadas, segundo as quais cada um poderá experimentar, colocando-se em condições favoráveis;

“A mediunidade vidente pelo copo d’água magnetizada acaba de se revelar entre nós num certo número de pessoas. Em um mês temos quinze médiuns videntes deste gênero, cada um com a sua especialidade. Um dos melhores é uma jovem senhora que não sabe ler nem escrever; ela é mais particularmente apta para as doenças, e eis como nossos bons Espíritos procedem para nos mostrar o mal e o remédio. Eu tomo um exemplo ao acaso: Uma pobre mulher que se achava na reunião havia recebido um rude golpe no peito. Ela apareceu no copo absolutamente como uma fotografia; levou a mão sobre a parte ofendida. A Sra. V... (a médium) viu a seguir o peito se abrir e notou que havia sangue coagulado no lugar onde tinha sido dado o golpe; depois tudo desapareceu para dar lugar à imagem dos remédios, que consistiam num emplastro de resina branca e um copo contendo benjoim. A senhora ficou perfeitamente curada depois de haver seguido o tratamento.

“Quando se trata de um obsedado, a médium vê os maus Espíritos que o atormentam; a seguir aparecem, como remédio, o Espírito simbolizando a prece, e duas mãos que magnetizam.

“Temos outro médium cuja especialidade é ver os Espíritos. Pobres Espíritos sofredores muitas vezes nos têm apresentado, por seu intermédio, cenas comovedoras, para nos fazer compreender as suas angústias. Um dia evocamos o Espírito de um indivíduo que se havia afogado voluntariamente; ele apareceu perturbado na água; não se lhe via senão a parte posterior da cabeça e os cabelos meio mergulhados na água. Durante duas sessões foi-nos impossível ver-lhe o rosto. Fizemos a prece pelos suicidas; no dia seguinte o médium viu a cabeça fora da água e foi possível, pelos traços, reconhecer o parente de uma das pessoas da Sociedade. Continuamos nossas preces, e agora o rosto tem a expressão de sofrimento, é certo, mas parece retomar a vida.

“Há algum tempo, em casa de uma senhora que reside num dos subúrbios de Genebra, produziam-se ruídos semelhantes aos de Poitiers, que causavam grande emoção em toda a casa. Essa senhora, que absolutamente não conhecia o Espiritismo, tendo dele ouvido falar, veio nos ver com seu irmão, pedindo para assistir às nossas sessões. Nenhum dos nossos médiuns os conhecia. Um deles viu em seu copo uma casa, em cujo interior um mau Espírito punha tudo em desordem; mexia os móveis e quebrava a louça. Pela descrição que ele fez, aquela senhora reconheceu a mulher de seu jardineiro, muito má em vida, e que lhe tinha dado muito prejuízo. Dirigimos a esse Espírito algumas palavras benevolentes para trazêlo a melhores sentimentos. À medida que lhe falavam, seu rosto tomava uma expressão mais suave. No dia seguinte, fomos à casa dessa senhora, e à noite foi completado o trabalho da véspera. Os ruídos cessaram quase que inteiramente, depois da partida da cozinheira, que aparentemente servia de médium inconsciente àquele Espírito. Como tudo tem sua razão de ser e sua utilidade, penso que tais ruídos tinham por objetivo trazer aquela família ao conhecimento do Espiritismo.

“Agora, eis o que nossas observações nos ensinavam quanto à maneira de operar: É preciso um copo liso, com o fundo também liso; põe-se água até à metade, magnetizado-a pelos processos comuns, isto é, pela imposição das mãos, e sobretudo pela extremidade dos dedos, à boca do copo, com o auxílio da ação contínua do olhar e do pensamento. A duração da magnetização é de cerca de dez minutos, na primeira vez; depois bastam cinco minutos. A mesma pessoa pode magnetizar vários copos ao mesmo tempo.

“O médium vidente, ou aquele que quer experimentar, não deve magnetizar seu próprio copo, pois gastaria fluidos que lhe são necessários para ver. Para a magnetização é necessário um médium especial, e para isto há médiuns dotados de um poder mais ou menos grande. A ação magnética não produz na água qualquer fenômeno que indique a sua saturação.

“Feito isto, cada experimentador coloca o copo à sua frente e o olha durante vinte ou trinta minutos, no máximo, às vezes menos, conforme a aptidão. Esse tempo só é necessário nas primeiras tentativas; quando a faculdade está desenvolvida, bastam alguns minutos. Durante esse tempo, uma pessoa faz a prece para pedir o concurso dos bons Espíritos.

“Os que são aptos a ver, distinguem, a princípio, no fundo do copo, uma espécie de nuvenzinha; é um indício certo de que eles verão; pouco a pouco essa nuvem toma uma forma mais acentuada, e a imagem se desenha à vista do médium. Os médiuns, entre si, podem ver nos copos uns dos outros, mas não as pessoas que não sejam dotadas dessa faculdade. Algumas vezes parte do assunto aparece num copo e a outra parte em outro; por exemplo, para as doenças, um verá o mal e o outro o remédio. Outras vezes, dois médiuns verão simultaneamente, cada um em seu copo, a figura da mesma pessoa, mas geralmente em condições diferentes.

“Muitas vezes a imagem se transforma, muda de aspecto, depois desaparece. Muito geralmente é espontânea; o médium deve esperar e dizer o que vê. Mas também pode ser provocada por uma evocação.

“Ultimamente fui ver uma senhora que tem uma jovem operária de dezoito anos, que jamais havia ouvido falar do Espiritismo. Essa senhora pediu-me que lhe magnetizasse um copo d’água. A moça nele olhou cerca de um quarto de hora, e disse: ‘Vejo um braço; dir-se-ia que é o de minha mãe; vejo a manga do seu vestido arregaçada, como era seu costume.’ Essa mãe, que conhecia a sensibilidade de sua filha, sem dúvida não quis mostrar-se subitamente, para lhe evitar uma impressão muito grande. Então pedi àquele Espírito, se fosse o da mãe da médium, que se fizesse reconhecer. O braço desapareceu e o Espírito se apresentou do tamanho de uma fotografia, mas virado de costas. Era ainda uma precaução para preparar sua filha para vê-la. Esta reconheceu o seu gorro, um fichu, as cores e o modelo de seu vestido; vivamente comovida, ela lhe dirigiu as mais ternas palavras, para lhe pedir que deixasse ver o seu rosto. Eu mesmo lhe pedi que atendesse ao pedido de sua filha. Então ela se apagou, a nuvem sumiu e o rosto apareceu. A jovem chorou de reconhecimento, agradecendo a Deus a dádiva que lhe acabara de conceder.

“A própria senhora desejava muito ver. No dia seguinte, em sua casa, fizemos uma sessão que foi cheia de ensinamentos. Depois de inutilmente haver olhado no copo cerca de meia hora, disse ela: ‘Meu Deus! se pudesse apenas ver o diabo no copo, ficaria contente!’ Mas Deus não lhe concedeu essa satisfação.

“Os incrédulos não deixarão de levar esses fenômenos à conta de imaginação. Mas os fatos aí estão para provar que, numa porção de casos, a imaginação nada tem a ver. Para começar, nem todo mundo vê, por mais desejo que tenha. Eu mesmo muitas vezes fiquei com o espírito excitado com esse objetivo, sem jamais obter o mínimo resultado. A senhora de quem acabo de falar, a despeito de seu desejo de ver o diabo, após meia hora de espera e de concentração, nada viu. A jovem não pensava em sua mãe, quando esta lhe apareceu; e depois, as precauções para só se mostrar gradualmente, atestam uma combinação, uma vontade estranha, nas quais a imaginação da médium não podia absolutamente participar.

“Para ter uma prova ainda mais positiva, fiz a seguinte experiência. Tendo ido passar alguns dias no campo, a algumas léguas de Genebra, havia várias crianças na família com quem me achava. Como faziam muito barulho, eu lhes propus, para ocupá-las, um jogo mais calmo. Tomei um copo d’água e o magnetizei, sem que ninguém o percebesse, e lhes disse: ‘Qual de vocês terá a paciência de olhar este copo durante vinte minutos, sem desviar os olhos?’ Evitei acrescentar que eles poderiam nele ver alguma coisa; era a título de simples passatempo. Várias perderam a paciência antes do fim da prova; uma menina de onze anos foi mais perseverante; ao cabo de doze minutos, ela soltou um grito de alegria e disse que via uma paisagem magnífica, cuja descrição fez. Uma outra menina de sete anos, por sua vez, tendo querido olhar, adormeceu instantaneamente. Com medo de fatigá-la, logo a despertei. Onde está aqui o efeito da imaginação?

“Esta faculdade pode, pois, ser experimentada numa reunião de pessoas, mas não aconselho que nas primeiras experiências sejam admitidas pessoas hostis. Sendo necessários a calma e o recolhimento, a faculdade desenvolver-se-á mais facilmente. Quando consolidada, ela é menos suscetível de ser perturbada.

“O médium só vê com os olhos abertos; quando os fecha, está na escuridão. É, pelo menos, o que temos observado, e isto denota uma variedade na mediunidade vidente. O médium não fecha os olhos senão para descansar, o que lhe acontece duas ou três vezes por sessão. Ele vê tão bem de dia quanto de noite, mas à noite é preciso luz.

“A imagem das pessoas vivas se apresenta no copo tão facilmente quanto a das pessoas mortas. Tendo perguntado a razão disto ao meu Espírito familiar, ele respondeu: ‘São suas imagens que nós vos apresentamos; os Espíritos são tão capazes de pintar, quanto de viajar.’ Entretanto, os médiuns distinguem sem esforço o Espírito de uma pessoa viva; há qualquer coisa de menos material.

“O médium do copo d’água difere do sonâmbulo pelo fato que o Espírito deste último se destaca; é-lhe necessário um fio condutor para ir procurar a pessoa ausente, ao passo que o primeiro tem a sua imagem sob os seus olhos, que é o reflexo de sua alma e de seus pensamentos. Ele se afadiga menos que o sonâmbulo, e é menos exposto a se deixar intimidar à vista dos maus Espíritos que podem apresentar-se. Esses Espíritos podem fatigá-lo, porque procuram magnetizá-lo, mas ele pode, à vontade, subtrair-se ao seu olhar e, aliás, deles recebe uma impressão menos direta.

“Dá-se nesta mediunidade como em todas as outras: o médium atrai para si os Espíritos que lhe são simpáticos; ao médium impuro apresentam-se, de boa vontade, Espíritos impuros. O meio de atrair os bons Espíritos é estar animado de bons sentimentos; de não perguntar senão coisas justas e razoáveis; de não se servir desta faculdade senão para o bem, e não para coisas fúteis. Se dela fizermos um objeto de distração, de curiosidade ou de negócio, cairemos inevitavelmente na turba de Espíritos levianos e enganadores, que se divertem em apresentar imagens ridículas e falaciosas.”

OBSERVAÇÃO: Como princípio, esta mediunidade certamente não é nova. Mas aqui se desenha de maneira mais precisa, sobretudo mais prática, e se mostra em condições particulares. Pode-se, pois, considerá-la como uma das variedades que foram anunciadas. Do ponto de vista da ciência espírita, ela nos faz penetrar mais adiante o mistério da constituição íntima do mundo invisível, cujas leis conhecidas confirma, ao mesmo tempo que nos mostra suas novas aplicações. Ela ajudará a compreender certos fenômenos ainda incompreendidos da vida diária e, por sua vulgarização, não pode deixar de abrir uma nova via à propagação do Espiritismo. Quererão ver, experimentarão; quererão compreender, estudarão, e muitos entrarão no Espiritismo por essa porta.

Este fenômeno oferece uma particularidade notável. Até agora compreendemos a visão direta dos Espíritos em certas condições; a visão à distância de objetos reais é hoje uma teoria elementar. Mas aqui não são os próprios Espíritos que são vistos, e que não podem vir alojar-se num copo d’água, assim como não vêm as casas, as paisagens e as pessoas vivas.

Aliás, seria um erro querer que aí estivesse um meio melhor que outro de saber tudo o que se deseja. Os médiuns videntes, por este processo ou por qualquer outro, não veem à vontade. Eles não veem senão o que os Espíritos lhes querem fazer ver, ou têm a permissão de lhes fazer ver quando a coisa é útil. Não se pode forçar nem a vontade dos Espíritos nem a faculdade dos médiuns. Para o exercício de uma faculdade mediúnica qualquer, é preciso que o aparelho sensitivo, se assim se pode dizer, esteja em estado de funcionar. Ora, não depende do médium fazê-lo funcionar à sua vontade. Eis por que a mediunidade não pode ser uma profissão, porquanto ela pode faltar no momento que fosse preciso satisfazer o cliente. Daí a incitação à fraude, para simular a ação do Espírito.

Prova a experiência que os Espíritos, sejam quais forem, jamais estão ao capricho dos homens, do mesmo modo, e menos ainda do que quando estavam neste mundo. Por outro lado, diz o simples bom-senso que, com mais forte razão, os Espíritos sérios não poderiam vir ao apelo do primeiro que viesse para coisas fúteis e representar o papel de saltimbancos e ledores da sorte. Só o charlatanismo pode pretender a possibilidade de ter um escritório aberto ao comércio com os Espíritos.

Os incrédulos riem dos espíritas porque imaginam que estes acreditam em Espíritos confinados numa mesa ou numa caixa, e que os manobram como marionetes. Eles acham isto ridículo, e têm carradas de razões. Onde estão errados é em crer que o Espiritismo ensine semelhantes absurdos, quando ele diz positivamente o contrário. Se, por vezes, no mundo, eles encontraram alguns de uma credulidade muito fácil, não foi entre os espíritas esclarecidos. Ora, entre eles há necessariamente aqueles que o são, mais ou menos como em todas as ciências.

Os Espíritos não estão metidos no copo d’água, eis o que é positivo. O que há, pois, no copo? Uma imagem, e não outra coisa; imagem tirada da Natureza, razão pela qual muitas vezes é exata. Como é produzida? Eis o problema. O fato existe, portanto tem uma causa. Embora ainda não se lhe possa dar uma solução completa e definitiva, o artigo seguinte, parece-nos, lança uma grande luz sobre a questão.


Fotografia do Pensamento

Ligando-se o fenômeno da fotografia do pensamento ao das criações fluídicas, descrito em nosso livro A Gênese, no capítulo dos fluidos, reproduzimos, para maior clareza, a passagem desse capítulo onde o assunto é tratado, e o completamos com novas observações.

Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados do fluido cósmico universal, são, a bem dizer, a atmosfera dos seres espirituais; são o elemento onde eles colhem os materiais com que operam; são o meio onde se passam os fenômenos especiais, perceptíveis à vista e ao ouvido do Espírito, e que escapam aos sentidos carnais, impressionados só pela matéria tangível, onde se forma a luz peculiar ao mundo espiritual, diferente da luz ordinária, por sua causa e por seus efeitos; são, enfim, o veículo do pensamento, como o ar e o veículo do som.

Os Espíritos agem sobre os fluidos espirituais, não os manipulando, como o homem manipula os gases, mas com o auxílio do pensamento e da vontade. O pensamento e a vontade são para os Espíritos o que a mão é para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem a esses fluidos tal ou qual direção; aglomeram-nos, combinam-nos e os dispersam; com eles formam conjuntos, tendo uma aparência, uma forma, uma cor determinadas; eles mudam as suas propriedades, como o químico muda as dos gases e de outros corpos, combinando-as segundo certas leis. É o grande atelier ou o laboratório da vida espiritual.

Por vezes essas transformações são o resultado de uma intenção; muitas vezes são o produto de um pensamento inconsciente. Basta ao Espírito pensar em uma coisa para que essa coisa se produza, como basta modular uma área para que essa ária repercuta na atmosfera.

É assim, por exemplo, que um Espírito se apresenta à vista de um encarnado dotado de visão psíquica, sob a aparência que ele tinha quando vivo, na época em que o conheceram, embora depois tivesse tido várias encarnações. Ele se apresenta com a vestimenta, os sinais exteriores ─ enfermidades, cicatrizes, membros amputados etc. ─ que tinha então; um decapitado apresentar-se-á sem a cabeça. Isto não quer dizer que tenha conservado estas aparências. Certamente não, porque, como Espírito, ele não é coxo, nem maneta, nem caolho, nem decapitado, mas seu pensamento, reportando-se à época em que ele era assim, seu perispírito toma instantaneamente as aparências, que ele deixa instantaneamente, a partir do momento que o pensamento deixa de agir. Se, pois, uma vez ele foi negro e outra vez foi branco, apresentar-se-á como negro ou como branco, conforme aquela das duas encarnações sob a qual for evocado, e à qual se reportará seu pensamento.

Por um efeito análogo, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos de que tinha o hábito de se servir: um avarento manipulará o ouro; um militar terá as suas armas e o seu uniforme; um fumante, o seu cachimbo; um lavrador, a sua charrua e os bois; uma velha, a sua roca. Esses objetos fluídicos são tão reais para o Espírito, que é, ele próprio, fluídico, quanto eram materiais para o homem vivo; mas, pelo simples fato de eles serem criados pelo pensamento, sua existência é tão fugaz quanto o pensamento.

Sendo os fluidos o veículo do pensamento, eles nos trazem o pensamento como o ar nos traz o som. Podemos dizer, portanto, a bem da verdade, que há nesses fluidos ondas e raios de pensamentos que se cruzam sem se confundir, como há no ar ondas e raios sonoros.

Como se vê, é uma ordem de fatos inteiramente novos que se passam fora do mundo tangível, e constituem, se assim se pode dizer, a física e a química especiais do mundo invisível. Mas como, durante a encarnação, o princípio espiritual está unido ao princípio material, daí ressalta que certos fenômenos do mundo espiritual se produzam conjuntamente com os do mundo material e são inexplicáveis por quem quer que não conheça as suas leis. O conhecimento dessas leis é, pois, tão útil aos encarnados quanto aos desencarnados, porquanto só ele pode explicar certos fatos da vida material.

Criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no envoltório perispiritual como num espelho, ou ainda como essas imagens de objetos terrestres que se refletem nos vapores do ar. Ele aí toma um corpo e de certo modo se fotografa. Se um homem, por exemplo, tiver a ideia de matar outro, por impassível que esteja o seu corpo material, seu corpo fluídico é posto em ação pelo pensamento, do qual reproduz todas as nuanças; ele executa fluidicamente o gesto, o ato que tem o desígnio de realizar; seu pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira se pinta, como num quadro, tal qual está em seu espírito.

É assim que os movimentos mais secretos da alma repercutem no envoltório fluídico; que uma alma, encarnada ou desencarnada, pode ler em outra alma como num livro, e ver o que não é perceptível pelos olhos do corpo. Os olhos do corpo veem as impressões interiores que se refletem nos traços do rosto: a cólera, a alegria, a tristeza, mas a alma vê nos traços da alma os pensamentos que não se traduzem no exterior.

Contudo, conforme a intenção, o vidente bem pode pressentir a realização do ato que será a sua consequência, mas não pode determinar o momento em que se realizará, nem precisar os detalhes, nem mesmo afirmar que ele se realizará, porque circunstâncias ulteriores podem modificar os planos preparados e mudar as disposições. Ele não pode ver o que ainda não está no pensamento; o que ele vê é a preocupação do momento, ou habitual, do indivíduo, os seus desejos, os seus projetos, as suas boas ou más intenções. Daí os erros nas previsões de certos videntes, quando um acontecimento está subordinado ao livre-arbítrio de um homem. Eles não podem senão pressentir a sua probabilidade, conforme o pensamento que veem, mas não podem afirmar que ocorrerá de tal maneira, nem em tal momento. A maior ou menor exatidão nas previsões depende, além disso, da extensão e da clareza da visão psíquica. Em certos indivíduos, Espíritos ou encarnados, ela é difusa ou limitada a um ponto, ao passo que em outros é clara e abarca o conjunto dos pensamentos e das vontades que devem concorrer à realização de um fato; mas, acima de tudo, há sempre a vontade superior, que pode, na sua sabedoria, permitir uma revelação ou impedi-la. Neste último caso, um véu impenetrável é lançado sobre a mais perspicaz visão psíquica. (Vide A Gênese, capítulo da Presciência).

A teoria das criações fluídicas, e, por consequência, da fotografia do pensamento, é uma conquista do Espiritismo moderno, e de agora em diante pode ser considerada como adquirida em princípio, salvo as aplicações de detalhe, que são resultado da observação. Esse fenômeno é incontestavelmente a fonte das visões fantásticas, e deve representar um grande papel em certos sonhos.

Pensamos que aí pode ser encontrada a explicação da mediunidade pelo copo d’água (Ver o artigo precedente). Considerando-se que o objeto que se vê não pode estar no copo, a água deve fazer o papel de um espelho, que reflete a imagem criada pelo pensamento do Espírito. Essa imagem pode ser a reprodução de uma coisa real, como a de uma criação de fantasia. Em todo caso, o copo d’água não é senão um meio de reproduzi-la, mas não é o único, como o prova a diversidade dos processos empregados por alguns videntes. Este talvez convenha melhor a certas organizações.


A morte do Sr. Bizet, cura de Sétif

A fome entre os Espíritos

Um dos nossos correspondentes da Argélia nos informa, nos termos seguintes, sobre a morte do Sr. Bizet, cura de Sétif:

“O Sr. Bizet, cura de Sétif, faleceu a 15 de abril, com a idade de quarenta e três anos, sem dúvida vitimado por seu zelo durante a cólera e pelas fadigas suportadas durante a fome, quando desenvolveu uma atividade e uma dedicação verdadeiramente exemplares.

Nascido nas proximidades de Viviers, no departamento de Ardèche, ele era, há dezessete anos, pastor desta cidade, onde tinha sabido conciliar as simpatias de todos os habitantes, sem distinção de culto, por sua prudência, sua moderação e a sabedoria de seu caráter.

“No começo do Espiritismo nesta localidade, e principalmente quando o Echo de Sétif proclamou abertamente esta doutrina, por um instante o Sr. Bizet teve a intenção de combatê-lo; entretanto, absteve-se de entrar na luta que estavam decididos a sustentar. Depois, tinha lido as vossas obras com atenção. É possivelmente a essa leitura que se deve atribuir a sua reserva cheia de sabedoria, quando foi determinado que ele lesse do púlpito o famoso mandamento de Monsenhor Pavie, bispo de Argel, que qualificava o Espiritismo como esta nova vergonha da Argélia. O Sr. Bizet não quis ler em pessoa esse mandamento do púlpito: fe-lo ler por seu vigário, sem lhe acrescentar qualquer comentário.”

Além disto, extraímos do Journal de Sétif, de 23 de abril, a seguinte passagem do necrológio que ele publicou sobre o Sr. Bizet.

“No dia seguinte à sua morte, a 15 de abril, celebraram-se as suas exéquias. A missa de réquiem foi cantada às dez horas da manhã, pelo repouso de sua alma; um dos senhores grandes vigários, enviado há alguns dias pelo Sr. bispo, era o oficiante. Nenhum setifiano faltou; as diversas religiões estavam reunidas e misturadas para dizer um adeus ao Sr. cura Bizet. Os árabes, representados por caïds e cadhis; os israelitas pelo rabino e pelos principais notáveis dentre eles; os protestantes por seu pastor, lá estavam, rivalizando em zelo e dedicação para prestar ao Sr. cura Bizet um último testemunho de simpatia, de afeição e de pesar.

“A reunião de tantas comunhões diversas num mesmo sentimento de simpatia é um dos mais belos sucessos conquistados pela caridade cristã que, no curso de seu apostolado em Sétif, não cessou de animar o Sr. padre Bizet. Vivendo em meio a uma população que está longe de ser homogênea, e na qual se encontram dissidentes de todos os tipos, ele soube conservar intacto o legado católico que lhe tinha sido confiado, ao mesmo tempo conservando com os que não partilhavam de suas convicções religiosas, relações benevolentes e afetuosas que lhe valeram a simpatia de todos.

“Mas o que transbordava de todos os corações era a lembrança dos sentimentos de caridade cristã que animavam o Sr. padre Bizet. Sua caridade era suave, sobretudo paciente, durante o longo inverno que acabamos de atravessar, em meio a uma miséria horrível que tinha posto a seu encargo uma multidão de infelizes. Sua caridade tudo acreditava, tudo esperava, tudo suportava e jamais se desencorajava. Foi no meio desse devotamento para socorrer os infelizes esfomeados, diariamente ameaçados de morrer de frio e de fome, que ele contraiu o germe da moléstia que o levou deste mundo, se é que já não estava atingido, devido ao zelo excepcional que desenvolveu durante a cólera no verão passado.”

O Sr. Bizet era espírita? Ostensivamente, não; interiormente, ignoramo-lo. Se não o era, pelo menos tinha o bom espírito de não lançar o anátema a uma crença que conduz a Deus os incrédulos e os indiferentes. Ademais, que nos importa? Era um homem de bem, um verdadeiro cristão, um sacerdote segundo o Evangelho. Assim, se nos tivesse sido hostil, nem por isto os espíritas deixariam de tê-lo colocado na classe dos homens cuja memória a Humanidade deve honrar e que ela deve tomar como modelo.

A Sociedade de Paris quis dar-lhe um testemunho de sua respeitosa simpatia, chamando-o ao seu seio, onde ele deu a seguinte comunicação:

Sociedade de Paris, 14 de maio de 1868 “Estou contente, senhor, pelo benevolente apelo que tiveste a bondade de me dirigir, e ao qual considero uma honra e um prazer responder. Se não vim imediatamente ao vosso meio, é que a perturbação da separação e o espetáculo novo que me chocou não mo permitiram. E depois, eu não sabia a quem escutar; encontrei muitos amigos cujo acolhimento simpático me ajudou poderosamente a me reconhecer; mas também tive sob os olhos o atroz espetáculo da fome entre os Espíritos. Encontrei lá em cima muitos desses infelizes que morreram nas torturas da fome, ainda procurando em vão satisfazer uma necessidade imaginária, lutando uns contra os outros para arrancar um pouco de comida que se esconde nas suas mãos, dilacerando-se uns aos outros e, se assim posso dizer, se entredevorando; uma cena horrível, pavorosa, ultrapassando tudo quanto a imaginação humana pode conceber de mais desolador!... Inúmeros desses infelizes me reconheceram, e seu primeiro grito foi: Pão! Era em vão que eu tentava lhes fazer compreender sua situação; eles estavam surdos às minhas consolações. ─ Que coisa terrível é a morte em semelhantes condições, e como aquele espetáculo é mesmo de natureza a fazer refletir sobre o nada de certos pensamentos humanos!... Assim, enquanto na Terra pensamos que os que partiram ao menos estão livres da tortura cruel que sofriam, percebemos no outro lado que não é nada disto, e que o quadro não é menos sombrio, embora os atores tenham mudado de aparência.

“Vós me perguntais se eu era espírita. Se entendeis por esta palavra aceitar todas as crenças que vossa doutrina preconiza, não, eu não chegava até lá. Eu admirava os vossos princípios; julgava-os capazes de fazer a salvação dos que sinceramente os põem em prática, mas fazia minhas reservas sobre um grande número de pontos. Eu não segui, em relação a vós, o exemplo de meus confrades e de alguns de meus superiores, que eu interiormente censurava, porque sempre pensei que a intolerância era a mãe da incredulidade e que era preferível ter uma crença que levava à caridade e á prática do bem, do que não ter crença nenhuma. Era eu espírita de fato? Não me cabe pronunciar-me a respeito.

“Quanto ao pouco bem que pude fazer, estou realmente confuso com os exagerados elogios de que me tornaram objeto. Quem não teria agido como eu?... Não são ainda mais merecedores do que eu, se nisto há algum mérito, os que se devotaram em socorrer os infelizes árabes, e que a isto não foram levados senão pelo amor ao bem?... Para mim, a caridade era um dever, por força do caráter de que eu estava revestido. Faltando a ela eu era culpado, eu teria mentido a Deus e aos homens aos quais eu havia consagrado a minha existência. Ademais, quem poderia ter ficado insensível ante tantas misérias?...

“Vós o vedes, fizeram como sempre: ampliaram enormemente os fatos; cercaram-me de uma espécie de renome que me deixa confuso e magoado e pelo que sofro em meu amor próprio, porque, enfim, bem sei que não mereço tudo isto, e estou bem certo, senhor, que me conhecendo melhor, reduzireis ao seu justo valor o alarido que fazem em torno de mim. Se tenho algum mérito, que mo concedam, concordo, mas que não me ergam um pedestal com uma reputação usurpada, pois eu não poderia concordar com isto.

“Como vedes, senhor, ainda estou muito novo neste mundo novo para mim, sobretudo muito ignorante e mais desejoso de instruir-me do que capaz de instruir os outros. Hoje vossos princípios me parecem tanto mais justos quanto, depois de haver lido a sua teoria, vejo a sua mais larga aplicação prática. Assim, ficaria feliz assimilando-os completamente e vos ficaria reconhecido se tivésseis a bondade de me aceitar algumas vezes como um dos vossos ouvintes.

“Cura BIZET.”

OBSERVAÇÃO: A quem quer que não conheça a verdadeira constituição do mundo invisível, parecerá estranho que Espíritos que, segundo eles, são seres abstratos, imateriais, indefinidos, sem corpo, sejam vítimas dos horrores da fome; mas o espanto cessa quando se sabe que esses mesmos Espíritos são seres como nós, que têm um corpo fluídico, é verdade, mas que não deixa de ser matéria; que deixando o seu envoltório carnal, certos Espíritos continuam a vida terrena com as mesmas vicissitudes, durante um tempo mais ou menos longo. Isto parece singular, mas assim é, e a observação nos ensina que essa é a situação dos Espíritos que viveram mais a vida material do que a vida espiritual, situação por vezes terrível, porque a ilusão das necessidades da carne se faz sentir, e eles têm todas as angústias de uma necessidade impossível de saciar. O suplício mitológico de Tântalo, entre os Antigos, acusa um conhecimento mais exato do que se supõe, do estado do mundo de além-túmulo, sobretudo mais exato do que entre os modernos.

Muito diferente é a posição daqueles que desde esta vida se desmaterializaram pela elevação de seus pensamentos e sua identificação com a vida futura. Todas as dores da vida corporal cessam com o último suspiro, e logo o Espírito plana, radioso, no mundo etéreo, feliz como um prisioneiro livre de suas cadeias.

Quem nos disse isto? É um sistema, uma teoria? Alguém disse que deveria ser assim, e nós acreditamos sob palavra? Não; são os próprios habitantes do mundo invisível que o repetem em todos os pontos do globo, para ensinamento dos encarnados.

Sim, legiões de Espíritos continuam a vida corporal com suas torturas e suas angústias. Mas quais? Aqueles que ainda estão muito avassalados à matéria para dela se destacarem instantaneamente. É uma crueldade do Ser Supremo? Não. É uma lei da Natureza, inerente ao estado de inferioridade dos Espíritos e necessária ao seu adiantamento; é uma prolongação mista da vida terrestre durante alguns dias, alguns meses, alguns anos, conforme o estado moral dos indivíduos. Teriam competência para taxar de barbárie essa legislação, aqueles que preconizam o dogma das penas eternas irremissíveis e as chamas do inferno como um efeito da soberana justiça? Podem eles pô-la em paralelo com uma situação temporária, sempre subordinada à vontade do indivíduo de progredir; à possibilidade de avançar por novas encarnações? Ademais, não depende de cada um libertar-se dessa vida intermediária que não é verdadeiramente nem a vida material nem a espiritual? Os espíritas dela se libertam naturalmente, porque, compreendendo o estado do mundo espiritual antes de nele entrar, imediatamente se dão conta de sua situação.

As evocações nos mostram uma porção de Espírito que ainda se julgam deste mundo: suicidas, supliciados que não suspeitam que estão mortos e sofrem o seu gênero de morte; outros que assistem ao próprio enterro, como ao de um estranho; avarentos que guardam os seus tesouros, soberanos que julgam ainda mandar e ficam furiosos por não serem obedecidos; depois de grandes naufrágios, náufragos que lutam contra o furor das ondas; depois de uma batalha, soldados que continuam lutando e, ao lado disto, Espíritos radiosos, que nada mais têm de terrestre e são para os encarnados o que a borboleta é para a lagarta. Pode-se perguntar para que servem as evocações, quando nos dão a conhecer, até nos mínimos detalhes, esse mundo que nos espera a todos, ao sairmos deste? É a Humanidade encarnada que conversa com a Humanidade desencarnada; o prisioneiro que fala com o homem livre. Não, por certo elas para nada servem ao homem superficial que nisto só vê um divertimento; elas não lhe servem mais do que servem a Física e a Química recreativas para a sua instrução. Mas para o filósofo, o observador sério que pensa no amanhã da vida, é uma grande e salutar lição; é todo um mundo novo que se descobre; é a luz atirada sobre o futuro; é a destruição dos preconceitos seculares sobre a alma e a vida futura; é a sanção da solidariedade universal que liga todos os seres. Talvez digam que podemos estar enganados; sem dúvida, como nos podemos enganar sobre todas as coisas, mesmo sobre as que vemos e tocamos. Tudo depende da maneira de observar.

O quadro apresentado pelo padre Bizet nada tem, pois, de estranho; ele vem, ao contrário, confirmar, por mais um grande exemplo, o que já sabíamos, e o que afasta toda ideia de repercussão de pensamentos, é que ele o fez espontaneamente, sem que ninguém pensasse em chamar sua atenção sobre aquele ponto. Por que, então, teria vindo dizer, sem que se lhe perguntassem, se aquilo não fosse verdadeiro? Sem dúvida ele a isto foi levado para a nossa instrução. Ademais, toda a comunicação tem um cunho de seriedade, de sinceridade e de modéstia que é bem compatível com o seu caráter e que não é próprio dos Espíritos mistificadores.




O Espiritismo em toda a parte

Jornal a Solidarité



O Espiritismo conduz precisamente ao fim a que se propõem todos os homens progressistas. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecerem, eles não pensem da mesma maneira sobre certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem as mãos para caminhar juntos, na mesma rota, ao encontro de seus inimigos comuns, os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.

O Solidarité é um jornal cujos redatores levam o seu título a sério. E que campo é mais vasto e mais fecundo para o filósofo moralista do que essa palavra que encerra todo o programa do futuro da Humanidade! Assim, essa folha, que sempre se faz notar pelo alto alcance de suas vistas, se não tem a popularidade das folhas leves, conquistou um crédito mais sólido entre os pensadores sérios[1], Embora até hoje ela não se tenha mostrado muito simpática às nossas doutrinas, não rendemos menos justiça à sinceridade de seus pontos de vista e ao incontestável talento de sua redação. É, pois, com uma viva satisfação que hoje a vemos, por sua vez, fazer justiça aos princípios do Espiritismo. Seus redatores nos farão também a de reconhecer que não fizemos nenhum movimento para trazê-los a nós. Sua opinião não é, pois, o resultado de qualquer condescendência pessoal.

Sob o título de: Boletim do movimento filosófico e religioso, o número de 1º de maio contém um notável artigo, do qual extraímos as passagens seguintes:

“A lama vai aumentando sem cessar. Onde irá parar? Não é só em política que não se entendem mais; não é somente economia social, é também em moral e em religião, de sorte que a perturbação se estende a todas as esferas da atividade humana, que invadiu o domínio da consciência e que a própria civilização está em causa.

“Não que a ordem material esteja em perigo. Há hoje na Sociedade muitos elementos adquiridos e muitos interesses a conservar, para que a ordem material possa nela ser seriamente perturbada. Mas a ordem material nada prova. Ela pode persistir por muito tempo até que o princípio da vida social seja atingido e que a corrupção dissolva lentamente o organismo. A ordem reinava em Roma sob os Césares, enquanto a civilização romana se ia esboroando dia a dia, não sob o esforço dos bárbaros, mas sob o peso de seus próprios vícios.

“Nossa Sociedade conseguirá eliminar de seu seio os elementos mórbidos que ameaçam transformar-se, para ela, em germes de dissolução e de morte? Assim esperamos, mas é necessário o ponto de apoio dos princípios eternos, o concurso de uma ciência verdadeiramente positiva, e a perspectiva de um ideal novo.

“Eis as condições da salvação social, porque aí estão, para os indivíduos, os meios de um verdadeiro renascimento. Uma sociedade não pode ser senão o produto dos seres sociais que a constituem, e o resultante de seu estado físico, intelectual e moral. Se quiserdes uma transformação social, fazei, para começar, o homem novo[2].

“Embora o círculo dos leitores de publicações filosóficas tenha crescido muito nestes últimos anos, quanta gente ainda ignora a existência destes jornais ou quanta gente negligencia a sua leitura! É um erro. Sem eles, é impossível se dar conta do estado das almas. Os órgãos da filosofia contemporânea têm ainda um outro alcance: preparam as questões que os acontecimentos levantarão em breve, e que será urgente resolver.

“Certamente a confusão é grande na imprensa filosófica; é um pouco a torre de Babel: cada um aí fala a sua língua e aí se preocupa muito mais em cobrir a voz do vizinho do que em escutar as suas razões. Cada sistema aspira ser único e exclui todos os outros. Mas há que se guardar de tomá-los ao pé da letra em seu exclusivismo. Talvez não haja um só que não represente algum ponto de vista legítimo. Todos passarão, porquanto só a verdade é eterna, mas nenhum deles, talvez, terá sido completamente estéril; nenhum terá desaparecido sem adicionar alguma coisa ao capital intelectual da Humanidade. O materialismo, o positivismo religioso e o positivismo filosófico, o independentismo (perdoem o barbarismo, que não é meu), o criticismo, o idealismo, o espiritualismo, o espiritismo ─ pois é preciso contar com este recém-vindo, que tem mais partidários que todos os outros reunidos; ─ e, por outro lado, o protestantismo liberal, o idealismo liberal, e mesmo o catolicismo liberal: tais são os nomes das principais bandeiras que, a títulos diversos e com forças desiguais, se acham representados no campo filosófico. Sem dúvida não existe aí um exército, porque não há obediência a um chefe nem hierarquia nem disciplina, mas esses grupos, hoje divididos e independentes, podem ser reunidos por um perigo comum.

“O movimento filosófico a que assistimos precede de pouco tempo o grande movimento religioso que se prepara. Em breve as questões religiosas apaixonarão os espíritos, como o faziam há pouco as questões sociais, e mais fortemente ainda.

“Que a ordem deva fundar-se por uma simples evolução da ideia cristã reconduzida à sua pureza primitiva, como o pensam alguns, ou por uma espécie de fusão de crenças no terreno vago de um deísmo judeu-cristão, como esperam outros homens de boa vontade, ou, o que nos parece muito mais provável, pela intervenção de uma ideia mais larga e mais compreensível que dê à vida humana o seu verdadeiro objetivo, a primeira necessidade da época em que estamos é a liberdade: liberdade de pensar e de publicar o seu pensamento; liberdade de consciência e de culto; liberdade de propaganda e de pregação! Certamente, em meio a tantos sistemas em confronto, é impossível não se veja uma fase de discussões ardentes, apaixonadas, aparentemente desordenadas, mas essa fase preparatória é necessária como a agitação caótica é necessária à criação. Como os relâmpagos e os raios na atmosfera terrestre, o amálgama das ideias agita a atmosfera moral para purificá-la. Quem pode temer a tempestade, sabendo que ela deve restabelecer o equilíbrio perturbado e renovar as fontes da vida?”

O mesmo número contém a seguinte apreciação de nossa obra sobre a Gênese. Não a reproduzimos senão porque ela se liga aos interesses gerais da Doutrina:

“Passa-se em nossa época um fato de importância capital, e fingem não ver. Entretanto, aí há fenômenos a observar, que interessam à Ciência, notadamente à Física e à Fisiologia humanas; mas, mesmo que os fenômenos que são chamados Espiritismo só existissem na imaginação de seus adeptos, a crença no Espiritismo, por toda parte espalhada tão rapidamente, é em si mesma um fenômeno considerável e muito digno de ocupar as meditações do filósofo.

“É difícil, mesmo impossível apreciar o número das pessoas que creem no Espiritismo, mas podemos dizer que essa crença é geral nos Estados Unidos, e que ela se propaga cada vez mais na Europa. Na França, há toda uma literatura espírita. Paris possui dois ou três jornais que a representam. Lyon, Bordéus, Marselha, cada uma tem o seu.

“O Sr. Allan Kardec é na França o mais eminente representante do Espiritismo. Foi uma felicidade para essa crença ter encontrado um chefe que soube mantê-la nos limites do racionalismo. Teria sido muito fácil, com toda essa mistura de fenômenos reais e de criações puramente ideais e subjetivas que constitui a maravilha do que se chama o Espiritismo, deixar-se arrastar pela atração do milagre e pela ressurreição de velhas superstições! O Espiritismo poderia ter dado aos inimigos da razão um poderoso apoio, se ele tivesse voltado à demonologia, e existe no seio do mundo católico um partido que para isto ainda faz todos os esforços. Há também uma literatura deplorável, malsã, mas felizmente sem influência. Ao contrário, o Espiritismo, na França como nos Estados Unidos, resistiu ao espírito da Idade Média. O demônio nele não representa nenhum papel, e o milagre nele não vem introduzir as suas tolas explicações.

“Deixando de lado a hipótese que constitui o fundo do Espiritismo, e que consiste em crer que os Espíritos das pessoas mortas se entretenham com os vivos por meio de certos processos de correspondência, muito simples e ao alcance de todos; deixando de lado, dizíamos, a hipótese deste ponto de partida, encontramonos em presença de uma doutrina geral que está perfeitamente em relação com o estado da ciência de nossa época, e que responde perfeitamente às necessidades e às aspirações modernas. E o que há de notável é que a Doutrina Espírita é mais ou menos a mesma em toda parte. Se não é estudada senão na França, pode-se crer que as obras do Sr. Allan Kardec, que são como a enciclopédia do Espiritismo, aí são abundantes. Mas esta paridade de doutrina se estende aos outros países; por exemplo, os ensinamentos de Davis, nos Estados Unidos, não diferem essencialmente dos do Sr. Allan Kardec. É verdade que nas ideias emitidas pelo Espiritismo, nada se encontra que não pudesse ter sido encontrado pelo espírito humano entregue apenas aos recursos da imaginação e da ciência positiva; mas, considerando-se que as sínteses que são propostas pelos escritores espíritas são científicas e racionais, elas merecem ser examinadas sem prevenção, sem ideia preconcebida, pela crítica filosófica.

“A nova obra do Sr. Allan Kardec aborda as questões que constituem objeto de nossos estudos. Não podemos hoje fazer-lhe o relato. A ela voltaremos num próximo número, e diremos, ao mesmo tempo, o que pensamos dos fenômenos ditos espíritas e das explicações que dos mesmos podem ser dadas no estado atual da ciência.”

NOTA: Esse mesmo número contém um notável artigo do Sr. Raisant, intitulado Meu ideal religioso, e que os espíritas não desdenhariam.



[1] O Solidarité, jornal mensal de 16 páginas in-4, aparece no dia 1º de cada mês. Preço: Paris, 5 francos por ano; Departamentos, 6 francos; estrangeiro, 7 francos. Preço por número, 25 centavos; pelo correio, 30 centavos. ─ Redação: Rua des Saints-Pères, 13, na Librairie des Sciences Sociales.


[2] Escrevemos em 1862: “Antes de fazer as instituições para os homens, há que formar os homens para as instituições” (Viagem espírita).




Conferências



Numa série de conferências feitas em abril último, pelo Sr. Chavée, no Instituto Livre do Boulevard des Capucines, nº. 39, o orador fez, com tanto talento quanto verdadeira ciência, um estudo analítico e filosófico dos Vedas indianos e das leis de Manu, comparados com o livro de Jó e os Salmos. Esse tema conduziu a considerações de um elevado alcance, que tocam diretamente os princípios fundamentais do Espiritismo. Eis algumas notas, colhidas por um ouvinte dessas conferências. Não são senão pensamentos apanhados a esmo, que necessariamente perdem ao serem destacados do conjunto e privados de seu desenvolvimento, mas que bastam para mostrar a ordem de ideias seguidas pelo autor:

“De que serve lançar um véu sobre o que é? De que serve não dizer bem alto o que se pensa baixinho? É preciso ter a coragem de dizer. Quanto a mim, terei esta coragem.”

“Nos Vedas indianos está dito: ‘Temos os nossos pares lá no alto’, e eu sou desta opinião.”

“Com os olhos da carne não se pode ver tudo.”

“O homem tem uma existência indefinida, e o progresso da alma é indefinido. Seja qual for a soma de suas luzes, ela tem sempre a aprender, porque tem o infinito à sua frente e, embora não possa atingi-lo, seu objetivo será sempre dele aproximarse cada vez mais.”

“O homem individual não pode existir sem um organismo que o limite no seio da criação. Se a alma existe após a morte, então tem um corpo, um organismo que chamo de organismo superior, em oposição ao corpo carnal, que é o organismo inferior. Durante a vigília, esses dois organismos estão, por assim dizer, confundidos; durante o sono, o sonambulismo e o êxtase, a alma não se serve senão de seu corpo etéreo ou organismo superior; nesse estado ela é mais livre; suas manifestações são mais elevadas, porque ela age sobre esse organismo mais perfeito, que lhe oferece menos resistência; ela abarca um conjunto e relações que admira, o que não pode fazer com o seu organismo inferior, que limita a sua clarividência e o campo de suas observações.”

“A alma não tem extensão; ela não é estendida senão por seu corpo etéreo, e circunscrita pelos limites desse corpo, que São Paulo chama organismo luminoso.”

“Um organismo, etéreo nos seus elementos constitutivos, mas invisível e atingível apenas pela indução científica, em nada contraria as leis conhecidas da Física e da Química.”

“Há fatos que a experimentação sempre pode reproduzir, constatando no homem a existência de um organismo interno superior, que deve suceder ao organismo opaco habitual, no momento da destruição deste último.”

“Depois que a morte separa a alma de seu organismo carnal, ela continua a vida no espaço, com seu corpo etéreo, assim conservando a sua individualidade. Entre os homens, dos quais temos falado e que estão mortos segundo a carne, certamente há alguns aqui entre nós, que assistem, invisíveis, às nossas conversas; eles estão ao nosso lado e planam acima de nossas cabeças; eles nos veem e nos escutam. Sim, eles estão aqui, eu vos asseguro.

“A escala dos seres é contínua; antes de ser o que somos, passamos por todos os graus dessa escala que estão abaixo de nós, e continuaremos a subir os que estão acima. Antes que o nosso cérebro fosse réptil, ele foi peixe, e foi peixe antes de ser mamífero.

“Os materialistas negam estas verdades; são gente honesta; são de boa-fé, mas enganam-se! Desafio um materialista a vir aqui, a esta tribuna, provar que tem razão e que estou errado. Que venham provar o materialismo! Não, não o provarão; apenas emitirão ideias apoiadas no vazio; apenas oporão negativas, ao passo que vou demonstrar por fatos a verdade de minha tese.”

“Há fenômenos patológicos que provam a existência da alma após a morte? Sim, há e vou citar um. Vejo aqui doutores em medicina, que pretendem que isto não se dá. Responder-lhes-ei apenas isto: Se não o vistes, é porque olhastes mal. Observai, buscai, estudai e encontrareis, como eu próprio encontrei.

“É ao sonambulismo e ao êxtase que vou pedir as provas que vos prometi. ─ Ao sonambulismo? perguntar-me-ão. Mas a Academia de Medicina ainda não o reconheceu. ─ Que me importa isto? Nada tenho com a Academia de Medicina e a dispenso. ─ Mas o Sr. Dubois, de Amiens, escreveu um grosso volume in-8º contra essa doutrina. ─ Isto também não me importa: são opiniões sem provas, que desaparecem diante dos fatos.”

“Dir-me-ão ainda: ‘Já não está em moda defender o sonambulismo.’ Responderei que não me preocupo em estar na moda, e que se poucos homens ousam professar verdades que ainda atraem o ridículo, sou daqueles a quem o ridículo não pode atingir, e que o enfrentam de boa-vontade, para dizer corajosamente o que julgam ser a verdade. Se cada um de nós agisse assim, em breve a incredulidade perderia todo o terreno que ganhou há algum tempo, e seria substituída pela fé. Não a fé que é filha da revelação, mas a fé mais sólida, filha da ciência, da observação e da razão.”

O orador cita numerosos exemplos de sonambulismo e de êxtase, que lhe deram a prova, de certo modo material, da existência da alma, de sua ação isolada do corpo carnal, de sua individualidade após a morte, e, finalmente, de seu corpo etéreo, que não é senão o envoltório fluídico ou perispírito.

Como podemos ver, a existência do perispírito, suspeitada por inteligências de escol desde a mais alta Antiguidade, mas ignorada pelas massas, demonstrada e vulgarizada nestes últimos tempos pelo Espiritismo, é toda uma revolução nas ideias psicológicas e, consequentemente, na Filosofia. Admitido este ponto de partida, chega-se forçosamente, de dedução em dedução, à individualidade da alma, à pluralidade das existências, ao progresso indefinido, à presença dos Espíritos entre nós, numa palavra, a todas as consequências do Espiritismo, até ao fato das manifestações, que se explicam de maneira toda natural.

Por outro lado, demonstramos em tempo que, partindo do princípio da pluralidade das existências, hoje admitido por numerosos pensadores sérios, mesmo fora do Espiritismo, chega-se exatamente às mesmas consequências.

Portanto, se homens cujo saber tem autoridade professam abertamente, pela palavra e pelos escritos, mesmo sem falar do Espiritismo, uns a doutrina do perispírito sob um nome qualquer, outros a pluralidade das existências, na realidade professam o Espiritismo, porquanto são duas rotas que forçosamente a ele conduzem. Se eles beberam essas ideias em si mesmos e nas próprias observações, isto prova melhor que elas estão na Natureza e quão irresistível é o seu poder. Assim, o perispírito e a reencarnação são, de agora em diante, duas portas abertas para o Espiritismo, no domínio da filosofia e nas crenças populares.

As conferências do Sr. Chavée são, pois, verdadeiras conferências espíritas, menos a palavra. E, sob este último aspecto, diremos que elas são, no momento, mais proveitosas para a doutrina do que se ele arvorasse abertamente a bandeira. Elas popularizam as suas ideias fundamentais sem ofuscar aqueles que, por ignorância da coisa, tivessem prevenção contra o nome. Uma prova evidente da simpatia que estas ideias encontram na opinião é o acolhimento entusiasta que é feito às doutrinas professadas pelo Sr. Chavée, pelo numeroso público que se comprime em suas conferências.

Estamos persuadido que mais de um escritor que põe os espíritas em ridículo aplaude o Sr. Chavée e suas doutrinas, que acha perfeitamente racionais, sem suspeitar que elas não são nada mais nada menos que puro Espiritismo.

O jornal la Solidarité, em seu número de 1º de maio, que citamos acima, traz um relato dessas conferências, para o qual chamamos a atenção dos nossos leitores, porquanto ele completa sob outros pontos de vista os ensinamentos acima.

NOTA: A abundância de matérias nos força a adiar para o próximo número o relato de dois interessantíssimos folhetins do Sr. Bonnemère, autor do Romance do futuro, publicados no Siècle de 24 e 25 de abril de 1868, sob o título de Paris sonâmbulo. O Espiritismo aí é claramente definido.




Notícias bibliográficas


O Sr. Herrenschneider é um antigo sansimoniano, e foi aí que colheu seu ardente amor ao progresso. Depois tornou-se espírita, contudo, estamos longe de partilhar sua maneira de ver sobre todos os pontos e aceitar todas as soluções que ele dá. A sua é uma obra de alta filosofia, em que o elemento espírita ocupa um lugar importante. Não a examinaremos senão do ponto de vista da concordância e da divergência de suas ideias, no que toca o Espiritismo. Antes de entrar no exame de sua teoria, parecem-nos essenciais algumas considerações.

Três grandes doutrinas dividem os espíritos, sob os nomes de religiões diferentes e filosofias muito distintas; são o materialismo, o espiritualismo e o Espiritismo. Ora, é possível ser materialista e crer ou não crer no livre-arbítrio do homem; no segundo caso se é ateu ou panteísta; no primeiro é-se inconsequente e ainda se toma o nome de panteísta ou de naturista, positivista etc.

A criatura é espiritualista, desde que não seja materialista, isto é, desde que admita um princípio espiritual distinto da matéria, seja qual for a ideia que faça de sua natureza e de seu destino. Os católicos, os gregos, os protestantes, os judeus, os muçulmanos, os deístas são espiritualistas, malgrado as diferenças essenciais de dogmas que os dividem.

Os espíritas fazem da alma uma ideia mais clara e mais precisa; não é um ser vago e abstrato, mas um ser definido, que reveste uma forma concreta, limitada, circunscrita. Independentemente da inteligência, que é a sua essência, ela tem atributos e efeitos especiais, que constituem os princípios fundamentais de sua doutrina. Eles admitem o corpo fluídico ou perispírito; o progresso indefinido da alma; a reencarnação ou pluralidade de existências, como necessidade do progresso; a pluralidade dos mundos habitados; a presença no meio de nós, das almas ou Espíritos que viveram na Terra e a continuação de sua solicitude pelos vivos; a perpetuidade das afeições; a solidariedade universal que liga os vivos e os mortos; os Espíritos de todos os mundos e, em consequência, a eficácia a prece; a possibilidade de comunicação com os Espíritos dos que não vivem mais; no homem, a visão espiritual ou psíquica, que é um efeito da alma.

Eles rejeitam o dogma das penas eternas, irremissíveis, como inconciliável com a justiça de Deus; mas admitem que a alma, depois da morte, sofre e suporta as consequências de todo o mal que praticou durante a vida, de todo o bem que poderia ter feito e não fez. Seus sofrimentos são a consequência natural de seus atos; eles duram enquanto durar a perversidade ou a inferioridade moral do Espírito; diminuem à medida que ele se melhora e cessam pela reparação do mal. Essa reparação se dá nas existências corporais sucessivas. Tendo sempre a sua liberdade de ação, o Espírito é, assim, o próprio artífice de sua felicidade e de sua desgraça, neste mundo e no outro. O homem não é levado fatalmente nem ao bem nem ao mal; ele realiza um e outro por sua vontade e se aperfeiçoa pela experiência. Em consequência deste princípio, os espíritas não admitem nem os demônios predestinados ao mal, nem a criação especial de anjos predestinados à felicidade infinita sem terem tido o trabalho de merecê-la. Os demônios são Espíritos humanos ainda imperfeitos, mas que melhorarão com o tempo; os anjos são Espíritos que atingiram a perfeição, depois de haverem passado, como os outros, por todos os graus da inferioridade.

O Espiritismo não admite, para cada um, senão a responsabilidade de seus próprios atos; segundo ele, o pecado original é pessoal; ele consiste nas imperfeições que cada indivíduo traz ao renascer, porque ainda não se despojou delas em suas existências precedentes, e cujas consequências ele naturalmente sofre na existência atual.

Também não admite, como suprema recompensa final, a inútil e beata contemplação dos eleitos durante a eternidade; mas, ao contrário, uma incessante atividade de alto a baixo da escala dos seres, em que cada um tem atribuições proporcionais no seu grau de adiantamento.

Esta é, em resumo muito sucinto, a base das crenças espíritas. A pessoa é espírita a partir do momento que entra nessa ordem de ideias, mesmo que não admitisse todos os pontos da doutrina na sua integridade ou em todas as suas consequências. Pelo fato de não ser espírita completo, ela não deixa de ser espírita, o que faz que por vezes seja espírita sem saber, algumas vezes sem querer confessá-lo e que, entre os sectários de diferentes religiões, muitos são espíritas de fato, mesmo que não sejam de nome.

A crença comum para os espiritualistas é acreditar num Deus criador, e admitir que, após a morte, a alma continue a existir, sob a forma de puro Espírito, completamente destacado de toda a matéria, e também que ela poderá, com ou sem a ressurreição de seu corpo material, gozar de uma existência eterna, feliz ou infeliz.

Os materialistas, ao contrário, creem que a força é inseparável da matéria e não pode existir sem ela; assim, Deus não é para eles senão uma hipótese gratuita, a menos que ele seja a própria matéria. Os materialistas negam com toda a sua força a concepção de uma alma essencialmente espiritual e da de uma personalidade sobrevivente à morte.

Sua crítica é fundada, no que concerne à alma, tal qual a aceitam os espiritualistas, em que, sendo a força inseparável da matéria, uma alma pessoal ativa e poderosa não pode existir como um ponto geométrico no espaço, sem dimensão de qualquer espécie, nem comprimento, nem largura, nem altura. Eles perguntam aos espiritualistas: Que força, que poder, que ação pode ter uma tal alma sobre o corpo durante a vida? Que progresso pode ela realizar, e de que maneira conserva sua individualidade, se ela nada é? Como poderia ela ser suscetível de felicidade ou infelicidade após a morte?

Não há que dissimular, essa argumentação é especiosa, mas ela é sem valor contra a doutrina dos espíritas. Eles efetivamente admitem a alma distinta do corpo, como os espiritualistas, com uma vida eterna e uma personalidade indestrutível, mas consideram essa alma como indissoluvelmente unida à matéria; não à matéria do próprio corpo, mas uma outra, mais etérea, fluídica e incorruptível, que chamam perispírito, palavra feliz que muito bem exprime o pensamento, que é a origem e a base do Espiritismo.

Se resumirmos as três doutrinas, diremos que, para os materialistas, a alma não existe, ou, se existe, confunde-se com a matéria, sem nenhuma personalidade distinta fora da vida presente, em que essa personalidade é mais aparente do que real.

Para os espiritualistas, a alma existe no estado de espírito, independente de Deus e de toda matéria.

Para os espíritas, a alma é distinta de Deus, que a criou, e inseparável de uma matéria fluídica e incorruptível que se pode chamar perispírito.

Esta explicação preliminar permitirá compreender que existam espíritas sem o saber.

Com efeito, a partir do momento em que não se é materialista nem espiritualista, não se pode deixar de ser espírita, a despeito da repugnância que alguns parecem experimentar por essa qualificação.

Ei-nos bem longe das apreciações fantasistas dos que imaginam que o Espiritismo não repousa senão na evocação dos Espíritos. Entretanto há espíritas que jamais fizeram uma evocação; outros que jamais as viram, nem estão interessados em vê-las, pois sua crença não precisa desse recurso. E, por não se apoiar senão na razão e no estudo, essa crença não é menos completa nem menos séria.

Pensamos mesmo que é sob sua forma filosófica e moral que o Espiritismo encontra os mais firmes e os mais convictos aderentes; as comunicações não passam de meio de convicção, de demonstração, e sobretudo de consolo. Não se deve a elas recorrer senão com reserva, e quando já se sabe bem o que se quer obter.

Não que as comunicações sejam apanágio dos Espíritos; muitas vezes elas ocorrem espontaneamente, e por vezes mesmo em meios hostis ao Espiritismo, do qual elas não dependem. Com efeito, não são senão o resultado de leis e de ações naturais que os Espíritos ou os homens podem utilizar, uns ou outros, quer independentemente, quer de acordo entre si.

Mas, assim como é prudente pôr instrumentos de Física, de Química e de Astronomia apenas na mão daqueles que sabem utilizá-los, convém não provocar comunicações senão quando possam ter uma utilidade real, e não com o fito de satisfazer uma curiosidade pueril.

Dito isto, podemos examinar a obra notável do Sr. Herrenschneider. É a obra de um profundo pensador e de um espírita senão completo pelo menos convicto, mas não concordamos com todas as conclusões a que ele chega.

O Sr. Herrenschneider admite a existência de um Deus criador, em toda parte presente na criação, penetrando todos os corpos com sua substância fluídica e se achando em nós como nós nele. É a notável solução que o Sr. Allan Kardec apresentou na sua Gênese, a título de hipótese.

Mas, segundo o autor, no começo Deus enchia todo o espaço; ele teria criado cada ser retirando-se do lugar que lhe concedia para lhe deixar o livre desenvolvimento, sob sua proteção incessante. Esse desenvolvimento progressivo opera-se, a princípio, sob o efeito necessário das leis da Natureza e pela coerção do mal; depois, quando o Espírito já progrediu suficientemente, ele pode juntar a sua própria ação à ação fatal das leis naturais, para ativar o seu progresso.

Durante toda essa fase da existência dos seres, que começa pela molécula do mineral, continua no vegetal, desenvolve-se no animal e se determina no homem, o Espírito recolhe e conserva conhecimentos por seu perispírito. Adquire, assim, uma certa experiência. Os progressos que se realizam são de grande lentidão, e quanto mais lentos eles são, mais multiplicadas são as encarnações.

Como se vê, o autor adota os princípios científicos do progresso dos seres, emitidos por Lamarck, Geoffroy Saint-Hilaire e Darwin, com a diferença que a ação moderadora das formas e dos órgãos animais já não é apenas o resultado da seleção e da concorrência vital, mas também, e sobretudo, o efeito da ação inteligente do espírito animal, modificando incessantemente as formas e a matéria, que ele reveste para realizar uma apropriação mais conforme à experiência que adquiriu.

É nesta ordem de ideias que queríamos ter visto o autor insistir sobre a ação benéfica e afetuosa dos seres mais elevados concorrendo para o adiantamento dos mais fracos, guiando-os e os protegendo por um sentimento de simpatia e de solidariedade, cujo desenvolvimento é felizmente apresentado no livro A Gênese e em todas as obras do Sr. Allan Kardec.

O Sr. Herrenschneider não fala na ação recíproca de uns seres sobre os outros, senão do triste ponto de vista da ação maléfica e do progresso necessário, que resulta do mal na Natureza. Sobre este ponto, ele bem compreendeu que o mal é apenas relativo, e que é uma das condições do progresso. Esta parte de seu trabalho é bem desenvolvida.

Criados, diz ele, na extrema fraqueza, na extrema preguiça e devendo ser os meios do nosso próprio fim, nós somos obrigados a chegar à perfeição e ao poder, à felicidade e à liberdade por nossos próprios esforços; nosso destino é ser em tudo e por toda parte os filhos de nossas obras; é criar-nos a nossa unidade, a nossa personalidade, a nossa originalidade, assim como a nossa felicidade.

“Eis, em minha opinião, quais são os desígnios de Deus a nosso respeito. Mas, para consegui-lo, evidentemente o Criador não nos pode abandonar a nós mesmos, porque, criados nesse estado ínfimo e molecular, estamos naturalmente mergulhados num profundo entorpecimento; aí teríamos mesmo ficado perpetuamente, e jamais teríamos dado um passo à frente se, para nos despertar, para tornar sensível a nossa substância inerte, e para ativar a nossa força privada de iniciativa, Deus não nos tivesse submetido a um sistema de coerção, que nos prende à nossa origem, jamais nos deixa e nos força a desenvolver esforços para satisfazer às necessidades e aos instintos morais, intelectuais e materiais dos quais ele nos tomou escravos, por força do sistema de encarnação que dispôs para esse fim.”

Indo mais longe que os estóicos, que pretendiam que a dor não existia e que não passava de uma palavra, vê-se que os espíritas chegam a pronunciar a estranha fórmula que o próprio mal é um bem, no sentido que a ele conduz fatalmente, necessariamente.

Sobre tudo o que precede, fazemos ao autor a crítica de haver esquecido que a mais estreita solidariedade liga todos os seres, e que os melhores de todos são aqueles que, tendo compreendido melhor esse princípio, o colocam em ação incessantemente, de tal modo que todos os seres na Natureza concorrem para o objetivo geral e para o progresso uns dos outros: uns sem o saber e sob o impulso de seus guias espirituais; outros compreendendo o seu dever de elevar e de instruir os que os cercam ou que deles dependem e se ajudando com o concurso dos mais adiantados que eles próprios. Hoje todo mundo compreende que os pais devem aos seus filhos uma educação conveniente, e que aqueles que são felizes, instruídos e adiantados devem ajudar os pobres, os sofredores e os ignorantes.

Em consequência, deve-se compreender a utilidade da prece, que nos põe em relação com os Espíritos que podem guiar-nos. Não nos acontece pedir aos que vivem como nós, que são nossos superiores ou nossos iguais, e nossa vida pode se passar sem este perpétuo apelo que fazemos à ajuda dos outros? Não é, pois, admirável que, entendendo-nos, os que já não vivem sejam igualmente sensíveis às nossas preces, na medida do que podem fazer, como, aliás, o teriam feito em vida. Por vezes damos a quem não pediu, mas damos sobretudo aos que pedem. Batei, e abrir-se-vos-á; pedi, e se for possível, sereis atendidos.

Não creiais que tudo vos seja devido e que devais esperar os benefícios sem pedi-los e sem merecê-los; não creiais que tudo chegue fatalmente e necessariamente, mas, ao contrário, refleti que estais no meio de seres livres e voluntários, tão numerosos quanto a areia do mar, e que a sua ação pode juntar-se à vossa, a vosso pedido e segundo a sua simpatia, que é preciso saber merecer.

Orar é um meio de agir sobre os outros e sobre si mesmo, mas não é este o momento de desenvolver tão importante assunto. Digamos apenas que a prece não vale senão quando acompanha o esforço ou o trabalho, e nada pode sem ele, ao passo que o trabalho e os esforços generosos podem muito bem substituir a prece. É sobretudo entre os espíritas que se admite este velho refrão: “Trabalhar é orar.”

A parte mais interessante do livro do Sr. Herrenschneider é aquela onde ele faz o que se poderia chamar a psicologia da alma, concebida de tal forma que os espíritas a compreendem, e sob este ponto de vista, seu trabalho é novo e dos mais curiosos.

O autor determina claramente os fenômenos que dependem do perispírito, e como ele mantém à disposição do espírito a soma inteira de seus progressos anteriores, conservando o traço dos esforços e dos progressos novos tentados e realizados pelo ser, seja em que momento for.

Conforme esses dados, a natureza da alma ou perispírito deve ser considerada como um tesouro adquirido, conservado em nós e encerrando tudo o que concerne ao nosso ser na ordem moral, intelectual e prática.

Evitaremos servir-nos dos termos adotados pelo autor que, para exprimir que a alma pode agir, quer pelo efeito de seu tesouro adquirido ou natureza íntima (perispírito), quer por um esforço novo ou ação voluntária, se serve da expressão dualidade da alma, embora fazendo notar que a alma é una. Aí está uma expressão infeliz, que não exprime o verdadeiro pensamento do autor e que poderia prestar-se à confusão para um espírito pouco atento.

O Sr. Herrenschneider crê na unidade da alma, como os espíritas; como esses, ele admite a existência do perispírito, o que lhe permite fazer uma fina crítica da psicologia dos espiritualistas que estuda mais especialmente segundo as obras do Sr. Cousin.

Partindo do mesmo ponto que Sócrates e Descartes: o conhecimento de si mesmo, o autor estabelece o fato primordial de onde resultam todos os conhecimentos, isto é, a afirmação de nós mesmos, feita cada vez que empregamos a palavra eu; a afirmação do eu é, pois, a verdadeira base da psicologia. Ora, há várias manifestações desse eu que se apresentam à nossa observação, sem que uma tenha qualquer prioridade sobre as outras e sem que se engendrem reciprocamente: Eu me sinto, eu me sei, eu tenho consciência de minha individualidade, eu tenho o desejo de ser satisfeito. Estes dois últimos fatos de consciência são evidentes e claros por si mesmos; eles constituem o princípio da unidade do ser e o de nossa causa final ou destino, a saber: ser feliz.

Para se sentir e para se saber, é preciso notar que se tem perfeita consciência de se sentir sem ter necessidade de fazer qualquer esforço; ao contrário, a percepção do sentir é um ato que resulta de um esforço da mesma ordem que a atenção; a partir do momento que eu não faço mais esforço, não penso mais nem presto atenção, e então sinto todas as coisas exteriores que me causam impressão, até o momento em que uma delas me fere bastante vivamente para que eu a examine, a ela dedicando a minha atenção. Assim, eu posso pensar ou sentir, ser impressionado ou perceber, e julgar minha impressão quando eu quiser.

Há aí duas ordens psicológicas diferentes, heterogêneas, uma das quais é passiva e se caracteriza pela sensibilidade e pela permanência: é o sentir; e a outra é ativa, e se distingue pelo esforço da atenção e por sua intermitência: é o pensamento voluntário.

É a partir dessa observação que o autor chega a concluir pela existência do perispírito, por uma série e deduções muito interessantes, mas muito longas para relatar aqui.

Para o Sr. Herrenschneider, o perispírito, ou substância da alma, é uma matéria simples, incorruptível, inerte, extensa, sólida e sensível; é o princípio potencial que, por sua sutileza, recebe todas as impressões, assimila-as, conserva-as e se transforma, sob essa ação incessante, de maneira a encerrar toda a nossa natureza moral, intelectual e prática.

A força da alma é de ordem virtual, espiritual, ativa, voluntária e refletida; é o princípio de nossa atividade. Por toda parte onde se encontre o nosso perispírito, encontra-se igualmente a nossa força. Do perispírito ou do tesouro adquirido de nossa natureza dependem a nossa sensibilidade, as nossas sensações, os nossos sentimentos, a nossa memória, a nossa imaginação, as nossas ideias, o nosso bomsenso, a nossa espontaneidade, a nossa natureza moral e os nossos princípios de honra, assim como os sonhos, as paixões e a própria loucura.

De nossa força derivam, como qualidades virtuais, a atenção, a percepção, a razão, a lembrança, a fantasia, o humor, o pensamento, a razão, a reflexão, a vontade, a virtude, a consciência e a vigilância, assim como o sonambulismo, a exaltação e a monomania.

Levando-se em conta que estas qualidades podem substituir-se uma à outra, sem se excluírem, e também que os mesmos órgãos devem ser empregados tanto para a percepção quanto para a sensação, que se equivalem, pelo sentimento quanto pela razão etc., daí resulta que cada Espírito raramente se serve das duas ordens de suas faculdades com a mesma facilidade. Desta observação resulta para o autor que os indivíduos que funcionam mais facilmente, em virtude das faculdades ditas potenciais, terão estas mais desenvolvidas que os outros, e delas se servirão mais à vontade, e reciprocamente.

Deste ponto de vista e de uma observação relativa à mais ou menos grande força virtual de certas coletividades de indivíduos, geralmente agrupados sob um mesmo nome de raça, o autor chega à conclusão que existem Espíritos que se podem chamar Espíritos franceses, ingleses, italianos, chineses ou negros etc.

A despeito das dificuldades de explicação que resultariam de uma tal ordem de ideias, há que convir que os estudos muito esmerados feitos pelo Sr. Herrenschneider sobre os diversos povos são muito notáveis e, em todo caso, muito interessantes; mas desejaríamos que o autor tivesse indicado seu pensamento mais claramente, e que evidentemente é o seguinte: Os Espíritos se agrupam, em geral, segundo as suas afinidades; é o que faz que Espíritos da mesma ordem e do mesmo grau de elevação tendam a encarnar-se num mesmo ponto do globo, e daí resulta esse caráter nacional, fenômeno em aparência tão singular. Diremos, pois, que não há Espíritos franceses ou ingleses, mas que há Espíritos cujo estado, hábitos, tradições impelem uns a se encarnarem na França, outros na Inglaterra, como os vemos, durante a sua vida, agrupar-se segundo as suas simpatias, seu valor moral e seus caracteres. Quanto ao progresso individual, depende sempre da vontade, e não do valor já adquirido do perispírito que não serve, por assim dizer, senão como um ponto de partida destinado a permitir uma nova elevação do Espírito, novas conquistas e novos progressos.

Deixamos de lado a parte do livro que trata da ordem social e da necessidade de uma religião imposta, porque o autor, ainda imbuído dos princípios de autoridade que ele adquiriu no sansimonismo, afasta-se muito, neste ponto, dos princípios de tolerância absoluta, que o Espiritismo se gloria de professar. Achamos justo ensinar, mas temeríamos uma doutrina imposta e necessária, porque, se fosse excelente para a geração atual, forçosamente tornar-se-ia um entrave para as gerações seguintes, quando estas tivessem progredido.

O Sr. Herrenschneider não compreende que a moral possa ser independente da religião. Em nossa opinião, a questão está mal posta, e cada um a discute justamente do ponto de vista em que tem razão. Os moralistas independentes estão certos quando dizem que a moral é independente dos dogmas religiosos, no sentido que, sem crer em nenhum dos dogmas existentes, muitos dos antigos foram moralizados, e entre os modernos há, e muitos, que têm o direito de gabar-se de o ser. Mas o que é certo é que a moral, e sobretudo a sua aplicação prática, é sempre dependente de nossas crenças individuais, sejam quais forem. Ora, ainda que fosse das mais filosóficas, uma crença constitui a religião daquele que a possui.

Isto se demonstra facilmente pelos fatos diários da existência, e os moralistas, que se dizem independentes, têm, eles próprios, como crença, que é preciso respeitar a si mesmo e aos outros, desenvolvendo o mais possível, em si e nos outros, os elementos do progresso. Sua moral dependerá, pois, de sua crença; suas ações forçosamente dela ressentir-se-ão, e essa moral não será independente senão das religiões, das crenças e dos dogmas nos quais eles não acreditam, o que achamos muito justo e racional, mas também muito elementar.

O que se pode dizer é que, no estado atual da nossa Sociedade, há princípios de moral que estão de acordo com todas as crenças individuais, sejam quais forem, porque os indivíduos modificaram crenças religiosas sobre certos pontos, em virtude dos progressos científicos e morais dos quais os nossos antepassados fizeram a feliz conquista.

Terminaremos dizendo que o autor é, sob muitos pontos, discípulo de Jean Reynaud. Seu livro é o resumo de estudos e pensamentos sérios expressos claramente e com força. Ele é feito com um cuidado digno de louvor, e esse cuidado vai até a minúcia nos detalhes materiais da impressão, o que tem sua grande importância para a clareza de um livro tão sério.

Malgrado o desacordo profundo que nos separa do Sr. Herrenschneider, tanto a respeito de sua maneira de ver para impor a religião, quanto sobre suas ideias relativas à autoridade, à família, que ele esqueceu muito, assim como quanto à prece, à solidariedade benevolente dos Espíritos, que ele não soube apreciar, etc., ideias que o próprio Jean Reynaud já havia desaprovado, é impossível não ser tocado pelo mérito da obra e pelo valor do homem que soube achar pensamentos fortes, muitas vezes justos e sempre claramente expressos.

O Espiritismo aí é claramente dado como verdadeiro, pelo menos nos seus princípios fundamentais, e levado em consideração nos elementos da ciência filosófica; há, contudo, no ponto de partida, uma diferença: O autor chega ao resultado por indução, ao passo que o Espiritismo, procedendo por via experimental, fundamentou sua teoria na observação dos fatos. É um escritor muito sério, o que lhe dá o direito de confiabilidade.

EMILE BARRAULT, engenheiro.

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* 1 vol. in-12; 600 páginas. Preço 5 francos; pelo correio, 5,75 francos. Dentu, Palais-Royal.






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